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Achillina Bo Bardi (Roma, Itália, 5 de dezembro de 1914 — São Paulo, SP, 20 de março de 1992), mais conhecida como Lina Bo Bardi, foi uma arquiteta modernista, designer, cenógrafa, editora, ilustradora italiana, radicada no Brasil. É conhecida por ter projetado o Museu de Arte de São Paulo (MASP) e foi casada com o crítico de arte Pietro Maria Bardi.
Biografia Itaú Cultural
Após estudar desenho no Liceu Artístico, forma-se, em 1940, na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Roma. A faculdade, dirigida pelo arquiteto tradicionalista Marcello Piacentini (1881-1960), privilegia uma tendência histórico-classicizante, que Lina chama de "nostalgia estilístico-áulica". Em desacordo com essa orientação valorizada pelo fascismo, predominante em Roma, ela se transfere para Milão, onde trabalha com o arquiteto Gió Ponti (1891-1979), líder do movimento pela valorização do artesanato italiano e diretor das Trienais de Milão e da revista Domus. Em pouco tempo ela própria passa a dirigir a revista e a atuar politicamente integrando a resistência à ocupação alemã durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), e colaborando com o Partido Comunista Italiano (PCI), então clandestino. Ainda em Milão, funda, ao lado do crítico Bruno Zevi (1918-2000), a revista A-Cultura della Vita.
Em 1946, após o fim da guerra, casa-se com o crítico e historiador da arte Pietro Maria Bardi (1900-1999), com quem viaja para o Brasil - país no qual o casal decide se fixar, e que Lina chama de "minha pátria de escolha". No ano seguinte, Pietro Maria Bardi é convidado pelo jornalista Assis Chateaubriand (1892-1968) a fundar e dirigir o Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (Masp), em São Paulo. Lina projeta as instalações do museu, em que se destaca a cadeira dobrável de madeira e couro para o auditório, considerada "a primeira cadeira moderna do Brasil". Em 1948, funda com o arquiteto italiano Giancarlo Palanti (1906-1977) o Studio d'Arte Palma, voltado à produção manufatureira de móveis de madeira compensada e materiais "brasileiros populares", como a chita e o couro. Sua inserção mais efetiva no meio arquitetônico nacional se dá, inicialmente, pela atuação editorial, quando cria, em 1950, a revista Habitat, que dura até 1954. Projeta em 1951 sua própria residência, no bairro do Morumbi, em São Paulo, apelidada de "casa de vidro", e considerada uma obra paradigmática do racionalismo artístico no país. Esse papel de destaque se completa em 1957, quando inicia o projeto para a nova sede do Masp, na avenida Paulista (completado apenas em 1968), que mantém a praça-belvedere aberta no piso térreo, suspendendo o edifício com um arrojado vão de 70 metros.
Em 1958, transfere-se para Salvador, convidada pelo governador Juracy Magalhães a dirigir o Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM/BA). Na capital baiana, realiza também o projeto de restauro do Solar do Unhão, um conjunto arquitetônico do século XVI tombado na década de 1940 pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan), e se relaciona criativamente com uma série de importantes artistas vanguardistas, como o fotógrafo e etnólogo francês Pierre Verger (1902-1996) e o cineasta Glauber Rocha (1938-1981). De volta a São Paulo após o golpe militar, em 1964, incorpora em seus projetos o legado da temporada nordestina na forma de uma radical "experiência de simplificação" da linguagem. Sua obra a partir daí assume contundentemente o caráter do que qualifica como "arquitetura pobre". São exemplares importantes dessa última fase de sua carreira os suportes museográficos da exposição A Mão do Povo Brasileiro, 1969, feitos de tábuas de pinho de segunda; o edifício do Sesc Pompéia, 1977, adaptação de uma antiga fábrica de tambores; e o Teatro Oficina, 1984, construção que dissolve a rigidez da relação palco-platéia pela criação de um teatro-pista, como um sambódromo.
Análise
Abrangente e interdisciplinar, a atuação de Lina Bo Bardi extrapola os campos da arquitetura e do urbanismo. Estrangeira, compreende a cultura brasileira pelo olhar antropológico, particularmente atento para a convergência entre vanguarda estética e tradição popular. Deixando para trás o "velho mundo", que abandona junto com os sonhos do período pré-guerra, tem a seguinte impressão do Brasil ao desembarcar no Rio de Janeiro, em 1946: "Deslumbre. Para quem chegava pelo mar, o Ministério da Educação e Saúde avançava como um grande navio branco e azul contra o céu. Primeira mensagem de paz após o dilúvio da Segunda Guerra Mundial. Me senti num país inimaginável, onde tudo era possível".
A formação intelectual de Lina combina o racionalismo estético de Le Corbusier (1887-1965) com o pensamento marxista de Antonio Gramsci (1891-1937), voltado para a reflexão sobre a dimensão "nacional-popular" da cultura. Esses elementos, presentes também de certa forma no neo-realismo cinematográfico, dão à arquiteta os instrumentos para considerar a cultura popular, abundante no Brasil, como matéria-prima de uma contribuição fecunda à modernidade, porque "seca e indigesta". Por outro lado, Lina não deixa de perceber o quanto o artesanato brasileiro é rudimentar e escasso, e portanto incapaz de promover uma passagem orgânica para o design industrial moderno.
"Esse é o impasse claramente percebido por ela entre os anos 1950 e 1960: sendo mais africano do que europeu, o Brasil é um país onde a seiva da cultura popular não se esterilizou, no contexto do pós-guerra. No entanto, o problema da verdadeira industrialização tinha fatalmente que ser enfrentado, e uma importante escolha histórica estava em via de se realizar: ou essa cultura industrial vindoura incorporaria criativamente o substrato popular, produzindo algo de singular e genuíno, ou realizaria uma abertura indiscriminada e rebaixada à vulgarização dos objetos de consumo, à pasteurização kitsch." Constatando, posteriormente, a derrota histórica desse modelo de "formação nacional" idealizado por ela, afirma o seguinte: "O Brasil tinha chegado num 'bívio'. Escolheu a finesse".
A temporada passada em Salvador, entre 1958 e 1964, é extremamente profícua tanto para Lina quanto para os jovens artistas baianos. Atraída pelo ambiente de renovação cultural da cidade, em que se combinam a "tensão dos estudantes" e o "caráter fortemente popular da cultura do Nordeste", ela integra um grupo de pensadores vanguardistas estrangeiros responsável por fermentar as revoluções artísticas que ocorrem ali: no cinema, com Glauber Rocha, e na música popular, com Caetano Veloso (1942) e Gilberto Gil (1942). Para Lina, trata-se de superar a "inércia conservadora do Sul", seu "esnobismo cultural", para encontrar soluções diretas, despidas, próximas à lógica popular. Exemplos felizes dessa "experiência de simplificação" formal e construtiva são a escada de madeira do Solar do Unhão, 1959, em Salvador, que combina uma forma geométrica rigorosa com o sistema de encaixes dos carros de boi, e a "cadeira de beira de estrada", 1967, cujo desenho sintético utiliza apenas três galhos e um tronco. Entram nessa conta seus suportes museográficos para o Masp, com placas de cristal apoiadas em blocos de concreto, e para as mostras Bahia no Ibirapuera, 1959, e Exposição Nordeste, 1963, cujas bases e vitrines são feitas de caixas de madeira barata, expondo objetos populares na forma de um acúmulo visual. O golpe militar de 1964 interrompe a frágil circunstância política que permite sua atuação na cidade.
De volta a São Paulo, e parecendo reconhecer o obscurecimento de uma via possível de integração entre a tradição popular pré-burguesa e o desenvolvimento industrial, Lina radicaliza o caráter experimental de sua obra, reforçando os laços com a "estética da fome" do cinema novo, e com o sincretismo pop do tropicalismo. Vem daí, também, a admiração devotada ao seu trabalho por parte de alguns arquitetos ligados à revisão crítica do movimento moderno na Europa, como o holandês Aldo Van Eyck (1918-1999), destacado integrante do Team X. A rudeza dos acabamentos do edifício do Masp, 1957/1968 (o concreto aparente da estrutura, os painéis-cavalete desglamourizados), expressa a radicalidade dessa nova orientação, que Lina chama de "arquitetura pobre". O que não quer dizer que ela tenha renunciado à exploração da tecnologia industrial em seus projetos. Feito com vigas de concreto protendido, e tendo uma laje inteiramente suspensa por cabos de aço, o edifício do Masp, calculado pelo engenheiro João Carlos de Figueiredo Ferraz, representa por muito tempo o "maior vão livre da América Latina".
No primeiro número da revista Habitat, 1950, fundada e dirigida por Lina, ela elogia a "moral severa" das obras de Vilanova Artigas (1915-1985), observando que cada casa projetada pelo arquiteto "quebra todos os espelhos do salão burguês". No seu projeto para o Sesc Pompéia, 1977, adaptando uma antiga fábrica de tambores, a mesma rudeza está presente no desenho do mobiliário, e no contraste entre a madeira desse mobiliário e o concreto bruto da estrutura dos galpões e das novas paredes cegas. E concreto bruto, por sua vez, é amplamente empregado nas duas torres interligadas por passarelas que definem o conjunto esportivo do Sesc, concebido como uma "cidadela" provocativamente "feia": "é um silo, bunker, container", diz ela.
Na segunda metade dos anos 1980, Lina retorna a Salvador, convidada a conceber um plano de recuperação do centro histórico da cidade. Nessa ocasião, acompanhada de Marcelo Carvalho Ferraz (1955) e Marcelo Suzuki, realiza o projeto da Casa do Benin, no Pelourinho, 1987, e a recuperação das encostas da ladeira da Misericórdia, erguendo contrafortes nitidamente destacados dos muros remanescentes do século XVIII, e utilizando, para as construções novas, painéis leves e pré-moldados de argamassa armada desenvolvidos pelo arquiteto João Filgueiras Lima (1932-2014), o Lelé, em usina local.
A personalidade inquieta e contestadora de Lina não se separa de sua obra. Como define o crítico italiano Bruno Zevi (1918-2000): "Lina foi uma herética em vestes aristocráticas, uma esfarrapada elegante, uma subversiva circulando em ambientes luxuosos".
Fonte: LINA Bo Bardi. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2020. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa1646/lina-bo-bardi>. Acesso em: 07 de novembro. 2019. Verbete da Enciclopédia. ISBN: 978-85-7979-060-7
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Biografia Wikipédia
Lina estudou na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Roma durante a década de 1930 mas mudou-se para Milão, onde trabalhou para Giò Ponti, dono de uma casa chamada Domus. Ganha certa notoriedade e estabelece escritório próprio, mas durante a II Guerra Mundial enfrenta um período de poucos serviços, chegando a ter o escritório bombardeado em 1943. Conhece o profissional e arquiteto Bruno Zevi, com quem funda a revista semanal A cultura della vita. Neste período Lina ingressa no Partido Comunista Italiano e participa da resistência à invasão alemã (1943).
Casa-se com o jornalista Pietro Maria Bardi, em 1946 e neste ano, em parte devido aos traumas da guerra e à sensação de destruição, parte para o Brasil, país que acolherá como lar e onde passará o resto da vida, naturalizando-se brasileira em 1951.
No Brasil, Lina encontra uma nova potência para suas ideias. Existe, para a arquiteta, uma possibilidade de concretização das ideias propostas pela arquitetura moderna (da qual Lina insere-se diretamente), num país com uma cultura recente, em formação, diferente do pensamento europeu. Ao chegar no Brasil, Lina deseja morar no Rio de Janeiro. Encanta-se com a natureza da cidade e o edifício moderno do Ministério da Educação e Saúde Pública (Edifício Gustavo Capanema, projetado por uma equipe de jovens arquitetos liderados por Lucio Costa que tiveram consultoria de Le Corbusier). Instala-se, porém, em São Paulo, projetando e construindo, mais tarde, uma casa no bairro do Morumbi, a Casa de Vidro.
No País, Lina desenvolve uma imensa admiração pela cultura popular, sendo esta uma das principais influências de seu trabalho. Inicia, então, uma coleção de arte popular e sua produção adquire sempre uma dimensão de diálogo entre o Moderno e o Popular. Lina fala em um espaço a ser construído pelas próprias pessoas, um espaço inacabado que seria preenchido pelo uso popular cotidiano.
Os Bardi tornam-se personagens constantes na vida intelectual do país, relacionando-se com personalidades diversas da cultura brasileira. Tendo conhecido Assis Chateubriand neste período, Lina aceita o pedido do projeto da sede, um museu sugerido pelo jornalista. No final dos anos 1950, aceitando um convite de Diógenes Rebouças, vai para Salvador proferir uma série de palestras. É o início de uma temporada na Bahia, onde dirigiu o Museu de Arte Moderna e fez o projeto de recuperação do Solar do Unhão. Dona Lina, como os baianos a chamavam, permaneceu em Salvador até 1964.
No final da década de 1970 executou uma das obras mais paradigmáticas, o SESC Pompeia, que se tornou uma forte referência para a história da arquitetura na segunda metade do século XX.
Esteve em Salvador ainda na década de 80, período de redemocratização do país, quando elaborou projetos de restauração no centro histórico de Salvador, reconhecido pela UNESCO como Patrimônio da Humanidade com a parceria dos arquitetos Marcelo Ferraz e Marcelo Suzuki. Nesta ocasião, os projetos para a Casa do Benin e do Restaurante na Ladeira da Misericórdia contaram também com a parceria do arquiteto João Filgueiras Lima.
Lina manteve intensa produção cultural até o fim da vida, em 1992. Faleceu, porém, realizando o antigo sonho de morrer trabalhando, deixando inacabado o projeto de reforma da Prefeitura de São Paulo.
“Eu tenho projetado algumas casas, mas só para pessoas que eu conheço. Tenho horror em projetar casas para madames, onde entra aquela conversa insípida em torno da discussão de como vai ser a piscina, as cortinas (...) Gostaria muito de fazer casas populares.”
A frase mostra o estilo pessoal de Lina e o seu horror à futilidade. Seus projetos, como a Casa Valéria Cirell e o Sesc Pompéia, refletem essa marcante característica.
Obras
Além das obras de arquitetura, Lina produziu para o teatro, cinema, artes plásticas, cenografia, desenho de mobiliário, entre outros. Também participou da curadoria de diversas exposições.
Principais obras
No campo da arquitetura, entre suas obras de destaque se encontram:
Casa de Vidro / Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi, São Paulo, 1951 - originalmente a residência do casal e hoje sede do Instituto idealizado por eles.
Museu de Arte de São Paulo, São Paulo, 1958 - considerada sua obra prima.
Casa do Chame-Chame, Salvador, Bahia, 1964.
Casa Valéria Cirell, São Paulo, 1965.
Solar do Unhão - Museu de Arte Moderna da Bahia, Salvador, 1963.
Igreja do Espírito Santo do Cerrado, Uberlândia- Minas Gerais, 1976
SESC Pompéia - Fábrica , São Paulo, 1977.
Reforma do Teatro Politeama (Jundiaí), 1986.
Teatro Oficina, São Paulo, 1990.
Reforma do Palácio das Indústrias, São Paulo 1992 - inconclusa.
Fonte e crédito fotográfico: Wikipédia, consultado pela última vez em 07 de novembro de 2019.
Achillina Bo Bardi (Roma, Itália, 5 de dezembro de 1914 — São Paulo, SP, 20 de março de 1992), mais conhecida como Lina Bo Bardi, foi uma arquiteta modernista, designer, cenógrafa, editora, ilustradora italiana, radicada no Brasil. É conhecida por ter projetado o Museu de Arte de São Paulo (MASP) e foi casada com o crítico de arte Pietro Maria Bardi.
Biografia Itaú Cultural
Após estudar desenho no Liceu Artístico, forma-se, em 1940, na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Roma. A faculdade, dirigida pelo arquiteto tradicionalista Marcello Piacentini (1881-1960), privilegia uma tendência histórico-classicizante, que Lina chama de "nostalgia estilístico-áulica". Em desacordo com essa orientação valorizada pelo fascismo, predominante em Roma, ela se transfere para Milão, onde trabalha com o arquiteto Gió Ponti (1891-1979), líder do movimento pela valorização do artesanato italiano e diretor das Trienais de Milão e da revista Domus. Em pouco tempo ela própria passa a dirigir a revista e a atuar politicamente integrando a resistência à ocupação alemã durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), e colaborando com o Partido Comunista Italiano (PCI), então clandestino. Ainda em Milão, funda, ao lado do crítico Bruno Zevi (1918-2000), a revista A-Cultura della Vita.
Em 1946, após o fim da guerra, casa-se com o crítico e historiador da arte Pietro Maria Bardi (1900-1999), com quem viaja para o Brasil - país no qual o casal decide se fixar, e que Lina chama de "minha pátria de escolha". No ano seguinte, Pietro Maria Bardi é convidado pelo jornalista Assis Chateaubriand (1892-1968) a fundar e dirigir o Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (Masp), em São Paulo. Lina projeta as instalações do museu, em que se destaca a cadeira dobrável de madeira e couro para o auditório, considerada "a primeira cadeira moderna do Brasil". Em 1948, funda com o arquiteto italiano Giancarlo Palanti (1906-1977) o Studio d'Arte Palma, voltado à produção manufatureira de móveis de madeira compensada e materiais "brasileiros populares", como a chita e o couro. Sua inserção mais efetiva no meio arquitetônico nacional se dá, inicialmente, pela atuação editorial, quando cria, em 1950, a revista Habitat, que dura até 1954. Projeta em 1951 sua própria residência, no bairro do Morumbi, em São Paulo, apelidada de "casa de vidro", e considerada uma obra paradigmática do racionalismo artístico no país. Esse papel de destaque se completa em 1957, quando inicia o projeto para a nova sede do Masp, na avenida Paulista (completado apenas em 1968), que mantém a praça-belvedere aberta no piso térreo, suspendendo o edifício com um arrojado vão de 70 metros.
Em 1958, transfere-se para Salvador, convidada pelo governador Juracy Magalhães a dirigir o Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM/BA). Na capital baiana, realiza também o projeto de restauro do Solar do Unhão, um conjunto arquitetônico do século XVI tombado na década de 1940 pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan), e se relaciona criativamente com uma série de importantes artistas vanguardistas, como o fotógrafo e etnólogo francês Pierre Verger (1902-1996) e o cineasta Glauber Rocha (1938-1981). De volta a São Paulo após o golpe militar, em 1964, incorpora em seus projetos o legado da temporada nordestina na forma de uma radical "experiência de simplificação" da linguagem. Sua obra a partir daí assume contundentemente o caráter do que qualifica como "arquitetura pobre". São exemplares importantes dessa última fase de sua carreira os suportes museográficos da exposição A Mão do Povo Brasileiro, 1969, feitos de tábuas de pinho de segunda; o edifício do Sesc Pompéia, 1977, adaptação de uma antiga fábrica de tambores; e o Teatro Oficina, 1984, construção que dissolve a rigidez da relação palco-platéia pela criação de um teatro-pista, como um sambódromo.
Análise
Abrangente e interdisciplinar, a atuação de Lina Bo Bardi extrapola os campos da arquitetura e do urbanismo. Estrangeira, compreende a cultura brasileira pelo olhar antropológico, particularmente atento para a convergência entre vanguarda estética e tradição popular. Deixando para trás o "velho mundo", que abandona junto com os sonhos do período pré-guerra, tem a seguinte impressão do Brasil ao desembarcar no Rio de Janeiro, em 1946: "Deslumbre. Para quem chegava pelo mar, o Ministério da Educação e Saúde avançava como um grande navio branco e azul contra o céu. Primeira mensagem de paz após o dilúvio da Segunda Guerra Mundial. Me senti num país inimaginável, onde tudo era possível".
A formação intelectual de Lina combina o racionalismo estético de Le Corbusier (1887-1965) com o pensamento marxista de Antonio Gramsci (1891-1937), voltado para a reflexão sobre a dimensão "nacional-popular" da cultura. Esses elementos, presentes também de certa forma no neo-realismo cinematográfico, dão à arquiteta os instrumentos para considerar a cultura popular, abundante no Brasil, como matéria-prima de uma contribuição fecunda à modernidade, porque "seca e indigesta". Por outro lado, Lina não deixa de perceber o quanto o artesanato brasileiro é rudimentar e escasso, e portanto incapaz de promover uma passagem orgânica para o design industrial moderno.
"Esse é o impasse claramente percebido por ela entre os anos 1950 e 1960: sendo mais africano do que europeu, o Brasil é um país onde a seiva da cultura popular não se esterilizou, no contexto do pós-guerra. No entanto, o problema da verdadeira industrialização tinha fatalmente que ser enfrentado, e uma importante escolha histórica estava em via de se realizar: ou essa cultura industrial vindoura incorporaria criativamente o substrato popular, produzindo algo de singular e genuíno, ou realizaria uma abertura indiscriminada e rebaixada à vulgarização dos objetos de consumo, à pasteurização kitsch." Constatando, posteriormente, a derrota histórica desse modelo de "formação nacional" idealizado por ela, afirma o seguinte: "O Brasil tinha chegado num 'bívio'. Escolheu a finesse".
A temporada passada em Salvador, entre 1958 e 1964, é extremamente profícua tanto para Lina quanto para os jovens artistas baianos. Atraída pelo ambiente de renovação cultural da cidade, em que se combinam a "tensão dos estudantes" e o "caráter fortemente popular da cultura do Nordeste", ela integra um grupo de pensadores vanguardistas estrangeiros responsável por fermentar as revoluções artísticas que ocorrem ali: no cinema, com Glauber Rocha, e na música popular, com Caetano Veloso (1942) e Gilberto Gil (1942). Para Lina, trata-se de superar a "inércia conservadora do Sul", seu "esnobismo cultural", para encontrar soluções diretas, despidas, próximas à lógica popular. Exemplos felizes dessa "experiência de simplificação" formal e construtiva são a escada de madeira do Solar do Unhão, 1959, em Salvador, que combina uma forma geométrica rigorosa com o sistema de encaixes dos carros de boi, e a "cadeira de beira de estrada", 1967, cujo desenho sintético utiliza apenas três galhos e um tronco. Entram nessa conta seus suportes museográficos para o Masp, com placas de cristal apoiadas em blocos de concreto, e para as mostras Bahia no Ibirapuera, 1959, e Exposição Nordeste, 1963, cujas bases e vitrines são feitas de caixas de madeira barata, expondo objetos populares na forma de um acúmulo visual. O golpe militar de 1964 interrompe a frágil circunstância política que permite sua atuação na cidade.
De volta a São Paulo, e parecendo reconhecer o obscurecimento de uma via possível de integração entre a tradição popular pré-burguesa e o desenvolvimento industrial, Lina radicaliza o caráter experimental de sua obra, reforçando os laços com a "estética da fome" do cinema novo, e com o sincretismo pop do tropicalismo. Vem daí, também, a admiração devotada ao seu trabalho por parte de alguns arquitetos ligados à revisão crítica do movimento moderno na Europa, como o holandês Aldo Van Eyck (1918-1999), destacado integrante do Team X. A rudeza dos acabamentos do edifício do Masp, 1957/1968 (o concreto aparente da estrutura, os painéis-cavalete desglamourizados), expressa a radicalidade dessa nova orientação, que Lina chama de "arquitetura pobre". O que não quer dizer que ela tenha renunciado à exploração da tecnologia industrial em seus projetos. Feito com vigas de concreto protendido, e tendo uma laje inteiramente suspensa por cabos de aço, o edifício do Masp, calculado pelo engenheiro João Carlos de Figueiredo Ferraz, representa por muito tempo o "maior vão livre da América Latina".
No primeiro número da revista Habitat, 1950, fundada e dirigida por Lina, ela elogia a "moral severa" das obras de Vilanova Artigas (1915-1985), observando que cada casa projetada pelo arquiteto "quebra todos os espelhos do salão burguês". No seu projeto para o Sesc Pompéia, 1977, adaptando uma antiga fábrica de tambores, a mesma rudeza está presente no desenho do mobiliário, e no contraste entre a madeira desse mobiliário e o concreto bruto da estrutura dos galpões e das novas paredes cegas. E concreto bruto, por sua vez, é amplamente empregado nas duas torres interligadas por passarelas que definem o conjunto esportivo do Sesc, concebido como uma "cidadela" provocativamente "feia": "é um silo, bunker, container", diz ela.
Na segunda metade dos anos 1980, Lina retorna a Salvador, convidada a conceber um plano de recuperação do centro histórico da cidade. Nessa ocasião, acompanhada de Marcelo Carvalho Ferraz (1955) e Marcelo Suzuki, realiza o projeto da Casa do Benin, no Pelourinho, 1987, e a recuperação das encostas da ladeira da Misericórdia, erguendo contrafortes nitidamente destacados dos muros remanescentes do século XVIII, e utilizando, para as construções novas, painéis leves e pré-moldados de argamassa armada desenvolvidos pelo arquiteto João Filgueiras Lima (1932-2014), o Lelé, em usina local.
A personalidade inquieta e contestadora de Lina não se separa de sua obra. Como define o crítico italiano Bruno Zevi (1918-2000): "Lina foi uma herética em vestes aristocráticas, uma esfarrapada elegante, uma subversiva circulando em ambientes luxuosos".
Fonte: LINA Bo Bardi. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2020. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa1646/lina-bo-bardi>. Acesso em: 07 de novembro. 2019. Verbete da Enciclopédia. ISBN: 978-85-7979-060-7
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Biografia Wikipédia
Lina estudou na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Roma durante a década de 1930 mas mudou-se para Milão, onde trabalhou para Giò Ponti, dono de uma casa chamada Domus. Ganha certa notoriedade e estabelece escritório próprio, mas durante a II Guerra Mundial enfrenta um período de poucos serviços, chegando a ter o escritório bombardeado em 1943. Conhece o profissional e arquiteto Bruno Zevi, com quem funda a revista semanal A cultura della vita. Neste período Lina ingressa no Partido Comunista Italiano e participa da resistência à invasão alemã (1943).
Casa-se com o jornalista Pietro Maria Bardi, em 1946 e neste ano, em parte devido aos traumas da guerra e à sensação de destruição, parte para o Brasil, país que acolherá como lar e onde passará o resto da vida, naturalizando-se brasileira em 1951.
No Brasil, Lina encontra uma nova potência para suas ideias. Existe, para a arquiteta, uma possibilidade de concretização das ideias propostas pela arquitetura moderna (da qual Lina insere-se diretamente), num país com uma cultura recente, em formação, diferente do pensamento europeu. Ao chegar no Brasil, Lina deseja morar no Rio de Janeiro. Encanta-se com a natureza da cidade e o edifício moderno do Ministério da Educação e Saúde Pública (Edifício Gustavo Capanema, projetado por uma equipe de jovens arquitetos liderados por Lucio Costa que tiveram consultoria de Le Corbusier). Instala-se, porém, em São Paulo, projetando e construindo, mais tarde, uma casa no bairro do Morumbi, a Casa de Vidro.
No País, Lina desenvolve uma imensa admiração pela cultura popular, sendo esta uma das principais influências de seu trabalho. Inicia, então, uma coleção de arte popular e sua produção adquire sempre uma dimensão de diálogo entre o Moderno e o Popular. Lina fala em um espaço a ser construído pelas próprias pessoas, um espaço inacabado que seria preenchido pelo uso popular cotidiano.
Os Bardi tornam-se personagens constantes na vida intelectual do país, relacionando-se com personalidades diversas da cultura brasileira. Tendo conhecido Assis Chateubriand neste período, Lina aceita o pedido do projeto da sede, um museu sugerido pelo jornalista. No final dos anos 1950, aceitando um convite de Diógenes Rebouças, vai para Salvador proferir uma série de palestras. É o início de uma temporada na Bahia, onde dirigiu o Museu de Arte Moderna e fez o projeto de recuperação do Solar do Unhão. Dona Lina, como os baianos a chamavam, permaneceu em Salvador até 1964.
No final da década de 1970 executou uma das obras mais paradigmáticas, o SESC Pompeia, que se tornou uma forte referência para a história da arquitetura na segunda metade do século XX.
Esteve em Salvador ainda na década de 80, período de redemocratização do país, quando elaborou projetos de restauração no centro histórico de Salvador, reconhecido pela UNESCO como Patrimônio da Humanidade com a parceria dos arquitetos Marcelo Ferraz e Marcelo Suzuki. Nesta ocasião, os projetos para a Casa do Benin e do Restaurante na Ladeira da Misericórdia contaram também com a parceria do arquiteto João Filgueiras Lima.
Lina manteve intensa produção cultural até o fim da vida, em 1992. Faleceu, porém, realizando o antigo sonho de morrer trabalhando, deixando inacabado o projeto de reforma da Prefeitura de São Paulo.
“Eu tenho projetado algumas casas, mas só para pessoas que eu conheço. Tenho horror em projetar casas para madames, onde entra aquela conversa insípida em torno da discussão de como vai ser a piscina, as cortinas (...) Gostaria muito de fazer casas populares.”
A frase mostra o estilo pessoal de Lina e o seu horror à futilidade. Seus projetos, como a Casa Valéria Cirell e o Sesc Pompéia, refletem essa marcante característica.
Obras
Além das obras de arquitetura, Lina produziu para o teatro, cinema, artes plásticas, cenografia, desenho de mobiliário, entre outros. Também participou da curadoria de diversas exposições.
Principais obras
No campo da arquitetura, entre suas obras de destaque se encontram:
Casa de Vidro / Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi, São Paulo, 1951 - originalmente a residência do casal e hoje sede do Instituto idealizado por eles.
Museu de Arte de São Paulo, São Paulo, 1958 - considerada sua obra prima.
Casa do Chame-Chame, Salvador, Bahia, 1964.
Casa Valéria Cirell, São Paulo, 1965.
Solar do Unhão - Museu de Arte Moderna da Bahia, Salvador, 1963.
Igreja do Espírito Santo do Cerrado, Uberlândia- Minas Gerais, 1976
SESC Pompéia - Fábrica , São Paulo, 1977.
Reforma do Teatro Politeama (Jundiaí), 1986.
Teatro Oficina, São Paulo, 1990.
Reforma do Palácio das Indústrias, São Paulo 1992 - inconclusa.
Fonte e crédito fotográfico: Wikipédia, consultado pela última vez em 07 de novembro de 2019.
Achillina Bo Bardi (Roma, Itália, 5 de dezembro de 1914 — São Paulo, SP, 20 de março de 1992), mais conhecida como Lina Bo Bardi, foi uma arquiteta modernista, designer, cenógrafa, editora, ilustradora italiana, radicada no Brasil. É conhecida por ter projetado o Museu de Arte de São Paulo (MASP) e foi casada com o crítico de arte Pietro Maria Bardi.
Biografia Itaú Cultural
Após estudar desenho no Liceu Artístico, forma-se, em 1940, na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Roma. A faculdade, dirigida pelo arquiteto tradicionalista Marcello Piacentini (1881-1960), privilegia uma tendência histórico-classicizante, que Lina chama de "nostalgia estilístico-áulica". Em desacordo com essa orientação valorizada pelo fascismo, predominante em Roma, ela se transfere para Milão, onde trabalha com o arquiteto Gió Ponti (1891-1979), líder do movimento pela valorização do artesanato italiano e diretor das Trienais de Milão e da revista Domus. Em pouco tempo ela própria passa a dirigir a revista e a atuar politicamente integrando a resistência à ocupação alemã durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), e colaborando com o Partido Comunista Italiano (PCI), então clandestino. Ainda em Milão, funda, ao lado do crítico Bruno Zevi (1918-2000), a revista A-Cultura della Vita.
Em 1946, após o fim da guerra, casa-se com o crítico e historiador da arte Pietro Maria Bardi (1900-1999), com quem viaja para o Brasil - país no qual o casal decide se fixar, e que Lina chama de "minha pátria de escolha". No ano seguinte, Pietro Maria Bardi é convidado pelo jornalista Assis Chateaubriand (1892-1968) a fundar e dirigir o Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (Masp), em São Paulo. Lina projeta as instalações do museu, em que se destaca a cadeira dobrável de madeira e couro para o auditório, considerada "a primeira cadeira moderna do Brasil". Em 1948, funda com o arquiteto italiano Giancarlo Palanti (1906-1977) o Studio d'Arte Palma, voltado à produção manufatureira de móveis de madeira compensada e materiais "brasileiros populares", como a chita e o couro. Sua inserção mais efetiva no meio arquitetônico nacional se dá, inicialmente, pela atuação editorial, quando cria, em 1950, a revista Habitat, que dura até 1954. Projeta em 1951 sua própria residência, no bairro do Morumbi, em São Paulo, apelidada de "casa de vidro", e considerada uma obra paradigmática do racionalismo artístico no país. Esse papel de destaque se completa em 1957, quando inicia o projeto para a nova sede do Masp, na avenida Paulista (completado apenas em 1968), que mantém a praça-belvedere aberta no piso térreo, suspendendo o edifício com um arrojado vão de 70 metros.
Em 1958, transfere-se para Salvador, convidada pelo governador Juracy Magalhães a dirigir o Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM/BA). Na capital baiana, realiza também o projeto de restauro do Solar do Unhão, um conjunto arquitetônico do século XVI tombado na década de 1940 pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan), e se relaciona criativamente com uma série de importantes artistas vanguardistas, como o fotógrafo e etnólogo francês Pierre Verger (1902-1996) e o cineasta Glauber Rocha (1938-1981). De volta a São Paulo após o golpe militar, em 1964, incorpora em seus projetos o legado da temporada nordestina na forma de uma radical "experiência de simplificação" da linguagem. Sua obra a partir daí assume contundentemente o caráter do que qualifica como "arquitetura pobre". São exemplares importantes dessa última fase de sua carreira os suportes museográficos da exposição A Mão do Povo Brasileiro, 1969, feitos de tábuas de pinho de segunda; o edifício do Sesc Pompéia, 1977, adaptação de uma antiga fábrica de tambores; e o Teatro Oficina, 1984, construção que dissolve a rigidez da relação palco-platéia pela criação de um teatro-pista, como um sambódromo.
Análise
Abrangente e interdisciplinar, a atuação de Lina Bo Bardi extrapola os campos da arquitetura e do urbanismo. Estrangeira, compreende a cultura brasileira pelo olhar antropológico, particularmente atento para a convergência entre vanguarda estética e tradição popular. Deixando para trás o "velho mundo", que abandona junto com os sonhos do período pré-guerra, tem a seguinte impressão do Brasil ao desembarcar no Rio de Janeiro, em 1946: "Deslumbre. Para quem chegava pelo mar, o Ministério da Educação e Saúde avançava como um grande navio branco e azul contra o céu. Primeira mensagem de paz após o dilúvio da Segunda Guerra Mundial. Me senti num país inimaginável, onde tudo era possível".
A formação intelectual de Lina combina o racionalismo estético de Le Corbusier (1887-1965) com o pensamento marxista de Antonio Gramsci (1891-1937), voltado para a reflexão sobre a dimensão "nacional-popular" da cultura. Esses elementos, presentes também de certa forma no neo-realismo cinematográfico, dão à arquiteta os instrumentos para considerar a cultura popular, abundante no Brasil, como matéria-prima de uma contribuição fecunda à modernidade, porque "seca e indigesta". Por outro lado, Lina não deixa de perceber o quanto o artesanato brasileiro é rudimentar e escasso, e portanto incapaz de promover uma passagem orgânica para o design industrial moderno.
"Esse é o impasse claramente percebido por ela entre os anos 1950 e 1960: sendo mais africano do que europeu, o Brasil é um país onde a seiva da cultura popular não se esterilizou, no contexto do pós-guerra. No entanto, o problema da verdadeira industrialização tinha fatalmente que ser enfrentado, e uma importante escolha histórica estava em via de se realizar: ou essa cultura industrial vindoura incorporaria criativamente o substrato popular, produzindo algo de singular e genuíno, ou realizaria uma abertura indiscriminada e rebaixada à vulgarização dos objetos de consumo, à pasteurização kitsch." Constatando, posteriormente, a derrota histórica desse modelo de "formação nacional" idealizado por ela, afirma o seguinte: "O Brasil tinha chegado num 'bívio'. Escolheu a finesse".
A temporada passada em Salvador, entre 1958 e 1964, é extremamente profícua tanto para Lina quanto para os jovens artistas baianos. Atraída pelo ambiente de renovação cultural da cidade, em que se combinam a "tensão dos estudantes" e o "caráter fortemente popular da cultura do Nordeste", ela integra um grupo de pensadores vanguardistas estrangeiros responsável por fermentar as revoluções artísticas que ocorrem ali: no cinema, com Glauber Rocha, e na música popular, com Caetano Veloso (1942) e Gilberto Gil (1942). Para Lina, trata-se de superar a "inércia conservadora do Sul", seu "esnobismo cultural", para encontrar soluções diretas, despidas, próximas à lógica popular. Exemplos felizes dessa "experiência de simplificação" formal e construtiva são a escada de madeira do Solar do Unhão, 1959, em Salvador, que combina uma forma geométrica rigorosa com o sistema de encaixes dos carros de boi, e a "cadeira de beira de estrada", 1967, cujo desenho sintético utiliza apenas três galhos e um tronco. Entram nessa conta seus suportes museográficos para o Masp, com placas de cristal apoiadas em blocos de concreto, e para as mostras Bahia no Ibirapuera, 1959, e Exposição Nordeste, 1963, cujas bases e vitrines são feitas de caixas de madeira barata, expondo objetos populares na forma de um acúmulo visual. O golpe militar de 1964 interrompe a frágil circunstância política que permite sua atuação na cidade.
De volta a São Paulo, e parecendo reconhecer o obscurecimento de uma via possível de integração entre a tradição popular pré-burguesa e o desenvolvimento industrial, Lina radicaliza o caráter experimental de sua obra, reforçando os laços com a "estética da fome" do cinema novo, e com o sincretismo pop do tropicalismo. Vem daí, também, a admiração devotada ao seu trabalho por parte de alguns arquitetos ligados à revisão crítica do movimento moderno na Europa, como o holandês Aldo Van Eyck (1918-1999), destacado integrante do Team X. A rudeza dos acabamentos do edifício do Masp, 1957/1968 (o concreto aparente da estrutura, os painéis-cavalete desglamourizados), expressa a radicalidade dessa nova orientação, que Lina chama de "arquitetura pobre". O que não quer dizer que ela tenha renunciado à exploração da tecnologia industrial em seus projetos. Feito com vigas de concreto protendido, e tendo uma laje inteiramente suspensa por cabos de aço, o edifício do Masp, calculado pelo engenheiro João Carlos de Figueiredo Ferraz, representa por muito tempo o "maior vão livre da América Latina".
No primeiro número da revista Habitat, 1950, fundada e dirigida por Lina, ela elogia a "moral severa" das obras de Vilanova Artigas (1915-1985), observando que cada casa projetada pelo arquiteto "quebra todos os espelhos do salão burguês". No seu projeto para o Sesc Pompéia, 1977, adaptando uma antiga fábrica de tambores, a mesma rudeza está presente no desenho do mobiliário, e no contraste entre a madeira desse mobiliário e o concreto bruto da estrutura dos galpões e das novas paredes cegas. E concreto bruto, por sua vez, é amplamente empregado nas duas torres interligadas por passarelas que definem o conjunto esportivo do Sesc, concebido como uma "cidadela" provocativamente "feia": "é um silo, bunker, container", diz ela.
Na segunda metade dos anos 1980, Lina retorna a Salvador, convidada a conceber um plano de recuperação do centro histórico da cidade. Nessa ocasião, acompanhada de Marcelo Carvalho Ferraz (1955) e Marcelo Suzuki, realiza o projeto da Casa do Benin, no Pelourinho, 1987, e a recuperação das encostas da ladeira da Misericórdia, erguendo contrafortes nitidamente destacados dos muros remanescentes do século XVIII, e utilizando, para as construções novas, painéis leves e pré-moldados de argamassa armada desenvolvidos pelo arquiteto João Filgueiras Lima (1932-2014), o Lelé, em usina local.
A personalidade inquieta e contestadora de Lina não se separa de sua obra. Como define o crítico italiano Bruno Zevi (1918-2000): "Lina foi uma herética em vestes aristocráticas, uma esfarrapada elegante, uma subversiva circulando em ambientes luxuosos".
Fonte: LINA Bo Bardi. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2020. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa1646/lina-bo-bardi>. Acesso em: 07 de novembro. 2019. Verbete da Enciclopédia. ISBN: 978-85-7979-060-7
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Biografia Wikipédia
Lina estudou na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Roma durante a década de 1930 mas mudou-se para Milão, onde trabalhou para Giò Ponti, dono de uma casa chamada Domus. Ganha certa notoriedade e estabelece escritório próprio, mas durante a II Guerra Mundial enfrenta um período de poucos serviços, chegando a ter o escritório bombardeado em 1943. Conhece o profissional e arquiteto Bruno Zevi, com quem funda a revista semanal A cultura della vita. Neste período Lina ingressa no Partido Comunista Italiano e participa da resistência à invasão alemã (1943).
Casa-se com o jornalista Pietro Maria Bardi, em 1946 e neste ano, em parte devido aos traumas da guerra e à sensação de destruição, parte para o Brasil, país que acolherá como lar e onde passará o resto da vida, naturalizando-se brasileira em 1951.
No Brasil, Lina encontra uma nova potência para suas ideias. Existe, para a arquiteta, uma possibilidade de concretização das ideias propostas pela arquitetura moderna (da qual Lina insere-se diretamente), num país com uma cultura recente, em formação, diferente do pensamento europeu. Ao chegar no Brasil, Lina deseja morar no Rio de Janeiro. Encanta-se com a natureza da cidade e o edifício moderno do Ministério da Educação e Saúde Pública (Edifício Gustavo Capanema, projetado por uma equipe de jovens arquitetos liderados por Lucio Costa que tiveram consultoria de Le Corbusier). Instala-se, porém, em São Paulo, projetando e construindo, mais tarde, uma casa no bairro do Morumbi, a Casa de Vidro.
No País, Lina desenvolve uma imensa admiração pela cultura popular, sendo esta uma das principais influências de seu trabalho. Inicia, então, uma coleção de arte popular e sua produção adquire sempre uma dimensão de diálogo entre o Moderno e o Popular. Lina fala em um espaço a ser construído pelas próprias pessoas, um espaço inacabado que seria preenchido pelo uso popular cotidiano.
Os Bardi tornam-se personagens constantes na vida intelectual do país, relacionando-se com personalidades diversas da cultura brasileira. Tendo conhecido Assis Chateubriand neste período, Lina aceita o pedido do projeto da sede, um museu sugerido pelo jornalista. No final dos anos 1950, aceitando um convite de Diógenes Rebouças, vai para Salvador proferir uma série de palestras. É o início de uma temporada na Bahia, onde dirigiu o Museu de Arte Moderna e fez o projeto de recuperação do Solar do Unhão. Dona Lina, como os baianos a chamavam, permaneceu em Salvador até 1964.
No final da década de 1970 executou uma das obras mais paradigmáticas, o SESC Pompeia, que se tornou uma forte referência para a história da arquitetura na segunda metade do século XX.
Esteve em Salvador ainda na década de 80, período de redemocratização do país, quando elaborou projetos de restauração no centro histórico de Salvador, reconhecido pela UNESCO como Patrimônio da Humanidade com a parceria dos arquitetos Marcelo Ferraz e Marcelo Suzuki. Nesta ocasião, os projetos para a Casa do Benin e do Restaurante na Ladeira da Misericórdia contaram também com a parceria do arquiteto João Filgueiras Lima.
Lina manteve intensa produção cultural até o fim da vida, em 1992. Faleceu, porém, realizando o antigo sonho de morrer trabalhando, deixando inacabado o projeto de reforma da Prefeitura de São Paulo.
“Eu tenho projetado algumas casas, mas só para pessoas que eu conheço. Tenho horror em projetar casas para madames, onde entra aquela conversa insípida em torno da discussão de como vai ser a piscina, as cortinas (...) Gostaria muito de fazer casas populares.”
A frase mostra o estilo pessoal de Lina e o seu horror à futilidade. Seus projetos, como a Casa Valéria Cirell e o Sesc Pompéia, refletem essa marcante característica.
Obras
Além das obras de arquitetura, Lina produziu para o teatro, cinema, artes plásticas, cenografia, desenho de mobiliário, entre outros. Também participou da curadoria de diversas exposições.
Principais obras
No campo da arquitetura, entre suas obras de destaque se encontram:
Casa de Vidro / Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi, São Paulo, 1951 - originalmente a residência do casal e hoje sede do Instituto idealizado por eles.
Museu de Arte de São Paulo, São Paulo, 1958 - considerada sua obra prima.
Casa do Chame-Chame, Salvador, Bahia, 1964.
Casa Valéria Cirell, São Paulo, 1965.
Solar do Unhão - Museu de Arte Moderna da Bahia, Salvador, 1963.
Igreja do Espírito Santo do Cerrado, Uberlândia- Minas Gerais, 1976
SESC Pompéia - Fábrica , São Paulo, 1977.
Reforma do Teatro Politeama (Jundiaí), 1986.
Teatro Oficina, São Paulo, 1990.
Reforma do Palácio das Indústrias, São Paulo 1992 - inconclusa.
Fonte e crédito fotográfico: Wikipédia, consultado pela última vez em 07 de novembro de 2019.
Achillina Bo Bardi (Roma, Itália, 5 de dezembro de 1914 — São Paulo, SP, 20 de março de 1992), mais conhecida como Lina Bo Bardi, foi uma arquiteta modernista, designer, cenógrafa, editora, ilustradora italiana, radicada no Brasil. É conhecida por ter projetado o Museu de Arte de São Paulo (MASP) e foi casada com o crítico de arte Pietro Maria Bardi.
Biografia Itaú Cultural
Após estudar desenho no Liceu Artístico, forma-se, em 1940, na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Roma. A faculdade, dirigida pelo arquiteto tradicionalista Marcello Piacentini (1881-1960), privilegia uma tendência histórico-classicizante, que Lina chama de "nostalgia estilístico-áulica". Em desacordo com essa orientação valorizada pelo fascismo, predominante em Roma, ela se transfere para Milão, onde trabalha com o arquiteto Gió Ponti (1891-1979), líder do movimento pela valorização do artesanato italiano e diretor das Trienais de Milão e da revista Domus. Em pouco tempo ela própria passa a dirigir a revista e a atuar politicamente integrando a resistência à ocupação alemã durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), e colaborando com o Partido Comunista Italiano (PCI), então clandestino. Ainda em Milão, funda, ao lado do crítico Bruno Zevi (1918-2000), a revista A-Cultura della Vita.
Em 1946, após o fim da guerra, casa-se com o crítico e historiador da arte Pietro Maria Bardi (1900-1999), com quem viaja para o Brasil - país no qual o casal decide se fixar, e que Lina chama de "minha pátria de escolha". No ano seguinte, Pietro Maria Bardi é convidado pelo jornalista Assis Chateaubriand (1892-1968) a fundar e dirigir o Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (Masp), em São Paulo. Lina projeta as instalações do museu, em que se destaca a cadeira dobrável de madeira e couro para o auditório, considerada "a primeira cadeira moderna do Brasil". Em 1948, funda com o arquiteto italiano Giancarlo Palanti (1906-1977) o Studio d'Arte Palma, voltado à produção manufatureira de móveis de madeira compensada e materiais "brasileiros populares", como a chita e o couro. Sua inserção mais efetiva no meio arquitetônico nacional se dá, inicialmente, pela atuação editorial, quando cria, em 1950, a revista Habitat, que dura até 1954. Projeta em 1951 sua própria residência, no bairro do Morumbi, em São Paulo, apelidada de "casa de vidro", e considerada uma obra paradigmática do racionalismo artístico no país. Esse papel de destaque se completa em 1957, quando inicia o projeto para a nova sede do Masp, na avenida Paulista (completado apenas em 1968), que mantém a praça-belvedere aberta no piso térreo, suspendendo o edifício com um arrojado vão de 70 metros.
Em 1958, transfere-se para Salvador, convidada pelo governador Juracy Magalhães a dirigir o Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM/BA). Na capital baiana, realiza também o projeto de restauro do Solar do Unhão, um conjunto arquitetônico do século XVI tombado na década de 1940 pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan), e se relaciona criativamente com uma série de importantes artistas vanguardistas, como o fotógrafo e etnólogo francês Pierre Verger (1902-1996) e o cineasta Glauber Rocha (1938-1981). De volta a São Paulo após o golpe militar, em 1964, incorpora em seus projetos o legado da temporada nordestina na forma de uma radical "experiência de simplificação" da linguagem. Sua obra a partir daí assume contundentemente o caráter do que qualifica como "arquitetura pobre". São exemplares importantes dessa última fase de sua carreira os suportes museográficos da exposição A Mão do Povo Brasileiro, 1969, feitos de tábuas de pinho de segunda; o edifício do Sesc Pompéia, 1977, adaptação de uma antiga fábrica de tambores; e o Teatro Oficina, 1984, construção que dissolve a rigidez da relação palco-platéia pela criação de um teatro-pista, como um sambódromo.
Análise
Abrangente e interdisciplinar, a atuação de Lina Bo Bardi extrapola os campos da arquitetura e do urbanismo. Estrangeira, compreende a cultura brasileira pelo olhar antropológico, particularmente atento para a convergência entre vanguarda estética e tradição popular. Deixando para trás o "velho mundo", que abandona junto com os sonhos do período pré-guerra, tem a seguinte impressão do Brasil ao desembarcar no Rio de Janeiro, em 1946: "Deslumbre. Para quem chegava pelo mar, o Ministério da Educação e Saúde avançava como um grande navio branco e azul contra o céu. Primeira mensagem de paz após o dilúvio da Segunda Guerra Mundial. Me senti num país inimaginável, onde tudo era possível".
A formação intelectual de Lina combina o racionalismo estético de Le Corbusier (1887-1965) com o pensamento marxista de Antonio Gramsci (1891-1937), voltado para a reflexão sobre a dimensão "nacional-popular" da cultura. Esses elementos, presentes também de certa forma no neo-realismo cinematográfico, dão à arquiteta os instrumentos para considerar a cultura popular, abundante no Brasil, como matéria-prima de uma contribuição fecunda à modernidade, porque "seca e indigesta". Por outro lado, Lina não deixa de perceber o quanto o artesanato brasileiro é rudimentar e escasso, e portanto incapaz de promover uma passagem orgânica para o design industrial moderno.
"Esse é o impasse claramente percebido por ela entre os anos 1950 e 1960: sendo mais africano do que europeu, o Brasil é um país onde a seiva da cultura popular não se esterilizou, no contexto do pós-guerra. No entanto, o problema da verdadeira industrialização tinha fatalmente que ser enfrentado, e uma importante escolha histórica estava em via de se realizar: ou essa cultura industrial vindoura incorporaria criativamente o substrato popular, produzindo algo de singular e genuíno, ou realizaria uma abertura indiscriminada e rebaixada à vulgarização dos objetos de consumo, à pasteurização kitsch." Constatando, posteriormente, a derrota histórica desse modelo de "formação nacional" idealizado por ela, afirma o seguinte: "O Brasil tinha chegado num 'bívio'. Escolheu a finesse".
A temporada passada em Salvador, entre 1958 e 1964, é extremamente profícua tanto para Lina quanto para os jovens artistas baianos. Atraída pelo ambiente de renovação cultural da cidade, em que se combinam a "tensão dos estudantes" e o "caráter fortemente popular da cultura do Nordeste", ela integra um grupo de pensadores vanguardistas estrangeiros responsável por fermentar as revoluções artísticas que ocorrem ali: no cinema, com Glauber Rocha, e na música popular, com Caetano Veloso (1942) e Gilberto Gil (1942). Para Lina, trata-se de superar a "inércia conservadora do Sul", seu "esnobismo cultural", para encontrar soluções diretas, despidas, próximas à lógica popular. Exemplos felizes dessa "experiência de simplificação" formal e construtiva são a escada de madeira do Solar do Unhão, 1959, em Salvador, que combina uma forma geométrica rigorosa com o sistema de encaixes dos carros de boi, e a "cadeira de beira de estrada", 1967, cujo desenho sintético utiliza apenas três galhos e um tronco. Entram nessa conta seus suportes museográficos para o Masp, com placas de cristal apoiadas em blocos de concreto, e para as mostras Bahia no Ibirapuera, 1959, e Exposição Nordeste, 1963, cujas bases e vitrines são feitas de caixas de madeira barata, expondo objetos populares na forma de um acúmulo visual. O golpe militar de 1964 interrompe a frágil circunstância política que permite sua atuação na cidade.
De volta a São Paulo, e parecendo reconhecer o obscurecimento de uma via possível de integração entre a tradição popular pré-burguesa e o desenvolvimento industrial, Lina radicaliza o caráter experimental de sua obra, reforçando os laços com a "estética da fome" do cinema novo, e com o sincretismo pop do tropicalismo. Vem daí, também, a admiração devotada ao seu trabalho por parte de alguns arquitetos ligados à revisão crítica do movimento moderno na Europa, como o holandês Aldo Van Eyck (1918-1999), destacado integrante do Team X. A rudeza dos acabamentos do edifício do Masp, 1957/1968 (o concreto aparente da estrutura, os painéis-cavalete desglamourizados), expressa a radicalidade dessa nova orientação, que Lina chama de "arquitetura pobre". O que não quer dizer que ela tenha renunciado à exploração da tecnologia industrial em seus projetos. Feito com vigas de concreto protendido, e tendo uma laje inteiramente suspensa por cabos de aço, o edifício do Masp, calculado pelo engenheiro João Carlos de Figueiredo Ferraz, representa por muito tempo o "maior vão livre da América Latina".
No primeiro número da revista Habitat, 1950, fundada e dirigida por Lina, ela elogia a "moral severa" das obras de Vilanova Artigas (1915-1985), observando que cada casa projetada pelo arquiteto "quebra todos os espelhos do salão burguês". No seu projeto para o Sesc Pompéia, 1977, adaptando uma antiga fábrica de tambores, a mesma rudeza está presente no desenho do mobiliário, e no contraste entre a madeira desse mobiliário e o concreto bruto da estrutura dos galpões e das novas paredes cegas. E concreto bruto, por sua vez, é amplamente empregado nas duas torres interligadas por passarelas que definem o conjunto esportivo do Sesc, concebido como uma "cidadela" provocativamente "feia": "é um silo, bunker, container", diz ela.
Na segunda metade dos anos 1980, Lina retorna a Salvador, convidada a conceber um plano de recuperação do centro histórico da cidade. Nessa ocasião, acompanhada de Marcelo Carvalho Ferraz (1955) e Marcelo Suzuki, realiza o projeto da Casa do Benin, no Pelourinho, 1987, e a recuperação das encostas da ladeira da Misericórdia, erguendo contrafortes nitidamente destacados dos muros remanescentes do século XVIII, e utilizando, para as construções novas, painéis leves e pré-moldados de argamassa armada desenvolvidos pelo arquiteto João Filgueiras Lima (1932-2014), o Lelé, em usina local.
A personalidade inquieta e contestadora de Lina não se separa de sua obra. Como define o crítico italiano Bruno Zevi (1918-2000): "Lina foi uma herética em vestes aristocráticas, uma esfarrapada elegante, uma subversiva circulando em ambientes luxuosos".
Fonte: LINA Bo Bardi. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2020. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa1646/lina-bo-bardi>. Acesso em: 07 de novembro. 2019. Verbete da Enciclopédia. ISBN: 978-85-7979-060-7
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Biografia Wikipédia
Lina estudou na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Roma durante a década de 1930 mas mudou-se para Milão, onde trabalhou para Giò Ponti, dono de uma casa chamada Domus. Ganha certa notoriedade e estabelece escritório próprio, mas durante a II Guerra Mundial enfrenta um período de poucos serviços, chegando a ter o escritório bombardeado em 1943. Conhece o profissional e arquiteto Bruno Zevi, com quem funda a revista semanal A cultura della vita. Neste período Lina ingressa no Partido Comunista Italiano e participa da resistência à invasão alemã (1943).
Casa-se com o jornalista Pietro Maria Bardi, em 1946 e neste ano, em parte devido aos traumas da guerra e à sensação de destruição, parte para o Brasil, país que acolherá como lar e onde passará o resto da vida, naturalizando-se brasileira em 1951.
No Brasil, Lina encontra uma nova potência para suas ideias. Existe, para a arquiteta, uma possibilidade de concretização das ideias propostas pela arquitetura moderna (da qual Lina insere-se diretamente), num país com uma cultura recente, em formação, diferente do pensamento europeu. Ao chegar no Brasil, Lina deseja morar no Rio de Janeiro. Encanta-se com a natureza da cidade e o edifício moderno do Ministério da Educação e Saúde Pública (Edifício Gustavo Capanema, projetado por uma equipe de jovens arquitetos liderados por Lucio Costa que tiveram consultoria de Le Corbusier). Instala-se, porém, em São Paulo, projetando e construindo, mais tarde, uma casa no bairro do Morumbi, a Casa de Vidro.
No País, Lina desenvolve uma imensa admiração pela cultura popular, sendo esta uma das principais influências de seu trabalho. Inicia, então, uma coleção de arte popular e sua produção adquire sempre uma dimensão de diálogo entre o Moderno e o Popular. Lina fala em um espaço a ser construído pelas próprias pessoas, um espaço inacabado que seria preenchido pelo uso popular cotidiano.
Os Bardi tornam-se personagens constantes na vida intelectual do país, relacionando-se com personalidades diversas da cultura brasileira. Tendo conhecido Assis Chateubriand neste período, Lina aceita o pedido do projeto da sede, um museu sugerido pelo jornalista. No final dos anos 1950, aceitando um convite de Diógenes Rebouças, vai para Salvador proferir uma série de palestras. É o início de uma temporada na Bahia, onde dirigiu o Museu de Arte Moderna e fez o projeto de recuperação do Solar do Unhão. Dona Lina, como os baianos a chamavam, permaneceu em Salvador até 1964.
No final da década de 1970 executou uma das obras mais paradigmáticas, o SESC Pompeia, que se tornou uma forte referência para a história da arquitetura na segunda metade do século XX.
Esteve em Salvador ainda na década de 80, período de redemocratização do país, quando elaborou projetos de restauração no centro histórico de Salvador, reconhecido pela UNESCO como Patrimônio da Humanidade com a parceria dos arquitetos Marcelo Ferraz e Marcelo Suzuki. Nesta ocasião, os projetos para a Casa do Benin e do Restaurante na Ladeira da Misericórdia contaram também com a parceria do arquiteto João Filgueiras Lima.
Lina manteve intensa produção cultural até o fim da vida, em 1992. Faleceu, porém, realizando o antigo sonho de morrer trabalhando, deixando inacabado o projeto de reforma da Prefeitura de São Paulo.
“Eu tenho projetado algumas casas, mas só para pessoas que eu conheço. Tenho horror em projetar casas para madames, onde entra aquela conversa insípida em torno da discussão de como vai ser a piscina, as cortinas (...) Gostaria muito de fazer casas populares.”
A frase mostra o estilo pessoal de Lina e o seu horror à futilidade. Seus projetos, como a Casa Valéria Cirell e o Sesc Pompéia, refletem essa marcante característica.
Obras
Além das obras de arquitetura, Lina produziu para o teatro, cinema, artes plásticas, cenografia, desenho de mobiliário, entre outros. Também participou da curadoria de diversas exposições.
Principais obras
No campo da arquitetura, entre suas obras de destaque se encontram:
Casa de Vidro / Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi, São Paulo, 1951 - originalmente a residência do casal e hoje sede do Instituto idealizado por eles.
Museu de Arte de São Paulo, São Paulo, 1958 - considerada sua obra prima.
Casa do Chame-Chame, Salvador, Bahia, 1964.
Casa Valéria Cirell, São Paulo, 1965.
Solar do Unhão - Museu de Arte Moderna da Bahia, Salvador, 1963.
Igreja do Espírito Santo do Cerrado, Uberlândia- Minas Gerais, 1976
SESC Pompéia - Fábrica , São Paulo, 1977.
Reforma do Teatro Politeama (Jundiaí), 1986.
Teatro Oficina, São Paulo, 1990.
Reforma do Palácio das Indústrias, São Paulo 1992 - inconclusa.
Fonte e crédito fotográfico: Wikipédia, consultado pela última vez em 07 de novembro de 2019.