Mestre Piranga (Piranga, Minas Gerais, XVIII), também conhecido como Mestre de Piranga, foi um escultor mineiro. Tido como um dos mais importantes santistas do barroco mineiro, ficou conhecido como Mestre Piranga devido às peças encontradas no Vale do Rio Piranga, ao sul de Ouro Preto. Suas imagens católicas têm importante valor histórico e artístico, são consideradas assemelhadas e influenciadas pela obra de Aleijadinho. Suas peças possuem estilemas acentuados, como os ombros exageradamente largos, planejamentos talhados de forma sumária em sulcos profundos e movimentos circulares nas mangas e na altura dos joelhos, os olhos grandes e esbugalhados, que chamam a atenção, são a assinatura do escultor. Suas obras são reconhecidas no Brasil e no Mundo, tida como um ícone da imaginária barroca mineira do século XVIII, apesar de sua identidade e biografia permanecerem desconhecidas. As obras de Mestre Piranga podem ser vistas no Museu Mineiro de Belo Horizonte.
Turismo Criativo, Barroco Mineiro
O Barroco Mineiro destaca-se pela autonomia e originalidade, gerada pela diversidade cultural e adaptação das matérias primas e ferramentas utilizadas pelos artistas na realização de suas obras. Divide se em três fases sendo:
Esse período catalogou para Minas Gerais obras de grande valor econômico e histórico, que não são protegidas como deveriam, pois nas três últimas décadas totalizam mais de 430 peças barrocas mineiras roubadas de igrejas e museus.
Os artistas que compõem esse “catálogo” são variados destacando Aleijadinho, Athayde, Mestre Piranga, entre outros.
O Gênio Desconhecido do Barroco
O Mestre de Piranga viveu no século XVIII, na cidade de Piranga/MG, não é um artista conhecido popularmente, principalmente em sua cidade, mas entre os historiadores se destaca como importante escultor barroco e pela fácil identificação de suas obras.
Considerado zombeteiro, desafiador e enigmático suas obras são caracterizadas por um domínio de forma quase clássico e interpretações quase expressionistas:
Olhos desnivelados, um mais baixo que o outro “vesgos”;
Cabeça menor que um sétimo do tronco;
Tipos físicos miscigenados do interior de Minas;
Ombros largos;
Formas circulares dos joelhos.
Na cidade em que viveu, Piranga, hoje, ele também é apenas uma referência distante. Quase ninguém sabe quem foi e não existe um acervo municipal e suas imagens desapareceram das igrejas locais.
Em 1966, sumiu o mais importante elo entre o escultor e sua cidade: a igreja matriz da cidade, cenário de sua obra mestra, foi dinamitada para dar lugar a uma nova matriz, um “monstruoso disco voador de concreto”.
A Igreja de Bom Jesus de Matozinhos, tombada pelo Iphan em 1998, é palco anualmente de uma grande romaria. A romaria acontece há mais de 215 anos foi autorizada pelo Papa pio VI em 1786. A devoção a Bom Jesus de Matozinhos tem origem em uma espécie de lenda local. Conta-se que nos idos de 1780 começou a ocorrer um estranho fenômeno no lugarejo: a imagem do Cristo crucificado da igrejinha central do distrito desapareceu misteriosamente e reapareceu no matagal que havia no alto do morro, a 1 km dali.
Recuperavam a imagem e repunham-na no lugar, mas ela tornava a aparecer no mesmo lugar. Os habitantes e o padre tomaram aquilo como um sinal e resolveram construir uma igreja no local onde a imagem aparecia. Curioso é que a imagem ainda está lá, num compartimento atrás do altar, de costas para outro Cristo crucificado e carrega consigo uma marca dos artistas “politizados” do barroco: além de crucificado, o Cristo tem a marca da forca no pescoço (referências segundo dizem, a Tiradentes e sua causa libertária).
Suas obras podem ser encontradas em coleções particulares de Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Museus de Nova Iorque e Rio de Janeiro, na Igreja de Nossa Senhora do Rosário em Piranga-MG, Igreja de Bom Jesus de Matosinhos (tombada pelo Iphan, 1998) em Santo Antônio do Pirapetinga e em diversos arraiais do ciclo do ouro.
Segundo historiadores e colecionadores a divulgação do artista Mestre de Piranga e suas obras é deficitária devido à falta de estudos e referências acadêmicas. Essa falta não tira a importância de suas obras, mas as tornam silenciosas.
Fonte: Turismo Criativo, Barroco Mineiro - Mestre de Piranga. Consultado pela última vez em 13 de dezembro de 2022.
Exposições Póstumas
2002 - Aleijadinho e Mestre Piranga: imagens da Coleção Renato Whitaker
2002 - Barroco no Museu Nacional de Belas Artes
2005 - Antonio Francisco Lisboa... de mim e dos meus oficiais...
2006 - Aleijadinho e Seu Tempo: fé, engenho e arte
2007 - Aleijadinho e Seu Tempo: fé, engenho e arte
2007 - Aleijadinho e Seu Tempo: fé, engenho e arte
2013 - Vontade Construtiva na Coleção Fadel
2014 - Há Escolas que São Gaiolas e Há Escolas que São Asas - Programa Arte e Sociedade no Brasil
Fonte: MESTRE Piranga. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2022. Acesso em: 12 de dezembro de 2022. Verbete da Enciclopédia. ISBN: 978-85-7979-060-7
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Mestre Piranga surge em nove esculturas
Quem terá sido Mestre Piranga? Pouco se sabe sobre esse escultor, o que, curiosamente, acaba não abrindo precedentes para a criação de mitos por trás de sua figura, ao contrário de Antônio Francisco Lisboa.
Pela própria denominação, podem-se inferir algumas características desse escultor que revelem mais do seu trabalho do que de sua biografia. As peças de Mestre Piranga foram encontradas no vale do rio Piranga, em Minas Gerais. "Mestre" poderia revelar a função que exerceria naquela estrutura de ofício mecânico.
Ombros largos, formas circulares principalmente na altura dos joelhos e nas mangas e olhos desnivelados são algumas das principais características das obras atribuídas ao artista -e nove delas podem ser vistas na Pinacoteca.
"Mestre Piranga trabalha com dois universos absolutamente fundidos. Não vamos falar de maneirismo, barroco, rococó, isso serve para a Itália. Aqui, não há mais tanto o cânone, uma erudição, mas ele utiliza, por exemplo, na escultura do São Bento, a lição dos hachurados dos beneditinos do século 17, ao mesmo tempo em que aproveita a talha mais solta do Aleijadinho", explica o curador Dalton Sala, que destaca detalhes curiosos, como um passarinho pousado logo atrás do São Bento de Mestre Piranga.
"Ele reproduz o santo de modelo europeu, mas coloca esse passarinho, inventa algo novo. Como não tem formação erudita, acaba por compensá-la com criatividade."
Fonte: Folha de São Paulo. Consultado pela última vez em 13 de dezembro de 2022.
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Mestre Piranga - Só pesquisa põe fim ao mistério | Grupo Oficina de Restauro
Identificação de Mestre Piranga depende de estudos em arquivos e igrejas do interior de Minas Gerais sobre as atividades de Antônio Meireles Pinto e José Meireles Pinto.
O legado atribuído a Mestre Piranga retrata período da história de Minas Gerais marcado pela presença atuante de renomados artistas, que produziam obras com características próprias se comparadas às de outros centros da colônia. As esculturas são marcadas pela leveza, ascendência, afetação, assimetria e, em muitos casos, aliam o aspecto caricatural ao tratamento refinado das figuras, como revelam as imagens em tamanho natural dos Passos da Paixão de Congonhas, assinadas por Aleijadinho e consideradas Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco.
O ambiente propício para a proliferação de capelas e igrejas nas áreas rurais também contribuiu para o surgimento de significativa quantidade de escultores populares em Minas, cujas identidades, assim como a de Mestre Piranga, permanecem no anonimato. A intenção dos pesquisadores Adriano Ramos e Célio Macedo Alves, a partir da descoberta de pistas sobre a possível identidade do artista que atuou na região do Vale do Piranga, é buscar apoio para intensificar as investigações e solucionar o mistério.
“Se ficarmos uns seis meses mergulhados em arquivos e pesquisando na região, novas descobertas surgirão”, aposta Adriano. A linha de trabalho que pretendem desenvolver defende que há fortes possibilidades de Antônio Meireles Pinto, José Meireles Pinto, ou os dois juntos, desvendarem o mistério em torno de Mestre Piranga.
Argumentos
De acordo com os pesquisadores, praticamente todos os artistas envolvidos na decoração interna dos monumentos da região do Vale do Piranga (inclusive do Santuário do Bom Jesus do Matozinhos do Bacalhau) já tiveram as respectivas obras estudadas. Constatou-se que nem o irmão de Aleijadinho, padre Antônio Félix Lisboa, nem mesmo os escultores Manoel Dias e Vicente Fernandes Pinto (o qual, presume-se, poderia ter algum parentesco com a família Meireles Pinto) apresentam características formais parecidas às de Mestre Piranga. O mesmo não ocorre com os indícios encontrados nos trabalhos de Antônio de Meireles Pinto e José de Meireles Pinto.
A constante presença na região da família Meireles Pinto, comprovada documentalmente de 1780 à segunda década do século 19, fortalece a tese de que eles ou um deles era o responsável pela oficina atribuída a Mestre Piranga.
Por outro lado, a descoberta, nos arquivos da Casa Setecentista de Mariana, de documentos que relacionam Antônio de Meireles Pinto com Rio Pomba (em 1806, foi citado como entalhador; e português, em 1813, em ação cível envolvendo questão de terras), aliada ao fato de ter sido encontrada na região uma imagem (Nossa Senhora das Mercês) com todas as características de Mestre Piranga, reforça a tese de que a linha de investigação adotada pelos especialistas Adriano Ramos e Célio Macedo Alves pode estar no caminho certo.
A voz do povo
A notícia de que a imagem de Nossa Senhora das Mercês pode ser de Mestre Piranga pegou de surpresa os habitantes de Mercês, município de 10 mil habitantes da Zona da Mata, distante 230 quilômetros de Belo Horizonte. Nos arquivos da paróquia onde a imagem da padroeira ocupa o centro do altar-mor, não há documentação que comprove a ligação da escultura com o artista que atuou de forma intensa no Vale do Piranga. Mas, de acordo com o padre Valter Magno de Carvalho, a suspeita não é novidade.
“Já ouvi o cônego de Dores do Turvo, Nelson Marota, de 90 anos, comentar sobre a possibilidade de ela ser de Mestre Piranga. São imagens antigas, não temos a data precisa de quando elas foram feitas”, afirma padre Valter. O cônego confirma a conversa, mas não se lembra de detalhes dela. “Não tenho a menor lembrança de quem me contou, já faz bastante tempo, me esqueci por completo. Só me lembro de que foi levantada esta suspeita”, confirma.
A aparência de Nossa Senhora das Mercês não é a mesma da época em que a imagem foi criada, como mostra uma foto antiga encontrada na sacristia da própria igreja. A Nossa Senhora das Mercês atual tem o manto coberto por camada espessa de tinta azul claro, bem diferente da sutileza do bege de antigamente. O padre Valter Carvalho conta que, na década de 1980, a imagem passou por processo de restauração e foi repintada. “Temos o maior interesse em restaurá-la, devolvendo-lhe a aparência original. Mas o processo é caro. Quando cheguei, as imagens usadas na Semana Santa estavam infestadas de cupins. Tivemos de recuperá-las com urgência”.
A possível autoria da imagem intriga os fiéis. O sacristão Valdeis Heleno de Souza nunca ouviu falar sobre o assunto. “Tenho bastante curiosidade em descobrir quem é o responsável, pois essa imagem é símbolo de muita fé. O jubileu de setembro atrai gente de toda a região”, diz. Outra que também está intrigada em relação à santa é a auxiliar de serviços gerais Glória Coelho. “É uma imagem muito bonita, antiga, e ninguém sabe ao certo quem a fez. O mistério só aumenta nossa curiosidade”, conclui.
Fonte: Oficina de Restauro - Mestre Piranga, escrito por Sérgio Rodrigo Reis, publicado originalmente no Jornal Estado de Minas. Consultado pela última vez em 12 de dezembro de 2022.
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"Mistério" de Mestre Piranga será revelado em livro e documentário | Estado de Minas
Grupo de pesquisadores do barroco mineiro prepara divulgação de resultado dos seus estudos sobre a origem da oficina que produziu peças de destaque no século 18
A riqueza de Minas Gerais no período colonial contribuiu para o desenvolvimento de ambiente cultural sem precedentes no Brasil do século 18. Para atender à demanda da Igreja Católica, os artífices produziram intensamente obras sacras, que se tornaram um dos principais legados artísticos daquela época. Aleijadinho, que morou em Ouro Preto e atuou em várias partes do estado, é o mais conhecido e valorizado de todos. Mas outros artistas, por falta de pesquisas aprofundadas, permanecem desconhecidos. “Mestre Piranga”, designação da oficina que se instalou na Zona da Mata, é um exemplo que se encaixa perfeitamente nesse contexto.
Para entender esse fenômeno das artes plásticas, aproveitamo-nos aqui do artigo “O imaginário e inimaginável santeiro, todo Aleijadinho”, do falecido museólogo Orlandino Seixas Fernandes, publicado em 1981 no Suplemento Literário de Minas Gerais, que contextualiza o ambiente artístico da Capitania das Minas do Ouro após seu desmembramento da província de São Paulo, homologada pela Coroa portuguesa no ano de 1720:
"... Ao contrário da costa, onde tudo eram sedimentações, conservadorismos e persistências, bem típicos das atividades de comércio, e transporte nelas sobremodo exercidos, nas Alterosas, ao invés, tudo estava sempre por fazer-se ou sendo refeito, nada era estável posto que o próprio solo de contínuo era movido pelo interesse humano ou consequência dele...."
Tratava-se, portanto, de uma sociedade heterogênea, conflitante, em que se relacionavam pessoas de diferentes origens e culturas, com pontos de vistas e níveis educacionais distintos, mesclando o erudito com o popular, de forma tumultuada e dinâmica.
Oficinas
Em meados do século 18, as vilas agruparam uma grande variedade de oficiais e artesãos, permitindo o convívio do "... artista português erudito ao lado do popular e ambos ao lado do improvisador arcaizante, luso ou africano, do improvisador primitivo negro ou indígena, e do exótico imitante a marfins e outros efeitos do Oriente importados", ainda sob a ótica de Seixas Fernandes.
Essas comunidades mineradoras, formadas circunstancialmente, viram-se na necessidade de empregar soluções próprias, criativas, que amenizassem o elevado nível do custo de vida na capitania. A presença de ateliês nas tendas e nos canteiros de obra, com todas as tarefas distribuídas planejadamente, revela o caráter de equipe da produção artística setecentista, também com características artesanais, em que havia esquemas hierárquicos envolvendo aprendizes, ajudantes, além da relação mestre-discípulo.
As esculturas produzidas por “Mestre Piranga” primam pela originalidade, com peculiaridades inconfundíveis, totalmente distintas de tudo do que até então havia sido produzido na Capitania das Minas do Ouro no decorrer do século 18. Sua composição volumosa e de extrema força plástica é realçada pela resolução em saliência dos ombros, recortes ovalados da indumentária na altura dos joelhos, aliada à excessiva dramaticidade anatômica das faces e suas reconhecidas particularidades, como olhos esbugalhados e estrábicos, mais a cabeleira em contornos triangulares.
Esse conjunto escultórico, fora de dúvida, é fruto do envolvimento de variados artesãos e aprendizes que, sob a coordenação de um mestre do ofício, se alinharam esteticamente a um mesmo padrão de criação, haja vista a variedade das obras, as quais, ainda que apresentando diferenças pontuais entre si, mantêm a mesma concepção artística em suas elaborações.
Os recortes ovalados dos panejamentos nas figuras entalhadas, efeito de extremo impacto visual, foram muito empregados pelos escultores europeus que trabalhavam a pedra, material difícil de ser modelado. Sabe-se que os canteiros da Europa, na Idade Média, adotavam determinados procedimentos técnicos com ferramentas especiais, no intuito de conseguirem resultados plásticos de maior realce, obtidos facilmente na madeira, em função da sua maciez.
Ora, essas ogivas, juntamente com os recortes triangulares que dão movimentação aos panejamentos das figuras produzidas pela oficina de Piranga, foram esculpidas única e exclusivamente na madeira e tudo leva a crer que essa técnica tenha sido aproveitada por um profissional com experiência em cantaria e que transportou seu método para o inusitado suporte, fato esse muito comum na região das Minas, palco propício para experimentos e improvisações artísticas.
Fisionomia
Outro aspecto digno de consideração são os traços fisionômicos das figuras representadas, que, de forma alguma, tiveram como referência os clássicos missais e ilustrações religiosas vindos de além-mar. Os rostos são puramente populares e se encaixam conceitualmente no que o museólogo Orlandino Seixas Fernandes designava como “abrasileiramento”, em artigo no qual se refere aos arquétipos mulatos nas obras escultóricas de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho.
No caso de Piranga, percebe-se claramente em algumas figuras que suas feições tendem a uma similaridade com pessoas da zona rural, principalmente na rusticidade de seus traços fisionômicos e na constituição dos membros, com destaque para a resolução das mãos calejadas, como ocorre em várias esculturas masculinas. Há presença também de mão de obra mais refinada, principalmente no trato anatômico, mas prevalecendo, no geral, a propensão de se representarem figuras regionais ao invés dos modelos europeus, tirados das estampas que circulavam na capitania e que nada tinham a ver com esse primitivismo da escola de Piranga.
No século passado, as criações dessa “Oficina de Piranga” passaram a ser disputadas pelos mais exigentes colecionadores e antiquários do país. O verdadeiro nome por trás do apelido famoso permanece incógnito, mas pistas começaram a surgir há algum tempo, quando um grupo de especialistas em Barroco de Belo Horizonte encontrou indícios sobre a identidade dos oficiais envolvidos no “ateliê” e que virão à tona, sob a coordenação do Instituto Flávio Gutierrez, na edição de um documentário, com participação do videomaker Alexandre Máximo e do roteirista Sávio Grossi, e na publicação de um livro sobre “Mestre Piranga”, trabalho dos pesquisadores Angela Gutierrez e deste autor.
As pesquisas se iniciaram pelo retábulo do altar-mor do Santuário de Bom Jesus de Matosinhos, em Santo Antônio de Pirapetinga, apelidado Bacalhau, distrito de Piranga, que foi ajustado com José de Meireles Pinto no ano de 1782 e apresenta dois anjos adoradores nas laterais do coroamento, com todas as características inerentes à “Oficina”. Esse entalhador português trabalhou com uma equipe responsável por serviços na Igreja São Francisco de Assis, de Mariana, em que se destacavam diversos oficiais de renome que, posteriormente, atuariam no Vale do Piranga.
Mistério
Após sua passagem pelo Santuário do Senhor Bom Jesus do Matozinhos, por volta de 1799, Antônio de Meireles Pinto manteve contatos profissionais nos, hoje, municípios de Rio Pomba, Dores do Turvo e Mercês, onde foi encontrada uma peça-chave para auxiliar no desvendamento desse verdadeiro mistério que envolve o “ateliê de Piranga”. A padroeira instalada no altar central da Igreja Nossa Senhora das Mercês tem todas as especificidades dessa oficina, ou seja, estrabismo, panejamento acentuado na altura dos ombros, cabelos em contornos triangulares nas laterais da face e querubins com as particularidades de outros atribuídos à mesma produção artística. Até a presente data, nenhum especialista havia relacionado essa imagem àquela escola.
Esse constante exercício de observação e análise comparativa de detalhes anatômicos ou de pormenores escultóricos, em busca de similaridades entre imagens de determinado autor envolvido no procedimento criativo, diante da ausência de documentação comprobatória, é a única possibilidade real para que o pesquisador se aproxime mais fielmente dos verdadeiros responsáveis pela execução de certas obras.
Em Minas Gerais, até nossos dias, ainda há uma enorme quantidade de artistas e ateliês a serem analisados e identificados, sem entrar no mérito das obras estritamente populares, produzidas em grande escala em toda a capitania. Em meio a esse incomensurável número de obras e autores, muitas esculturas sacras ficam no anonimato ou são equivocadamente atribuídas a esse ou àquele escultor apenas em virtude de pequenas semelhanças morfológicas ou anatômicas, sem se levar em conta que havia na colônia, como ocorria na Europa desde a Idade Média, oficinas que contavam com a presença de diversos oficiais, inclusive em sólidas parcerias e associações ou ainda mediante terceirizações de algumas etapas dos serviços.
Claros vestígios surgidos durante nossas pesquisas, no entanto, permitem-nos conjecturar que o “ateliê de Piranga” foi concebido por Luís Pinheiro juntamente com José de Meireles Pinto e Antônio de Meireles Pinto, envolvendo uma gama de outros artistas em sua rica e variada obra. A nosso ver, ficou a cargo de Pinheiro, devidamente autorizado pelo Senado da Câmara, administrar a oficina na região e, estilisticamente, imprimir às figuras esculpidas os traços mais refinados, como os da Nossa Senhora da Piedade, de Rio Espera.
A ideia do documentário e do lançamento de um livro pelo Instituto Cultural Flávio Gutierrez tem o objetivo de trazer à luz esses artífices, cujos rastros, deixados em suas ações pelos recantos da então Capitania das Minas do Ouro e pelas qualidades artísticas observadas em obras por eles comprovadamente confeccionadas, indicam sua presença na coordenação dessa importante escola, intitulada e aclamada nacionalmente como “Mestre Piranga”.
Fonte: Estado de Minas, escrito por Adriano Ramos - pesquisador de obras de arte, publicado em 28 de fevereiro de 2022. Consultado pela última vez em 13 de dezembro de 2022.
Crédito fotográfico: Estado de Minas, fotografia de Marcelo Sant'Anna. Consultado pela última vez em 13 de dezembro de 2022.
Mestre Piranga (Piranga, Minas Gerais, XVIII), também conhecido como Mestre de Piranga, foi um escultor mineiro. Tido como um dos mais importantes santistas do barroco mineiro, ficou conhecido como Mestre Piranga devido às peças encontradas no Vale do Rio Piranga, ao sul de Ouro Preto. Suas imagens católicas têm importante valor histórico e artístico, são consideradas assemelhadas e influenciadas pela obra de Aleijadinho. Suas peças possuem estilemas acentuados, como os ombros exageradamente largos, planejamentos talhados de forma sumária em sulcos profundos e movimentos circulares nas mangas e na altura dos joelhos, os olhos grandes e esbugalhados, que chamam a atenção, são a assinatura do escultor. Suas obras são reconhecidas no Brasil e no Mundo, tida como um ícone da imaginária barroca mineira do século XVIII, apesar de sua identidade e biografia permanecerem desconhecidas. As obras de Mestre Piranga podem ser vistas no Museu Mineiro de Belo Horizonte.
Turismo Criativo, Barroco Mineiro
O Barroco Mineiro destaca-se pela autonomia e originalidade, gerada pela diversidade cultural e adaptação das matérias primas e ferramentas utilizadas pelos artistas na realização de suas obras. Divide se em três fases sendo:
Esse período catalogou para Minas Gerais obras de grande valor econômico e histórico, que não são protegidas como deveriam, pois nas três últimas décadas totalizam mais de 430 peças barrocas mineiras roubadas de igrejas e museus.
Os artistas que compõem esse “catálogo” são variados destacando Aleijadinho, Athayde, Mestre Piranga, entre outros.
O Gênio Desconhecido do Barroco
O Mestre de Piranga viveu no século XVIII, na cidade de Piranga/MG, não é um artista conhecido popularmente, principalmente em sua cidade, mas entre os historiadores se destaca como importante escultor barroco e pela fácil identificação de suas obras.
Considerado zombeteiro, desafiador e enigmático suas obras são caracterizadas por um domínio de forma quase clássico e interpretações quase expressionistas:
Olhos desnivelados, um mais baixo que o outro “vesgos”;
Cabeça menor que um sétimo do tronco;
Tipos físicos miscigenados do interior de Minas;
Ombros largos;
Formas circulares dos joelhos.
Na cidade em que viveu, Piranga, hoje, ele também é apenas uma referência distante. Quase ninguém sabe quem foi e não existe um acervo municipal e suas imagens desapareceram das igrejas locais.
Em 1966, sumiu o mais importante elo entre o escultor e sua cidade: a igreja matriz da cidade, cenário de sua obra mestra, foi dinamitada para dar lugar a uma nova matriz, um “monstruoso disco voador de concreto”.
A Igreja de Bom Jesus de Matozinhos, tombada pelo Iphan em 1998, é palco anualmente de uma grande romaria. A romaria acontece há mais de 215 anos foi autorizada pelo Papa pio VI em 1786. A devoção a Bom Jesus de Matozinhos tem origem em uma espécie de lenda local. Conta-se que nos idos de 1780 começou a ocorrer um estranho fenômeno no lugarejo: a imagem do Cristo crucificado da igrejinha central do distrito desapareceu misteriosamente e reapareceu no matagal que havia no alto do morro, a 1 km dali.
Recuperavam a imagem e repunham-na no lugar, mas ela tornava a aparecer no mesmo lugar. Os habitantes e o padre tomaram aquilo como um sinal e resolveram construir uma igreja no local onde a imagem aparecia. Curioso é que a imagem ainda está lá, num compartimento atrás do altar, de costas para outro Cristo crucificado e carrega consigo uma marca dos artistas “politizados” do barroco: além de crucificado, o Cristo tem a marca da forca no pescoço (referências segundo dizem, a Tiradentes e sua causa libertária).
Suas obras podem ser encontradas em coleções particulares de Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Museus de Nova Iorque e Rio de Janeiro, na Igreja de Nossa Senhora do Rosário em Piranga-MG, Igreja de Bom Jesus de Matosinhos (tombada pelo Iphan, 1998) em Santo Antônio do Pirapetinga e em diversos arraiais do ciclo do ouro.
Segundo historiadores e colecionadores a divulgação do artista Mestre de Piranga e suas obras é deficitária devido à falta de estudos e referências acadêmicas. Essa falta não tira a importância de suas obras, mas as tornam silenciosas.
Fonte: Turismo Criativo, Barroco Mineiro - Mestre de Piranga. Consultado pela última vez em 13 de dezembro de 2022.
Exposições Póstumas
2002 - Aleijadinho e Mestre Piranga: imagens da Coleção Renato Whitaker
2002 - Barroco no Museu Nacional de Belas Artes
2005 - Antonio Francisco Lisboa... de mim e dos meus oficiais...
2006 - Aleijadinho e Seu Tempo: fé, engenho e arte
2007 - Aleijadinho e Seu Tempo: fé, engenho e arte
2007 - Aleijadinho e Seu Tempo: fé, engenho e arte
2013 - Vontade Construtiva na Coleção Fadel
2014 - Há Escolas que São Gaiolas e Há Escolas que São Asas - Programa Arte e Sociedade no Brasil
Fonte: MESTRE Piranga. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2022. Acesso em: 12 de dezembro de 2022. Verbete da Enciclopédia. ISBN: 978-85-7979-060-7
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Mestre Piranga surge em nove esculturas
Quem terá sido Mestre Piranga? Pouco se sabe sobre esse escultor, o que, curiosamente, acaba não abrindo precedentes para a criação de mitos por trás de sua figura, ao contrário de Antônio Francisco Lisboa.
Pela própria denominação, podem-se inferir algumas características desse escultor que revelem mais do seu trabalho do que de sua biografia. As peças de Mestre Piranga foram encontradas no vale do rio Piranga, em Minas Gerais. "Mestre" poderia revelar a função que exerceria naquela estrutura de ofício mecânico.
Ombros largos, formas circulares principalmente na altura dos joelhos e nas mangas e olhos desnivelados são algumas das principais características das obras atribuídas ao artista -e nove delas podem ser vistas na Pinacoteca.
"Mestre Piranga trabalha com dois universos absolutamente fundidos. Não vamos falar de maneirismo, barroco, rococó, isso serve para a Itália. Aqui, não há mais tanto o cânone, uma erudição, mas ele utiliza, por exemplo, na escultura do São Bento, a lição dos hachurados dos beneditinos do século 17, ao mesmo tempo em que aproveita a talha mais solta do Aleijadinho", explica o curador Dalton Sala, que destaca detalhes curiosos, como um passarinho pousado logo atrás do São Bento de Mestre Piranga.
"Ele reproduz o santo de modelo europeu, mas coloca esse passarinho, inventa algo novo. Como não tem formação erudita, acaba por compensá-la com criatividade."
Fonte: Folha de São Paulo. Consultado pela última vez em 13 de dezembro de 2022.
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Mestre Piranga - Só pesquisa põe fim ao mistério | Grupo Oficina de Restauro
Identificação de Mestre Piranga depende de estudos em arquivos e igrejas do interior de Minas Gerais sobre as atividades de Antônio Meireles Pinto e José Meireles Pinto.
O legado atribuído a Mestre Piranga retrata período da história de Minas Gerais marcado pela presença atuante de renomados artistas, que produziam obras com características próprias se comparadas às de outros centros da colônia. As esculturas são marcadas pela leveza, ascendência, afetação, assimetria e, em muitos casos, aliam o aspecto caricatural ao tratamento refinado das figuras, como revelam as imagens em tamanho natural dos Passos da Paixão de Congonhas, assinadas por Aleijadinho e consideradas Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco.
O ambiente propício para a proliferação de capelas e igrejas nas áreas rurais também contribuiu para o surgimento de significativa quantidade de escultores populares em Minas, cujas identidades, assim como a de Mestre Piranga, permanecem no anonimato. A intenção dos pesquisadores Adriano Ramos e Célio Macedo Alves, a partir da descoberta de pistas sobre a possível identidade do artista que atuou na região do Vale do Piranga, é buscar apoio para intensificar as investigações e solucionar o mistério.
“Se ficarmos uns seis meses mergulhados em arquivos e pesquisando na região, novas descobertas surgirão”, aposta Adriano. A linha de trabalho que pretendem desenvolver defende que há fortes possibilidades de Antônio Meireles Pinto, José Meireles Pinto, ou os dois juntos, desvendarem o mistério em torno de Mestre Piranga.
Argumentos
De acordo com os pesquisadores, praticamente todos os artistas envolvidos na decoração interna dos monumentos da região do Vale do Piranga (inclusive do Santuário do Bom Jesus do Matozinhos do Bacalhau) já tiveram as respectivas obras estudadas. Constatou-se que nem o irmão de Aleijadinho, padre Antônio Félix Lisboa, nem mesmo os escultores Manoel Dias e Vicente Fernandes Pinto (o qual, presume-se, poderia ter algum parentesco com a família Meireles Pinto) apresentam características formais parecidas às de Mestre Piranga. O mesmo não ocorre com os indícios encontrados nos trabalhos de Antônio de Meireles Pinto e José de Meireles Pinto.
A constante presença na região da família Meireles Pinto, comprovada documentalmente de 1780 à segunda década do século 19, fortalece a tese de que eles ou um deles era o responsável pela oficina atribuída a Mestre Piranga.
Por outro lado, a descoberta, nos arquivos da Casa Setecentista de Mariana, de documentos que relacionam Antônio de Meireles Pinto com Rio Pomba (em 1806, foi citado como entalhador; e português, em 1813, em ação cível envolvendo questão de terras), aliada ao fato de ter sido encontrada na região uma imagem (Nossa Senhora das Mercês) com todas as características de Mestre Piranga, reforça a tese de que a linha de investigação adotada pelos especialistas Adriano Ramos e Célio Macedo Alves pode estar no caminho certo.
A voz do povo
A notícia de que a imagem de Nossa Senhora das Mercês pode ser de Mestre Piranga pegou de surpresa os habitantes de Mercês, município de 10 mil habitantes da Zona da Mata, distante 230 quilômetros de Belo Horizonte. Nos arquivos da paróquia onde a imagem da padroeira ocupa o centro do altar-mor, não há documentação que comprove a ligação da escultura com o artista que atuou de forma intensa no Vale do Piranga. Mas, de acordo com o padre Valter Magno de Carvalho, a suspeita não é novidade.
“Já ouvi o cônego de Dores do Turvo, Nelson Marota, de 90 anos, comentar sobre a possibilidade de ela ser de Mestre Piranga. São imagens antigas, não temos a data precisa de quando elas foram feitas”, afirma padre Valter. O cônego confirma a conversa, mas não se lembra de detalhes dela. “Não tenho a menor lembrança de quem me contou, já faz bastante tempo, me esqueci por completo. Só me lembro de que foi levantada esta suspeita”, confirma.
A aparência de Nossa Senhora das Mercês não é a mesma da época em que a imagem foi criada, como mostra uma foto antiga encontrada na sacristia da própria igreja. A Nossa Senhora das Mercês atual tem o manto coberto por camada espessa de tinta azul claro, bem diferente da sutileza do bege de antigamente. O padre Valter Carvalho conta que, na década de 1980, a imagem passou por processo de restauração e foi repintada. “Temos o maior interesse em restaurá-la, devolvendo-lhe a aparência original. Mas o processo é caro. Quando cheguei, as imagens usadas na Semana Santa estavam infestadas de cupins. Tivemos de recuperá-las com urgência”.
A possível autoria da imagem intriga os fiéis. O sacristão Valdeis Heleno de Souza nunca ouviu falar sobre o assunto. “Tenho bastante curiosidade em descobrir quem é o responsável, pois essa imagem é símbolo de muita fé. O jubileu de setembro atrai gente de toda a região”, diz. Outra que também está intrigada em relação à santa é a auxiliar de serviços gerais Glória Coelho. “É uma imagem muito bonita, antiga, e ninguém sabe ao certo quem a fez. O mistério só aumenta nossa curiosidade”, conclui.
Fonte: Oficina de Restauro - Mestre Piranga, escrito por Sérgio Rodrigo Reis, publicado originalmente no Jornal Estado de Minas. Consultado pela última vez em 12 de dezembro de 2022.
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"Mistério" de Mestre Piranga será revelado em livro e documentário | Estado de Minas
Grupo de pesquisadores do barroco mineiro prepara divulgação de resultado dos seus estudos sobre a origem da oficina que produziu peças de destaque no século 18
A riqueza de Minas Gerais no período colonial contribuiu para o desenvolvimento de ambiente cultural sem precedentes no Brasil do século 18. Para atender à demanda da Igreja Católica, os artífices produziram intensamente obras sacras, que se tornaram um dos principais legados artísticos daquela época. Aleijadinho, que morou em Ouro Preto e atuou em várias partes do estado, é o mais conhecido e valorizado de todos. Mas outros artistas, por falta de pesquisas aprofundadas, permanecem desconhecidos. “Mestre Piranga”, designação da oficina que se instalou na Zona da Mata, é um exemplo que se encaixa perfeitamente nesse contexto.
Para entender esse fenômeno das artes plásticas, aproveitamo-nos aqui do artigo “O imaginário e inimaginável santeiro, todo Aleijadinho”, do falecido museólogo Orlandino Seixas Fernandes, publicado em 1981 no Suplemento Literário de Minas Gerais, que contextualiza o ambiente artístico da Capitania das Minas do Ouro após seu desmembramento da província de São Paulo, homologada pela Coroa portuguesa no ano de 1720:
"... Ao contrário da costa, onde tudo eram sedimentações, conservadorismos e persistências, bem típicos das atividades de comércio, e transporte nelas sobremodo exercidos, nas Alterosas, ao invés, tudo estava sempre por fazer-se ou sendo refeito, nada era estável posto que o próprio solo de contínuo era movido pelo interesse humano ou consequência dele...."
Tratava-se, portanto, de uma sociedade heterogênea, conflitante, em que se relacionavam pessoas de diferentes origens e culturas, com pontos de vistas e níveis educacionais distintos, mesclando o erudito com o popular, de forma tumultuada e dinâmica.
Oficinas
Em meados do século 18, as vilas agruparam uma grande variedade de oficiais e artesãos, permitindo o convívio do "... artista português erudito ao lado do popular e ambos ao lado do improvisador arcaizante, luso ou africano, do improvisador primitivo negro ou indígena, e do exótico imitante a marfins e outros efeitos do Oriente importados", ainda sob a ótica de Seixas Fernandes.
Essas comunidades mineradoras, formadas circunstancialmente, viram-se na necessidade de empregar soluções próprias, criativas, que amenizassem o elevado nível do custo de vida na capitania. A presença de ateliês nas tendas e nos canteiros de obra, com todas as tarefas distribuídas planejadamente, revela o caráter de equipe da produção artística setecentista, também com características artesanais, em que havia esquemas hierárquicos envolvendo aprendizes, ajudantes, além da relação mestre-discípulo.
As esculturas produzidas por “Mestre Piranga” primam pela originalidade, com peculiaridades inconfundíveis, totalmente distintas de tudo do que até então havia sido produzido na Capitania das Minas do Ouro no decorrer do século 18. Sua composição volumosa e de extrema força plástica é realçada pela resolução em saliência dos ombros, recortes ovalados da indumentária na altura dos joelhos, aliada à excessiva dramaticidade anatômica das faces e suas reconhecidas particularidades, como olhos esbugalhados e estrábicos, mais a cabeleira em contornos triangulares.
Esse conjunto escultórico, fora de dúvida, é fruto do envolvimento de variados artesãos e aprendizes que, sob a coordenação de um mestre do ofício, se alinharam esteticamente a um mesmo padrão de criação, haja vista a variedade das obras, as quais, ainda que apresentando diferenças pontuais entre si, mantêm a mesma concepção artística em suas elaborações.
Os recortes ovalados dos panejamentos nas figuras entalhadas, efeito de extremo impacto visual, foram muito empregados pelos escultores europeus que trabalhavam a pedra, material difícil de ser modelado. Sabe-se que os canteiros da Europa, na Idade Média, adotavam determinados procedimentos técnicos com ferramentas especiais, no intuito de conseguirem resultados plásticos de maior realce, obtidos facilmente na madeira, em função da sua maciez.
Ora, essas ogivas, juntamente com os recortes triangulares que dão movimentação aos panejamentos das figuras produzidas pela oficina de Piranga, foram esculpidas única e exclusivamente na madeira e tudo leva a crer que essa técnica tenha sido aproveitada por um profissional com experiência em cantaria e que transportou seu método para o inusitado suporte, fato esse muito comum na região das Minas, palco propício para experimentos e improvisações artísticas.
Fisionomia
Outro aspecto digno de consideração são os traços fisionômicos das figuras representadas, que, de forma alguma, tiveram como referência os clássicos missais e ilustrações religiosas vindos de além-mar. Os rostos são puramente populares e se encaixam conceitualmente no que o museólogo Orlandino Seixas Fernandes designava como “abrasileiramento”, em artigo no qual se refere aos arquétipos mulatos nas obras escultóricas de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho.
No caso de Piranga, percebe-se claramente em algumas figuras que suas feições tendem a uma similaridade com pessoas da zona rural, principalmente na rusticidade de seus traços fisionômicos e na constituição dos membros, com destaque para a resolução das mãos calejadas, como ocorre em várias esculturas masculinas. Há presença também de mão de obra mais refinada, principalmente no trato anatômico, mas prevalecendo, no geral, a propensão de se representarem figuras regionais ao invés dos modelos europeus, tirados das estampas que circulavam na capitania e que nada tinham a ver com esse primitivismo da escola de Piranga.
No século passado, as criações dessa “Oficina de Piranga” passaram a ser disputadas pelos mais exigentes colecionadores e antiquários do país. O verdadeiro nome por trás do apelido famoso permanece incógnito, mas pistas começaram a surgir há algum tempo, quando um grupo de especialistas em Barroco de Belo Horizonte encontrou indícios sobre a identidade dos oficiais envolvidos no “ateliê” e que virão à tona, sob a coordenação do Instituto Flávio Gutierrez, na edição de um documentário, com participação do videomaker Alexandre Máximo e do roteirista Sávio Grossi, e na publicação de um livro sobre “Mestre Piranga”, trabalho dos pesquisadores Angela Gutierrez e deste autor.
As pesquisas se iniciaram pelo retábulo do altar-mor do Santuário de Bom Jesus de Matosinhos, em Santo Antônio de Pirapetinga, apelidado Bacalhau, distrito de Piranga, que foi ajustado com José de Meireles Pinto no ano de 1782 e apresenta dois anjos adoradores nas laterais do coroamento, com todas as características inerentes à “Oficina”. Esse entalhador português trabalhou com uma equipe responsável por serviços na Igreja São Francisco de Assis, de Mariana, em que se destacavam diversos oficiais de renome que, posteriormente, atuariam no Vale do Piranga.
Mistério
Após sua passagem pelo Santuário do Senhor Bom Jesus do Matozinhos, por volta de 1799, Antônio de Meireles Pinto manteve contatos profissionais nos, hoje, municípios de Rio Pomba, Dores do Turvo e Mercês, onde foi encontrada uma peça-chave para auxiliar no desvendamento desse verdadeiro mistério que envolve o “ateliê de Piranga”. A padroeira instalada no altar central da Igreja Nossa Senhora das Mercês tem todas as especificidades dessa oficina, ou seja, estrabismo, panejamento acentuado na altura dos ombros, cabelos em contornos triangulares nas laterais da face e querubins com as particularidades de outros atribuídos à mesma produção artística. Até a presente data, nenhum especialista havia relacionado essa imagem àquela escola.
Esse constante exercício de observação e análise comparativa de detalhes anatômicos ou de pormenores escultóricos, em busca de similaridades entre imagens de determinado autor envolvido no procedimento criativo, diante da ausência de documentação comprobatória, é a única possibilidade real para que o pesquisador se aproxime mais fielmente dos verdadeiros responsáveis pela execução de certas obras.
Em Minas Gerais, até nossos dias, ainda há uma enorme quantidade de artistas e ateliês a serem analisados e identificados, sem entrar no mérito das obras estritamente populares, produzidas em grande escala em toda a capitania. Em meio a esse incomensurável número de obras e autores, muitas esculturas sacras ficam no anonimato ou são equivocadamente atribuídas a esse ou àquele escultor apenas em virtude de pequenas semelhanças morfológicas ou anatômicas, sem se levar em conta que havia na colônia, como ocorria na Europa desde a Idade Média, oficinas que contavam com a presença de diversos oficiais, inclusive em sólidas parcerias e associações ou ainda mediante terceirizações de algumas etapas dos serviços.
Claros vestígios surgidos durante nossas pesquisas, no entanto, permitem-nos conjecturar que o “ateliê de Piranga” foi concebido por Luís Pinheiro juntamente com José de Meireles Pinto e Antônio de Meireles Pinto, envolvendo uma gama de outros artistas em sua rica e variada obra. A nosso ver, ficou a cargo de Pinheiro, devidamente autorizado pelo Senado da Câmara, administrar a oficina na região e, estilisticamente, imprimir às figuras esculpidas os traços mais refinados, como os da Nossa Senhora da Piedade, de Rio Espera.
A ideia do documentário e do lançamento de um livro pelo Instituto Cultural Flávio Gutierrez tem o objetivo de trazer à luz esses artífices, cujos rastros, deixados em suas ações pelos recantos da então Capitania das Minas do Ouro e pelas qualidades artísticas observadas em obras por eles comprovadamente confeccionadas, indicam sua presença na coordenação dessa importante escola, intitulada e aclamada nacionalmente como “Mestre Piranga”.
Fonte: Estado de Minas, escrito por Adriano Ramos - pesquisador de obras de arte, publicado em 28 de fevereiro de 2022. Consultado pela última vez em 13 de dezembro de 2022.
Crédito fotográfico: Estado de Minas, fotografia de Marcelo Sant'Anna. Consultado pela última vez em 13 de dezembro de 2022.
Mestre Piranga (Piranga, Minas Gerais, XVIII), também conhecido como Mestre de Piranga, foi um escultor mineiro. Tido como um dos mais importantes santistas do barroco mineiro, ficou conhecido como Mestre Piranga devido às peças encontradas no Vale do Rio Piranga, ao sul de Ouro Preto. Suas imagens católicas têm importante valor histórico e artístico, são consideradas assemelhadas e influenciadas pela obra de Aleijadinho. Suas peças possuem estilemas acentuados, como os ombros exageradamente largos, planejamentos talhados de forma sumária em sulcos profundos e movimentos circulares nas mangas e na altura dos joelhos, os olhos grandes e esbugalhados, que chamam a atenção, são a assinatura do escultor. Suas obras são reconhecidas no Brasil e no Mundo, tida como um ícone da imaginária barroca mineira do século XVIII, apesar de sua identidade e biografia permanecerem desconhecidas. As obras de Mestre Piranga podem ser vistas no Museu Mineiro de Belo Horizonte.
Turismo Criativo, Barroco Mineiro
O Barroco Mineiro destaca-se pela autonomia e originalidade, gerada pela diversidade cultural e adaptação das matérias primas e ferramentas utilizadas pelos artistas na realização de suas obras. Divide se em três fases sendo:
Esse período catalogou para Minas Gerais obras de grande valor econômico e histórico, que não são protegidas como deveriam, pois nas três últimas décadas totalizam mais de 430 peças barrocas mineiras roubadas de igrejas e museus.
Os artistas que compõem esse “catálogo” são variados destacando Aleijadinho, Athayde, Mestre Piranga, entre outros.
O Gênio Desconhecido do Barroco
O Mestre de Piranga viveu no século XVIII, na cidade de Piranga/MG, não é um artista conhecido popularmente, principalmente em sua cidade, mas entre os historiadores se destaca como importante escultor barroco e pela fácil identificação de suas obras.
Considerado zombeteiro, desafiador e enigmático suas obras são caracterizadas por um domínio de forma quase clássico e interpretações quase expressionistas:
Olhos desnivelados, um mais baixo que o outro “vesgos”;
Cabeça menor que um sétimo do tronco;
Tipos físicos miscigenados do interior de Minas;
Ombros largos;
Formas circulares dos joelhos.
Na cidade em que viveu, Piranga, hoje, ele também é apenas uma referência distante. Quase ninguém sabe quem foi e não existe um acervo municipal e suas imagens desapareceram das igrejas locais.
Em 1966, sumiu o mais importante elo entre o escultor e sua cidade: a igreja matriz da cidade, cenário de sua obra mestra, foi dinamitada para dar lugar a uma nova matriz, um “monstruoso disco voador de concreto”.
A Igreja de Bom Jesus de Matozinhos, tombada pelo Iphan em 1998, é palco anualmente de uma grande romaria. A romaria acontece há mais de 215 anos foi autorizada pelo Papa pio VI em 1786. A devoção a Bom Jesus de Matozinhos tem origem em uma espécie de lenda local. Conta-se que nos idos de 1780 começou a ocorrer um estranho fenômeno no lugarejo: a imagem do Cristo crucificado da igrejinha central do distrito desapareceu misteriosamente e reapareceu no matagal que havia no alto do morro, a 1 km dali.
Recuperavam a imagem e repunham-na no lugar, mas ela tornava a aparecer no mesmo lugar. Os habitantes e o padre tomaram aquilo como um sinal e resolveram construir uma igreja no local onde a imagem aparecia. Curioso é que a imagem ainda está lá, num compartimento atrás do altar, de costas para outro Cristo crucificado e carrega consigo uma marca dos artistas “politizados” do barroco: além de crucificado, o Cristo tem a marca da forca no pescoço (referências segundo dizem, a Tiradentes e sua causa libertária).
Suas obras podem ser encontradas em coleções particulares de Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Museus de Nova Iorque e Rio de Janeiro, na Igreja de Nossa Senhora do Rosário em Piranga-MG, Igreja de Bom Jesus de Matosinhos (tombada pelo Iphan, 1998) em Santo Antônio do Pirapetinga e em diversos arraiais do ciclo do ouro.
Segundo historiadores e colecionadores a divulgação do artista Mestre de Piranga e suas obras é deficitária devido à falta de estudos e referências acadêmicas. Essa falta não tira a importância de suas obras, mas as tornam silenciosas.
Fonte: Turismo Criativo, Barroco Mineiro - Mestre de Piranga. Consultado pela última vez em 13 de dezembro de 2022.
Exposições Póstumas
2002 - Aleijadinho e Mestre Piranga: imagens da Coleção Renato Whitaker
2002 - Barroco no Museu Nacional de Belas Artes
2005 - Antonio Francisco Lisboa... de mim e dos meus oficiais...
2006 - Aleijadinho e Seu Tempo: fé, engenho e arte
2007 - Aleijadinho e Seu Tempo: fé, engenho e arte
2007 - Aleijadinho e Seu Tempo: fé, engenho e arte
2013 - Vontade Construtiva na Coleção Fadel
2014 - Há Escolas que São Gaiolas e Há Escolas que São Asas - Programa Arte e Sociedade no Brasil
Fonte: MESTRE Piranga. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2022. Acesso em: 12 de dezembro de 2022. Verbete da Enciclopédia. ISBN: 978-85-7979-060-7
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Mestre Piranga surge em nove esculturas
Quem terá sido Mestre Piranga? Pouco se sabe sobre esse escultor, o que, curiosamente, acaba não abrindo precedentes para a criação de mitos por trás de sua figura, ao contrário de Antônio Francisco Lisboa.
Pela própria denominação, podem-se inferir algumas características desse escultor que revelem mais do seu trabalho do que de sua biografia. As peças de Mestre Piranga foram encontradas no vale do rio Piranga, em Minas Gerais. "Mestre" poderia revelar a função que exerceria naquela estrutura de ofício mecânico.
Ombros largos, formas circulares principalmente na altura dos joelhos e nas mangas e olhos desnivelados são algumas das principais características das obras atribuídas ao artista -e nove delas podem ser vistas na Pinacoteca.
"Mestre Piranga trabalha com dois universos absolutamente fundidos. Não vamos falar de maneirismo, barroco, rococó, isso serve para a Itália. Aqui, não há mais tanto o cânone, uma erudição, mas ele utiliza, por exemplo, na escultura do São Bento, a lição dos hachurados dos beneditinos do século 17, ao mesmo tempo em que aproveita a talha mais solta do Aleijadinho", explica o curador Dalton Sala, que destaca detalhes curiosos, como um passarinho pousado logo atrás do São Bento de Mestre Piranga.
"Ele reproduz o santo de modelo europeu, mas coloca esse passarinho, inventa algo novo. Como não tem formação erudita, acaba por compensá-la com criatividade."
Fonte: Folha de São Paulo. Consultado pela última vez em 13 de dezembro de 2022.
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Mestre Piranga - Só pesquisa põe fim ao mistério | Grupo Oficina de Restauro
Identificação de Mestre Piranga depende de estudos em arquivos e igrejas do interior de Minas Gerais sobre as atividades de Antônio Meireles Pinto e José Meireles Pinto.
O legado atribuído a Mestre Piranga retrata período da história de Minas Gerais marcado pela presença atuante de renomados artistas, que produziam obras com características próprias se comparadas às de outros centros da colônia. As esculturas são marcadas pela leveza, ascendência, afetação, assimetria e, em muitos casos, aliam o aspecto caricatural ao tratamento refinado das figuras, como revelam as imagens em tamanho natural dos Passos da Paixão de Congonhas, assinadas por Aleijadinho e consideradas Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco.
O ambiente propício para a proliferação de capelas e igrejas nas áreas rurais também contribuiu para o surgimento de significativa quantidade de escultores populares em Minas, cujas identidades, assim como a de Mestre Piranga, permanecem no anonimato. A intenção dos pesquisadores Adriano Ramos e Célio Macedo Alves, a partir da descoberta de pistas sobre a possível identidade do artista que atuou na região do Vale do Piranga, é buscar apoio para intensificar as investigações e solucionar o mistério.
“Se ficarmos uns seis meses mergulhados em arquivos e pesquisando na região, novas descobertas surgirão”, aposta Adriano. A linha de trabalho que pretendem desenvolver defende que há fortes possibilidades de Antônio Meireles Pinto, José Meireles Pinto, ou os dois juntos, desvendarem o mistério em torno de Mestre Piranga.
Argumentos
De acordo com os pesquisadores, praticamente todos os artistas envolvidos na decoração interna dos monumentos da região do Vale do Piranga (inclusive do Santuário do Bom Jesus do Matozinhos do Bacalhau) já tiveram as respectivas obras estudadas. Constatou-se que nem o irmão de Aleijadinho, padre Antônio Félix Lisboa, nem mesmo os escultores Manoel Dias e Vicente Fernandes Pinto (o qual, presume-se, poderia ter algum parentesco com a família Meireles Pinto) apresentam características formais parecidas às de Mestre Piranga. O mesmo não ocorre com os indícios encontrados nos trabalhos de Antônio de Meireles Pinto e José de Meireles Pinto.
A constante presença na região da família Meireles Pinto, comprovada documentalmente de 1780 à segunda década do século 19, fortalece a tese de que eles ou um deles era o responsável pela oficina atribuída a Mestre Piranga.
Por outro lado, a descoberta, nos arquivos da Casa Setecentista de Mariana, de documentos que relacionam Antônio de Meireles Pinto com Rio Pomba (em 1806, foi citado como entalhador; e português, em 1813, em ação cível envolvendo questão de terras), aliada ao fato de ter sido encontrada na região uma imagem (Nossa Senhora das Mercês) com todas as características de Mestre Piranga, reforça a tese de que a linha de investigação adotada pelos especialistas Adriano Ramos e Célio Macedo Alves pode estar no caminho certo.
A voz do povo
A notícia de que a imagem de Nossa Senhora das Mercês pode ser de Mestre Piranga pegou de surpresa os habitantes de Mercês, município de 10 mil habitantes da Zona da Mata, distante 230 quilômetros de Belo Horizonte. Nos arquivos da paróquia onde a imagem da padroeira ocupa o centro do altar-mor, não há documentação que comprove a ligação da escultura com o artista que atuou de forma intensa no Vale do Piranga. Mas, de acordo com o padre Valter Magno de Carvalho, a suspeita não é novidade.
“Já ouvi o cônego de Dores do Turvo, Nelson Marota, de 90 anos, comentar sobre a possibilidade de ela ser de Mestre Piranga. São imagens antigas, não temos a data precisa de quando elas foram feitas”, afirma padre Valter. O cônego confirma a conversa, mas não se lembra de detalhes dela. “Não tenho a menor lembrança de quem me contou, já faz bastante tempo, me esqueci por completo. Só me lembro de que foi levantada esta suspeita”, confirma.
A aparência de Nossa Senhora das Mercês não é a mesma da época em que a imagem foi criada, como mostra uma foto antiga encontrada na sacristia da própria igreja. A Nossa Senhora das Mercês atual tem o manto coberto por camada espessa de tinta azul claro, bem diferente da sutileza do bege de antigamente. O padre Valter Carvalho conta que, na década de 1980, a imagem passou por processo de restauração e foi repintada. “Temos o maior interesse em restaurá-la, devolvendo-lhe a aparência original. Mas o processo é caro. Quando cheguei, as imagens usadas na Semana Santa estavam infestadas de cupins. Tivemos de recuperá-las com urgência”.
A possível autoria da imagem intriga os fiéis. O sacristão Valdeis Heleno de Souza nunca ouviu falar sobre o assunto. “Tenho bastante curiosidade em descobrir quem é o responsável, pois essa imagem é símbolo de muita fé. O jubileu de setembro atrai gente de toda a região”, diz. Outra que também está intrigada em relação à santa é a auxiliar de serviços gerais Glória Coelho. “É uma imagem muito bonita, antiga, e ninguém sabe ao certo quem a fez. O mistério só aumenta nossa curiosidade”, conclui.
Fonte: Oficina de Restauro - Mestre Piranga, escrito por Sérgio Rodrigo Reis, publicado originalmente no Jornal Estado de Minas. Consultado pela última vez em 12 de dezembro de 2022.
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"Mistério" de Mestre Piranga será revelado em livro e documentário | Estado de Minas
Grupo de pesquisadores do barroco mineiro prepara divulgação de resultado dos seus estudos sobre a origem da oficina que produziu peças de destaque no século 18
A riqueza de Minas Gerais no período colonial contribuiu para o desenvolvimento de ambiente cultural sem precedentes no Brasil do século 18. Para atender à demanda da Igreja Católica, os artífices produziram intensamente obras sacras, que se tornaram um dos principais legados artísticos daquela época. Aleijadinho, que morou em Ouro Preto e atuou em várias partes do estado, é o mais conhecido e valorizado de todos. Mas outros artistas, por falta de pesquisas aprofundadas, permanecem desconhecidos. “Mestre Piranga”, designação da oficina que se instalou na Zona da Mata, é um exemplo que se encaixa perfeitamente nesse contexto.
Para entender esse fenômeno das artes plásticas, aproveitamo-nos aqui do artigo “O imaginário e inimaginável santeiro, todo Aleijadinho”, do falecido museólogo Orlandino Seixas Fernandes, publicado em 1981 no Suplemento Literário de Minas Gerais, que contextualiza o ambiente artístico da Capitania das Minas do Ouro após seu desmembramento da província de São Paulo, homologada pela Coroa portuguesa no ano de 1720:
"... Ao contrário da costa, onde tudo eram sedimentações, conservadorismos e persistências, bem típicos das atividades de comércio, e transporte nelas sobremodo exercidos, nas Alterosas, ao invés, tudo estava sempre por fazer-se ou sendo refeito, nada era estável posto que o próprio solo de contínuo era movido pelo interesse humano ou consequência dele...."
Tratava-se, portanto, de uma sociedade heterogênea, conflitante, em que se relacionavam pessoas de diferentes origens e culturas, com pontos de vistas e níveis educacionais distintos, mesclando o erudito com o popular, de forma tumultuada e dinâmica.
Oficinas
Em meados do século 18, as vilas agruparam uma grande variedade de oficiais e artesãos, permitindo o convívio do "... artista português erudito ao lado do popular e ambos ao lado do improvisador arcaizante, luso ou africano, do improvisador primitivo negro ou indígena, e do exótico imitante a marfins e outros efeitos do Oriente importados", ainda sob a ótica de Seixas Fernandes.
Essas comunidades mineradoras, formadas circunstancialmente, viram-se na necessidade de empregar soluções próprias, criativas, que amenizassem o elevado nível do custo de vida na capitania. A presença de ateliês nas tendas e nos canteiros de obra, com todas as tarefas distribuídas planejadamente, revela o caráter de equipe da produção artística setecentista, também com características artesanais, em que havia esquemas hierárquicos envolvendo aprendizes, ajudantes, além da relação mestre-discípulo.
As esculturas produzidas por “Mestre Piranga” primam pela originalidade, com peculiaridades inconfundíveis, totalmente distintas de tudo do que até então havia sido produzido na Capitania das Minas do Ouro no decorrer do século 18. Sua composição volumosa e de extrema força plástica é realçada pela resolução em saliência dos ombros, recortes ovalados da indumentária na altura dos joelhos, aliada à excessiva dramaticidade anatômica das faces e suas reconhecidas particularidades, como olhos esbugalhados e estrábicos, mais a cabeleira em contornos triangulares.
Esse conjunto escultórico, fora de dúvida, é fruto do envolvimento de variados artesãos e aprendizes que, sob a coordenação de um mestre do ofício, se alinharam esteticamente a um mesmo padrão de criação, haja vista a variedade das obras, as quais, ainda que apresentando diferenças pontuais entre si, mantêm a mesma concepção artística em suas elaborações.
Os recortes ovalados dos panejamentos nas figuras entalhadas, efeito de extremo impacto visual, foram muito empregados pelos escultores europeus que trabalhavam a pedra, material difícil de ser modelado. Sabe-se que os canteiros da Europa, na Idade Média, adotavam determinados procedimentos técnicos com ferramentas especiais, no intuito de conseguirem resultados plásticos de maior realce, obtidos facilmente na madeira, em função da sua maciez.
Ora, essas ogivas, juntamente com os recortes triangulares que dão movimentação aos panejamentos das figuras produzidas pela oficina de Piranga, foram esculpidas única e exclusivamente na madeira e tudo leva a crer que essa técnica tenha sido aproveitada por um profissional com experiência em cantaria e que transportou seu método para o inusitado suporte, fato esse muito comum na região das Minas, palco propício para experimentos e improvisações artísticas.
Fisionomia
Outro aspecto digno de consideração são os traços fisionômicos das figuras representadas, que, de forma alguma, tiveram como referência os clássicos missais e ilustrações religiosas vindos de além-mar. Os rostos são puramente populares e se encaixam conceitualmente no que o museólogo Orlandino Seixas Fernandes designava como “abrasileiramento”, em artigo no qual se refere aos arquétipos mulatos nas obras escultóricas de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho.
No caso de Piranga, percebe-se claramente em algumas figuras que suas feições tendem a uma similaridade com pessoas da zona rural, principalmente na rusticidade de seus traços fisionômicos e na constituição dos membros, com destaque para a resolução das mãos calejadas, como ocorre em várias esculturas masculinas. Há presença também de mão de obra mais refinada, principalmente no trato anatômico, mas prevalecendo, no geral, a propensão de se representarem figuras regionais ao invés dos modelos europeus, tirados das estampas que circulavam na capitania e que nada tinham a ver com esse primitivismo da escola de Piranga.
No século passado, as criações dessa “Oficina de Piranga” passaram a ser disputadas pelos mais exigentes colecionadores e antiquários do país. O verdadeiro nome por trás do apelido famoso permanece incógnito, mas pistas começaram a surgir há algum tempo, quando um grupo de especialistas em Barroco de Belo Horizonte encontrou indícios sobre a identidade dos oficiais envolvidos no “ateliê” e que virão à tona, sob a coordenação do Instituto Flávio Gutierrez, na edição de um documentário, com participação do videomaker Alexandre Máximo e do roteirista Sávio Grossi, e na publicação de um livro sobre “Mestre Piranga”, trabalho dos pesquisadores Angela Gutierrez e deste autor.
As pesquisas se iniciaram pelo retábulo do altar-mor do Santuário de Bom Jesus de Matosinhos, em Santo Antônio de Pirapetinga, apelidado Bacalhau, distrito de Piranga, que foi ajustado com José de Meireles Pinto no ano de 1782 e apresenta dois anjos adoradores nas laterais do coroamento, com todas as características inerentes à “Oficina”. Esse entalhador português trabalhou com uma equipe responsável por serviços na Igreja São Francisco de Assis, de Mariana, em que se destacavam diversos oficiais de renome que, posteriormente, atuariam no Vale do Piranga.
Mistério
Após sua passagem pelo Santuário do Senhor Bom Jesus do Matozinhos, por volta de 1799, Antônio de Meireles Pinto manteve contatos profissionais nos, hoje, municípios de Rio Pomba, Dores do Turvo e Mercês, onde foi encontrada uma peça-chave para auxiliar no desvendamento desse verdadeiro mistério que envolve o “ateliê de Piranga”. A padroeira instalada no altar central da Igreja Nossa Senhora das Mercês tem todas as especificidades dessa oficina, ou seja, estrabismo, panejamento acentuado na altura dos ombros, cabelos em contornos triangulares nas laterais da face e querubins com as particularidades de outros atribuídos à mesma produção artística. Até a presente data, nenhum especialista havia relacionado essa imagem àquela escola.
Esse constante exercício de observação e análise comparativa de detalhes anatômicos ou de pormenores escultóricos, em busca de similaridades entre imagens de determinado autor envolvido no procedimento criativo, diante da ausência de documentação comprobatória, é a única possibilidade real para que o pesquisador se aproxime mais fielmente dos verdadeiros responsáveis pela execução de certas obras.
Em Minas Gerais, até nossos dias, ainda há uma enorme quantidade de artistas e ateliês a serem analisados e identificados, sem entrar no mérito das obras estritamente populares, produzidas em grande escala em toda a capitania. Em meio a esse incomensurável número de obras e autores, muitas esculturas sacras ficam no anonimato ou são equivocadamente atribuídas a esse ou àquele escultor apenas em virtude de pequenas semelhanças morfológicas ou anatômicas, sem se levar em conta que havia na colônia, como ocorria na Europa desde a Idade Média, oficinas que contavam com a presença de diversos oficiais, inclusive em sólidas parcerias e associações ou ainda mediante terceirizações de algumas etapas dos serviços.
Claros vestígios surgidos durante nossas pesquisas, no entanto, permitem-nos conjecturar que o “ateliê de Piranga” foi concebido por Luís Pinheiro juntamente com José de Meireles Pinto e Antônio de Meireles Pinto, envolvendo uma gama de outros artistas em sua rica e variada obra. A nosso ver, ficou a cargo de Pinheiro, devidamente autorizado pelo Senado da Câmara, administrar a oficina na região e, estilisticamente, imprimir às figuras esculpidas os traços mais refinados, como os da Nossa Senhora da Piedade, de Rio Espera.
A ideia do documentário e do lançamento de um livro pelo Instituto Cultural Flávio Gutierrez tem o objetivo de trazer à luz esses artífices, cujos rastros, deixados em suas ações pelos recantos da então Capitania das Minas do Ouro e pelas qualidades artísticas observadas em obras por eles comprovadamente confeccionadas, indicam sua presença na coordenação dessa importante escola, intitulada e aclamada nacionalmente como “Mestre Piranga”.
Fonte: Estado de Minas, escrito por Adriano Ramos - pesquisador de obras de arte, publicado em 28 de fevereiro de 2022. Consultado pela última vez em 13 de dezembro de 2022.
Crédito fotográfico: Estado de Minas, fotografia de Marcelo Sant'Anna. Consultado pela última vez em 13 de dezembro de 2022.
Mestre Piranga (Piranga, Minas Gerais, XVIII), também conhecido como Mestre de Piranga, foi um escultor mineiro. Tido como um dos mais importantes santistas do barroco mineiro, ficou conhecido como Mestre Piranga devido às peças encontradas no Vale do Rio Piranga, ao sul de Ouro Preto. Suas imagens católicas têm importante valor histórico e artístico, são consideradas assemelhadas e influenciadas pela obra de Aleijadinho. Suas peças possuem estilemas acentuados, como os ombros exageradamente largos, planejamentos talhados de forma sumária em sulcos profundos e movimentos circulares nas mangas e na altura dos joelhos, os olhos grandes e esbugalhados, que chamam a atenção, são a assinatura do escultor. Suas obras são reconhecidas no Brasil e no Mundo, tida como um ícone da imaginária barroca mineira do século XVIII, apesar de sua identidade e biografia permanecerem desconhecidas. As obras de Mestre Piranga podem ser vistas no Museu Mineiro de Belo Horizonte.
Turismo Criativo, Barroco Mineiro
O Barroco Mineiro destaca-se pela autonomia e originalidade, gerada pela diversidade cultural e adaptação das matérias primas e ferramentas utilizadas pelos artistas na realização de suas obras. Divide se em três fases sendo:
Esse período catalogou para Minas Gerais obras de grande valor econômico e histórico, que não são protegidas como deveriam, pois nas três últimas décadas totalizam mais de 430 peças barrocas mineiras roubadas de igrejas e museus.
Os artistas que compõem esse “catálogo” são variados destacando Aleijadinho, Athayde, Mestre Piranga, entre outros.
O Gênio Desconhecido do Barroco
O Mestre de Piranga viveu no século XVIII, na cidade de Piranga/MG, não é um artista conhecido popularmente, principalmente em sua cidade, mas entre os historiadores se destaca como importante escultor barroco e pela fácil identificação de suas obras.
Considerado zombeteiro, desafiador e enigmático suas obras são caracterizadas por um domínio de forma quase clássico e interpretações quase expressionistas:
Olhos desnivelados, um mais baixo que o outro “vesgos”;
Cabeça menor que um sétimo do tronco;
Tipos físicos miscigenados do interior de Minas;
Ombros largos;
Formas circulares dos joelhos.
Na cidade em que viveu, Piranga, hoje, ele também é apenas uma referência distante. Quase ninguém sabe quem foi e não existe um acervo municipal e suas imagens desapareceram das igrejas locais.
Em 1966, sumiu o mais importante elo entre o escultor e sua cidade: a igreja matriz da cidade, cenário de sua obra mestra, foi dinamitada para dar lugar a uma nova matriz, um “monstruoso disco voador de concreto”.
A Igreja de Bom Jesus de Matozinhos, tombada pelo Iphan em 1998, é palco anualmente de uma grande romaria. A romaria acontece há mais de 215 anos foi autorizada pelo Papa pio VI em 1786. A devoção a Bom Jesus de Matozinhos tem origem em uma espécie de lenda local. Conta-se que nos idos de 1780 começou a ocorrer um estranho fenômeno no lugarejo: a imagem do Cristo crucificado da igrejinha central do distrito desapareceu misteriosamente e reapareceu no matagal que havia no alto do morro, a 1 km dali.
Recuperavam a imagem e repunham-na no lugar, mas ela tornava a aparecer no mesmo lugar. Os habitantes e o padre tomaram aquilo como um sinal e resolveram construir uma igreja no local onde a imagem aparecia. Curioso é que a imagem ainda está lá, num compartimento atrás do altar, de costas para outro Cristo crucificado e carrega consigo uma marca dos artistas “politizados” do barroco: além de crucificado, o Cristo tem a marca da forca no pescoço (referências segundo dizem, a Tiradentes e sua causa libertária).
Suas obras podem ser encontradas em coleções particulares de Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Museus de Nova Iorque e Rio de Janeiro, na Igreja de Nossa Senhora do Rosário em Piranga-MG, Igreja de Bom Jesus de Matosinhos (tombada pelo Iphan, 1998) em Santo Antônio do Pirapetinga e em diversos arraiais do ciclo do ouro.
Segundo historiadores e colecionadores a divulgação do artista Mestre de Piranga e suas obras é deficitária devido à falta de estudos e referências acadêmicas. Essa falta não tira a importância de suas obras, mas as tornam silenciosas.
Fonte: Turismo Criativo, Barroco Mineiro - Mestre de Piranga. Consultado pela última vez em 13 de dezembro de 2022.
Exposições Póstumas
2002 - Aleijadinho e Mestre Piranga: imagens da Coleção Renato Whitaker
2002 - Barroco no Museu Nacional de Belas Artes
2005 - Antonio Francisco Lisboa... de mim e dos meus oficiais...
2006 - Aleijadinho e Seu Tempo: fé, engenho e arte
2007 - Aleijadinho e Seu Tempo: fé, engenho e arte
2007 - Aleijadinho e Seu Tempo: fé, engenho e arte
2013 - Vontade Construtiva na Coleção Fadel
2014 - Há Escolas que São Gaiolas e Há Escolas que São Asas - Programa Arte e Sociedade no Brasil
Fonte: MESTRE Piranga. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2022. Acesso em: 12 de dezembro de 2022. Verbete da Enciclopédia. ISBN: 978-85-7979-060-7
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Mestre Piranga surge em nove esculturas
Quem terá sido Mestre Piranga? Pouco se sabe sobre esse escultor, o que, curiosamente, acaba não abrindo precedentes para a criação de mitos por trás de sua figura, ao contrário de Antônio Francisco Lisboa.
Pela própria denominação, podem-se inferir algumas características desse escultor que revelem mais do seu trabalho do que de sua biografia. As peças de Mestre Piranga foram encontradas no vale do rio Piranga, em Minas Gerais. "Mestre" poderia revelar a função que exerceria naquela estrutura de ofício mecânico.
Ombros largos, formas circulares principalmente na altura dos joelhos e nas mangas e olhos desnivelados são algumas das principais características das obras atribuídas ao artista -e nove delas podem ser vistas na Pinacoteca.
"Mestre Piranga trabalha com dois universos absolutamente fundidos. Não vamos falar de maneirismo, barroco, rococó, isso serve para a Itália. Aqui, não há mais tanto o cânone, uma erudição, mas ele utiliza, por exemplo, na escultura do São Bento, a lição dos hachurados dos beneditinos do século 17, ao mesmo tempo em que aproveita a talha mais solta do Aleijadinho", explica o curador Dalton Sala, que destaca detalhes curiosos, como um passarinho pousado logo atrás do São Bento de Mestre Piranga.
"Ele reproduz o santo de modelo europeu, mas coloca esse passarinho, inventa algo novo. Como não tem formação erudita, acaba por compensá-la com criatividade."
Fonte: Folha de São Paulo. Consultado pela última vez em 13 de dezembro de 2022.
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Mestre Piranga - Só pesquisa põe fim ao mistério | Grupo Oficina de Restauro
Identificação de Mestre Piranga depende de estudos em arquivos e igrejas do interior de Minas Gerais sobre as atividades de Antônio Meireles Pinto e José Meireles Pinto.
O legado atribuído a Mestre Piranga retrata período da história de Minas Gerais marcado pela presença atuante de renomados artistas, que produziam obras com características próprias se comparadas às de outros centros da colônia. As esculturas são marcadas pela leveza, ascendência, afetação, assimetria e, em muitos casos, aliam o aspecto caricatural ao tratamento refinado das figuras, como revelam as imagens em tamanho natural dos Passos da Paixão de Congonhas, assinadas por Aleijadinho e consideradas Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco.
O ambiente propício para a proliferação de capelas e igrejas nas áreas rurais também contribuiu para o surgimento de significativa quantidade de escultores populares em Minas, cujas identidades, assim como a de Mestre Piranga, permanecem no anonimato. A intenção dos pesquisadores Adriano Ramos e Célio Macedo Alves, a partir da descoberta de pistas sobre a possível identidade do artista que atuou na região do Vale do Piranga, é buscar apoio para intensificar as investigações e solucionar o mistério.
“Se ficarmos uns seis meses mergulhados em arquivos e pesquisando na região, novas descobertas surgirão”, aposta Adriano. A linha de trabalho que pretendem desenvolver defende que há fortes possibilidades de Antônio Meireles Pinto, José Meireles Pinto, ou os dois juntos, desvendarem o mistério em torno de Mestre Piranga.
Argumentos
De acordo com os pesquisadores, praticamente todos os artistas envolvidos na decoração interna dos monumentos da região do Vale do Piranga (inclusive do Santuário do Bom Jesus do Matozinhos do Bacalhau) já tiveram as respectivas obras estudadas. Constatou-se que nem o irmão de Aleijadinho, padre Antônio Félix Lisboa, nem mesmo os escultores Manoel Dias e Vicente Fernandes Pinto (o qual, presume-se, poderia ter algum parentesco com a família Meireles Pinto) apresentam características formais parecidas às de Mestre Piranga. O mesmo não ocorre com os indícios encontrados nos trabalhos de Antônio de Meireles Pinto e José de Meireles Pinto.
A constante presença na região da família Meireles Pinto, comprovada documentalmente de 1780 à segunda década do século 19, fortalece a tese de que eles ou um deles era o responsável pela oficina atribuída a Mestre Piranga.
Por outro lado, a descoberta, nos arquivos da Casa Setecentista de Mariana, de documentos que relacionam Antônio de Meireles Pinto com Rio Pomba (em 1806, foi citado como entalhador; e português, em 1813, em ação cível envolvendo questão de terras), aliada ao fato de ter sido encontrada na região uma imagem (Nossa Senhora das Mercês) com todas as características de Mestre Piranga, reforça a tese de que a linha de investigação adotada pelos especialistas Adriano Ramos e Célio Macedo Alves pode estar no caminho certo.
A voz do povo
A notícia de que a imagem de Nossa Senhora das Mercês pode ser de Mestre Piranga pegou de surpresa os habitantes de Mercês, município de 10 mil habitantes da Zona da Mata, distante 230 quilômetros de Belo Horizonte. Nos arquivos da paróquia onde a imagem da padroeira ocupa o centro do altar-mor, não há documentação que comprove a ligação da escultura com o artista que atuou de forma intensa no Vale do Piranga. Mas, de acordo com o padre Valter Magno de Carvalho, a suspeita não é novidade.
“Já ouvi o cônego de Dores do Turvo, Nelson Marota, de 90 anos, comentar sobre a possibilidade de ela ser de Mestre Piranga. São imagens antigas, não temos a data precisa de quando elas foram feitas”, afirma padre Valter. O cônego confirma a conversa, mas não se lembra de detalhes dela. “Não tenho a menor lembrança de quem me contou, já faz bastante tempo, me esqueci por completo. Só me lembro de que foi levantada esta suspeita”, confirma.
A aparência de Nossa Senhora das Mercês não é a mesma da época em que a imagem foi criada, como mostra uma foto antiga encontrada na sacristia da própria igreja. A Nossa Senhora das Mercês atual tem o manto coberto por camada espessa de tinta azul claro, bem diferente da sutileza do bege de antigamente. O padre Valter Carvalho conta que, na década de 1980, a imagem passou por processo de restauração e foi repintada. “Temos o maior interesse em restaurá-la, devolvendo-lhe a aparência original. Mas o processo é caro. Quando cheguei, as imagens usadas na Semana Santa estavam infestadas de cupins. Tivemos de recuperá-las com urgência”.
A possível autoria da imagem intriga os fiéis. O sacristão Valdeis Heleno de Souza nunca ouviu falar sobre o assunto. “Tenho bastante curiosidade em descobrir quem é o responsável, pois essa imagem é símbolo de muita fé. O jubileu de setembro atrai gente de toda a região”, diz. Outra que também está intrigada em relação à santa é a auxiliar de serviços gerais Glória Coelho. “É uma imagem muito bonita, antiga, e ninguém sabe ao certo quem a fez. O mistério só aumenta nossa curiosidade”, conclui.
Fonte: Oficina de Restauro - Mestre Piranga, escrito por Sérgio Rodrigo Reis, publicado originalmente no Jornal Estado de Minas. Consultado pela última vez em 12 de dezembro de 2022.
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"Mistério" de Mestre Piranga será revelado em livro e documentário | Estado de Minas
Grupo de pesquisadores do barroco mineiro prepara divulgação de resultado dos seus estudos sobre a origem da oficina que produziu peças de destaque no século 18
A riqueza de Minas Gerais no período colonial contribuiu para o desenvolvimento de ambiente cultural sem precedentes no Brasil do século 18. Para atender à demanda da Igreja Católica, os artífices produziram intensamente obras sacras, que se tornaram um dos principais legados artísticos daquela época. Aleijadinho, que morou em Ouro Preto e atuou em várias partes do estado, é o mais conhecido e valorizado de todos. Mas outros artistas, por falta de pesquisas aprofundadas, permanecem desconhecidos. “Mestre Piranga”, designação da oficina que se instalou na Zona da Mata, é um exemplo que se encaixa perfeitamente nesse contexto.
Para entender esse fenômeno das artes plásticas, aproveitamo-nos aqui do artigo “O imaginário e inimaginável santeiro, todo Aleijadinho”, do falecido museólogo Orlandino Seixas Fernandes, publicado em 1981 no Suplemento Literário de Minas Gerais, que contextualiza o ambiente artístico da Capitania das Minas do Ouro após seu desmembramento da província de São Paulo, homologada pela Coroa portuguesa no ano de 1720:
"... Ao contrário da costa, onde tudo eram sedimentações, conservadorismos e persistências, bem típicos das atividades de comércio, e transporte nelas sobremodo exercidos, nas Alterosas, ao invés, tudo estava sempre por fazer-se ou sendo refeito, nada era estável posto que o próprio solo de contínuo era movido pelo interesse humano ou consequência dele...."
Tratava-se, portanto, de uma sociedade heterogênea, conflitante, em que se relacionavam pessoas de diferentes origens e culturas, com pontos de vistas e níveis educacionais distintos, mesclando o erudito com o popular, de forma tumultuada e dinâmica.
Oficinas
Em meados do século 18, as vilas agruparam uma grande variedade de oficiais e artesãos, permitindo o convívio do "... artista português erudito ao lado do popular e ambos ao lado do improvisador arcaizante, luso ou africano, do improvisador primitivo negro ou indígena, e do exótico imitante a marfins e outros efeitos do Oriente importados", ainda sob a ótica de Seixas Fernandes.
Essas comunidades mineradoras, formadas circunstancialmente, viram-se na necessidade de empregar soluções próprias, criativas, que amenizassem o elevado nível do custo de vida na capitania. A presença de ateliês nas tendas e nos canteiros de obra, com todas as tarefas distribuídas planejadamente, revela o caráter de equipe da produção artística setecentista, também com características artesanais, em que havia esquemas hierárquicos envolvendo aprendizes, ajudantes, além da relação mestre-discípulo.
As esculturas produzidas por “Mestre Piranga” primam pela originalidade, com peculiaridades inconfundíveis, totalmente distintas de tudo do que até então havia sido produzido na Capitania das Minas do Ouro no decorrer do século 18. Sua composição volumosa e de extrema força plástica é realçada pela resolução em saliência dos ombros, recortes ovalados da indumentária na altura dos joelhos, aliada à excessiva dramaticidade anatômica das faces e suas reconhecidas particularidades, como olhos esbugalhados e estrábicos, mais a cabeleira em contornos triangulares.
Esse conjunto escultórico, fora de dúvida, é fruto do envolvimento de variados artesãos e aprendizes que, sob a coordenação de um mestre do ofício, se alinharam esteticamente a um mesmo padrão de criação, haja vista a variedade das obras, as quais, ainda que apresentando diferenças pontuais entre si, mantêm a mesma concepção artística em suas elaborações.
Os recortes ovalados dos panejamentos nas figuras entalhadas, efeito de extremo impacto visual, foram muito empregados pelos escultores europeus que trabalhavam a pedra, material difícil de ser modelado. Sabe-se que os canteiros da Europa, na Idade Média, adotavam determinados procedimentos técnicos com ferramentas especiais, no intuito de conseguirem resultados plásticos de maior realce, obtidos facilmente na madeira, em função da sua maciez.
Ora, essas ogivas, juntamente com os recortes triangulares que dão movimentação aos panejamentos das figuras produzidas pela oficina de Piranga, foram esculpidas única e exclusivamente na madeira e tudo leva a crer que essa técnica tenha sido aproveitada por um profissional com experiência em cantaria e que transportou seu método para o inusitado suporte, fato esse muito comum na região das Minas, palco propício para experimentos e improvisações artísticas.
Fisionomia
Outro aspecto digno de consideração são os traços fisionômicos das figuras representadas, que, de forma alguma, tiveram como referência os clássicos missais e ilustrações religiosas vindos de além-mar. Os rostos são puramente populares e se encaixam conceitualmente no que o museólogo Orlandino Seixas Fernandes designava como “abrasileiramento”, em artigo no qual se refere aos arquétipos mulatos nas obras escultóricas de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho.
No caso de Piranga, percebe-se claramente em algumas figuras que suas feições tendem a uma similaridade com pessoas da zona rural, principalmente na rusticidade de seus traços fisionômicos e na constituição dos membros, com destaque para a resolução das mãos calejadas, como ocorre em várias esculturas masculinas. Há presença também de mão de obra mais refinada, principalmente no trato anatômico, mas prevalecendo, no geral, a propensão de se representarem figuras regionais ao invés dos modelos europeus, tirados das estampas que circulavam na capitania e que nada tinham a ver com esse primitivismo da escola de Piranga.
No século passado, as criações dessa “Oficina de Piranga” passaram a ser disputadas pelos mais exigentes colecionadores e antiquários do país. O verdadeiro nome por trás do apelido famoso permanece incógnito, mas pistas começaram a surgir há algum tempo, quando um grupo de especialistas em Barroco de Belo Horizonte encontrou indícios sobre a identidade dos oficiais envolvidos no “ateliê” e que virão à tona, sob a coordenação do Instituto Flávio Gutierrez, na edição de um documentário, com participação do videomaker Alexandre Máximo e do roteirista Sávio Grossi, e na publicação de um livro sobre “Mestre Piranga”, trabalho dos pesquisadores Angela Gutierrez e deste autor.
As pesquisas se iniciaram pelo retábulo do altar-mor do Santuário de Bom Jesus de Matosinhos, em Santo Antônio de Pirapetinga, apelidado Bacalhau, distrito de Piranga, que foi ajustado com José de Meireles Pinto no ano de 1782 e apresenta dois anjos adoradores nas laterais do coroamento, com todas as características inerentes à “Oficina”. Esse entalhador português trabalhou com uma equipe responsável por serviços na Igreja São Francisco de Assis, de Mariana, em que se destacavam diversos oficiais de renome que, posteriormente, atuariam no Vale do Piranga.
Mistério
Após sua passagem pelo Santuário do Senhor Bom Jesus do Matozinhos, por volta de 1799, Antônio de Meireles Pinto manteve contatos profissionais nos, hoje, municípios de Rio Pomba, Dores do Turvo e Mercês, onde foi encontrada uma peça-chave para auxiliar no desvendamento desse verdadeiro mistério que envolve o “ateliê de Piranga”. A padroeira instalada no altar central da Igreja Nossa Senhora das Mercês tem todas as especificidades dessa oficina, ou seja, estrabismo, panejamento acentuado na altura dos ombros, cabelos em contornos triangulares nas laterais da face e querubins com as particularidades de outros atribuídos à mesma produção artística. Até a presente data, nenhum especialista havia relacionado essa imagem àquela escola.
Esse constante exercício de observação e análise comparativa de detalhes anatômicos ou de pormenores escultóricos, em busca de similaridades entre imagens de determinado autor envolvido no procedimento criativo, diante da ausência de documentação comprobatória, é a única possibilidade real para que o pesquisador se aproxime mais fielmente dos verdadeiros responsáveis pela execução de certas obras.
Em Minas Gerais, até nossos dias, ainda há uma enorme quantidade de artistas e ateliês a serem analisados e identificados, sem entrar no mérito das obras estritamente populares, produzidas em grande escala em toda a capitania. Em meio a esse incomensurável número de obras e autores, muitas esculturas sacras ficam no anonimato ou são equivocadamente atribuídas a esse ou àquele escultor apenas em virtude de pequenas semelhanças morfológicas ou anatômicas, sem se levar em conta que havia na colônia, como ocorria na Europa desde a Idade Média, oficinas que contavam com a presença de diversos oficiais, inclusive em sólidas parcerias e associações ou ainda mediante terceirizações de algumas etapas dos serviços.
Claros vestígios surgidos durante nossas pesquisas, no entanto, permitem-nos conjecturar que o “ateliê de Piranga” foi concebido por Luís Pinheiro juntamente com José de Meireles Pinto e Antônio de Meireles Pinto, envolvendo uma gama de outros artistas em sua rica e variada obra. A nosso ver, ficou a cargo de Pinheiro, devidamente autorizado pelo Senado da Câmara, administrar a oficina na região e, estilisticamente, imprimir às figuras esculpidas os traços mais refinados, como os da Nossa Senhora da Piedade, de Rio Espera.
A ideia do documentário e do lançamento de um livro pelo Instituto Cultural Flávio Gutierrez tem o objetivo de trazer à luz esses artífices, cujos rastros, deixados em suas ações pelos recantos da então Capitania das Minas do Ouro e pelas qualidades artísticas observadas em obras por eles comprovadamente confeccionadas, indicam sua presença na coordenação dessa importante escola, intitulada e aclamada nacionalmente como “Mestre Piranga”.
Fonte: Estado de Minas, escrito por Adriano Ramos - pesquisador de obras de arte, publicado em 28 de fevereiro de 2022. Consultado pela última vez em 13 de dezembro de 2022.
Crédito fotográfico: Estado de Minas, fotografia de Marcelo Sant'Anna. Consultado pela última vez em 13 de dezembro de 2022.