Cicero Alves dos Santos (Nossa Senhora da Glória, SE, 12 de maio de 1947), mais conhecido como Véio, é um escultor brasileiro, sendo um dos nomes de maior destaque na arte popular brasileira.
Biografia Itaú - Cultural
Ganha de outras crianças o apelido de Véio por gostar de ouvir as conversas dos mais velhos. O fascínio por casos e lendas da cultura sertaneja acompanha o artista por toda a vida. Essas histórias compõem a base de seu trabalho e de sua relação com o mundo. No município vizinho de Feira Nova (Sergipe), no Sítio Soarte, cria o Museu do Sertão, reunindo um acervo de 17 mil obras que recontam os modos de vida e produção do sertanejo e preservam a cultura popular da região.
“Não sou de copiar, como papagaio”, afirma Véio, que nunca estudou arte, tampouco tem mestres, mas sempre se dedicou a ela com afinco. Ainda menino, nos intervalos do trabalho na roça, molda com cera de abelha pequenas figuras. Por considerar a atividade como “brincar de boneca”, desmancha as esculturas quando se aproxima um adulto. Com o tempo, abandona a cera e adota a madeira como matéria-prima. Mas não derruba árvores para obtê-la. Pelo contrário: seu instinto preservacionista leva-o a adquirir o último trecho de mata virgem da região. “Dou vida ao que já está morto”, diz.
Com forte impulso criativo, dedica-se exclusivamente às suas esculturas, decisão recebida com estranheza pela família e por conhecidos. Opta pela vida austera e orgulha-se de nunca trabalhar para outrem e recusar-se a vender suas obras quando julga que o comprador não a valoriza. Em outras palavras, jamais compromete sua arte para garantir a sobrevivência, nem considera seu trabalho artístico como mero meio de vida.
O escultor é um dos escolhidos pelo Prêmio Itaú Cultural 30 Anos, realizado em 2017, para destacar artistas que impactam o cenário cultural brasileiro nas últimas décadas. Com um método de trabalho claro e fértil, separa suas obras em dois grupos. “As peças maiores, coloridas, são vistosas, falam alto. São visíveis a distância, criam clareiras ao seu redor, mesmo quando atulhadas, como acontece em seu depósito, oficina e museu. Já as menores, que preservam a textura da madeira crua, são discretas, falam baixo”, sintetizam Carlos Augusto Calil (1951) e Agnaldo Farias (1955), curadores da retrospectiva do artista realizada em 2018 no Itaú Cultural.
Os trabalhos de maior dimensão são produzidos a partir de "troncos abertos”, como Véio chama os pedaços de madeira cujos ângulos e formas lhe sugerem o caminho a seguir. A eles agrega cores industriais, vibrantes e intensas, que dão coerência às esculturas e, segundo o crítico Rodrigo Naves (1955), geram um “efeito pop”. Essas figuras antropomórficas, que brotam do imaginário do artista ao entrar em contato com a peça a ser entalhada, dificilmente podem ser reduzidas à arte popular.
Segundo o crítico Ronaldo Brito (1949), as obras de Véio fogem do virtuosismo mimético característico desse tipo de produção para aproximar-se de questões próprias à arte moderna e contemporânea. Além da contenção do gesto e das cores impactantes, esses trabalhos questionam a própria noção de espaço da arte. Véio distribui suas estranhas figuras pelo sítio, como se fossem habitantes do local e refere-se a elas como portadoras de história e vida. Mas a aparência dessas esculturas transmuta-se facilmente, dependendo do local e da posição em que se encontram. “Deitada, estava pedindo socorro; em pé, ela quis me abraçar”, detalha o artista ao falar das sensações que a madeira de origem lhe transmite e que, de certa forma, são preservadas na peça final.
No segundo grupo, encontram-se os entalhes das "madeiras fechadas”, como Véio chama os troncos menos sugestivos, mais retos e aptos a entalhes mais imaginativos, detalhados e próximos do mundo real. Essas obras apresentam dimensões menores, algumas vezes do tamanho de uma cabeça de palito de fósforo. A diferença de tamanho, entretanto, não parece importante para o artista: as pequenas peças também pertencem ao mundo da narrativa e são como anedotas contadas por pelo artista.
O que eu quero “é mostrar para os amantes da arte que ela não é medida nem pelo tamanho nem pelo peso”. O que importa é “seu sentimento, sua forma de expressão”. Alguns temas são recorrentes: cenas domésticas, com mães e seus filhos, a labuta dos artesãos e do homem do campo, o descaso com a cultura e a solidão impotente dos índios.
Véio também se abre para a torrente de mitos, lendas da cultura nordestina e encanta o público com sua mescla de fantasia e destreza. Na série Os Cão do Meu Inferno, retrata seres endiabrados em intenso tom de negro. Também retrata palhaços e recria as narrativas e o imaginário do povo iletrado, que escuta embevecido desde menino.
Fonte: VÉIO . In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2020. Disponível em: Itaú Cultural. Acesso em: 10 de Jun. 2020. Verbete da Enciclopédia. ISBN: 978-85-7979-060-7
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Biografia - Galeria Estação
Um artista transforma os galhos secos da caatinga de Sergipe em obras de arte, que já cruzaram o oceano.
Os passos de todos os dias, no mesmo caminho para o lugar de sempre. Cícero Alves dos Santos é um sertanejo de 72 anos que olha pra caatinga com a alma. E é no meio da caatinga que Cícero busca a matéria-prima para a arte que simboliza a força da região.
“Pra mim tudo é arte”, diz.
É talhada com firmeza, mas sem uma forma definida e vai surgindo com muito de inspiração.
Cícero é mais conhecido como “Véio”, um apelido que ganhou ainda na infância. É um traço da curiosidade do menino que só queria aprender com os mais velhos. “Na minha infância, eu convivia muito com o pessoal idoso. E os amigos diziam: ‘parece um velhinho no meio dos outros ’. Então, com cinco, seis anos, eu já era ‘Véio’”, conta o agricultor e escultor.
E foi ainda menino que aprendeu sozinho a esculpir a caatinga. As obras vão formando uma galeria a céu aberto, que é um orgulho da cidade de Nossa Senhora da Glória.
Dos galhos e troncos retorcidos surgem diferente peças, cada uma com uma história para contar, mas todas com a mesma essência: a força do sertanejo.
“Apesar de não ter tanta água, nós temos a coragem de sobreviver numa terra tão boa que envolve esse Sergipe todo. Pra mim, é o melhor estado do nosso país”, diz Cícero.
As esculturas atravessaram o oceano. França, Suíça, Alemanha e Portugal têm apenas um pedacinho de Sergipe, porque a maior parte mesmo nunca saiu daqui.
“O meu lugar no mundo é eu conviver com a natureza com as arvores, onde tenho minha inspiração e elas me orientam como devo proceder. A caatinga, isso aqui, é o meu lugar”, conta o artista.
Fonte: Galeria Estação, consultado pela última vez em 10 de junho de 2020.
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Artista sergipano Véio traz demônios do sertão para São Paulo
Exposição no Itaú Cultural contextualiza e mostra vida e imaginação de Véio em mais de 250 obras.
"Véio – A Imaginação da Madeira" faz um passeio por vários temas trabalhados por Cícero Alves dos Santos em seus 70 anos de vida. Dividida em três andares – e três temáticas principais, o assombro, a nação lascada e o Museu do Sertão – a mostra conta com cerca de 250 peças das mais de 17 mil que Véio produziu ao longo de sua vida.
O artista sergipano recorda ter começado a brincar com formas aos 6 anos. Na época, construía a partir da sua imaginação, utilizando cera de abelha. Sua família, porém, não via essa atividade com bons olhos. “Achavam que estava brincando de boneca, e aquilo não era permitido”, diz Véio ao Estado.
. “Meus pais achavam que estava seguindo por um lado feminino.” Impedido pela família, Véio continuou por muito tempo brincando escondido com a cera. “Fazia as obras, mas quando via alguém chegando, desmanchava.”
O artista acredita que, por isso, desenvolveu um tipo de trauma, que serviu, porém, para estimular a construção de seu gigantesco acervo pessoal, que nunca foi movido, ele reforça, por motivos comerciais ou capitalistas. “Por muito tempo pensei que nunca teria a minha coleção.” A família, ainda hoje, ele relata, não aceita sua arte. “Admiram o meu nome, pelo degrau que alcancei. O destaque é o artista, mas não a arte.”
Véio ganhou o apelido ainda criança, por estar sempre na companhia de pessoas mais velhas, a quem dava atenção e ouvia suas histórias. Preocupado em conservá-las, criou em seu sítio, em Feira Nova (SE), o Museu do Sertão, que é lembrado em um dos andares da exposição, a única documental. Lá, as próprias obras se misturam com objetos adquiridos na região ao longo do tempo – peças comuns, mas que representam a história do homem sertanejo. “O sertão é praticamente esquecido, só é lembrado em períodos eleitorais”, analisa o artista. “O sertanejo deveria ter mais oportunidade, de crescer e de valorizar sua própria cultura.”
Não por acaso, outra seção da mostra tem o nome de “nação lascada”, um duplo sentido para falar da situação do sertão e também da matéria-prima, a madeira morta. “A primeira impressão é que algumas dessas obras são descritivas, mas não são”, explica Carlos Augusto Calil, que assina a curadoria com Agnaldo Farias. “Não é artesanato. As peças comentam, transcendem.” Algumas obras são minúsculas, em milímetros. Na mostra, quatro são feitas num palito de fósforo. “A arte não é pelo tamanho, é pela arte em si”, opina Véio. “A obra pequena faz você se aproximar dela, abrir os olhos.”
Ainda neste andar, estão presentes vários “cães”, como denomina o artista – estes sim demônios mais literais que metafóricos. “Um corredor de demônios e da morte, a forma como Véio lida com eles”, esclarece Calil. As obras se relacionam também com a do terceiro nicho, o “assombro”. “São peças que causam a sensação de estranhamento e fascínio, que falam alto”, descreve o curador.
Em suas obras de maior tamanho, Véio se aproveita das formas da natureza. “Vejo as curvas e os galhos tortos. A natureza já fez, cabe a você aperfeiçoar”, diz o artista. “Ele é um conservador no melhor sentido da palavra, ele retém. Possui um olhar extraordinário, vê a peça de madeira como a gente não vê”, explica Calil sobre o nome da exposição.
Os curadores buscaram peças não só da casa de Véio, como de colecionadores por todo o Brasil. “Eles emprestam com a maior alegria, têm orgulho”, conta Calil, que acompanha o trabalho de Véio já há alguns anos. “As pessoas já perceberam que Véio é um dos grandes. Ele ainda carece de reconhecimento, mas acho que essa exposição é de consagração.”
Fonte: Estadão, por Pedro Rocha, publicado em 14 de março de 2018.
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Agricultor de Sergipe cria obras que mostram a força do Sertão
O artista Cícero Alves dos Santos transforma os galhos secos da caatinga de Sergipe em obras de arte, que já cruzaram o oceano
Os passos de todos os dias, no mesmo caminho para o lugar de sempre. Cícero Alves dos Santos é um sertanejo de 72 anos que olha pra caatinga com a alma. E é no meio da caatinga que Cícero busca a matéria-prima para a arte que simboliza a força da região.
“Pra mim tudo é arte”, diz.
É talhada com firmeza, mas sem uma forma definida e vai surgindo com muito de inspiração.
Cícero é mais conhecido como “Véio”, um apelido que ganhou ainda na infância. É um traço da curiosidade do menino que só queria aprender com os mais velhos. “Na minha infância, eu convivia muito com o pessoal idoso. E os amigos diziam: ‘parece um velhinho no meio dos outros ’. Então, com cinco, seis anos, eu já era ‘Véio’”, conta o agricultor e escultor.
E foi ainda menino que aprendeu sozinho a esculpir a caatinga. As obras vão formando uma galeria a céu aberto, que é um orgulho da cidade de Nossa Senhora da Glória.
Dos galhos e troncos retorcidos surgem diferente peças, cada uma com uma história para contar, mas todas com a mesma essência: a força do sertanejo.
“Apesar de não ter tanta água, nós temos a coragem de sobreviver numa terra tão boa que envolve esse Sergipe todo. Pra mim, é o melhor estado do nosso país”, diz Cícero.
As esculturas atravessaram o oceano. França, Suíça, Alemanha e Portugal têm apenas um pedacinho de Sergipe, porque a maior parte mesmo nunca saiu daqui.
“O meu lugar no mundo é eu conviver com a natureza com as arvores, onde tenho minha inspiração e elas me orientam como devo proceder. A caatinga, isso aqui, é o meu lugar”, conta o artista.
Fonte: Jornal Nacional, 26 de outubro de 2019.
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Véio
Cícero Alves dos Santos, o Véio, é um artista sergipano que utiliza a madeira para representar o seu olhar inusitado sobre o homem e a vida no sertão nordestino. Nascido no município de Nossa Senhora da Glória em 12 de maio de 1947, o artista recebeu o apelido de Véio, por que desde criança gostava de ficar junto aos mais velhos escutando suas conversas. Hoje, Véio é um nome dos mais destacados na arte popular brasileira, tendo participado de importantes exposições no Brasil e no exterior. Suas obras ainda fazem partem do acervo de muitas galerias dedicadas à arte popular, assim como de muitas coleções particulares.
Véio começou a expressar sua admiração pelo sertão nordestino utilizando a cera de abelha, mas logo que “descobriu” a madeira, deixou a cera de lado e começou a expressar sua visão do sertão através da escultura em madeira: Eu comecei bem criança. Aos 5 anos, já fazia coisinhas com cera de abelha, que parece uma massa de modelar, mas, com o progresso chegando, as abelhas manduri foram embora. Depois tentei o barro. Não achei que era bom, porque tem que levar no fogo e aí deixa de ser barro. Então tentei a madeira. Aqui tem muita. A gente vai pegar nos loteamentos que abrem, nas derrubadas que fazem por aí, conta Véio. O Sítio Soarte, Museu do Sertão, criado por ele ao lado de sua casa, recria a vida do sertanejo e traz para os visitantes, esse universo do sertão nordestino através de obras como, a Casa de Farinha, a Casa de Profissões, a Igreja e o Sítio Caduco. O Soarte se localiza na BR 206, entre os municípios sergipanos de Nossa Senhora da Glória e Feira Nova, na altura do Km 8. Quem passar pelo lugar vai se deparar com um cenário curioso, formado por esculturas em madeira bruta que representam manifestações socioculturais criadas pelo olhar de Véio. São peças grandes, médias, pequenas e minúsculas. São noivas, grávidas, seres imaginários, chapéus de couro, utensílios domésticos, máquinas rústicas, roupas e acessórios que fazem parte da vida do sertanejo. Autodidata, Véio conta que a inspiração para sua obra foi dada por Deus: Quando a inspiração chega, posso criar qualquer coisa que esteja na mente do povo, desde a Marquês de Sapucaí às lendas e realidades do homem sertanejo. Vou em busca do material e deixo a imaginação tomar conta, pois temos muita riqueza a nível de história e cultura, conta o artista. Em suas obras, o artista tenta fazer uma espécie de alusão ao ciclo da vida: Digo que as peças novas trazem o valor da juventude e as velhas, já frágeis, que vão se destruindo pela ação da natureza, trazem a parte final da vida, explica Véio. Assim, suas peças, expostas a sol e chuva, têm vida curta, adoecem, envelhecem e morrem.
Além do seu museu particular, Véio tem peças espalhadas em vários lugares do mundo e do Brasil. No Brasil, suas obras podem ser encontradas no Memorial de Sergipe e no Museu da Gente Sergipana (Aracaju, SE). no Museu do Folclore Edison Carneiro (Rio de Janeiro, RJ), na Galeria Estação (São Paulo, SP), Museu do Homem do Nordeste (Recife, PE), na Galeria Pé-de-boi (Rio de Janeiro, RJ), entre outros. Além de livros de arte, a obra de Véio já foi retratada em cinco documentários. São eles: “Véio - Tradição e Comtemporaneidade”, “Nação Lascada de Véio”, “A Glória do Sertão”, “Véio – O filme”, “O Universo Simbólico de Véio” e a “Cavalhada de Poço Redondo”.
Fonte e crédito fotográfico: Arte popular Brasil, publicado em novembro de 2012.
Cicero Alves dos Santos (Nossa Senhora da Glória, SE, 12 de maio de 1947), mais conhecido como Véio, é um escultor brasileiro, sendo um dos nomes de maior destaque na arte popular brasileira.
Biografia Itaú - Cultural
Ganha de outras crianças o apelido de Véio por gostar de ouvir as conversas dos mais velhos. O fascínio por casos e lendas da cultura sertaneja acompanha o artista por toda a vida. Essas histórias compõem a base de seu trabalho e de sua relação com o mundo. No município vizinho de Feira Nova (Sergipe), no Sítio Soarte, cria o Museu do Sertão, reunindo um acervo de 17 mil obras que recontam os modos de vida e produção do sertanejo e preservam a cultura popular da região.
“Não sou de copiar, como papagaio”, afirma Véio, que nunca estudou arte, tampouco tem mestres, mas sempre se dedicou a ela com afinco. Ainda menino, nos intervalos do trabalho na roça, molda com cera de abelha pequenas figuras. Por considerar a atividade como “brincar de boneca”, desmancha as esculturas quando se aproxima um adulto. Com o tempo, abandona a cera e adota a madeira como matéria-prima. Mas não derruba árvores para obtê-la. Pelo contrário: seu instinto preservacionista leva-o a adquirir o último trecho de mata virgem da região. “Dou vida ao que já está morto”, diz.
Com forte impulso criativo, dedica-se exclusivamente às suas esculturas, decisão recebida com estranheza pela família e por conhecidos. Opta pela vida austera e orgulha-se de nunca trabalhar para outrem e recusar-se a vender suas obras quando julga que o comprador não a valoriza. Em outras palavras, jamais compromete sua arte para garantir a sobrevivência, nem considera seu trabalho artístico como mero meio de vida.
O escultor é um dos escolhidos pelo Prêmio Itaú Cultural 30 Anos, realizado em 2017, para destacar artistas que impactam o cenário cultural brasileiro nas últimas décadas. Com um método de trabalho claro e fértil, separa suas obras em dois grupos. “As peças maiores, coloridas, são vistosas, falam alto. São visíveis a distância, criam clareiras ao seu redor, mesmo quando atulhadas, como acontece em seu depósito, oficina e museu. Já as menores, que preservam a textura da madeira crua, são discretas, falam baixo”, sintetizam Carlos Augusto Calil (1951) e Agnaldo Farias (1955), curadores da retrospectiva do artista realizada em 2018 no Itaú Cultural.
Os trabalhos de maior dimensão são produzidos a partir de "troncos abertos”, como Véio chama os pedaços de madeira cujos ângulos e formas lhe sugerem o caminho a seguir. A eles agrega cores industriais, vibrantes e intensas, que dão coerência às esculturas e, segundo o crítico Rodrigo Naves (1955), geram um “efeito pop”. Essas figuras antropomórficas, que brotam do imaginário do artista ao entrar em contato com a peça a ser entalhada, dificilmente podem ser reduzidas à arte popular.
Segundo o crítico Ronaldo Brito (1949), as obras de Véio fogem do virtuosismo mimético característico desse tipo de produção para aproximar-se de questões próprias à arte moderna e contemporânea. Além da contenção do gesto e das cores impactantes, esses trabalhos questionam a própria noção de espaço da arte. Véio distribui suas estranhas figuras pelo sítio, como se fossem habitantes do local e refere-se a elas como portadoras de história e vida. Mas a aparência dessas esculturas transmuta-se facilmente, dependendo do local e da posição em que se encontram. “Deitada, estava pedindo socorro; em pé, ela quis me abraçar”, detalha o artista ao falar das sensações que a madeira de origem lhe transmite e que, de certa forma, são preservadas na peça final.
No segundo grupo, encontram-se os entalhes das "madeiras fechadas”, como Véio chama os troncos menos sugestivos, mais retos e aptos a entalhes mais imaginativos, detalhados e próximos do mundo real. Essas obras apresentam dimensões menores, algumas vezes do tamanho de uma cabeça de palito de fósforo. A diferença de tamanho, entretanto, não parece importante para o artista: as pequenas peças também pertencem ao mundo da narrativa e são como anedotas contadas por pelo artista.
O que eu quero “é mostrar para os amantes da arte que ela não é medida nem pelo tamanho nem pelo peso”. O que importa é “seu sentimento, sua forma de expressão”. Alguns temas são recorrentes: cenas domésticas, com mães e seus filhos, a labuta dos artesãos e do homem do campo, o descaso com a cultura e a solidão impotente dos índios.
Véio também se abre para a torrente de mitos, lendas da cultura nordestina e encanta o público com sua mescla de fantasia e destreza. Na série Os Cão do Meu Inferno, retrata seres endiabrados em intenso tom de negro. Também retrata palhaços e recria as narrativas e o imaginário do povo iletrado, que escuta embevecido desde menino.
Fonte: VÉIO . In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2020. Disponível em: Itaú Cultural. Acesso em: 10 de Jun. 2020. Verbete da Enciclopédia. ISBN: 978-85-7979-060-7
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Biografia - Galeria Estação
Um artista transforma os galhos secos da caatinga de Sergipe em obras de arte, que já cruzaram o oceano.
Os passos de todos os dias, no mesmo caminho para o lugar de sempre. Cícero Alves dos Santos é um sertanejo de 72 anos que olha pra caatinga com a alma. E é no meio da caatinga que Cícero busca a matéria-prima para a arte que simboliza a força da região.
“Pra mim tudo é arte”, diz.
É talhada com firmeza, mas sem uma forma definida e vai surgindo com muito de inspiração.
Cícero é mais conhecido como “Véio”, um apelido que ganhou ainda na infância. É um traço da curiosidade do menino que só queria aprender com os mais velhos. “Na minha infância, eu convivia muito com o pessoal idoso. E os amigos diziam: ‘parece um velhinho no meio dos outros ’. Então, com cinco, seis anos, eu já era ‘Véio’”, conta o agricultor e escultor.
E foi ainda menino que aprendeu sozinho a esculpir a caatinga. As obras vão formando uma galeria a céu aberto, que é um orgulho da cidade de Nossa Senhora da Glória.
Dos galhos e troncos retorcidos surgem diferente peças, cada uma com uma história para contar, mas todas com a mesma essência: a força do sertanejo.
“Apesar de não ter tanta água, nós temos a coragem de sobreviver numa terra tão boa que envolve esse Sergipe todo. Pra mim, é o melhor estado do nosso país”, diz Cícero.
As esculturas atravessaram o oceano. França, Suíça, Alemanha e Portugal têm apenas um pedacinho de Sergipe, porque a maior parte mesmo nunca saiu daqui.
“O meu lugar no mundo é eu conviver com a natureza com as arvores, onde tenho minha inspiração e elas me orientam como devo proceder. A caatinga, isso aqui, é o meu lugar”, conta o artista.
Fonte: Galeria Estação, consultado pela última vez em 10 de junho de 2020.
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Artista sergipano Véio traz demônios do sertão para São Paulo
Exposição no Itaú Cultural contextualiza e mostra vida e imaginação de Véio em mais de 250 obras.
"Véio – A Imaginação da Madeira" faz um passeio por vários temas trabalhados por Cícero Alves dos Santos em seus 70 anos de vida. Dividida em três andares – e três temáticas principais, o assombro, a nação lascada e o Museu do Sertão – a mostra conta com cerca de 250 peças das mais de 17 mil que Véio produziu ao longo de sua vida.
O artista sergipano recorda ter começado a brincar com formas aos 6 anos. Na época, construía a partir da sua imaginação, utilizando cera de abelha. Sua família, porém, não via essa atividade com bons olhos. “Achavam que estava brincando de boneca, e aquilo não era permitido”, diz Véio ao Estado.
. “Meus pais achavam que estava seguindo por um lado feminino.” Impedido pela família, Véio continuou por muito tempo brincando escondido com a cera. “Fazia as obras, mas quando via alguém chegando, desmanchava.”
O artista acredita que, por isso, desenvolveu um tipo de trauma, que serviu, porém, para estimular a construção de seu gigantesco acervo pessoal, que nunca foi movido, ele reforça, por motivos comerciais ou capitalistas. “Por muito tempo pensei que nunca teria a minha coleção.” A família, ainda hoje, ele relata, não aceita sua arte. “Admiram o meu nome, pelo degrau que alcancei. O destaque é o artista, mas não a arte.”
Véio ganhou o apelido ainda criança, por estar sempre na companhia de pessoas mais velhas, a quem dava atenção e ouvia suas histórias. Preocupado em conservá-las, criou em seu sítio, em Feira Nova (SE), o Museu do Sertão, que é lembrado em um dos andares da exposição, a única documental. Lá, as próprias obras se misturam com objetos adquiridos na região ao longo do tempo – peças comuns, mas que representam a história do homem sertanejo. “O sertão é praticamente esquecido, só é lembrado em períodos eleitorais”, analisa o artista. “O sertanejo deveria ter mais oportunidade, de crescer e de valorizar sua própria cultura.”
Não por acaso, outra seção da mostra tem o nome de “nação lascada”, um duplo sentido para falar da situação do sertão e também da matéria-prima, a madeira morta. “A primeira impressão é que algumas dessas obras são descritivas, mas não são”, explica Carlos Augusto Calil, que assina a curadoria com Agnaldo Farias. “Não é artesanato. As peças comentam, transcendem.” Algumas obras são minúsculas, em milímetros. Na mostra, quatro são feitas num palito de fósforo. “A arte não é pelo tamanho, é pela arte em si”, opina Véio. “A obra pequena faz você se aproximar dela, abrir os olhos.”
Ainda neste andar, estão presentes vários “cães”, como denomina o artista – estes sim demônios mais literais que metafóricos. “Um corredor de demônios e da morte, a forma como Véio lida com eles”, esclarece Calil. As obras se relacionam também com a do terceiro nicho, o “assombro”. “São peças que causam a sensação de estranhamento e fascínio, que falam alto”, descreve o curador.
Em suas obras de maior tamanho, Véio se aproveita das formas da natureza. “Vejo as curvas e os galhos tortos. A natureza já fez, cabe a você aperfeiçoar”, diz o artista. “Ele é um conservador no melhor sentido da palavra, ele retém. Possui um olhar extraordinário, vê a peça de madeira como a gente não vê”, explica Calil sobre o nome da exposição.
Os curadores buscaram peças não só da casa de Véio, como de colecionadores por todo o Brasil. “Eles emprestam com a maior alegria, têm orgulho”, conta Calil, que acompanha o trabalho de Véio já há alguns anos. “As pessoas já perceberam que Véio é um dos grandes. Ele ainda carece de reconhecimento, mas acho que essa exposição é de consagração.”
Fonte: Estadão, por Pedro Rocha, publicado em 14 de março de 2018.
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Agricultor de Sergipe cria obras que mostram a força do Sertão
O artista Cícero Alves dos Santos transforma os galhos secos da caatinga de Sergipe em obras de arte, que já cruzaram o oceano
Os passos de todos os dias, no mesmo caminho para o lugar de sempre. Cícero Alves dos Santos é um sertanejo de 72 anos que olha pra caatinga com a alma. E é no meio da caatinga que Cícero busca a matéria-prima para a arte que simboliza a força da região.
“Pra mim tudo é arte”, diz.
É talhada com firmeza, mas sem uma forma definida e vai surgindo com muito de inspiração.
Cícero é mais conhecido como “Véio”, um apelido que ganhou ainda na infância. É um traço da curiosidade do menino que só queria aprender com os mais velhos. “Na minha infância, eu convivia muito com o pessoal idoso. E os amigos diziam: ‘parece um velhinho no meio dos outros ’. Então, com cinco, seis anos, eu já era ‘Véio’”, conta o agricultor e escultor.
E foi ainda menino que aprendeu sozinho a esculpir a caatinga. As obras vão formando uma galeria a céu aberto, que é um orgulho da cidade de Nossa Senhora da Glória.
Dos galhos e troncos retorcidos surgem diferente peças, cada uma com uma história para contar, mas todas com a mesma essência: a força do sertanejo.
“Apesar de não ter tanta água, nós temos a coragem de sobreviver numa terra tão boa que envolve esse Sergipe todo. Pra mim, é o melhor estado do nosso país”, diz Cícero.
As esculturas atravessaram o oceano. França, Suíça, Alemanha e Portugal têm apenas um pedacinho de Sergipe, porque a maior parte mesmo nunca saiu daqui.
“O meu lugar no mundo é eu conviver com a natureza com as arvores, onde tenho minha inspiração e elas me orientam como devo proceder. A caatinga, isso aqui, é o meu lugar”, conta o artista.
Fonte: Jornal Nacional, 26 de outubro de 2019.
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Véio
Cícero Alves dos Santos, o Véio, é um artista sergipano que utiliza a madeira para representar o seu olhar inusitado sobre o homem e a vida no sertão nordestino. Nascido no município de Nossa Senhora da Glória em 12 de maio de 1947, o artista recebeu o apelido de Véio, por que desde criança gostava de ficar junto aos mais velhos escutando suas conversas. Hoje, Véio é um nome dos mais destacados na arte popular brasileira, tendo participado de importantes exposições no Brasil e no exterior. Suas obras ainda fazem partem do acervo de muitas galerias dedicadas à arte popular, assim como de muitas coleções particulares.
Véio começou a expressar sua admiração pelo sertão nordestino utilizando a cera de abelha, mas logo que “descobriu” a madeira, deixou a cera de lado e começou a expressar sua visão do sertão através da escultura em madeira: Eu comecei bem criança. Aos 5 anos, já fazia coisinhas com cera de abelha, que parece uma massa de modelar, mas, com o progresso chegando, as abelhas manduri foram embora. Depois tentei o barro. Não achei que era bom, porque tem que levar no fogo e aí deixa de ser barro. Então tentei a madeira. Aqui tem muita. A gente vai pegar nos loteamentos que abrem, nas derrubadas que fazem por aí, conta Véio. O Sítio Soarte, Museu do Sertão, criado por ele ao lado de sua casa, recria a vida do sertanejo e traz para os visitantes, esse universo do sertão nordestino através de obras como, a Casa de Farinha, a Casa de Profissões, a Igreja e o Sítio Caduco. O Soarte se localiza na BR 206, entre os municípios sergipanos de Nossa Senhora da Glória e Feira Nova, na altura do Km 8. Quem passar pelo lugar vai se deparar com um cenário curioso, formado por esculturas em madeira bruta que representam manifestações socioculturais criadas pelo olhar de Véio. São peças grandes, médias, pequenas e minúsculas. São noivas, grávidas, seres imaginários, chapéus de couro, utensílios domésticos, máquinas rústicas, roupas e acessórios que fazem parte da vida do sertanejo. Autodidata, Véio conta que a inspiração para sua obra foi dada por Deus: Quando a inspiração chega, posso criar qualquer coisa que esteja na mente do povo, desde a Marquês de Sapucaí às lendas e realidades do homem sertanejo. Vou em busca do material e deixo a imaginação tomar conta, pois temos muita riqueza a nível de história e cultura, conta o artista. Em suas obras, o artista tenta fazer uma espécie de alusão ao ciclo da vida: Digo que as peças novas trazem o valor da juventude e as velhas, já frágeis, que vão se destruindo pela ação da natureza, trazem a parte final da vida, explica Véio. Assim, suas peças, expostas a sol e chuva, têm vida curta, adoecem, envelhecem e morrem.
Além do seu museu particular, Véio tem peças espalhadas em vários lugares do mundo e do Brasil. No Brasil, suas obras podem ser encontradas no Memorial de Sergipe e no Museu da Gente Sergipana (Aracaju, SE). no Museu do Folclore Edison Carneiro (Rio de Janeiro, RJ), na Galeria Estação (São Paulo, SP), Museu do Homem do Nordeste (Recife, PE), na Galeria Pé-de-boi (Rio de Janeiro, RJ), entre outros. Além de livros de arte, a obra de Véio já foi retratada em cinco documentários. São eles: “Véio - Tradição e Comtemporaneidade”, “Nação Lascada de Véio”, “A Glória do Sertão”, “Véio – O filme”, “O Universo Simbólico de Véio” e a “Cavalhada de Poço Redondo”.
Fonte e crédito fotográfico: Arte popular Brasil, publicado em novembro de 2012.
1 artista relacionado
Cicero Alves dos Santos (Nossa Senhora da Glória, SE, 12 de maio de 1947), mais conhecido como Véio, é um escultor brasileiro, sendo um dos nomes de maior destaque na arte popular brasileira.
Biografia Itaú - Cultural
Ganha de outras crianças o apelido de Véio por gostar de ouvir as conversas dos mais velhos. O fascínio por casos e lendas da cultura sertaneja acompanha o artista por toda a vida. Essas histórias compõem a base de seu trabalho e de sua relação com o mundo. No município vizinho de Feira Nova (Sergipe), no Sítio Soarte, cria o Museu do Sertão, reunindo um acervo de 17 mil obras que recontam os modos de vida e produção do sertanejo e preservam a cultura popular da região.
“Não sou de copiar, como papagaio”, afirma Véio, que nunca estudou arte, tampouco tem mestres, mas sempre se dedicou a ela com afinco. Ainda menino, nos intervalos do trabalho na roça, molda com cera de abelha pequenas figuras. Por considerar a atividade como “brincar de boneca”, desmancha as esculturas quando se aproxima um adulto. Com o tempo, abandona a cera e adota a madeira como matéria-prima. Mas não derruba árvores para obtê-la. Pelo contrário: seu instinto preservacionista leva-o a adquirir o último trecho de mata virgem da região. “Dou vida ao que já está morto”, diz.
Com forte impulso criativo, dedica-se exclusivamente às suas esculturas, decisão recebida com estranheza pela família e por conhecidos. Opta pela vida austera e orgulha-se de nunca trabalhar para outrem e recusar-se a vender suas obras quando julga que o comprador não a valoriza. Em outras palavras, jamais compromete sua arte para garantir a sobrevivência, nem considera seu trabalho artístico como mero meio de vida.
O escultor é um dos escolhidos pelo Prêmio Itaú Cultural 30 Anos, realizado em 2017, para destacar artistas que impactam o cenário cultural brasileiro nas últimas décadas. Com um método de trabalho claro e fértil, separa suas obras em dois grupos. “As peças maiores, coloridas, são vistosas, falam alto. São visíveis a distância, criam clareiras ao seu redor, mesmo quando atulhadas, como acontece em seu depósito, oficina e museu. Já as menores, que preservam a textura da madeira crua, são discretas, falam baixo”, sintetizam Carlos Augusto Calil (1951) e Agnaldo Farias (1955), curadores da retrospectiva do artista realizada em 2018 no Itaú Cultural.
Os trabalhos de maior dimensão são produzidos a partir de "troncos abertos”, como Véio chama os pedaços de madeira cujos ângulos e formas lhe sugerem o caminho a seguir. A eles agrega cores industriais, vibrantes e intensas, que dão coerência às esculturas e, segundo o crítico Rodrigo Naves (1955), geram um “efeito pop”. Essas figuras antropomórficas, que brotam do imaginário do artista ao entrar em contato com a peça a ser entalhada, dificilmente podem ser reduzidas à arte popular.
Segundo o crítico Ronaldo Brito (1949), as obras de Véio fogem do virtuosismo mimético característico desse tipo de produção para aproximar-se de questões próprias à arte moderna e contemporânea. Além da contenção do gesto e das cores impactantes, esses trabalhos questionam a própria noção de espaço da arte. Véio distribui suas estranhas figuras pelo sítio, como se fossem habitantes do local e refere-se a elas como portadoras de história e vida. Mas a aparência dessas esculturas transmuta-se facilmente, dependendo do local e da posição em que se encontram. “Deitada, estava pedindo socorro; em pé, ela quis me abraçar”, detalha o artista ao falar das sensações que a madeira de origem lhe transmite e que, de certa forma, são preservadas na peça final.
No segundo grupo, encontram-se os entalhes das "madeiras fechadas”, como Véio chama os troncos menos sugestivos, mais retos e aptos a entalhes mais imaginativos, detalhados e próximos do mundo real. Essas obras apresentam dimensões menores, algumas vezes do tamanho de uma cabeça de palito de fósforo. A diferença de tamanho, entretanto, não parece importante para o artista: as pequenas peças também pertencem ao mundo da narrativa e são como anedotas contadas por pelo artista.
O que eu quero “é mostrar para os amantes da arte que ela não é medida nem pelo tamanho nem pelo peso”. O que importa é “seu sentimento, sua forma de expressão”. Alguns temas são recorrentes: cenas domésticas, com mães e seus filhos, a labuta dos artesãos e do homem do campo, o descaso com a cultura e a solidão impotente dos índios.
Véio também se abre para a torrente de mitos, lendas da cultura nordestina e encanta o público com sua mescla de fantasia e destreza. Na série Os Cão do Meu Inferno, retrata seres endiabrados em intenso tom de negro. Também retrata palhaços e recria as narrativas e o imaginário do povo iletrado, que escuta embevecido desde menino.
Fonte: VÉIO . In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2020. Disponível em: Itaú Cultural. Acesso em: 10 de Jun. 2020. Verbete da Enciclopédia. ISBN: 978-85-7979-060-7
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Biografia - Galeria Estação
Um artista transforma os galhos secos da caatinga de Sergipe em obras de arte, que já cruzaram o oceano.
Os passos de todos os dias, no mesmo caminho para o lugar de sempre. Cícero Alves dos Santos é um sertanejo de 72 anos que olha pra caatinga com a alma. E é no meio da caatinga que Cícero busca a matéria-prima para a arte que simboliza a força da região.
“Pra mim tudo é arte”, diz.
É talhada com firmeza, mas sem uma forma definida e vai surgindo com muito de inspiração.
Cícero é mais conhecido como “Véio”, um apelido que ganhou ainda na infância. É um traço da curiosidade do menino que só queria aprender com os mais velhos. “Na minha infância, eu convivia muito com o pessoal idoso. E os amigos diziam: ‘parece um velhinho no meio dos outros ’. Então, com cinco, seis anos, eu já era ‘Véio’”, conta o agricultor e escultor.
E foi ainda menino que aprendeu sozinho a esculpir a caatinga. As obras vão formando uma galeria a céu aberto, que é um orgulho da cidade de Nossa Senhora da Glória.
Dos galhos e troncos retorcidos surgem diferente peças, cada uma com uma história para contar, mas todas com a mesma essência: a força do sertanejo.
“Apesar de não ter tanta água, nós temos a coragem de sobreviver numa terra tão boa que envolve esse Sergipe todo. Pra mim, é o melhor estado do nosso país”, diz Cícero.
As esculturas atravessaram o oceano. França, Suíça, Alemanha e Portugal têm apenas um pedacinho de Sergipe, porque a maior parte mesmo nunca saiu daqui.
“O meu lugar no mundo é eu conviver com a natureza com as arvores, onde tenho minha inspiração e elas me orientam como devo proceder. A caatinga, isso aqui, é o meu lugar”, conta o artista.
Fonte: Galeria Estação, consultado pela última vez em 10 de junho de 2020.
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Artista sergipano Véio traz demônios do sertão para São Paulo
Exposição no Itaú Cultural contextualiza e mostra vida e imaginação de Véio em mais de 250 obras.
"Véio – A Imaginação da Madeira" faz um passeio por vários temas trabalhados por Cícero Alves dos Santos em seus 70 anos de vida. Dividida em três andares – e três temáticas principais, o assombro, a nação lascada e o Museu do Sertão – a mostra conta com cerca de 250 peças das mais de 17 mil que Véio produziu ao longo de sua vida.
O artista sergipano recorda ter começado a brincar com formas aos 6 anos. Na época, construía a partir da sua imaginação, utilizando cera de abelha. Sua família, porém, não via essa atividade com bons olhos. “Achavam que estava brincando de boneca, e aquilo não era permitido”, diz Véio ao Estado.
. “Meus pais achavam que estava seguindo por um lado feminino.” Impedido pela família, Véio continuou por muito tempo brincando escondido com a cera. “Fazia as obras, mas quando via alguém chegando, desmanchava.”
O artista acredita que, por isso, desenvolveu um tipo de trauma, que serviu, porém, para estimular a construção de seu gigantesco acervo pessoal, que nunca foi movido, ele reforça, por motivos comerciais ou capitalistas. “Por muito tempo pensei que nunca teria a minha coleção.” A família, ainda hoje, ele relata, não aceita sua arte. “Admiram o meu nome, pelo degrau que alcancei. O destaque é o artista, mas não a arte.”
Véio ganhou o apelido ainda criança, por estar sempre na companhia de pessoas mais velhas, a quem dava atenção e ouvia suas histórias. Preocupado em conservá-las, criou em seu sítio, em Feira Nova (SE), o Museu do Sertão, que é lembrado em um dos andares da exposição, a única documental. Lá, as próprias obras se misturam com objetos adquiridos na região ao longo do tempo – peças comuns, mas que representam a história do homem sertanejo. “O sertão é praticamente esquecido, só é lembrado em períodos eleitorais”, analisa o artista. “O sertanejo deveria ter mais oportunidade, de crescer e de valorizar sua própria cultura.”
Não por acaso, outra seção da mostra tem o nome de “nação lascada”, um duplo sentido para falar da situação do sertão e também da matéria-prima, a madeira morta. “A primeira impressão é que algumas dessas obras são descritivas, mas não são”, explica Carlos Augusto Calil, que assina a curadoria com Agnaldo Farias. “Não é artesanato. As peças comentam, transcendem.” Algumas obras são minúsculas, em milímetros. Na mostra, quatro são feitas num palito de fósforo. “A arte não é pelo tamanho, é pela arte em si”, opina Véio. “A obra pequena faz você se aproximar dela, abrir os olhos.”
Ainda neste andar, estão presentes vários “cães”, como denomina o artista – estes sim demônios mais literais que metafóricos. “Um corredor de demônios e da morte, a forma como Véio lida com eles”, esclarece Calil. As obras se relacionam também com a do terceiro nicho, o “assombro”. “São peças que causam a sensação de estranhamento e fascínio, que falam alto”, descreve o curador.
Em suas obras de maior tamanho, Véio se aproveita das formas da natureza. “Vejo as curvas e os galhos tortos. A natureza já fez, cabe a você aperfeiçoar”, diz o artista. “Ele é um conservador no melhor sentido da palavra, ele retém. Possui um olhar extraordinário, vê a peça de madeira como a gente não vê”, explica Calil sobre o nome da exposição.
Os curadores buscaram peças não só da casa de Véio, como de colecionadores por todo o Brasil. “Eles emprestam com a maior alegria, têm orgulho”, conta Calil, que acompanha o trabalho de Véio já há alguns anos. “As pessoas já perceberam que Véio é um dos grandes. Ele ainda carece de reconhecimento, mas acho que essa exposição é de consagração.”
Fonte: Estadão, por Pedro Rocha, publicado em 14 de março de 2018.
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Agricultor de Sergipe cria obras que mostram a força do Sertão
O artista Cícero Alves dos Santos transforma os galhos secos da caatinga de Sergipe em obras de arte, que já cruzaram o oceano
Os passos de todos os dias, no mesmo caminho para o lugar de sempre. Cícero Alves dos Santos é um sertanejo de 72 anos que olha pra caatinga com a alma. E é no meio da caatinga que Cícero busca a matéria-prima para a arte que simboliza a força da região.
“Pra mim tudo é arte”, diz.
É talhada com firmeza, mas sem uma forma definida e vai surgindo com muito de inspiração.
Cícero é mais conhecido como “Véio”, um apelido que ganhou ainda na infância. É um traço da curiosidade do menino que só queria aprender com os mais velhos. “Na minha infância, eu convivia muito com o pessoal idoso. E os amigos diziam: ‘parece um velhinho no meio dos outros ’. Então, com cinco, seis anos, eu já era ‘Véio’”, conta o agricultor e escultor.
E foi ainda menino que aprendeu sozinho a esculpir a caatinga. As obras vão formando uma galeria a céu aberto, que é um orgulho da cidade de Nossa Senhora da Glória.
Dos galhos e troncos retorcidos surgem diferente peças, cada uma com uma história para contar, mas todas com a mesma essência: a força do sertanejo.
“Apesar de não ter tanta água, nós temos a coragem de sobreviver numa terra tão boa que envolve esse Sergipe todo. Pra mim, é o melhor estado do nosso país”, diz Cícero.
As esculturas atravessaram o oceano. França, Suíça, Alemanha e Portugal têm apenas um pedacinho de Sergipe, porque a maior parte mesmo nunca saiu daqui.
“O meu lugar no mundo é eu conviver com a natureza com as arvores, onde tenho minha inspiração e elas me orientam como devo proceder. A caatinga, isso aqui, é o meu lugar”, conta o artista.
Fonte: Jornal Nacional, 26 de outubro de 2019.
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Véio
Cícero Alves dos Santos, o Véio, é um artista sergipano que utiliza a madeira para representar o seu olhar inusitado sobre o homem e a vida no sertão nordestino. Nascido no município de Nossa Senhora da Glória em 12 de maio de 1947, o artista recebeu o apelido de Véio, por que desde criança gostava de ficar junto aos mais velhos escutando suas conversas. Hoje, Véio é um nome dos mais destacados na arte popular brasileira, tendo participado de importantes exposições no Brasil e no exterior. Suas obras ainda fazem partem do acervo de muitas galerias dedicadas à arte popular, assim como de muitas coleções particulares.
Véio começou a expressar sua admiração pelo sertão nordestino utilizando a cera de abelha, mas logo que “descobriu” a madeira, deixou a cera de lado e começou a expressar sua visão do sertão através da escultura em madeira: Eu comecei bem criança. Aos 5 anos, já fazia coisinhas com cera de abelha, que parece uma massa de modelar, mas, com o progresso chegando, as abelhas manduri foram embora. Depois tentei o barro. Não achei que era bom, porque tem que levar no fogo e aí deixa de ser barro. Então tentei a madeira. Aqui tem muita. A gente vai pegar nos loteamentos que abrem, nas derrubadas que fazem por aí, conta Véio. O Sítio Soarte, Museu do Sertão, criado por ele ao lado de sua casa, recria a vida do sertanejo e traz para os visitantes, esse universo do sertão nordestino através de obras como, a Casa de Farinha, a Casa de Profissões, a Igreja e o Sítio Caduco. O Soarte se localiza na BR 206, entre os municípios sergipanos de Nossa Senhora da Glória e Feira Nova, na altura do Km 8. Quem passar pelo lugar vai se deparar com um cenário curioso, formado por esculturas em madeira bruta que representam manifestações socioculturais criadas pelo olhar de Véio. São peças grandes, médias, pequenas e minúsculas. São noivas, grávidas, seres imaginários, chapéus de couro, utensílios domésticos, máquinas rústicas, roupas e acessórios que fazem parte da vida do sertanejo. Autodidata, Véio conta que a inspiração para sua obra foi dada por Deus: Quando a inspiração chega, posso criar qualquer coisa que esteja na mente do povo, desde a Marquês de Sapucaí às lendas e realidades do homem sertanejo. Vou em busca do material e deixo a imaginação tomar conta, pois temos muita riqueza a nível de história e cultura, conta o artista. Em suas obras, o artista tenta fazer uma espécie de alusão ao ciclo da vida: Digo que as peças novas trazem o valor da juventude e as velhas, já frágeis, que vão se destruindo pela ação da natureza, trazem a parte final da vida, explica Véio. Assim, suas peças, expostas a sol e chuva, têm vida curta, adoecem, envelhecem e morrem.
Além do seu museu particular, Véio tem peças espalhadas em vários lugares do mundo e do Brasil. No Brasil, suas obras podem ser encontradas no Memorial de Sergipe e no Museu da Gente Sergipana (Aracaju, SE). no Museu do Folclore Edison Carneiro (Rio de Janeiro, RJ), na Galeria Estação (São Paulo, SP), Museu do Homem do Nordeste (Recife, PE), na Galeria Pé-de-boi (Rio de Janeiro, RJ), entre outros. Além de livros de arte, a obra de Véio já foi retratada em cinco documentários. São eles: “Véio - Tradição e Comtemporaneidade”, “Nação Lascada de Véio”, “A Glória do Sertão”, “Véio – O filme”, “O Universo Simbólico de Véio” e a “Cavalhada de Poço Redondo”.
Fonte e crédito fotográfico: Arte popular Brasil, publicado em novembro de 2012.
Cicero Alves dos Santos (Nossa Senhora da Glória, SE, 12 de maio de 1947), mais conhecido como Véio, é um escultor brasileiro, sendo um dos nomes de maior destaque na arte popular brasileira.
Biografia Itaú - Cultural
Ganha de outras crianças o apelido de Véio por gostar de ouvir as conversas dos mais velhos. O fascínio por casos e lendas da cultura sertaneja acompanha o artista por toda a vida. Essas histórias compõem a base de seu trabalho e de sua relação com o mundo. No município vizinho de Feira Nova (Sergipe), no Sítio Soarte, cria o Museu do Sertão, reunindo um acervo de 17 mil obras que recontam os modos de vida e produção do sertanejo e preservam a cultura popular da região.
“Não sou de copiar, como papagaio”, afirma Véio, que nunca estudou arte, tampouco tem mestres, mas sempre se dedicou a ela com afinco. Ainda menino, nos intervalos do trabalho na roça, molda com cera de abelha pequenas figuras. Por considerar a atividade como “brincar de boneca”, desmancha as esculturas quando se aproxima um adulto. Com o tempo, abandona a cera e adota a madeira como matéria-prima. Mas não derruba árvores para obtê-la. Pelo contrário: seu instinto preservacionista leva-o a adquirir o último trecho de mata virgem da região. “Dou vida ao que já está morto”, diz.
Com forte impulso criativo, dedica-se exclusivamente às suas esculturas, decisão recebida com estranheza pela família e por conhecidos. Opta pela vida austera e orgulha-se de nunca trabalhar para outrem e recusar-se a vender suas obras quando julga que o comprador não a valoriza. Em outras palavras, jamais compromete sua arte para garantir a sobrevivência, nem considera seu trabalho artístico como mero meio de vida.
O escultor é um dos escolhidos pelo Prêmio Itaú Cultural 30 Anos, realizado em 2017, para destacar artistas que impactam o cenário cultural brasileiro nas últimas décadas. Com um método de trabalho claro e fértil, separa suas obras em dois grupos. “As peças maiores, coloridas, são vistosas, falam alto. São visíveis a distância, criam clareiras ao seu redor, mesmo quando atulhadas, como acontece em seu depósito, oficina e museu. Já as menores, que preservam a textura da madeira crua, são discretas, falam baixo”, sintetizam Carlos Augusto Calil (1951) e Agnaldo Farias (1955), curadores da retrospectiva do artista realizada em 2018 no Itaú Cultural.
Os trabalhos de maior dimensão são produzidos a partir de "troncos abertos”, como Véio chama os pedaços de madeira cujos ângulos e formas lhe sugerem o caminho a seguir. A eles agrega cores industriais, vibrantes e intensas, que dão coerência às esculturas e, segundo o crítico Rodrigo Naves (1955), geram um “efeito pop”. Essas figuras antropomórficas, que brotam do imaginário do artista ao entrar em contato com a peça a ser entalhada, dificilmente podem ser reduzidas à arte popular.
Segundo o crítico Ronaldo Brito (1949), as obras de Véio fogem do virtuosismo mimético característico desse tipo de produção para aproximar-se de questões próprias à arte moderna e contemporânea. Além da contenção do gesto e das cores impactantes, esses trabalhos questionam a própria noção de espaço da arte. Véio distribui suas estranhas figuras pelo sítio, como se fossem habitantes do local e refere-se a elas como portadoras de história e vida. Mas a aparência dessas esculturas transmuta-se facilmente, dependendo do local e da posição em que se encontram. “Deitada, estava pedindo socorro; em pé, ela quis me abraçar”, detalha o artista ao falar das sensações que a madeira de origem lhe transmite e que, de certa forma, são preservadas na peça final.
No segundo grupo, encontram-se os entalhes das "madeiras fechadas”, como Véio chama os troncos menos sugestivos, mais retos e aptos a entalhes mais imaginativos, detalhados e próximos do mundo real. Essas obras apresentam dimensões menores, algumas vezes do tamanho de uma cabeça de palito de fósforo. A diferença de tamanho, entretanto, não parece importante para o artista: as pequenas peças também pertencem ao mundo da narrativa e são como anedotas contadas por pelo artista.
O que eu quero “é mostrar para os amantes da arte que ela não é medida nem pelo tamanho nem pelo peso”. O que importa é “seu sentimento, sua forma de expressão”. Alguns temas são recorrentes: cenas domésticas, com mães e seus filhos, a labuta dos artesãos e do homem do campo, o descaso com a cultura e a solidão impotente dos índios.
Véio também se abre para a torrente de mitos, lendas da cultura nordestina e encanta o público com sua mescla de fantasia e destreza. Na série Os Cão do Meu Inferno, retrata seres endiabrados em intenso tom de negro. Também retrata palhaços e recria as narrativas e o imaginário do povo iletrado, que escuta embevecido desde menino.
Fonte: VÉIO . In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2020. Disponível em: Itaú Cultural. Acesso em: 10 de Jun. 2020. Verbete da Enciclopédia. ISBN: 978-85-7979-060-7
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Biografia - Galeria Estação
Um artista transforma os galhos secos da caatinga de Sergipe em obras de arte, que já cruzaram o oceano.
Os passos de todos os dias, no mesmo caminho para o lugar de sempre. Cícero Alves dos Santos é um sertanejo de 72 anos que olha pra caatinga com a alma. E é no meio da caatinga que Cícero busca a matéria-prima para a arte que simboliza a força da região.
“Pra mim tudo é arte”, diz.
É talhada com firmeza, mas sem uma forma definida e vai surgindo com muito de inspiração.
Cícero é mais conhecido como “Véio”, um apelido que ganhou ainda na infância. É um traço da curiosidade do menino que só queria aprender com os mais velhos. “Na minha infância, eu convivia muito com o pessoal idoso. E os amigos diziam: ‘parece um velhinho no meio dos outros ’. Então, com cinco, seis anos, eu já era ‘Véio’”, conta o agricultor e escultor.
E foi ainda menino que aprendeu sozinho a esculpir a caatinga. As obras vão formando uma galeria a céu aberto, que é um orgulho da cidade de Nossa Senhora da Glória.
Dos galhos e troncos retorcidos surgem diferente peças, cada uma com uma história para contar, mas todas com a mesma essência: a força do sertanejo.
“Apesar de não ter tanta água, nós temos a coragem de sobreviver numa terra tão boa que envolve esse Sergipe todo. Pra mim, é o melhor estado do nosso país”, diz Cícero.
As esculturas atravessaram o oceano. França, Suíça, Alemanha e Portugal têm apenas um pedacinho de Sergipe, porque a maior parte mesmo nunca saiu daqui.
“O meu lugar no mundo é eu conviver com a natureza com as arvores, onde tenho minha inspiração e elas me orientam como devo proceder. A caatinga, isso aqui, é o meu lugar”, conta o artista.
Fonte: Galeria Estação, consultado pela última vez em 10 de junho de 2020.
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Artista sergipano Véio traz demônios do sertão para São Paulo
Exposição no Itaú Cultural contextualiza e mostra vida e imaginação de Véio em mais de 250 obras.
"Véio – A Imaginação da Madeira" faz um passeio por vários temas trabalhados por Cícero Alves dos Santos em seus 70 anos de vida. Dividida em três andares – e três temáticas principais, o assombro, a nação lascada e o Museu do Sertão – a mostra conta com cerca de 250 peças das mais de 17 mil que Véio produziu ao longo de sua vida.
O artista sergipano recorda ter começado a brincar com formas aos 6 anos. Na época, construía a partir da sua imaginação, utilizando cera de abelha. Sua família, porém, não via essa atividade com bons olhos. “Achavam que estava brincando de boneca, e aquilo não era permitido”, diz Véio ao Estado.
. “Meus pais achavam que estava seguindo por um lado feminino.” Impedido pela família, Véio continuou por muito tempo brincando escondido com a cera. “Fazia as obras, mas quando via alguém chegando, desmanchava.”
O artista acredita que, por isso, desenvolveu um tipo de trauma, que serviu, porém, para estimular a construção de seu gigantesco acervo pessoal, que nunca foi movido, ele reforça, por motivos comerciais ou capitalistas. “Por muito tempo pensei que nunca teria a minha coleção.” A família, ainda hoje, ele relata, não aceita sua arte. “Admiram o meu nome, pelo degrau que alcancei. O destaque é o artista, mas não a arte.”
Véio ganhou o apelido ainda criança, por estar sempre na companhia de pessoas mais velhas, a quem dava atenção e ouvia suas histórias. Preocupado em conservá-las, criou em seu sítio, em Feira Nova (SE), o Museu do Sertão, que é lembrado em um dos andares da exposição, a única documental. Lá, as próprias obras se misturam com objetos adquiridos na região ao longo do tempo – peças comuns, mas que representam a história do homem sertanejo. “O sertão é praticamente esquecido, só é lembrado em períodos eleitorais”, analisa o artista. “O sertanejo deveria ter mais oportunidade, de crescer e de valorizar sua própria cultura.”
Não por acaso, outra seção da mostra tem o nome de “nação lascada”, um duplo sentido para falar da situação do sertão e também da matéria-prima, a madeira morta. “A primeira impressão é que algumas dessas obras são descritivas, mas não são”, explica Carlos Augusto Calil, que assina a curadoria com Agnaldo Farias. “Não é artesanato. As peças comentam, transcendem.” Algumas obras são minúsculas, em milímetros. Na mostra, quatro são feitas num palito de fósforo. “A arte não é pelo tamanho, é pela arte em si”, opina Véio. “A obra pequena faz você se aproximar dela, abrir os olhos.”
Ainda neste andar, estão presentes vários “cães”, como denomina o artista – estes sim demônios mais literais que metafóricos. “Um corredor de demônios e da morte, a forma como Véio lida com eles”, esclarece Calil. As obras se relacionam também com a do terceiro nicho, o “assombro”. “São peças que causam a sensação de estranhamento e fascínio, que falam alto”, descreve o curador.
Em suas obras de maior tamanho, Véio se aproveita das formas da natureza. “Vejo as curvas e os galhos tortos. A natureza já fez, cabe a você aperfeiçoar”, diz o artista. “Ele é um conservador no melhor sentido da palavra, ele retém. Possui um olhar extraordinário, vê a peça de madeira como a gente não vê”, explica Calil sobre o nome da exposição.
Os curadores buscaram peças não só da casa de Véio, como de colecionadores por todo o Brasil. “Eles emprestam com a maior alegria, têm orgulho”, conta Calil, que acompanha o trabalho de Véio já há alguns anos. “As pessoas já perceberam que Véio é um dos grandes. Ele ainda carece de reconhecimento, mas acho que essa exposição é de consagração.”
Fonte: Estadão, por Pedro Rocha, publicado em 14 de março de 2018.
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Agricultor de Sergipe cria obras que mostram a força do Sertão
O artista Cícero Alves dos Santos transforma os galhos secos da caatinga de Sergipe em obras de arte, que já cruzaram o oceano
Os passos de todos os dias, no mesmo caminho para o lugar de sempre. Cícero Alves dos Santos é um sertanejo de 72 anos que olha pra caatinga com a alma. E é no meio da caatinga que Cícero busca a matéria-prima para a arte que simboliza a força da região.
“Pra mim tudo é arte”, diz.
É talhada com firmeza, mas sem uma forma definida e vai surgindo com muito de inspiração.
Cícero é mais conhecido como “Véio”, um apelido que ganhou ainda na infância. É um traço da curiosidade do menino que só queria aprender com os mais velhos. “Na minha infância, eu convivia muito com o pessoal idoso. E os amigos diziam: ‘parece um velhinho no meio dos outros ’. Então, com cinco, seis anos, eu já era ‘Véio’”, conta o agricultor e escultor.
E foi ainda menino que aprendeu sozinho a esculpir a caatinga. As obras vão formando uma galeria a céu aberto, que é um orgulho da cidade de Nossa Senhora da Glória.
Dos galhos e troncos retorcidos surgem diferente peças, cada uma com uma história para contar, mas todas com a mesma essência: a força do sertanejo.
“Apesar de não ter tanta água, nós temos a coragem de sobreviver numa terra tão boa que envolve esse Sergipe todo. Pra mim, é o melhor estado do nosso país”, diz Cícero.
As esculturas atravessaram o oceano. França, Suíça, Alemanha e Portugal têm apenas um pedacinho de Sergipe, porque a maior parte mesmo nunca saiu daqui.
“O meu lugar no mundo é eu conviver com a natureza com as arvores, onde tenho minha inspiração e elas me orientam como devo proceder. A caatinga, isso aqui, é o meu lugar”, conta o artista.
Fonte: Jornal Nacional, 26 de outubro de 2019.
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Véio
Cícero Alves dos Santos, o Véio, é um artista sergipano que utiliza a madeira para representar o seu olhar inusitado sobre o homem e a vida no sertão nordestino. Nascido no município de Nossa Senhora da Glória em 12 de maio de 1947, o artista recebeu o apelido de Véio, por que desde criança gostava de ficar junto aos mais velhos escutando suas conversas. Hoje, Véio é um nome dos mais destacados na arte popular brasileira, tendo participado de importantes exposições no Brasil e no exterior. Suas obras ainda fazem partem do acervo de muitas galerias dedicadas à arte popular, assim como de muitas coleções particulares.
Véio começou a expressar sua admiração pelo sertão nordestino utilizando a cera de abelha, mas logo que “descobriu” a madeira, deixou a cera de lado e começou a expressar sua visão do sertão através da escultura em madeira: Eu comecei bem criança. Aos 5 anos, já fazia coisinhas com cera de abelha, que parece uma massa de modelar, mas, com o progresso chegando, as abelhas manduri foram embora. Depois tentei o barro. Não achei que era bom, porque tem que levar no fogo e aí deixa de ser barro. Então tentei a madeira. Aqui tem muita. A gente vai pegar nos loteamentos que abrem, nas derrubadas que fazem por aí, conta Véio. O Sítio Soarte, Museu do Sertão, criado por ele ao lado de sua casa, recria a vida do sertanejo e traz para os visitantes, esse universo do sertão nordestino através de obras como, a Casa de Farinha, a Casa de Profissões, a Igreja e o Sítio Caduco. O Soarte se localiza na BR 206, entre os municípios sergipanos de Nossa Senhora da Glória e Feira Nova, na altura do Km 8. Quem passar pelo lugar vai se deparar com um cenário curioso, formado por esculturas em madeira bruta que representam manifestações socioculturais criadas pelo olhar de Véio. São peças grandes, médias, pequenas e minúsculas. São noivas, grávidas, seres imaginários, chapéus de couro, utensílios domésticos, máquinas rústicas, roupas e acessórios que fazem parte da vida do sertanejo. Autodidata, Véio conta que a inspiração para sua obra foi dada por Deus: Quando a inspiração chega, posso criar qualquer coisa que esteja na mente do povo, desde a Marquês de Sapucaí às lendas e realidades do homem sertanejo. Vou em busca do material e deixo a imaginação tomar conta, pois temos muita riqueza a nível de história e cultura, conta o artista. Em suas obras, o artista tenta fazer uma espécie de alusão ao ciclo da vida: Digo que as peças novas trazem o valor da juventude e as velhas, já frágeis, que vão se destruindo pela ação da natureza, trazem a parte final da vida, explica Véio. Assim, suas peças, expostas a sol e chuva, têm vida curta, adoecem, envelhecem e morrem.
Além do seu museu particular, Véio tem peças espalhadas em vários lugares do mundo e do Brasil. No Brasil, suas obras podem ser encontradas no Memorial de Sergipe e no Museu da Gente Sergipana (Aracaju, SE). no Museu do Folclore Edison Carneiro (Rio de Janeiro, RJ), na Galeria Estação (São Paulo, SP), Museu do Homem do Nordeste (Recife, PE), na Galeria Pé-de-boi (Rio de Janeiro, RJ), entre outros. Além de livros de arte, a obra de Véio já foi retratada em cinco documentários. São eles: “Véio - Tradição e Comtemporaneidade”, “Nação Lascada de Véio”, “A Glória do Sertão”, “Véio – O filme”, “O Universo Simbólico de Véio” e a “Cavalhada de Poço Redondo”.
Fonte e crédito fotográfico: Arte popular Brasil, publicado em novembro de 2012.