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Rubem Grilo

Rubem Campos Grilo (Pouso Alegre, MG, 1946) é um gravador, ilustrador, professor e curador brasileiro. É hoje um dos principais artistas em produção no país e um dos destaques da gravura brasileira.

Biografia Itaú Cultural

Em 1963, transfere-se para Itaguaí, Rio de Janeiro, e, aos 23 anos, conclui o curso de agronomia pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Em 1970, estuda xilogravura com José Altino (1946), na Escolinha de Arte do Brasil, no Rio de Janeiro. No ano seguinte, passa a freqüentar a Seção de Iconografia da Biblioteca Nacional e entra em contato com as gravuras de Oswaldo Goeldi (1895-1961), Lívio Abramo (1903-1992), Marcelo Grassmann (1925). Nesse período, inicia curso de xilogravura na Escola de Belas Artes da UFRJ e é orientado por Adir Botelho (1932). Em visitas ao ateliê de Iberê Camargo (1914-1994), recebe lições de gravura em metal e, na Escola de Artes Visuais do Parque Lage (EAV/Parque Lage), estuda litografia com Antonio Grosso (1935). No início da década de 1970, ilustra jornais como Opinião, Movimento, Versus, Pasquim, Jornal do Brasil. Na Folha de S. Paulo, cria ilustrações para os fascículos da coleção Retrato do Brasil. Em 1985, publica o livro Grilo: Xilogravuras, pela Circo Editorial. Em 1990, é premiado pela Xylon Internacional, na Suíça. Em 1998, participa, com sala especial, da 24ª Bienal Internacional de São Paulo e, no ano seguinte, é curador geral da Mostra Rio Gravura. Tem trabalhos publicados em revistas especializadas como Graphis e Who's Who in Art Graphic (Suíça), Idea (Japão), Print (Estados Unidos).

Análise

Nas décadas de 1970 e 1980, a xilogravura surge para Rubem Grilo não como uma escolha meramente estética, formal, mas como uma técnica de alcance popular que lhe permite uma atuação política. Em sintonia com esse ideal está a opção em ilustrar periódicos e trabalhar com temas do cotidiano brasileiro como a ditadura militar, a burocracia, a previdência social, a Constituinte, o sistema político etc. Nessa escolha temática, Grilo busca elaborar uma comunicação direta, em que a crítica política é acentuada pela aproximação entre texto e imagem, como em Burocracia, 1979, Relações de Trabalho, 1980, Sociedade Civil, 1983, Golpe Militar, 1984. O traço tênue e contrastado transfigura e recria formas vigorosas a ocupar todos os espaços do plano, sem permitir nenhum ponto de fuga que desvie o olhar do leitor da imagem.

Nos anos 1990, passados os tempos de repressão militar, Rubem Grilo deixa de ilustrar periódicos. Na nova produção autoral, a crítica social permanece, porém a atenção volta-se para a simplicidade gráfica. A ambigüidade irônica da série Obra Menor traduz a preocupação com os detalhes, presentes em objetos representados em escala reduzida, medindo poucos centímetros. Nessa série, Grilo provoca questionamentos ao deslocar a funcionalidade de objetos. Em Relógio, 7 x 5,5 cm, 1994, por exemplo, substitui a ordem circular dos números por uma espiralar. Nessa operação, altera a lógica do objeto e passa a atuar como um suposto cientista a propor reflexões sobre a medição do tempo e sua importância na vida cotidiana.

Críticas

"Um fato: a xilogravura contemporânea brasileira recupera, através de Grilo, sua dimensão maior na tradição instaurada pela obra de Oswaldo Goeldi. Essa dimensão - a da obra magistral - tornada hoje uma crescente evidência quando da apreciação do trabalho de Rubem Grilo, resulta de um processo de criação no qual a intensidade produtiva logrou estabelecer o difícil mas possível equilíbrio entre invenção e inteligibilidade. A criação, na gravura de Rubem Grilo, é um tempo de construção/desconstrução imagística na qual o contínuo compor/descompor/recompor do trabalho estabelece a premissa básica da maestria: o eterno aprendizado. Fazer o trabalho para aprender com o trabalho, diz Grilo, situando-se na perplexidade do eterno aprendiz diante do mistério da criação. Essa perplexidade, longe de atenuar-se, só tende a intensificar-se, na crescente complexidade de um trabalho que tem logrado, em sua tensão específica, preservar o compromisso com a invenção sem cair no hermetismo".

George Kornis (KORNIS, George. Apresentação do livro Grilo xilogravuras. In: IMAGEM gráfica. Rio de Janeiro: Escola de Artes Visuais do Parque Lage, 1995. p. 152.)

"É noutro espaço, entre o investimento e a dissolução, que agora irá projetar-se a obra de Rubem Grilo. A dispersão é uma forma de manter coesa a relação pessoal de tempo, o fluxo de ação, mas simultaneamente desconcentrá-lo nas imagens, elidindo a sedução do virtuoso e o excesso de investimento numa mesma obra. É nesse território que a xilogravura de Grilo teria que encontrar sua nova poética. É entre dois extremos de sua ação gráfica - a imagem muito detalhista ou as imagens simples - que Rubem Grilo reconfirma a afirmação de Riva Castleman de que houve poucas alterações estilísticas nas imagens de linhas negras, de modo que o seu caráter medieval representou um elemento atemporal e sem intenção artística consciente. 'Refaço um gesto que já foi esgotado milhões e milhões de vezes', afirma Rubem Grilo. (...) Às vezes Rubem Grilo parece trabalhar como se faltassem palavras para um universo e fosse necessário torná-lo presente em imagem. É como se Grilo pensasse com a faca de gravar, pensasse gravando. Pensar seria um corte na matriz".

Paulo Herkenhoff (HERKENHOFF, Paulo. Rubem Grilo: caminhos da razão. In: GRILO, Rubem. Arte menor:xilogravuras. Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil, 1996. p. 5-9.)

"Não produzindo retratos ou caricaturas, Grilo traz tipos, caracteres que operam graficamente justapostos em cena, que, por sua vez, se justapõe à narração textual. Nas justaposições de suas cenas, as figuras e os objetos intensificam o narrado efetuando enumeração ou acúmulo: enfáticas, as figuras são graficamente estouradas por desproporção no desenho e nas luzes que as tornam maciças e frágeis, pois trincadas por linhas incisivas e açoitadas por forças deslocantes. A exacerbação das forças destrutivas contradiz a compacidade das figuras que, sendo estáticas as cenas, se exibem explodidas em si mesmas. Reforçam esses efeitos linhas que, exteriores às figuras, desenham movimentos velozes, como em HQ, cuja marca na obra de Grilo também se comprova no uso de balões. Feroz, o humor é o de um riso mascado, que acena repelindo, com que Grilo fala ante seus espectadores.

Ainda que algumas de suas gravuras prolonguem as de periódicos, Grilo ressignifica a eleição da madeira: arte superada, a xilogravura nada traz de experimental, pois cava, na incisão, o aprofundamento subjetivo. Foge, nele, a novidade externa, a da gravura experimental, diga-se, logo, a técnica mista, entendida como estática na perspectiva do sujeito, que imobiliza todo tecnicismo: por isso, a xilogravura, como simples, tradicional, não passa de instrumento dócil de uma subjetividade absoluta. Para Rubem Grilo, Antonio Henrique Amaral ou Anna Carolina, o desprestígio da xilogravura, seja o de mercado, seja o de preconceito técnico, pode privilegiar a subjetividade. Em Grilo, esta se acelera maximamente como busca incessante do eu pelo eu. O sujeito-Grilo vai emergindo sempre diferente, pois cada vez mais Grilo: o centramento do sujeito e a circunferência da gravura estão para todo o sempre locados; é impertinente, portanto, o pensamento de Nicolau de Cusa, para quem centro e circunferência estão em toda parte e em parte nenhuma. Como em Antonio Henrique Amaral, em Rubem Grilo se propõe a questão difícil da saída da gravura política: aquele o faz pela pintura, na qual a alegoria acaba apodrecendo; este, pela fixação de um centro que se acelera como identidade do eu".

Leon Kossovitch e Mayra Laudanna (KOSSOVITCH, Leon; LAUDANNA, Mayra. Sobre o político. In: GRAVURA: arte brasileira do século XX. Apresentação Ricardo Ribenboim; texto Leon Kossovitch, Mayra Laudanna, Ricardo Resende. São Paulo: Itaú Cultural: Cosac & Naify, 2000. p. 13.)

“A experiência desenvolvida pelo gravador é rica, complexa, mesmo porque não se limita ao exercício de uma exploração apenas intuitiva da linguagem gráfica, pois, se é verdade que a intuição desempenha aí um papel essencial, é certo também que se faz acompanhar de uma constante reflexão do artista sobre a significação do seu trabalho e sobre os fundamentos mesmos da gravura como expressão atual na sociedade contemporânea. (...) para o gravador moderno – que não usa dos recursos da xilo para simplesmente reproduzir o desenho – o ato de gravar revelou-se o momento decisivo da realização dessa modalidade artística chamada gravura. E Grilo é um dos exemplos mais completos desse gravador moderno, para quem o trabalho de gravar transcende o exercício artesanal e se torna criação poética.”

Ferreira Gullar

Depoimentos Rubem Grilo

"A grande conquista da arte foi tomar consciência de suas questões intrínsecas, de coisas que só dizem respeito a ela. Mas, por outro lado, é complicado reduzir toda a arte a formas, cores, linhas. Porque, ao se expressar, certas pessoas transmitem sua experiência de vida. Acho que passa por uma questão de autenticidade, de ser verdadeiro consigo mesmo e se realizar de acordo com suas necessidades particulares. Estou condicionado a um tipo de cultura e, ao mesmo tempo, tento crescer dentro disso. O que tenho feito até hoje é responder a esta questão. Ter um olhar altamente crítico sobre meu processo mas, ao mesmo tempo, saber que o caminho tem de ser por onde sinto meu chão. (...)

Alguns trabalhos meus se aproximam do expressionismo. Quando se diz expressionismo, a referência é o expressionismo alemão, a grande sala onde essa linguagem se tornou universalmente conhecida.

Se você pensar o expressionismo não apenas como uma representação de imagens exacerbadas, angustiadas, mas sobretudo como uma poética do eu, uma poética individual em que o artista se desgarra do coletivo, se torna, na ação e no pensamento, uma pessoa, a consciência do eu - eu diria, então, que meu trabalho tem a ver com o expressionismo. Mas, por outro lado, não me obrigo a ser expressionista como opção estética. (...)

A imprensa foi o começo do amadurecimento. O trabalho começa somente quando você descobre uma razão nele. Não é quando se faz um desenho, é quando esse desenho se converte numa coisa significativa. A partir da década de 70, durante quinze anos, colaborei com a imprensa alternativa, que era um veículo de oposição aos governos militares brasileiros. Essa trincheira de certa maneira aprofundou a urgência sobre o trabalho. Publiquei de 1973 a 1975 no semanário Opinião, de 1975 a 1979 no jornal Movimento. De 1980 a 1982 publiquei na Folha de S.Paulo, num caderno chamado Folhetim. E fiz pequenas colaborações para o Jornal do Brasil, O Globo, O Pasquim, Versus, enfim, vários tipos de imprensa. A última colaboração foi uma coleção de fascículos chamada Retratos do Brasil, um balanço do que o país viveu durante o período militar.

E durante todo esse tempo mantive, como ponto de honra, o hábito de fazer xilogravura exatamente para distingui-la de uma forma apropriada pela imprensa. Progressivamente, meu trabalho foi ficando mais demorado, mais complexo".

Rubem Grilo (Senac Nacional 1999. GRILO, Rubem. Gravura, linguagem e vida. In: OFICINAS: gravura. Rio de Janeiro: SENAC, 1999. p. 113-118.)

Exposições Individuais

1972 - Rio de Janeiro RJ - Primeira individual, na Marina Lima Presentes

1973 - Rio de Janeiro RJ - Individual, na Galeria Atelier

1981 - Rio de Janeiro RJ - Individual, na EAV/Parque Lage

1983 - Rio de Janeiro RJ - Individual, na Galeria de Arte Banerj

1983 - São Paulo SP - Individual, no Sesc Pompéia

1984 - Paris (França) - Individual, no Espace Latino-Américain

1984 - Vitória ES - Rubem Grilo: xilogravuras, na Ufes. Galeria de Arte e Pesquisa

1985 - Curitiba PR - Individual, na Casa da Gravura Solar do Barão

1985 - Joinville SC - Individual, no Museu de Arte de Joinville

1985 - Porto Alegre RS - Individual, no Margs

1985 - Rio de Janeiro RJ - Individual, na Funarte. Galeria Sérgio Milliet

1986 - Brasília DF - Individual, na Galeria Oswaldo Goeldi

1986 - Campinas SP - Individual, na Galeria Aquarela

1986 - Cuiabá MT - Individual, na Universidade Federal de Mato Grosso. Instituto de Linguagens

1986 - São Paulo SP - Individual, na Galeria Suzanna Sassoun

1989 - Assunção (Paraguai) - Individual, no Centro de Estudos Brasileiros

1992 - São Paulo SP - Arte Menor, no Masp

1993 - Brasília DF - Individual, no Espaço Cultural 508 Sul

1995 - Rio de Janeiro RJ - Rubem Grilo: xilogravuras, na EAV/Parque Lage

1995 - Rio de Janeiro RJ - Rubem Grilo: xilogravuras, na UERJ. Centro de Educação e Humanidades

1996 - Rio de Janeiro RJ - Arte Menor: xilogravuras, no CCBB

1997 - Belo Horizonte MG - Individual, na Galeria Guignard

1997 - Vitória ES - Individual, na Ufes. Galeria de Arte e Pesquisa

1998 - Rio de Janeiro RJ - Pensar Gráfico, no Paço Imperial

1998 - Salvador BA - Individual, no MAM/BA

1999 - Florianópolis SC - Individual, no Masc

2000 - Nova Hamburgo RS - Individual, no Centro Universitário Feevale

2000 - Pelotas RS - Individual, no Museu de Arte Leopoldo Gottuzzo

2000 - Porto Alegre RS - Arte Menor: xilogravuras, na Casa de Cultura Mario Quintana. Galeria Sotéro Cosme

2001 - Fortaleza CE - Arte Menor: xilogravuras, no Mauc

2004 - Passo Fundo RS - Rubem Grilo: Coleção Paulo Dalacorte, no Museu de Artes Visuais Ruth Schneider

2004 - Recife PE - Arte Menor, na UFPE. Instituto de Arte Contemporânea. Centro Cultural Benfica

2004 - Rio de Janeiro RJ - Individual, na Anita Schwartz Galeria

Exposições Coletivas

1972 - Capri (Itália) - 2ª Triennale Internazionale della Xilografia Contemporânea - prêmio aquisição

1972 - Rio de Janeiro RJ - 21º Salão Nacional de Arte Moderna, no MEC

1972 - Rio de Janeiro RJ - 4º Salão de Verão, no MAM/RJ

1973 - Niterói RJ - 2ª Mostra de Artes Visuais do Estado do Rio de Janeiro

1973 - Rio de Janeiro RJ - 22º Salão Nacional de Arte Moderna

1973 - Rio de Janeiro RJ - 5º Salão de Verão, no MAM/RJ

1974 - Rio de Janeiro RJ - Grafikos, na Livraria Carlitos

1976 - Rio de Janeiro RJ - Arte Gráfica na Imprensa, na ABI

1976 - São Paulo SP - Exposição com ilustradores do jornal Movimento, na Aliança Francesa

1982 - Curitiba PR - 5ª Mostra Anual de Gravura Cidade de Curitiba, na Casa da Gravura Solar do Barão

1982 - Rio de Janeiro RJ - 5º Salão Nacional de Artes Plásticas, no MAM/RJ - prêmio aquisição

1982 - Rio de Janeiro RJ - 6º Salão Carioca de Arte, na Estação Carioca do Metrô

1982 - Rio de Janeiro RJ - Universo do Futebol, no MAM/RJ

1983 - Curitiba PR - Salão de Gravura - 1º prêmio

1983 - México - 31 Artistas Gráficos Brasileiros

1983 - Colômbia - 31 Artistas Gráficos Brasileiros

1983 - Montevidéu (Uruguai) - 1ª Bienal de Grabado Iberoamericano, no Museo de Arte Contemporânea - prêmio especial de viagem ao exterior

1983 - Rio de Janeiro RJ - 6º Salão Nacional de Artes Plásticas, no MAM/RJ

1983 - Rio de Janeiro RJ - 7º Salão Carioca de Arte, na Estação Carioca do Metrô

1983 - São Paulo SP - Exposição sobre Direitos Humanos, no CCSP

1983 - Taipé (Taiwan) - 1ª International Biennial Print Exhibition, no Taipei Fine Arts Museum

1984 - Brno (Tchecoslováquia, atual República Tcheca) - 11ª Biennal of Graphic Design

1984 - Curitiba PR - 6ª Mostra da Gravura Cidade de Curitiba A Xilogravura na História da Arte Brasileira, na Casa Romário Martins - premiado

1984 - Fortaleza CE - 7º Salão Nacional de Artes Plásticas

1984 - Rio de Janeiro RJ - 7º Salão Nacional de Artes Plásticas, no MAM/RJ - premiado

1984 - Rio de Janeiro RJ - O Rosto e a Obra, na Galeria do Ibeu Copacabana

1984 - Rio de Janeiro RJ - O Universo da Xilogravura, na Funarte. Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular

1984 - Rio de Janeiro RJ - A Xilogravura na História da Arte Brasileira, na Funarte. Galeria Sérgio Milliet

1984 - Rio de Janeiro RJ - 8º Salão Carioca de Arte, na Estação Carioca do Metrô

1984 - São Paulo SP - 15º Panorama de Arte Atual Brasileira, no MAM/SP

1985 - Rio de Janeiro RJ - Salão Nacional de Artes Plásticas, no MAM/RJ

1985 - Rio de Janeiro RJ - Arte Construção: 21 artistas contemporâneos, na Galeria do Centro Empresarial Rio

1985 - Rio de Janeiro RJ - 8º Salão Nacional de Artes Plásticas, no MAM/RJ

1985 - São Paulo SP - 18ª Bienal Internacional de São Paulo, na Fundação Bienal

1986 - Bogotá (Colômbia) - 5ª Bienal Americana de Artes Gráficas

1986 - Bogotá (Colômbia) - Nuevos Nombres: 4 artistas brasileños, no Banco de La República. Biblioteca Luis Ángel Arango

1987 - Berlim (Alemanha) - Intergrafik: internationale biennale der grafik - 3º prêmio

1987 - Brasília DF - Missões 300 Anos: a visão do artista, no Teatro Nacional Cláudio Santoro

1987 - Campinas SP - 1ª Bienal Internacional da Gravura, no MACC

1987 - Porto Alegre RS - Missões 300 Anos: a visão do artista, na UFRGS. Centro Cultural

1987 - Rio de Janeiro RJ - Missões 300 Anos: a visão do artista, na EAV/Parque Lage

1987 - São Paulo SP - Missões 300 Anos: a visão do artista, no Masp

1987 - Taipé (Taiwan) - 3ª International Biennial Print Exhibition, no Taipei Fine Arts Museum

1988 - Brno (Tchecoslováquia, atual República Tcheca) - 13ª Biennal of Graphic Design

1988 - Curitiba PR - 8ª Mostra da Gravura Cidade de Curitiba. Adir Botelho e Rubem Grilo, no Museu de Arte do Paraná

1988 - Porto Alegre RS - Missões 300 Anos: a visão do artista

1988 - Rio de Janeiro RJ - Missões 300 Anos: a visão do artista, na EAV/Parque Lage

1988 - São Paulo SP - Missões 300 Anos: a visão do artista, no Masp

1989 - Belo Horizonte MG - 21º Festival de Inverno da UFMG

1989 - Havana (Cuba) - 3ª Bienal de Havana

1989 - Liubliana (Iugoslávia - atual Eslovênia) - 18ª Bienal Internacional de Gravura, na Moderna Galerija Ljubljana

1989 - Rio de Janeiro RJ - Gravura Brasileira: 4 temas, na EAV/Parque Lage

1990 - Amadora (Portugal) - 2ª Bienal de Gravura

1990 - Berlim (Alemanha) - Intergrafik: internationale triennale grafik

1990 - Biella (Itália) - Premio Internazionale Biella per l'Incisione

1990 - Caracas (Venezuela) - Encuentro de Grabado Latinoamericano

1990 - Rio de Janeiro RJ - Armadilhas Indígenas, na Funarte

1990 - São Paulo SP - Armadilhas Indígenas, no Masp

1990 - Tuzla (Iugoslávia, atual Bósnia-Herzegóvina) - 6ª International Biennial Exhibition of Portrait, Drawings and Graphics

1990 - Winterthur (Suíça) - 11ª Xylon: international triennial exhibition of artists relief printing - 2º prêmio

1991 - Campinas SP - Imaginário Popular, na Galeria Aquarela de Arte Contemporânea

1991 - São José do Rio Pardo SP - Imaginário Popular, no Museu Rio Pardense

1992 - Curitiba PR - 10ª Mostra da Gravura Cidade de Curitiba. Mostra América, no Museu da Gravura (Curitiba, PR)

1992 - Rio de Janeiro RJ - Gravura de Arte no Brasil: proposta para um mapeamento, no CCBB

1993 - Biella (Itália) - 12º Premio Internazionale Biella per L'Incisione

1993 - Helsinque (Finlândia) - International Print Triennial, no Alvar Aalto Museum

1993 - João Pessoa PB - Xilogravura: do cordel à galeria, na Funesc

1993 - Lisboa (Portugal) - Matrizes e Gravuras Brasileiras: Coleção Guita e José Mindlin, na Fundação Calouste Gulbenkian. Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão

1994 - Belgrado (Iugoslávia - atual Sérvia e Montenegro) - 3º Print Biennal Belgrade

1994 - Cidade do México (México) - 9ª Bienal Ibero-Americana de Arte

1994 - São Paulo SP - Xilogravura: do cordel à galeria, no Metrô

1995 - Belo Horizonte MG - Imagem Derivada: um olhar acerca do desdobramento da gravura hoje, no MAP

1995 - Biella (Itália) - Premio Internazionale Biella per L'Incisione

1996 - Cidade do México (México) - 10ª Bienal Ibero-Americana de Arte

1996 - Winterthur (Suíça) - 13ª Xylon: international triennial exhibition of artists relief printing

1997 - Barra Mansa RJ - Traços Contemporâneos: homenagem a gravura brasileira, no Centro Universitário de Barra Mansa

1997 - Cracóvia (Polônia) - International Print Triennial

1997 - Curitiba PR - A Arte Contemporânea da Gravura, no Museu Metropolitano de Arte de Curitiba

1997 - Irving (Estados Unidos) - Contemporary Brazilian Prints, na University of Dallas. Haggar Art Gallery

1997 - Liubliana (Eslovênia) - 22ª International Biennial of Graphic Art

1997 - Odessa (Estados Unidos) - Contemporary Brazilian Prints, na Gallery at The University of Texas of the Permian Basin

1997 - Plano (Estados Unidos) - Contemporary Brazilian Prints, na Collin County Community College. Spring Creek Art Gallery

1997 - Wichita Falls (Estados Unidos) - Contemporary Brazilian Prints, na Midwestern State University Art Gallery

1998 - Abilene (Estados Unidos) - Contemporary Brazilian Prints, na Abilene Christian University Shore Art Gallery

1998 - Baton Rouge (Estados Unidos) - Contemporary Brazilian Prints, na Louisiana State University

1998 - Cidade do México (México) - 11ª Bienal Iberoamericana de Arte, no Museo del Palacio de Bellas Artes

1998 - Rio de Janeiro RJ - A Imagem do Som de Caetano Veloso, no Paço Imperial

1998 - Rio de Janeiro RJ - Teoria dos Valores, no MAM/RJ

1998 - Rio de Janeiro RJ - A Imagem do Som de Caetano Veloso (1998 : Rio de Janeiro, RJ) - Paço Imperial (Rio de Janeiro, RJ)

1998 - São Paulo SP - 24ª Bienal Internacional de São Paulo, na Fundação Bienal

1998 - São Paulo SP - Os Colecionadores - Guita e José Mindlin: matrizes e gravuras, na Galeria de Arte do Sesi

1998 - São Paulo SP - Teoria dos Valores, no MAM/SP

1999 - Niterói RJ - Mostra Rio Gravura. Acervo Banerj, no Museu do Ingá

1999 - Rio de Janeiro RJ Curadoria - Mostra Rio Gravura. Coleção Guita e José Mindlin, no Centro Cultural Correios

2000 - Buenos Aires (Argentina) - 1ª Bienal Argentina de Gráfica Latino-Americana, no Museu Nacional del Grabado

2000 - Hanover (Alemanha) - Expo 2000 Hannover

2000 - São Paulo SP - Investigações. A Gravura Brasileira, no Itaú Cultural

2001 - Brasília DF - Investigações. A Gravura Brasileira, na Galeria Itaú Cultural

2001 - Penápolis SP - Investigações. A Gravura Brasileira, na Galeria Itaú Cultural

2001 - São Paulo SP - Cultura Brasileira 1, na Casa das Rosas

2002 - Brasília DF - Fragmentos a Seu Ímã, no Espaço Cultural Contemporâneo Venâncio

2002 - Passo Fundo RS - Gravuras: Coleção Paulo Dalacorte, no Museu de Artes Visuais Ruth Schneider

2002 - Porto Alegre RS - Gravuras: Coleção Paulo Dalacorte, no Museu do Trabalho

2002 - Rio de Janeiro RJ - Caminhos do Contemporâneo 1952-2002, no Paço Imperial

2003 - Rio de Janeiro RJ - Arte em Movimento, no Espaço BNDES

2003 - Rio de Janeiro RJ - Grande Orlândia: artistas abaixo da linha do equador

2003 - São Paulo SP - Arte e Sociedade: uma relação polêmica, no Itaú Cultural

2003 - São Paulo SP - MAC USP 40 Anos: interfaces contemporâneas, no MAC/USP

Fonte: RUBEM Grilo. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2020. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa1921/rubem-grilo>. Acesso em: 29 de Mar. 2020. Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7

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Descubra as xilogravuras de Rubem Grilo

O artista plástico Rubem Grilo traz para seus trabalhos as coisas que viu e que o impregnaram, despertando-lhe sonhos, pensamentos e vivências. O resultado são obras extremamente ricas em detalhes, que passeiam pelo fantástico, com linhas e traçados surpreendentes.

Talhados na madeira e impressos em tecidos ou papel, traços de homens e suas almas denotam com clareza o estilo de Grilo. Em seu mundo, podemos ver não só o contorno exterior dos personagens, mas aquilo que os preenche. As expressões e contextos nos fazem imaginar a mão do artista a trabalhar nos vãos que, preenchidos com a tinta da xilogravura, se transformarão em um resultado tão belo quanto curioso e, por vezes, sombrio.

Com 40 anos de carreira, Rubem Grilo encontrou no desenho uma forma de superar a crise pela qual passou após se formar em Agronomia. Estudante recém-graduado no período da ditadura militar, Grilo chegou a ser preso duas vezes, ainda na universidade.

A mudança de profissão e a identificação com a xilo se deu pelo envolvimento manual da gravação – as etapas do trabalho vão desde a elaboração do desenho até o estágio final da impressão. Para ele, a obra impressa contém a marca do que aconteceu durante o processo, e seu resultado funciona como um espelho, que reflete o oposto do ponto de partida.

De suas primeiras obras, feitas em 1971, restam apenas lembranças. As quase 300 xilogravuras foram destruídas e, graças a isso, o autor acredita ter queimado uma espécie de gordura criativa, como quem precisa esvaziar um espaço para preenchê-lo novamente.

O que pode parecer loucura para alguns funcionou para o artista, pois, com uma obra que amadurece enquanto trafega pela ousadia da experimentação, Grilo se entrega prazerosamente ao acaso. Para ele, mais que a influência de Oswaldo Goeldi – nome impossível de ser esquecido quando se lembra do expressionismo na xilogravura – e da compreensão e absorção do humor crítico, adquirido em seus tempos de redação, quando era ilustrador de jornais (o que voltou a fazer hoje, ilustrando a coluna de Ferreira Gullar), o mais interessante no processo é o jogo de interação entre as interferências concretas e o acaso. “Essa parte imprevista é a que mais me motiva, pois sinto que ela me ultrapassa”, afirma Grilo.

Apesar do volume de dados e informações que o circundam, ele acredita que a obra se desenvolve na solidão do ambiente de trabalho, e diz: “há o sentimento de orfandade do mundo. O trabalho surge de uma página em branco, de um espaço a ser ocupado pela subjetividade”.

Para quem se dispõe à aventura, a obra de Rubem Grilo vence os limites do real e absorve quem a contempla, dando ao observador a vontade de mergulhar em seu universo. Como escreveu Ferreira Gullar: “que a gravura tem um caráter próprio, inconfundível, é inegável. Tentar apreendê-lo e defini-lo é o desafio que se tem pela frente”.

O texto acima foi originalmente escrito para a sessão de Portfólio da Revista Continente de setembro/2011.

Fonte: http://luzdefifo.blogspot.com/2012/09/descubra-as-xilogravuras-de-rubem-grilo.html, consultado pela última vez em 25 de março de 2020.

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Do vazio à expressão (ou: sem concessões): entrevista com Rubem Grilo

Rubem Grilo, voz mansa, cuidado na fala, aparenta ter a paciência e a obstinação necessárias a um gravador. O domínio do corpo, das mãos, do gesto, complementam o traçado da linha, os detalhes do corte. À primeira vista, no entanto, sua figura parece contrastar com as temáticas sociais, críticas, que pautaram parte significativa de sua produção. Ledo engano. Por dentro da figura pacífica do gravador, ferve o sangue dos inconformados, dos que têm coragem de buscar seu desígnio.

Rubem Grilo não esconde sua visão crítica do mundo, suas ideias e opiniões. Flui a liberdade na fala, liberdade que choca, que encanta. A sua é uma fala pensada, autocrítica, construída no isolamento, ao toque do grafite, ao cheiro da madeira talhada. Transparece nela o embate do ser, a angústia existencial da dualidade inerente ao artista: a troca da vida pela permanência da obra. De certas coisas, ninguém foge.

Antes de chegar à angústia existencial, temas mais mundanos são tratados : o lugar da gravura, seu percurso histórico, e a gravura brasileira; a técnica e o ofício; o mercado de arte e maneiras alternativas de divulgação da obra. Esta é uma entrevista rica, para ser lida e relida. Apesar de ter sido editada repetidas vezes ao longo dos últimos meses, a opção foi sempre por interferir o mínimo possível, mantendo a coloquialidade da fala, a intimidade do artista.

A entrevista

"A gravura, ela surge não como uma expressão de arte, mas com a função técnica de reprodução de imagens e de letras para publicação de livros, de folhetos, de impressos. Nesse sentido, ela vai construindo uma história baseada em um universo utilitário. É claro que a pintura também acontece para representar reis, paisagens, enfim, sem uma razão de arte no sentido autônomo da expressão estética moderna. Ela tem a função de representação do poder, do mundo, das coisas, mas há um ponto em que a pintura determina um movimento de acumulação ao longo do tempo. Ela assim se constitui em seu próprio campo, junto a alguns conceitos de valor autônomo. Com o impacto do aparecimento da fotografia, no século XIX, enquanto a pintura teve que revisar o que deve ser representado e como deve ser representado - a gravura se manteve dentro da função gráfica. E é só no século vinte, com o Expressionismo, que ela se redescobre como meio de expressão estética. É claro que, ainda no século XIX, alguns artistas viam na gravura um potencial expressivo, como Gaugin e, mais tarde, Munch, praticamente ligado ao Expressionismo. Mas o fato é esse: o pensamento da gravura como forma autônoma é uma questão ligada às transformações da linguagem que se sucedem ao aparecimento das vanguardas artísticas.

Mesmo ao ultrapassar essa fronteira onde ela encontra a autonomia, a gravura se mantém ligada a um procedimento de ofício que vem desde as suas origens. Quer dizer, a forma de se fazer gravura obedece ao método original de gravar. Eu hoje gravo uma madeira da mesma forma como se gravava no século XIV, no século XV, na Europa. Os materiais e as ferramentas são os mesmos: placa de madeira, goivas. O método de impressão: rolo de borracha, tinta tipográfica, papel. Então não houve, nesse aspecto, em relação à técnica das gravuras tradicionais - como a xilogravura, a gravura em metal - mudança. A litografia que antecede o alvorecer da fotografia, já tem algumas diferenciações, mas, mesmo assim, a técnica tem predominância, o que obriga a um aprendizado dentro do ofício. No uso tradicional das técnicas manuais, você não pega o material e faz. Você convive com o material de forma lenta, progressiva, e vai descobrindo nesse processo a dominar o método de trabalho. A mudança do ofício, na concepção atual, o fazer individual convive a técnica e a criação, cujo resultado é particularizado, e pertence ao território da expressão. A ação prática se confunde com a maneira de representar a obra. A técnica não é um uso separado da expressão, mas parte intrínseca da expressão, porque ela acontece num processo de convivência criativa."

Como se dá a relação entre o método da gravura e as inovações tecnológicas?

"Mesmo assim, em relação ao método, há um contraponto muito forte com as mudanças que ocorreram com o predomínio da indústria e da tecnologia no mundo cotidiano. A gente poderia dizer que a gravura é uma tecnologia na medida em que ela é um meio pré-industrial de reprodução de imagens. Sendo assim, poderia dialogar com essas mudanças tecnológicas. De alguma forma, dialoga. Há quem faça gravura digital. Quer dizer, a gravura permite essa abertura para assimilar e interagir com as mudanças que foram surgindo e isso acontece, praticamente rompendo com a ideia do ofício que até então predominava no aprendizado do artista. A obra precisa ser redefinida em sua função expressiva para absorver essas novas técnicas. E o papel do gravador perde importância. Então, eu diria que hoje a gente vive um pouco essa encruzilhada. O mundo atual é mais objetivo em otimizar: tempo, esforço e resultados. A técnica da gravação é necessariamente lenta, uma técnica de acumulação e mudanças progressivas. A decisão do que se quer com a imagem é que irá determinar o processo mais para frente. É claro, poderia defender o método como eu o emprego, considerando que o tempo envolvido na relação física com as coisas, ele também é um tempo de reflexão mais profundo, de concentração interior, de observação sobre a obra que está sendo realizada. É ficar mais de 100 horas olhando a mesma imagem. Mas a gente nunca sabe se esse tipo de produto interessa, digamos assim, para o olhar que se estabelece a partir de um determinado momento em que a imagem é simplesmente mais um objeto de consumo e de uso com tempo e data determinados. Ela passa a ter um prazo de validade e pode ser substituída por outra coisa mais a frente, de fácil produção."

E que espaço ocupa a gravura brasileira?

"A gravura moderna, no Brasil, acontece num período inovador e de afirmação da arte brasileira, com forte apelo principalmente na década de 50. É uma novidade da qual vários artistas se utilizam como meio complementar ao seu trabalho. Um artista pintor passava a ter uma obra gráfica paralela, como no caso de Iberê Camargo. Outros artistas se entusiasmaram tanto pela gravura que se apegaram a ela como meio expressivo e foram gravadores durante toda sua vida.

O interesse do mercado de arte, no Brasil, por pinturas modernistas, ou pós modernistas, e, mais recentemente, por arte considerada contemporânea, fez com que a gravura não entrasse de imediato nessa escolha. Então não foi estabelecido um preço que desse a ela o valor de patrimônio. Com o passar do tempo, isso pode acontecer. Mas é uma coisa ainda não consolidada. É mais fácil o artista que tem uma obra valorizada com outra mídia produzir gravura e essa gravura encontrar mercado - porque passa a ser uma obra subsidiária da obra principal desse artista - do que o artista que viva só fazendo gravura conseguir a mesma correspondência de preço em sua obra. Mas é possível que isso possa mudar, porque a gravura no Brasil tem um capítulo muito significativo, exatamente por estar presente nos diversos desdobramentos de nossa arte, criando nomes marcantes. Temos um acervo de referência muito importante. Numa revisão que se faça, esses artistas vão começar a ser pautados e essa obra vai começar novamente a ter uma inserção na construção da história da arte brasileira. Goeldi, por exemplo, já é um artista obrigatório, uma referência. Mas artistas como Grassmann, Livio Abramo, Samico,entre outros, enfim, têm uma obra gráfica muito importante, muito extensa. A releitura dessa produção vai necessariamente ser reconhecida. Eu acho que a história da cultura incorpora aquelas pessoas que realizaram algo diferencial com densidade criativa."

Queria que você falasse de sua inserção na história da gravura, de sua trajetória.

"Eu entrei na gravura meio... não fiz a escolha de ser gravador. Eu estudei agronomia. No período universitário, durante o regime militar, tive duas prisões - fui um cassado branco, digamos. Em razão da impossibilidade de exercer minha formação profissional busquei redefinir a minha vida. Ao me ligar à arte, o meu interesse era fazer escultura. A xilogravura acontece como uma técnica em que eu conciliava o uso do desenho, que achava importante no desenvolvimento da expressão, e o uso da gravação, que tinha um pouco a ver com o entalhe na escultura. Você vai se envolvendo e quando vê já se passou um determinado tempo, não pequeno: são quarenta anos trabalhando com xilogravura. Então acaba encontrando algumas coisas que até então não tinham sido colocadas como programa de trabalho e que correspondem muito de seu temperamento. Uma delas é o uso da mão, o envolvimento físico na realização da obra. A outra coisa é a linguagem expressiva, com imagens que tem uma densidade muito forte, o valor gráfico, de uma visualidade sintética e que acaba também construindo um tipo de resultado ao qual você se sente identificado."

Mas você foi autodidata na gravura ou você também estudou com outros gravadores?

"Eu fiz um curso de curta duração na Escolinha de Arte do Brasil com o José Altino. Depois, eu trabalhava sozinho e às vezes ia à Escola de Belas Artes e mostrava o que eu estava fazendo para o professor Adir Botelho, que também é um excelente gravador, e que tinha um lado muito positivo de estimular as pessoas a prosseguir, sempre encontrava qualidade nas coisas que ele via. Eu me alimentava desses estímulos. Eu diria o seguinte: a escola, na verdade, dá uma base de conhecimento muito pequena para que você prossiga durante quarenta anos trabalhando. Por outro lado, a palavra autodidata sugere certa idéia de que você não precisa dos outros, e acho que a gente precisa: de se informar, precisa ler, precisa ver, precisa olhar ao redor - você está aprendendo com os outros o tempo todo. Agora, existe outra coisa que é a busca interna. Se não tem a busca interna, não tem essa curiosidade de descobrir o motor que te leva a continuar fazendo, o processo dura pouco tempo, depois cansa e esgota. A possibilidade de prosseguimento numa opção provém de uma inquietação interior, isso a pessoa tem que ter. Sem isso, não se envolve, não se renova e não tem a vitalidade para prosseguir.

É um caminho, uma viagem que você tem que imaginar que atrás da montanha existe uma paisagem mais bonita do que tudo o que até então conheceu. Você vai até a montanha e vê a paisagem e acha que valeu a subida. Mas percebe que mais à frente, no horizonte, existe outra montanha, então você vai em frente porque sempre tem algo além que desconhece e, isso, é o que constitui o seu potencial. Eu acho, primeiro, que a obra é alimentada na crença de algo a ser revelado - se der chance, vai se maravilhar. Você então prossegue baseado em algo que ainda não aconteceu e se insistir vai descobrir alguma coisa que lhe supera. E tem a busca que é do homem em nunca se satisfazer. Eu acho que é muito gostoso, é muito agradável ouvir elogios das pessoas, mas nunca tem que acreditar nelas, entendeu? Você tem que ouvir e, ao mesmo tempo, não aceitar. No dia em que se convence que está tudo ali, já feito, que está tudo bem, a busca acaba no que você acha que já agradou aos outros."

E qual é a motivação da obra?

"Uma obra, claro, é feita por razões internas. Mas como fato cultural, ela se completa com o outro. Mas o gosto do outro é sempre benevolente. O gosto seu, pessoal, nunca pode ser. Tem que ser exigente e transformador. Tem que estar aberto para algo que lhe dê uma agenda para prosseguir no trabalho. Uma obra é sempre incompleta. Passaram-se quarenta anos e se eu olhar o trabalho que eu fiz até então, acho que foi apenas um ensaio de um projeto que poderá ser melhor se eu continuar tentando, se eu investir mais. A gente vai se aprimorando com o fazer. Acho que pode até acontecer o contrário. Existem casos de regressão. Mas a obsessão de aprimoramento consiste na ânsia de se sentir nas coisas realizadas, em se sentir na transformação da matéria em expressão, pegar uma coisa que é um objeto e transformá-lo em sujeito. Através da relação física com a matéria, a criação se estabelece enquanto um exercício de autoconhecimento. Você se descobre muito consigo mesmo, através da prática, solitariamente, mas isso não é uma coisa feita às cegas. Existe uma cultura ao seu redor, existem coisas ao seu redor que vão dar sentido ao que foi feito.

Toda obra é importante na sua singularidade, na sua diferença, mas se for apenas isso, perde o sentido. Ela só acontece quando interage, dialoga e faz parte de uma rede de coisas que aconteceu ou que está acontecendo, até coisas não tenham ligação direta com seu trabalho. Assim, em geral, quando se pensa “influência” a gente pensa no que está mais próximo, mais relacionado, é como se existisse algo na sala ao lado. Mas às vezes a coisa distante pode ser mais importante. O que é que caracteriza a influência? Não é necessariamente a cópia, mas pode ser o contraste, aquilo que incomoda. O diferente é o que me faz pensar duas vezes, me faz refletir mais. Por que é que aquilo está sendo feito assim e eu estou fazendo dessa forma? É uma influência também, mas que não é necessariamente através da mimese, da cópia, da repetição, mas é através da reflexão e da afirmação do que você tem de distinto."

Nesse sentido, você identifica influências específicas na sua obra?

"Poderia dizer o seguinte: um monte de coisa de arte contemporânea - eu não faço nada similar - é extremamente importante porque me diferencia e me faz pensar por que eu faço de uma forma que não é exatamente aquilo. O que é que me justifica ser diferente daquilo? Leonardo da Vinci diz isso: se você quiser buscar ideias, olha o musgo do muro, a mancha de uma parede envelhecida. Eu, assistindo um cinema, não estou sendo influenciado? Lendo um jornal, não estou sendo influenciado? O campo da influencia não é necessariamente pegar uma imagem de um artista com o qual você se identifica e tentar fazer mais ou menos, trazendo essas coisas para o seu trabalho. Aí não é influência, aí é simplesmente cópia. Você está fazendo um subproduto daquele artista. Se eu pego um Miró e tento fazer um Miró alterado, “pintou vermelho, aí eu pinto azul”, não estou fazendo obra, eu estou na verdade fazendo um sub Miró, né? Esse tipo de influência é parasitismo, e é negativo. Agora, a interação, ela é estimulante, e você, sem ela, não tem um embate com o mundo das coisas, não constrói linguagem. Quando estou lendo, vamos supor - uma coisa distante - sobre o Renascimento, eu não vou ser um artista renascentista por estar lendo sobre o Renascimento. Mas estou de alguma maneira, refletindo uma forma de representação de imagens que tem um campo de fundo importante para pensar coisas que, mesmo que não saiam dali, ajudam a amadurecer a concepção."

E o fato do seu trabalho ter se iniciado no momento em que a própria gravura brasileira começava a entrar em decadência, como que isso te influenciou?

"Bom, primeiro, naquela época mercado era incipiente. Hoje, qualquer artista jovem só pensa em mercado, se o que faz se vende, se aquilo vai dar certo, se não vai dar certo. Condiciona sua decisão pelo sucesso. Na verdade, a minha opção foi entrar por alguma janela. É claro que eu tive a sensação de que eu cheguei à festa quando todo mundo já estava de porre, estava saindo em busca de outra coisa. Agora, para mim não foi só descobrir a gravura, para mim foi encontrar um sentido de vida. Encontrei na arte um alimento para viver. Eu estava me lixando se aquilo ia dar certo ou errado. Na verdade foi um puro estouro de algo que estava contido e me tomou conta com muita vontade.

No meu primeiro ano de trabalho, em 71, em alguns meses, em torno de 6 meses, talvez eu tenha feito mais de 300 trabalhos, chegava a fazer 10 xilogravuras por dia. Em seguida peguei esses trezentos trabalhos, as trezentas matrizes, e joguei fora. Não me interessava o que foi feito como obra, interessava aquilo como uma iniciação. O que eu aprendi ao realizar as obras, o que ficou dentro de mim, era mais importante do que o resultado. E, ao mesmo tempo, se - e foi um aprendizado - eu fizesse coisas que achasse que tinham que ser valorizadas somente porque foram feitas, eu dava muito mais importância àquilo como objeto do que como experiência. E para mim era muito mais importante a experiência do que o objeto. Eu acho isso, no fundo: mesmo se a obra nunca fosse importante, mesmo se a obra nunca fosse aceita, mesmo se a obra não tivesse relevância, mesmo assim, a experiência teria uma significação tão grande que por si só ela bastava."

Interessa o processo?

É, o que interessa é o processo. Quer dizer, eu estava tão envolvido, tão fortemente identificado, que fora sua qualidade, o ato de fazer tinha um valor em si. Passei boa parte da vida tendo um trabalho paralelo para me custear, fiz várias coisas para não ser dependente de vender gravura. Mesmo quando a gravura me trouxe dinheiro, ela me trouxe dinheiro ilustrando jornal, essas coisas todas, mas nunca como opção de ter que vender para poder me manter. Sempre me mantive e trabalhei com a certeza de que a experiência tinha um valor existencial indispensável. Até hoje é assim, então eu crio como sentido de vida. A obra, na verdade, ela vai narrando o sentido da minha vida. Por isso também nunca estive muito atento se ela ia agradar ou desagradar. Não que eu desejasse desagradar, ninguém faz isso, mas fiz a obra que eu pude fazer. Ela sempre teve como parâmetro a minha capacidade de chegar até ali e tentar a superação. Ela sempre esteve direta/indiretamente aderente aos meus limites.

Em qual momento que você começa a se interessar mais a mostrar sua obra?

"Eu fiz uma exposição no começo, em 72, em uma escola para crianças, e não vendeu muito mal. Venderam-se nove gravuras, o que, para um artista desconhecido, não chegava a ser tão mal. Mas eu achei tudo vazio, precisava encontrar uma função mais viva do que fazer obra para botar na parede e vender. Na época surgiam os jornais alternativos, com a publicação de bons desenhistas, o que me pareceu um caminho mais estimulante, longe dos impasses conceituais da arte. O resultado era direto, a imagem entrava em circulação. A função da obra passava a se justificar socialmente pela circulação da obra, encontrando o leitor. E durante dez anos, fiquei praticamente sem fazer exposição, até que aconteceu outra no Parque Lage, em 81. Trabalhei na imprensa até 85, quando termina o Regime Militar. Achei que, com o seu fim, aquela experiência motivadora tinha desaparecido, a função passaria a ser apenas a de ilustrador. Ao interromper a publicação em jornal precisaria dar ao trabalho um caminho próprio, sem ligação com temas pautados nos assuntos da realidade. Quer dizer, em vez dele se justificar por uma pauta que vinha de fora, um pedido externo, ele tinha que ter razões internas para prosseguir.

Comecei a fazer miniaturas. Fiz talvez mais de 1500 miniaturas, trabalhos em pequenos formatos, como se fosse um laboratório sobre o pensamento da gravura e a revisão de minha experiência até então. A base dessas obras, reunidas na série Arte Menor, foram os ornatos tipográficos, como as vinhetas, capitulares, frisos e uma série denominada Objetos Imaturos. Por ser obras em formatos pequenos, o leque das opções foi sendo ampliado, flexionando os temas. Tudo se permitia, sem privilegiar o assunto, enfim, sem a preocupação em hierarquizar o que deve ser significativo ou não, considerando que a significação se constituiria no conjunto numeroso e abrangente. Isto me ocupou durante onze anos. Em 1992, expus parte dessas obras no MASP e, em 1996, com a série ampliada, no CCBB - RJ. Essas exposições representam um ciclo dessa experiência. Fazer exposição não é uma obrigação sistemática. Nas exposições que tenho realizado procuro ter presente o registro temporal, uma soma dentro de um ciclo, para se ter uma leitura de um estágio de acumulação, em que as coisas vão se encontrando até um ponto em que aquele processo se autojustifica."

Mas mesmo que não seja uma intenção primária, ou mesmo secundária da exposição, a exposição, ela gera mercado?

"Gera pouco, circunstancialmente gera. Naquele momento, claro, você está divulgado. Alguma pessoa, vendo que você existe, pode despertar interesse. Mas não é permanente. Eu, por exemplo, participei da Bienal de São Paulo em 98, talvez a última grande Bienal que foi realizada, com curadoria do Paulo Herkenhoff, em que tinha um tema bastante instigante: a Antropofagia. Depois a Bienal entrou meio em declínio, parece que essa última vai ser mais teoria do que obra, mais debate, enfim. O fato é que sendo aquela uma Bienal com muita repercussão, vários artistas que participaram foram convidados para outras Bienais e o mercado se alimenta. No caso, eu fiz uma sala individual completa, terminada a Bienal, eu trouxe as gravuras para casa e a festa acabou. Quer dizer, não houve desdobramento, não teve repercussão. Por quê? Porque tem repercussão quando o cara já está no mercado, a galeria aproveita aquele momento para turbinar, levar para fora, promover o produto. Usa o evento como se fosse um estande de venda.

Quando você não está no mercado, ninguém trabalha aquela oportunidade e ela se encerra, ela tem prazo, acabou. Tem que começar tudo outra vez, tem que reerguer a sua tenda, fazer de novo. Eu tenho um pouco essa sensação, de que o movimento tem que estar sendo o tempo todo reconstruído, aquele renascer das cinzas. Nesses quarenta anos de trabalho eu fiz talvez umas sessenta exposições individuais, participei de umas 150 coletivas, o que não chega a ser muito, mas também não é pouco. É quase a média de uma e meia exposição individual a cada ano. Dessas 60 exposições individuais, foram duas exposições em galerias particulares, galerias do mercado e o restante, que é a totalidade, em espaços públicos. Aconteceram em centros culturais, universidades - não é mercado, longe de ser mercado. São exposições com, evidentemente, a destinação de público. Exposições gratuitas, abertas a visitação, que vai construindo uma referência, de norte a sul do Brasil. Então imagino que eu tenha deixado, nas pessoas que se interessam por esse assunto, uma presença da obra de forma bastante razoável. Do ponto de vista do mercado, é um fracasso."

E você se preocupa com esse “fracasso”?

"Estou falando de fracasso de você correlacionar a obra e o mercado, porque muitas vezes ela não surge. Quando tem o mercado por trás, que se interessa, ele vai inventando oportunidades. O meu processo todo foi desenvolvido pelo meu esforço pessoal, escolhendo onde eu acho que vale a pena estar presente. Vê bem: eu não tenho nenhuma queixa, não sou ressentido, não tenho, digamos, nenhuma razão de estar brigando com o mercado, como a fábula da raposa e as uvas, porque eu vivo independente disso. Nunca dependi, não tenho a cobrança do sucesso, não tenho a aflição da miséria.

Não é também que você seja contra, ou não queira que circule...

Não, não tem nada disso, não tem nada contra nem a favor. Seria brigar com a realidade. Compreendendo o estágio em que a gravura brasileira passa, a pouca presença no mercado, e achei que não deveria ficar me lastimando. Se não acontece de um lado, não impede que aconteça do outro. Optei pelo espaço público porque acho que uma obra se constrói no espaço público, na identificação com o outro, onde ela se consolida de uma maneira cultural. As exposições que realizei sempre tiveram uma boa aceitação. Trabalhando, por exemplo, no jornal, tem a mesma coisa. Ao publicar você semeia ao léu, vai pegando os estratos sociais, as mais distintas pessoas. O circuito de arte é elitista, fechado. Um ambiente onde se conhece as pessoas que participam. Você vai numa abertura de exposição e vê as mesmas figuras: é uma panela muito pequena, né?

Não tem que ficar parado, se lastimando. Tem que agir, romper com essa panela. Existem alternativas, além do mercado, que são importantes. O circuito social pode dar respaldo cultural à obra, com mais solidez, mais memória do que simplesmente a venda da obra. É uma forma de potencializar o trabalho junto às pessoas que não precisam ter a obra para que ela aconteça. Trata-se de alimentar o imaginário, de interagir. Eu acho que fiz uma opção viva: tornar a obra conhecida. Conhecida não pelas pessoas que têm a tabela de preço, mas conhecida por pessoas que gostam e se identificam com o que veem. Quando você ouve uma música no rádio e canta aquela música, ela é sua, ela é viva, ela está dentro de você. Não foi necessário comprar para você ser um agente daquela obra. É a memória que faz aquela obra existir e ir adiante. Independentemente do mercado, eu quero dizer isso, deve-se buscar formas de atuar e construir o próprio caminho. Olhando em retrospecto acredito que soube colocar o bloco na rua. Agora não quero dar exemplo do que deve ser feito. Cada um que encontre sua alternativa, reclamar de nada adianta."

Além das exposições, que formas você buscou para firmar sua obra?

"Fiz uma doação de 900 xilogravuras para o Gabinete do Museu Nacional de Belas Artes, há uns três, quatro anos atrás. São as obras em miniatura. Ano passado, em 2011, fui contemplado no edital do Ministério da Cultura destinado à aquisição de obras para acervos de museus. Apresentei o projeto de transferência de 500 obras para o Gabinete de Gravura do Museu Nacional de Belas Artes, que concentra a maior coleção pública de gravuras do País, e ele foi aprovado. Eu terei, no mesmo acervo público federal, onde tem restauro, digitalização da obra, acesso público, permanência, tombamento, mais ou menos 1500 obras. No Gabinete, a obra pode ser pesquisada, vista, revista e protegida em sua memória num tempo indeterminado. Eu tenho isso como uma referência importante, como um resultado positivo que se colhe depois de um ciclo de vida. Ao longo do meu processo evitei andar com muleta, sem precisar beijar a mão de ninguém. Não fiz concessão, eu tenho essa consciência. A obra foi feita com o suor do trabalho, não devo obediência a ninguém.

Ao permanecer utilizando a xilogravura sabia que ia pagar um preço. As escolhas mais difíceis podem, pela filtragem, serem as mais verdadeiras, porque também correspondem ao campo de liberdade que se deseja. O fato de eu ter escolhido a xilogravura é como se tivesse imposto a mim mesmo a chance de não dar certo. Ela não é um produto sedutor. O material oferece dificuldades, com recursos limitados. A opção, no contexto atual, é um tanto anacrônica, já que pertence a um estágio em via de extinção."

Falando do processo do ponto de vista técnico, você parte sempre do desenho? Transfere para a matriz?

"Não, eu desenho direto na madeira. Na primeira etapa, a madeira é como uma folha de papel em branco, você tem um vazio. Algo tem que sair do lápis. A ocupação desse campo com o gesto é um desafio: tem que encher aquilo de você. Em seguida, você tem que reinventar o desenho, interpretando a imagem na gravação em alto e baixo relevo. Esse embate na realização da obra, em estágios distintos, do começo ao fim, com certeza, é uma relação de aprendizado. Ela nunca é dada, mas alcançada através da vivência desse processo na transformação do vazio até a expressão."

Na hora do desenho você se preocupa com aquela questão da inversão?

"É, tem que pensar. Na impressão, ao entintar a placa gravada, a imagem se torna sintética, sendo necessário revisar a gravação a partir da imagem invertida. A gente vê a imagem de acordo com o nosso gesto habitual. A diagonal que sai da direita para a esquerda eu faço com muita facilidade. É curioso, porque as escritas pictográficas são todas assim, da direita para a esquerda, e a alfabética, você lê o livro da esquerda para a direita, é uma abstração. Então, a diagonal nessa direção é forte. A que se faz da esquerda para a direita é fraca, a não ser para os canhotos. Se eu desenho observando uma diagonal, quando eu imprimo sai invertida, o que altera a composição do desenho. Pensa o seguinte: uma pessoa que entra num plano, num palco de teatro, vai entrar, em geral, pela direita e sair pela esquerda. Isso é um movimento automático, convencional. É um fluxo, o condicionamento do olhar leva a isso. Se isso não é considerado se perde o dinamismo da composição. É uma coisa meio racional, mas no fundo é assim. Técnica é isso, é o que dá antecedência ao que vai acontecer. Por isso a técnica se aprende e se transmite, o que não se aprende é a expressão. Se você usar só técnica faz um trabalho rigoroso, excessivamente rigoroso, e fica prejudicado pelo excesso de controle. Mas tem isso, tem que considerar que vai ter uma inversão, um espelhamento. E, com a experiência, consegue-se pensar de forma espelhada. De tanto fazer... Aquela coisa do Leonardo da Vinci escrever de trás pra frente, espelhado, ele era canhoto. O canhoto provavelmente vai ter maior facilidade em inverter esse dinamismo do olhar."

E você é destro ou canhoto?

"Eu sou destro, não sou sinistro."

Você tem alguma preferência por madeiras específicas?

"Eu gosto do pau-marfim porque é uma madeira mais clara, o desenho fica mais legível. A superfície não tem porosidade ou marcas das fibras. Sendo de consistência coesa, permite gravar detalhes que resistem à impressão. Eu desenho detalhadamente, para ter tudo planejado na etapa da gravação. A base do meu trabalho é o desenho. Eu trabalho muito no desenho, que pode sofrer alterações até ser considerado definitivo."

E o desenho veio desde menino?

"Não. Eu só comecei a desenhar depois de vinte e poucos anos, em 1970. Eu estudei técnico agrícola e me formei em agronomia, bastante distante do universo da arte."

O desenho foi despertado no curso, com aqueles desenhos técnicos?

"Não. Foi despertado no desespero. Quando eu fiquei completamente sem ter o que fazer, nesse momento, eu comecei a desenhar. Eu tinha em casa um pano de fundo. Minha mãe, quando jovem, morou no Rio de Janeiro, estudou por um tempo Belas Artes. Meu irmão mais velho - são lendas de família, a gente fala essas coisas, mas sabe que tem exagero, mas pode ser que não, entendeu? - com cinco anos já tinha um desenho maduro, nunca teve desenho de criança. Essas referências... difícil de se comparar. Lembro que apreciava bastante as poucas coisas que via. Minha infância foi numa cidade de interior em Minas. Realmente só quando caí no buraco é que encontrei essa saída: eu desenhei por necessidade mesmo.

Nunca fiz a opção de ser artista. Para mim essa opção não existe, sempre fiz por necessidade e acabou se tornando algo indispensável. Estou a um mês cuidando de outras coisas e sinto falta de algo em minha vida. Eu diria que passo meu tempo enclausurado no ateliê, me sinto assim mais completo. Quando estou envolvido no trabalho não sinto falta do mundo. O que não quer dizer que eu não goste da vida e não sinta falta de gente. Muito me ajuda o fato de ser casado e ter a companhia de alguém que eu gosto. Passo tanto tempo dentro de casa que realmente para mim, quando vou à rua, o mundo é um presente. Rotina para mim é trabalhar. É a única coisa que me dá certeza da autenticidade das coisas que eu faço é isso.. Não tem outro jeito: acaba-se encontrando certo prazer na rotina. Já tive oportunidades de ter desistido. Quando eu fiz paisagismo, por exemplo, eu achava um trabalho delicioso - tudo era prazeroso."

E qual é a parte que você não acha prazerosa?

"A solidão. Para realizar o trabalho, é preciso aprender a ficar sozinho. É cansativo permanecer horas e horas com você mesmo, sozinho. Tem que se abrir para uma viagem interior nesse intervalo para não sentir tédio, não se sentir desesperado. A obra é, fundamentalmente, filha direta da solidão. Primeiro, da solidão mais angustiante, desse mal-estar que é a consciência de que você existe. Você é só você. E não entender porque você está aqui e agora - tudo o que estou falando agora. Ter a consciência, digamos, da ausência de explicação de qualquer coisa que se refira a sua própria vida e, ao mesmo tempo, suportá-la. Não é à-toa que existe Igreja, que existe Deus, que existe um monte de coisa. Realmente, a consciência do eu, ela dói. Então você tem que ter uma compensação, que é exatamente estabelecer um vínculo em que, apesar da ausência de sentido, você constrói o seu processo, fazendo aquilo que para você é vital. No fundo, vê bem, toda a obra são registros. Na medida em que eu não sei por que existo, deixo marcas para provar que eu existo. O trabalho é um pouco isso - se transformar em coisas que tem forma e estética, mas para mim as motivações profundas não partem da estética, não tem nada a ver com a forma."

É a sua religião.

"Tem um lado religioso, fundamentalmente, porque pressupõe o fato de que ao se aprimorar você vai se preparando para ter uma recompensa que é o Paraíso. Eu acredito nesse esforço de aprimoramento sem a recompensa do Paraíso. Ao final o que eu tenho é a morte - não é recompensa. É a consciência do desaparecimento. Exatamente porque existe a consciência do desaparecimento, a obra se mantém como um registro da permanência. E ultrapassa. Na verdade ela só me pertence enquanto estou fazendo. Depois de pronta, é como se já não tivesse mais essa questão, essa necessidade. É como se ela fosse um corpo totalmente ausente de mim. Ela só é minha na sua realização. Tem um pouco a justificação da vida, estabelecendo, através da ação, uma resposta, um sentido para tudo isso. Quando põe esse troço no patamar do mercado, com regras de competição, isso não me anima. A gravura é um objeto cobiçado? Não, não é cobiçado. Desse modo não vai disputar esse páreo. Está fora do páreo. Mas essa ausência do páreo, no fundo, traz o trabalho mais para perto de mim."

É que você foi, enfim, feliz nessa sua escolha por ter conseguido esse registro, já que muitas vezes o mercado acaba sendo...

Eu não acho que seja felicidade como diversão, eu acho que é uma coisa... Li uma frase do Fellini, que é mais ou menos assim: “você tem que coincidir a sua vida com o seu destino”. Para mim é muito mais uma coincidência de destino, sem acreditar no destino, de que fui induzido a fazer aquilo que tinha que fazer. Eu sou obediente a isso, continuo fazendo. Eu tenho algo que me ocupa de forma bastante intensa, mas sinto que não tenho uma obra completa. Eu acho terrível quando as pessoas se convencem de que fizeram uma obra definitiva, como sendo sua identidade, e não precisam mais de mudança, e se repetem naquela formula a exaustão, até o trabalho se definhar.

Estava pensando na exata mesma palavra, mas eu ia falar que a pessoa também se definha.

Fica um produtor de obras, elimina o desafio. É, repete, repete, repete. Beethoven compôs a Grande Fuga ao final da vida, poucos entenderam o que era aquilo. Ele cria os últimos Quartetos, compõe a Missa Solene, renova o pensamento da sinfonia, introduzindo o coral. Você fica pensando assim: “o cara foi melhorando com o tempo.” É um modelo invejável de sublimação criativa, seguindo o percurso nessa escala temporal, você percebe que é ao final que ele atinge o seu limite extremo de potencialidade. Claro que essas comparações são muito pedantes, mas a gente tem que colocar como paradigma algo que seja um desafio inesgotável."

Você então não tem preferências específicas por períodos no seu trabalho?

É natural que o último trabalho nos encante mais. Mas, com o passar do tempo, os primeiros trabalhos recuperam um sabor especial. Eles refletem a inocência que a gente nunca deveria perder. No estágio inicial, a opção se torna revelação. Estar envolvido com uma coisa em que só o fato de fazer seja compensador, isso é importante. Nesse processo todo existem essas três fases: o primeiro instante, em que tudo é descoberta. Em seguida, existe um longo período em que tudo é conflito, um período em que a máquina funciona cheia de areia no meio, fazendo riscos, em que toda superação é dissonante. Por último, vem o período do amadurecimento, que eu acho que é mais ou menos o momento que estou começando, em que não se briga mais,no qual a busca de superação faz parte de suas expectativas e você gosta do que está acontecendo."

Então é nesse momento que você insere a cor no trabalho, ou que você se sente confortável ao colocar a cor que, como você mesmo mencionou, já traz algo prévio?

"A cor, ela entrou porque eu estou ilustrando um jornal cujo projeto gráfico tem cor. São colagens, com recortes de papel colorido e desenho. É uma cor gráfica, não tem discordância com a experiência gráfica da xilogravura. É o que me interessa na gravura como linguagem, a sua visualidade sintética. A escola expressionista tem outros enfoques, que se baseiam no lado ético do trabalho manual em discordância ao trabalho alienado da máquina: a presença da ferramenta, a presença da matéria, a presença do gesto. A radicalização da subjetividade na criação. O ato - a imagem nasce do corte, do gesto, aquele momento da ação - tudo revela a presença humana na obra, uma forte presença humana. Absorvi em minhas obras esses conceitos.

Depois a visualidade foi se depurando por uma limpeza gráfica. Atualmente não me interessa a textura da madeira. Nos primeiros trabalhos tem isso. Eu uso o pau-marfim, que é uma madeira sem textura, não tem poros, não tem nada. Interessa a limpeza visual e presença exclusiva da gravação. A imagem gráfica é construída com estruturas sintéticas: a linha, o plano, o ponto. São signos estruturais. Isso poderia levar a uma solução totalmente fria e racional. A questão é ter essa limpeza embrenhada com expressividade, não perder a subjetividade, não tirar a alma do trabalho, não ficar só a visualidade. Por exemplo, um tabuleiro de xadrez, com casas brancas e pretas, tem a mais intensa visualidade possível, em alto-contraste absoluto, com quadrados que são interdependentes. Desaparecendo na estrutura do tabuleiro os quadrados pretos, fica o espaço amorfo totalmente branco, perde a construção. Se tiro as casas brancas, fica um espaço totalmente preto. Então elas são contrastadas e interdependentes, de intensa visualidade gráfica, mas não têm alma, são frias, é só visualidade e comunicação.

O desafio é como construir uma imagem em que essas questões estejam presentes, mas que tenham um conteúdo que ultrapassa a simples visualidade da imagem, que esteja entranhado do subjetivo. Eu acho que a obra é fundamentalmente a expressão da subjetividade. Ela não é objetiva. Caso tenha somente visualidade, está se pensando objetivamente - as logomarcas, por exemplo. Ela não tem particularidade, ninguém precisa saber quem foi que fez, porque não diz respeito ao sujeito.

Por exemplo, repare como você se encontra vestido: uma camisa clara e uma calça escura - pense no tabuleiro de xadrez. Quando se verifica essa polaridade visual, para compor uma coisa, de modo inconsciente, você percebe como a visualidade gráfica pertence ao nosso olhar, de um mundo repleto de impressos, de sinalizadores, de embalagens. Se você olhar pela rua, vai ver que todo mundo está vestido composto com a mesma polaridade contrastada. Isso é a estrutura básica da visualidade gráfica, que está na gravura. Meu pensamento, então, está relacionado ao olhar que as pessoas praticam inconscientemente na escolha das cores, na sua composição do corpo, que é a sua identidade visual. A forma como se compõe o corpo com o vestuário é como você quer que as pessoas o veja. Verifica-se que todo mundo compõe com essa idéia da polaridade, que é o tabuleiro de xadrez, que é o preto e o branco, que é uma cor mais clara e outra mais escura, e isso é a estrutura visual da gravura.

A xilogravura é um ofício pleno de ancestralidade, mas seu resultado visual permite dialogar com nosso tempo, e tento renovar introduzindo uma imagem que tenha essa capacidade. Para mim, a obra se qualifica pelo grau de impregnação subjetiva que se introduz na matéria. Em relação à objetividade do mundo, se coloca uma coisa arbitrária que é a sua presença."

Só por curiosidade, quais são os gravadores brasileiros que você mais aprecia?

"Embora seja uma pergunta natural, prefiro indagar porque uma pessoa que faz gravura tenha que ter uma relação de identidade com outro gravador. Será que a gravura é um espaço reservado, como um gueto? Poderia considerar que aprecio qualquer artista indistintamente, sem considerar a mídia do seu trabalho. Coloco esta questão para perceber como é difícil um gravador ir além da gravura, tanto em sua formação, como no significado de sua obra. Goeldi, aos poucos, tem sido compreendido por sua obra original, em que seu mundo simbólico adquire relevância.

No trabalho busco o sentimento de ausência das outras coisas que foram feitas. Do contrário, pensa bem o seguinte: são, no mínimo, trinta mil anos de história de imagem. Só hoje no mundo são 7 bilhões de habitantes. Todos iguais a nós, pensando, sentindo os mesmos conflitos, todos Homo sapiens. Ao longo da humanidade, nesses trinta mil anos, o número de pessoas que passaram por aqui é incalculável, talvez ultrapasse cem bilhões de habitantes, com criatividade, fazendo coisas: crochê, cerâmica, bijuteria e tal. Algumas coisas sobraram, ao longo dessa história toda. O que sobrou fornece o que se precisa para qualquer coisa.

Nada é mais desnecessário no mundo do que fazer qualquer imagem nova. Se alguém não fizer, ninguém vai dar falta, ninguém precisa. O mundo já está abarrotado de todos os tipos de imagens. Toneladas de figuras – é preciso toda uma vida para contemplar apenas um santuário de Bangkok. Então, digamos o seguinte: qualquer gesto criativo é completamente obsoleto, desnecessário, inútil, e talvez nem caiba mais, o mundo já está entulhado de coisas. Sem contar as imagens descartáveis, como imagens de televisão, essas coisas todas - que passa toda hora, você olha e esquece. O fazer dentro desse contexto só tem sentido se apagar essa memória e ficar órfão do peso do passado. Se você trouxer esses trinta mil anos para dentro do seu espaço, não se faz mais nada. Quer dizer, é como se o mundo começasse com você, tudo aquilo que foi feito não existe. É olhar para o futuro: nessa direção,literalmente nada foi feito. O que me espanta é surgir algo que ainda não exista, o que prova ser a criação uma questão em aberto. Nada impede a inventividade apesar de existir toneladas de registros - essa é a chance: se ausentar das coisas e buscar em si mesmo. Uma obra não vai mudar o mundo, todo esforço é um grão de areia. Não faço algo utilitário, a razão do trabalho é totalmente minha. Não é como ir ao dentista para cuidar do dente. As pessoas não precisam do que eu faço, eu faço a sua revelia, eu faço apesar da vontade dos outros: faço a favor de mim. O que salva o meu esforço, de modo tão surpreendente, é acontecer o milagre da empatia no outro. Porém ninguém deixa de viver a sua vida porque existem hoje no mundo 7 bilhões de pessoas. Quando morrem trezentos homens no soterramento de uma mina lá na China: “ah, a China tem gente demais, podem morrer mais outros que não vai fazer falta”, não é? Um país que tem mais de um bilhão de habitantes, trezentos soterrados, aparentemente, do ponto de vista numérico, não é nada - como estatística é insignificante. Aí você pega as trezentas histórias familiares, cada uma sofrendo aquelas mortes, com um grau profundo da tragédia e de intensidade de dor. Então a vida da gente é um pouco assim: numericamente, estatisticamente, nós somos insignificantes. Mas nós vivemos a nossa pequena tragédia tão intensamente, que a única forma de superá-la é dar a ela uma razão, como se ela fosse exclusiva. E é, e é. E é exclusiva."

Fonte: scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1678-53202013000100118,
por Oto Reifschneider em 20 de janeiro de 2012 em sua casa, no Rio de Janeiro.

Crédito fotográfico: Adriana Maciel

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Videos

Rubem Grilo, Catálogo de Marcos Ribeiro
https://www.youtube.com/watch?v=5BHUbZD9r5A

Rubem Grilo - A xilogravura como projeto modernista brasileiro
https://www.youtube.com/watch?v=uSPEPbe1-Uw

Rubem Grilo realiza exposição no MAMAM
https://www.youtube.com/watch?v=2pmAsN-WNL4

Rubem Campos Grilo (Pouso Alegre, MG, 1946) é um gravador, ilustrador, professor e curador brasileiro. É hoje um dos principais artistas em produção no país e um dos destaques da gravura brasileira.

Rubem Grilo

Rubem Campos Grilo (Pouso Alegre, MG, 1946) é um gravador, ilustrador, professor e curador brasileiro. É hoje um dos principais artistas em produção no país e um dos destaques da gravura brasileira.

Biografia Itaú Cultural

Em 1963, transfere-se para Itaguaí, Rio de Janeiro, e, aos 23 anos, conclui o curso de agronomia pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Em 1970, estuda xilogravura com José Altino (1946), na Escolinha de Arte do Brasil, no Rio de Janeiro. No ano seguinte, passa a freqüentar a Seção de Iconografia da Biblioteca Nacional e entra em contato com as gravuras de Oswaldo Goeldi (1895-1961), Lívio Abramo (1903-1992), Marcelo Grassmann (1925). Nesse período, inicia curso de xilogravura na Escola de Belas Artes da UFRJ e é orientado por Adir Botelho (1932). Em visitas ao ateliê de Iberê Camargo (1914-1994), recebe lições de gravura em metal e, na Escola de Artes Visuais do Parque Lage (EAV/Parque Lage), estuda litografia com Antonio Grosso (1935). No início da década de 1970, ilustra jornais como Opinião, Movimento, Versus, Pasquim, Jornal do Brasil. Na Folha de S. Paulo, cria ilustrações para os fascículos da coleção Retrato do Brasil. Em 1985, publica o livro Grilo: Xilogravuras, pela Circo Editorial. Em 1990, é premiado pela Xylon Internacional, na Suíça. Em 1998, participa, com sala especial, da 24ª Bienal Internacional de São Paulo e, no ano seguinte, é curador geral da Mostra Rio Gravura. Tem trabalhos publicados em revistas especializadas como Graphis e Who's Who in Art Graphic (Suíça), Idea (Japão), Print (Estados Unidos).

Análise

Nas décadas de 1970 e 1980, a xilogravura surge para Rubem Grilo não como uma escolha meramente estética, formal, mas como uma técnica de alcance popular que lhe permite uma atuação política. Em sintonia com esse ideal está a opção em ilustrar periódicos e trabalhar com temas do cotidiano brasileiro como a ditadura militar, a burocracia, a previdência social, a Constituinte, o sistema político etc. Nessa escolha temática, Grilo busca elaborar uma comunicação direta, em que a crítica política é acentuada pela aproximação entre texto e imagem, como em Burocracia, 1979, Relações de Trabalho, 1980, Sociedade Civil, 1983, Golpe Militar, 1984. O traço tênue e contrastado transfigura e recria formas vigorosas a ocupar todos os espaços do plano, sem permitir nenhum ponto de fuga que desvie o olhar do leitor da imagem.

Nos anos 1990, passados os tempos de repressão militar, Rubem Grilo deixa de ilustrar periódicos. Na nova produção autoral, a crítica social permanece, porém a atenção volta-se para a simplicidade gráfica. A ambigüidade irônica da série Obra Menor traduz a preocupação com os detalhes, presentes em objetos representados em escala reduzida, medindo poucos centímetros. Nessa série, Grilo provoca questionamentos ao deslocar a funcionalidade de objetos. Em Relógio, 7 x 5,5 cm, 1994, por exemplo, substitui a ordem circular dos números por uma espiralar. Nessa operação, altera a lógica do objeto e passa a atuar como um suposto cientista a propor reflexões sobre a medição do tempo e sua importância na vida cotidiana.

Críticas

"Um fato: a xilogravura contemporânea brasileira recupera, através de Grilo, sua dimensão maior na tradição instaurada pela obra de Oswaldo Goeldi. Essa dimensão - a da obra magistral - tornada hoje uma crescente evidência quando da apreciação do trabalho de Rubem Grilo, resulta de um processo de criação no qual a intensidade produtiva logrou estabelecer o difícil mas possível equilíbrio entre invenção e inteligibilidade. A criação, na gravura de Rubem Grilo, é um tempo de construção/desconstrução imagística na qual o contínuo compor/descompor/recompor do trabalho estabelece a premissa básica da maestria: o eterno aprendizado. Fazer o trabalho para aprender com o trabalho, diz Grilo, situando-se na perplexidade do eterno aprendiz diante do mistério da criação. Essa perplexidade, longe de atenuar-se, só tende a intensificar-se, na crescente complexidade de um trabalho que tem logrado, em sua tensão específica, preservar o compromisso com a invenção sem cair no hermetismo".

George Kornis (KORNIS, George. Apresentação do livro Grilo xilogravuras. In: IMAGEM gráfica. Rio de Janeiro: Escola de Artes Visuais do Parque Lage, 1995. p. 152.)

"É noutro espaço, entre o investimento e a dissolução, que agora irá projetar-se a obra de Rubem Grilo. A dispersão é uma forma de manter coesa a relação pessoal de tempo, o fluxo de ação, mas simultaneamente desconcentrá-lo nas imagens, elidindo a sedução do virtuoso e o excesso de investimento numa mesma obra. É nesse território que a xilogravura de Grilo teria que encontrar sua nova poética. É entre dois extremos de sua ação gráfica - a imagem muito detalhista ou as imagens simples - que Rubem Grilo reconfirma a afirmação de Riva Castleman de que houve poucas alterações estilísticas nas imagens de linhas negras, de modo que o seu caráter medieval representou um elemento atemporal e sem intenção artística consciente. 'Refaço um gesto que já foi esgotado milhões e milhões de vezes', afirma Rubem Grilo. (...) Às vezes Rubem Grilo parece trabalhar como se faltassem palavras para um universo e fosse necessário torná-lo presente em imagem. É como se Grilo pensasse com a faca de gravar, pensasse gravando. Pensar seria um corte na matriz".

Paulo Herkenhoff (HERKENHOFF, Paulo. Rubem Grilo: caminhos da razão. In: GRILO, Rubem. Arte menor:xilogravuras. Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil, 1996. p. 5-9.)

"Não produzindo retratos ou caricaturas, Grilo traz tipos, caracteres que operam graficamente justapostos em cena, que, por sua vez, se justapõe à narração textual. Nas justaposições de suas cenas, as figuras e os objetos intensificam o narrado efetuando enumeração ou acúmulo: enfáticas, as figuras são graficamente estouradas por desproporção no desenho e nas luzes que as tornam maciças e frágeis, pois trincadas por linhas incisivas e açoitadas por forças deslocantes. A exacerbação das forças destrutivas contradiz a compacidade das figuras que, sendo estáticas as cenas, se exibem explodidas em si mesmas. Reforçam esses efeitos linhas que, exteriores às figuras, desenham movimentos velozes, como em HQ, cuja marca na obra de Grilo também se comprova no uso de balões. Feroz, o humor é o de um riso mascado, que acena repelindo, com que Grilo fala ante seus espectadores.

Ainda que algumas de suas gravuras prolonguem as de periódicos, Grilo ressignifica a eleição da madeira: arte superada, a xilogravura nada traz de experimental, pois cava, na incisão, o aprofundamento subjetivo. Foge, nele, a novidade externa, a da gravura experimental, diga-se, logo, a técnica mista, entendida como estática na perspectiva do sujeito, que imobiliza todo tecnicismo: por isso, a xilogravura, como simples, tradicional, não passa de instrumento dócil de uma subjetividade absoluta. Para Rubem Grilo, Antonio Henrique Amaral ou Anna Carolina, o desprestígio da xilogravura, seja o de mercado, seja o de preconceito técnico, pode privilegiar a subjetividade. Em Grilo, esta se acelera maximamente como busca incessante do eu pelo eu. O sujeito-Grilo vai emergindo sempre diferente, pois cada vez mais Grilo: o centramento do sujeito e a circunferência da gravura estão para todo o sempre locados; é impertinente, portanto, o pensamento de Nicolau de Cusa, para quem centro e circunferência estão em toda parte e em parte nenhuma. Como em Antonio Henrique Amaral, em Rubem Grilo se propõe a questão difícil da saída da gravura política: aquele o faz pela pintura, na qual a alegoria acaba apodrecendo; este, pela fixação de um centro que se acelera como identidade do eu".

Leon Kossovitch e Mayra Laudanna (KOSSOVITCH, Leon; LAUDANNA, Mayra. Sobre o político. In: GRAVURA: arte brasileira do século XX. Apresentação Ricardo Ribenboim; texto Leon Kossovitch, Mayra Laudanna, Ricardo Resende. São Paulo: Itaú Cultural: Cosac & Naify, 2000. p. 13.)

“A experiência desenvolvida pelo gravador é rica, complexa, mesmo porque não se limita ao exercício de uma exploração apenas intuitiva da linguagem gráfica, pois, se é verdade que a intuição desempenha aí um papel essencial, é certo também que se faz acompanhar de uma constante reflexão do artista sobre a significação do seu trabalho e sobre os fundamentos mesmos da gravura como expressão atual na sociedade contemporânea. (...) para o gravador moderno – que não usa dos recursos da xilo para simplesmente reproduzir o desenho – o ato de gravar revelou-se o momento decisivo da realização dessa modalidade artística chamada gravura. E Grilo é um dos exemplos mais completos desse gravador moderno, para quem o trabalho de gravar transcende o exercício artesanal e se torna criação poética.”

Ferreira Gullar

Depoimentos Rubem Grilo

"A grande conquista da arte foi tomar consciência de suas questões intrínsecas, de coisas que só dizem respeito a ela. Mas, por outro lado, é complicado reduzir toda a arte a formas, cores, linhas. Porque, ao se expressar, certas pessoas transmitem sua experiência de vida. Acho que passa por uma questão de autenticidade, de ser verdadeiro consigo mesmo e se realizar de acordo com suas necessidades particulares. Estou condicionado a um tipo de cultura e, ao mesmo tempo, tento crescer dentro disso. O que tenho feito até hoje é responder a esta questão. Ter um olhar altamente crítico sobre meu processo mas, ao mesmo tempo, saber que o caminho tem de ser por onde sinto meu chão. (...)

Alguns trabalhos meus se aproximam do expressionismo. Quando se diz expressionismo, a referência é o expressionismo alemão, a grande sala onde essa linguagem se tornou universalmente conhecida.

Se você pensar o expressionismo não apenas como uma representação de imagens exacerbadas, angustiadas, mas sobretudo como uma poética do eu, uma poética individual em que o artista se desgarra do coletivo, se torna, na ação e no pensamento, uma pessoa, a consciência do eu - eu diria, então, que meu trabalho tem a ver com o expressionismo. Mas, por outro lado, não me obrigo a ser expressionista como opção estética. (...)

A imprensa foi o começo do amadurecimento. O trabalho começa somente quando você descobre uma razão nele. Não é quando se faz um desenho, é quando esse desenho se converte numa coisa significativa. A partir da década de 70, durante quinze anos, colaborei com a imprensa alternativa, que era um veículo de oposição aos governos militares brasileiros. Essa trincheira de certa maneira aprofundou a urgência sobre o trabalho. Publiquei de 1973 a 1975 no semanário Opinião, de 1975 a 1979 no jornal Movimento. De 1980 a 1982 publiquei na Folha de S.Paulo, num caderno chamado Folhetim. E fiz pequenas colaborações para o Jornal do Brasil, O Globo, O Pasquim, Versus, enfim, vários tipos de imprensa. A última colaboração foi uma coleção de fascículos chamada Retratos do Brasil, um balanço do que o país viveu durante o período militar.

E durante todo esse tempo mantive, como ponto de honra, o hábito de fazer xilogravura exatamente para distingui-la de uma forma apropriada pela imprensa. Progressivamente, meu trabalho foi ficando mais demorado, mais complexo".

Rubem Grilo (Senac Nacional 1999. GRILO, Rubem. Gravura, linguagem e vida. In: OFICINAS: gravura. Rio de Janeiro: SENAC, 1999. p. 113-118.)

Exposições Individuais

1972 - Rio de Janeiro RJ - Primeira individual, na Marina Lima Presentes

1973 - Rio de Janeiro RJ - Individual, na Galeria Atelier

1981 - Rio de Janeiro RJ - Individual, na EAV/Parque Lage

1983 - Rio de Janeiro RJ - Individual, na Galeria de Arte Banerj

1983 - São Paulo SP - Individual, no Sesc Pompéia

1984 - Paris (França) - Individual, no Espace Latino-Américain

1984 - Vitória ES - Rubem Grilo: xilogravuras, na Ufes. Galeria de Arte e Pesquisa

1985 - Curitiba PR - Individual, na Casa da Gravura Solar do Barão

1985 - Joinville SC - Individual, no Museu de Arte de Joinville

1985 - Porto Alegre RS - Individual, no Margs

1985 - Rio de Janeiro RJ - Individual, na Funarte. Galeria Sérgio Milliet

1986 - Brasília DF - Individual, na Galeria Oswaldo Goeldi

1986 - Campinas SP - Individual, na Galeria Aquarela

1986 - Cuiabá MT - Individual, na Universidade Federal de Mato Grosso. Instituto de Linguagens

1986 - São Paulo SP - Individual, na Galeria Suzanna Sassoun

1989 - Assunção (Paraguai) - Individual, no Centro de Estudos Brasileiros

1992 - São Paulo SP - Arte Menor, no Masp

1993 - Brasília DF - Individual, no Espaço Cultural 508 Sul

1995 - Rio de Janeiro RJ - Rubem Grilo: xilogravuras, na EAV/Parque Lage

1995 - Rio de Janeiro RJ - Rubem Grilo: xilogravuras, na UERJ. Centro de Educação e Humanidades

1996 - Rio de Janeiro RJ - Arte Menor: xilogravuras, no CCBB

1997 - Belo Horizonte MG - Individual, na Galeria Guignard

1997 - Vitória ES - Individual, na Ufes. Galeria de Arte e Pesquisa

1998 - Rio de Janeiro RJ - Pensar Gráfico, no Paço Imperial

1998 - Salvador BA - Individual, no MAM/BA

1999 - Florianópolis SC - Individual, no Masc

2000 - Nova Hamburgo RS - Individual, no Centro Universitário Feevale

2000 - Pelotas RS - Individual, no Museu de Arte Leopoldo Gottuzzo

2000 - Porto Alegre RS - Arte Menor: xilogravuras, na Casa de Cultura Mario Quintana. Galeria Sotéro Cosme

2001 - Fortaleza CE - Arte Menor: xilogravuras, no Mauc

2004 - Passo Fundo RS - Rubem Grilo: Coleção Paulo Dalacorte, no Museu de Artes Visuais Ruth Schneider

2004 - Recife PE - Arte Menor, na UFPE. Instituto de Arte Contemporânea. Centro Cultural Benfica

2004 - Rio de Janeiro RJ - Individual, na Anita Schwartz Galeria

Exposições Coletivas

1972 - Capri (Itália) - 2ª Triennale Internazionale della Xilografia Contemporânea - prêmio aquisição

1972 - Rio de Janeiro RJ - 21º Salão Nacional de Arte Moderna, no MEC

1972 - Rio de Janeiro RJ - 4º Salão de Verão, no MAM/RJ

1973 - Niterói RJ - 2ª Mostra de Artes Visuais do Estado do Rio de Janeiro

1973 - Rio de Janeiro RJ - 22º Salão Nacional de Arte Moderna

1973 - Rio de Janeiro RJ - 5º Salão de Verão, no MAM/RJ

1974 - Rio de Janeiro RJ - Grafikos, na Livraria Carlitos

1976 - Rio de Janeiro RJ - Arte Gráfica na Imprensa, na ABI

1976 - São Paulo SP - Exposição com ilustradores do jornal Movimento, na Aliança Francesa

1982 - Curitiba PR - 5ª Mostra Anual de Gravura Cidade de Curitiba, na Casa da Gravura Solar do Barão

1982 - Rio de Janeiro RJ - 5º Salão Nacional de Artes Plásticas, no MAM/RJ - prêmio aquisição

1982 - Rio de Janeiro RJ - 6º Salão Carioca de Arte, na Estação Carioca do Metrô

1982 - Rio de Janeiro RJ - Universo do Futebol, no MAM/RJ

1983 - Curitiba PR - Salão de Gravura - 1º prêmio

1983 - México - 31 Artistas Gráficos Brasileiros

1983 - Colômbia - 31 Artistas Gráficos Brasileiros

1983 - Montevidéu (Uruguai) - 1ª Bienal de Grabado Iberoamericano, no Museo de Arte Contemporânea - prêmio especial de viagem ao exterior

1983 - Rio de Janeiro RJ - 6º Salão Nacional de Artes Plásticas, no MAM/RJ

1983 - Rio de Janeiro RJ - 7º Salão Carioca de Arte, na Estação Carioca do Metrô

1983 - São Paulo SP - Exposição sobre Direitos Humanos, no CCSP

1983 - Taipé (Taiwan) - 1ª International Biennial Print Exhibition, no Taipei Fine Arts Museum

1984 - Brno (Tchecoslováquia, atual República Tcheca) - 11ª Biennal of Graphic Design

1984 - Curitiba PR - 6ª Mostra da Gravura Cidade de Curitiba A Xilogravura na História da Arte Brasileira, na Casa Romário Martins - premiado

1984 - Fortaleza CE - 7º Salão Nacional de Artes Plásticas

1984 - Rio de Janeiro RJ - 7º Salão Nacional de Artes Plásticas, no MAM/RJ - premiado

1984 - Rio de Janeiro RJ - O Rosto e a Obra, na Galeria do Ibeu Copacabana

1984 - Rio de Janeiro RJ - O Universo da Xilogravura, na Funarte. Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular

1984 - Rio de Janeiro RJ - A Xilogravura na História da Arte Brasileira, na Funarte. Galeria Sérgio Milliet

1984 - Rio de Janeiro RJ - 8º Salão Carioca de Arte, na Estação Carioca do Metrô

1984 - São Paulo SP - 15º Panorama de Arte Atual Brasileira, no MAM/SP

1985 - Rio de Janeiro RJ - Salão Nacional de Artes Plásticas, no MAM/RJ

1985 - Rio de Janeiro RJ - Arte Construção: 21 artistas contemporâneos, na Galeria do Centro Empresarial Rio

1985 - Rio de Janeiro RJ - 8º Salão Nacional de Artes Plásticas, no MAM/RJ

1985 - São Paulo SP - 18ª Bienal Internacional de São Paulo, na Fundação Bienal

1986 - Bogotá (Colômbia) - 5ª Bienal Americana de Artes Gráficas

1986 - Bogotá (Colômbia) - Nuevos Nombres: 4 artistas brasileños, no Banco de La República. Biblioteca Luis Ángel Arango

1987 - Berlim (Alemanha) - Intergrafik: internationale biennale der grafik - 3º prêmio

1987 - Brasília DF - Missões 300 Anos: a visão do artista, no Teatro Nacional Cláudio Santoro

1987 - Campinas SP - 1ª Bienal Internacional da Gravura, no MACC

1987 - Porto Alegre RS - Missões 300 Anos: a visão do artista, na UFRGS. Centro Cultural

1987 - Rio de Janeiro RJ - Missões 300 Anos: a visão do artista, na EAV/Parque Lage

1987 - São Paulo SP - Missões 300 Anos: a visão do artista, no Masp

1987 - Taipé (Taiwan) - 3ª International Biennial Print Exhibition, no Taipei Fine Arts Museum

1988 - Brno (Tchecoslováquia, atual República Tcheca) - 13ª Biennal of Graphic Design

1988 - Curitiba PR - 8ª Mostra da Gravura Cidade de Curitiba. Adir Botelho e Rubem Grilo, no Museu de Arte do Paraná

1988 - Porto Alegre RS - Missões 300 Anos: a visão do artista

1988 - Rio de Janeiro RJ - Missões 300 Anos: a visão do artista, na EAV/Parque Lage

1988 - São Paulo SP - Missões 300 Anos: a visão do artista, no Masp

1989 - Belo Horizonte MG - 21º Festival de Inverno da UFMG

1989 - Havana (Cuba) - 3ª Bienal de Havana

1989 - Liubliana (Iugoslávia - atual Eslovênia) - 18ª Bienal Internacional de Gravura, na Moderna Galerija Ljubljana

1989 - Rio de Janeiro RJ - Gravura Brasileira: 4 temas, na EAV/Parque Lage

1990 - Amadora (Portugal) - 2ª Bienal de Gravura

1990 - Berlim (Alemanha) - Intergrafik: internationale triennale grafik

1990 - Biella (Itália) - Premio Internazionale Biella per l'Incisione

1990 - Caracas (Venezuela) - Encuentro de Grabado Latinoamericano

1990 - Rio de Janeiro RJ - Armadilhas Indígenas, na Funarte

1990 - São Paulo SP - Armadilhas Indígenas, no Masp

1990 - Tuzla (Iugoslávia, atual Bósnia-Herzegóvina) - 6ª International Biennial Exhibition of Portrait, Drawings and Graphics

1990 - Winterthur (Suíça) - 11ª Xylon: international triennial exhibition of artists relief printing - 2º prêmio

1991 - Campinas SP - Imaginário Popular, na Galeria Aquarela de Arte Contemporânea

1991 - São José do Rio Pardo SP - Imaginário Popular, no Museu Rio Pardense

1992 - Curitiba PR - 10ª Mostra da Gravura Cidade de Curitiba. Mostra América, no Museu da Gravura (Curitiba, PR)

1992 - Rio de Janeiro RJ - Gravura de Arte no Brasil: proposta para um mapeamento, no CCBB

1993 - Biella (Itália) - 12º Premio Internazionale Biella per L'Incisione

1993 - Helsinque (Finlândia) - International Print Triennial, no Alvar Aalto Museum

1993 - João Pessoa PB - Xilogravura: do cordel à galeria, na Funesc

1993 - Lisboa (Portugal) - Matrizes e Gravuras Brasileiras: Coleção Guita e José Mindlin, na Fundação Calouste Gulbenkian. Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão

1994 - Belgrado (Iugoslávia - atual Sérvia e Montenegro) - 3º Print Biennal Belgrade

1994 - Cidade do México (México) - 9ª Bienal Ibero-Americana de Arte

1994 - São Paulo SP - Xilogravura: do cordel à galeria, no Metrô

1995 - Belo Horizonte MG - Imagem Derivada: um olhar acerca do desdobramento da gravura hoje, no MAP

1995 - Biella (Itália) - Premio Internazionale Biella per L'Incisione

1996 - Cidade do México (México) - 10ª Bienal Ibero-Americana de Arte

1996 - Winterthur (Suíça) - 13ª Xylon: international triennial exhibition of artists relief printing

1997 - Barra Mansa RJ - Traços Contemporâneos: homenagem a gravura brasileira, no Centro Universitário de Barra Mansa

1997 - Cracóvia (Polônia) - International Print Triennial

1997 - Curitiba PR - A Arte Contemporânea da Gravura, no Museu Metropolitano de Arte de Curitiba

1997 - Irving (Estados Unidos) - Contemporary Brazilian Prints, na University of Dallas. Haggar Art Gallery

1997 - Liubliana (Eslovênia) - 22ª International Biennial of Graphic Art

1997 - Odessa (Estados Unidos) - Contemporary Brazilian Prints, na Gallery at The University of Texas of the Permian Basin

1997 - Plano (Estados Unidos) - Contemporary Brazilian Prints, na Collin County Community College. Spring Creek Art Gallery

1997 - Wichita Falls (Estados Unidos) - Contemporary Brazilian Prints, na Midwestern State University Art Gallery

1998 - Abilene (Estados Unidos) - Contemporary Brazilian Prints, na Abilene Christian University Shore Art Gallery

1998 - Baton Rouge (Estados Unidos) - Contemporary Brazilian Prints, na Louisiana State University

1998 - Cidade do México (México) - 11ª Bienal Iberoamericana de Arte, no Museo del Palacio de Bellas Artes

1998 - Rio de Janeiro RJ - A Imagem do Som de Caetano Veloso, no Paço Imperial

1998 - Rio de Janeiro RJ - Teoria dos Valores, no MAM/RJ

1998 - Rio de Janeiro RJ - A Imagem do Som de Caetano Veloso (1998 : Rio de Janeiro, RJ) - Paço Imperial (Rio de Janeiro, RJ)

1998 - São Paulo SP - 24ª Bienal Internacional de São Paulo, na Fundação Bienal

1998 - São Paulo SP - Os Colecionadores - Guita e José Mindlin: matrizes e gravuras, na Galeria de Arte do Sesi

1998 - São Paulo SP - Teoria dos Valores, no MAM/SP

1999 - Niterói RJ - Mostra Rio Gravura. Acervo Banerj, no Museu do Ingá

1999 - Rio de Janeiro RJ Curadoria - Mostra Rio Gravura. Coleção Guita e José Mindlin, no Centro Cultural Correios

2000 - Buenos Aires (Argentina) - 1ª Bienal Argentina de Gráfica Latino-Americana, no Museu Nacional del Grabado

2000 - Hanover (Alemanha) - Expo 2000 Hannover

2000 - São Paulo SP - Investigações. A Gravura Brasileira, no Itaú Cultural

2001 - Brasília DF - Investigações. A Gravura Brasileira, na Galeria Itaú Cultural

2001 - Penápolis SP - Investigações. A Gravura Brasileira, na Galeria Itaú Cultural

2001 - São Paulo SP - Cultura Brasileira 1, na Casa das Rosas

2002 - Brasília DF - Fragmentos a Seu Ímã, no Espaço Cultural Contemporâneo Venâncio

2002 - Passo Fundo RS - Gravuras: Coleção Paulo Dalacorte, no Museu de Artes Visuais Ruth Schneider

2002 - Porto Alegre RS - Gravuras: Coleção Paulo Dalacorte, no Museu do Trabalho

2002 - Rio de Janeiro RJ - Caminhos do Contemporâneo 1952-2002, no Paço Imperial

2003 - Rio de Janeiro RJ - Arte em Movimento, no Espaço BNDES

2003 - Rio de Janeiro RJ - Grande Orlândia: artistas abaixo da linha do equador

2003 - São Paulo SP - Arte e Sociedade: uma relação polêmica, no Itaú Cultural

2003 - São Paulo SP - MAC USP 40 Anos: interfaces contemporâneas, no MAC/USP

Fonte: RUBEM Grilo. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2020. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa1921/rubem-grilo>. Acesso em: 29 de Mar. 2020. Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7

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Descubra as xilogravuras de Rubem Grilo

O artista plástico Rubem Grilo traz para seus trabalhos as coisas que viu e que o impregnaram, despertando-lhe sonhos, pensamentos e vivências. O resultado são obras extremamente ricas em detalhes, que passeiam pelo fantástico, com linhas e traçados surpreendentes.

Talhados na madeira e impressos em tecidos ou papel, traços de homens e suas almas denotam com clareza o estilo de Grilo. Em seu mundo, podemos ver não só o contorno exterior dos personagens, mas aquilo que os preenche. As expressões e contextos nos fazem imaginar a mão do artista a trabalhar nos vãos que, preenchidos com a tinta da xilogravura, se transformarão em um resultado tão belo quanto curioso e, por vezes, sombrio.

Com 40 anos de carreira, Rubem Grilo encontrou no desenho uma forma de superar a crise pela qual passou após se formar em Agronomia. Estudante recém-graduado no período da ditadura militar, Grilo chegou a ser preso duas vezes, ainda na universidade.

A mudança de profissão e a identificação com a xilo se deu pelo envolvimento manual da gravação – as etapas do trabalho vão desde a elaboração do desenho até o estágio final da impressão. Para ele, a obra impressa contém a marca do que aconteceu durante o processo, e seu resultado funciona como um espelho, que reflete o oposto do ponto de partida.

De suas primeiras obras, feitas em 1971, restam apenas lembranças. As quase 300 xilogravuras foram destruídas e, graças a isso, o autor acredita ter queimado uma espécie de gordura criativa, como quem precisa esvaziar um espaço para preenchê-lo novamente.

O que pode parecer loucura para alguns funcionou para o artista, pois, com uma obra que amadurece enquanto trafega pela ousadia da experimentação, Grilo se entrega prazerosamente ao acaso. Para ele, mais que a influência de Oswaldo Goeldi – nome impossível de ser esquecido quando se lembra do expressionismo na xilogravura – e da compreensão e absorção do humor crítico, adquirido em seus tempos de redação, quando era ilustrador de jornais (o que voltou a fazer hoje, ilustrando a coluna de Ferreira Gullar), o mais interessante no processo é o jogo de interação entre as interferências concretas e o acaso. “Essa parte imprevista é a que mais me motiva, pois sinto que ela me ultrapassa”, afirma Grilo.

Apesar do volume de dados e informações que o circundam, ele acredita que a obra se desenvolve na solidão do ambiente de trabalho, e diz: “há o sentimento de orfandade do mundo. O trabalho surge de uma página em branco, de um espaço a ser ocupado pela subjetividade”.

Para quem se dispõe à aventura, a obra de Rubem Grilo vence os limites do real e absorve quem a contempla, dando ao observador a vontade de mergulhar em seu universo. Como escreveu Ferreira Gullar: “que a gravura tem um caráter próprio, inconfundível, é inegável. Tentar apreendê-lo e defini-lo é o desafio que se tem pela frente”.

O texto acima foi originalmente escrito para a sessão de Portfólio da Revista Continente de setembro/2011.

Fonte: http://luzdefifo.blogspot.com/2012/09/descubra-as-xilogravuras-de-rubem-grilo.html, consultado pela última vez em 25 de março de 2020.

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Do vazio à expressão (ou: sem concessões): entrevista com Rubem Grilo

Rubem Grilo, voz mansa, cuidado na fala, aparenta ter a paciência e a obstinação necessárias a um gravador. O domínio do corpo, das mãos, do gesto, complementam o traçado da linha, os detalhes do corte. À primeira vista, no entanto, sua figura parece contrastar com as temáticas sociais, críticas, que pautaram parte significativa de sua produção. Ledo engano. Por dentro da figura pacífica do gravador, ferve o sangue dos inconformados, dos que têm coragem de buscar seu desígnio.

Rubem Grilo não esconde sua visão crítica do mundo, suas ideias e opiniões. Flui a liberdade na fala, liberdade que choca, que encanta. A sua é uma fala pensada, autocrítica, construída no isolamento, ao toque do grafite, ao cheiro da madeira talhada. Transparece nela o embate do ser, a angústia existencial da dualidade inerente ao artista: a troca da vida pela permanência da obra. De certas coisas, ninguém foge.

Antes de chegar à angústia existencial, temas mais mundanos são tratados : o lugar da gravura, seu percurso histórico, e a gravura brasileira; a técnica e o ofício; o mercado de arte e maneiras alternativas de divulgação da obra. Esta é uma entrevista rica, para ser lida e relida. Apesar de ter sido editada repetidas vezes ao longo dos últimos meses, a opção foi sempre por interferir o mínimo possível, mantendo a coloquialidade da fala, a intimidade do artista.

A entrevista

"A gravura, ela surge não como uma expressão de arte, mas com a função técnica de reprodução de imagens e de letras para publicação de livros, de folhetos, de impressos. Nesse sentido, ela vai construindo uma história baseada em um universo utilitário. É claro que a pintura também acontece para representar reis, paisagens, enfim, sem uma razão de arte no sentido autônomo da expressão estética moderna. Ela tem a função de representação do poder, do mundo, das coisas, mas há um ponto em que a pintura determina um movimento de acumulação ao longo do tempo. Ela assim se constitui em seu próprio campo, junto a alguns conceitos de valor autônomo. Com o impacto do aparecimento da fotografia, no século XIX, enquanto a pintura teve que revisar o que deve ser representado e como deve ser representado - a gravura se manteve dentro da função gráfica. E é só no século vinte, com o Expressionismo, que ela se redescobre como meio de expressão estética. É claro que, ainda no século XIX, alguns artistas viam na gravura um potencial expressivo, como Gaugin e, mais tarde, Munch, praticamente ligado ao Expressionismo. Mas o fato é esse: o pensamento da gravura como forma autônoma é uma questão ligada às transformações da linguagem que se sucedem ao aparecimento das vanguardas artísticas.

Mesmo ao ultrapassar essa fronteira onde ela encontra a autonomia, a gravura se mantém ligada a um procedimento de ofício que vem desde as suas origens. Quer dizer, a forma de se fazer gravura obedece ao método original de gravar. Eu hoje gravo uma madeira da mesma forma como se gravava no século XIV, no século XV, na Europa. Os materiais e as ferramentas são os mesmos: placa de madeira, goivas. O método de impressão: rolo de borracha, tinta tipográfica, papel. Então não houve, nesse aspecto, em relação à técnica das gravuras tradicionais - como a xilogravura, a gravura em metal - mudança. A litografia que antecede o alvorecer da fotografia, já tem algumas diferenciações, mas, mesmo assim, a técnica tem predominância, o que obriga a um aprendizado dentro do ofício. No uso tradicional das técnicas manuais, você não pega o material e faz. Você convive com o material de forma lenta, progressiva, e vai descobrindo nesse processo a dominar o método de trabalho. A mudança do ofício, na concepção atual, o fazer individual convive a técnica e a criação, cujo resultado é particularizado, e pertence ao território da expressão. A ação prática se confunde com a maneira de representar a obra. A técnica não é um uso separado da expressão, mas parte intrínseca da expressão, porque ela acontece num processo de convivência criativa."

Como se dá a relação entre o método da gravura e as inovações tecnológicas?

"Mesmo assim, em relação ao método, há um contraponto muito forte com as mudanças que ocorreram com o predomínio da indústria e da tecnologia no mundo cotidiano. A gente poderia dizer que a gravura é uma tecnologia na medida em que ela é um meio pré-industrial de reprodução de imagens. Sendo assim, poderia dialogar com essas mudanças tecnológicas. De alguma forma, dialoga. Há quem faça gravura digital. Quer dizer, a gravura permite essa abertura para assimilar e interagir com as mudanças que foram surgindo e isso acontece, praticamente rompendo com a ideia do ofício que até então predominava no aprendizado do artista. A obra precisa ser redefinida em sua função expressiva para absorver essas novas técnicas. E o papel do gravador perde importância. Então, eu diria que hoje a gente vive um pouco essa encruzilhada. O mundo atual é mais objetivo em otimizar: tempo, esforço e resultados. A técnica da gravação é necessariamente lenta, uma técnica de acumulação e mudanças progressivas. A decisão do que se quer com a imagem é que irá determinar o processo mais para frente. É claro, poderia defender o método como eu o emprego, considerando que o tempo envolvido na relação física com as coisas, ele também é um tempo de reflexão mais profundo, de concentração interior, de observação sobre a obra que está sendo realizada. É ficar mais de 100 horas olhando a mesma imagem. Mas a gente nunca sabe se esse tipo de produto interessa, digamos assim, para o olhar que se estabelece a partir de um determinado momento em que a imagem é simplesmente mais um objeto de consumo e de uso com tempo e data determinados. Ela passa a ter um prazo de validade e pode ser substituída por outra coisa mais a frente, de fácil produção."

E que espaço ocupa a gravura brasileira?

"A gravura moderna, no Brasil, acontece num período inovador e de afirmação da arte brasileira, com forte apelo principalmente na década de 50. É uma novidade da qual vários artistas se utilizam como meio complementar ao seu trabalho. Um artista pintor passava a ter uma obra gráfica paralela, como no caso de Iberê Camargo. Outros artistas se entusiasmaram tanto pela gravura que se apegaram a ela como meio expressivo e foram gravadores durante toda sua vida.

O interesse do mercado de arte, no Brasil, por pinturas modernistas, ou pós modernistas, e, mais recentemente, por arte considerada contemporânea, fez com que a gravura não entrasse de imediato nessa escolha. Então não foi estabelecido um preço que desse a ela o valor de patrimônio. Com o passar do tempo, isso pode acontecer. Mas é uma coisa ainda não consolidada. É mais fácil o artista que tem uma obra valorizada com outra mídia produzir gravura e essa gravura encontrar mercado - porque passa a ser uma obra subsidiária da obra principal desse artista - do que o artista que viva só fazendo gravura conseguir a mesma correspondência de preço em sua obra. Mas é possível que isso possa mudar, porque a gravura no Brasil tem um capítulo muito significativo, exatamente por estar presente nos diversos desdobramentos de nossa arte, criando nomes marcantes. Temos um acervo de referência muito importante. Numa revisão que se faça, esses artistas vão começar a ser pautados e essa obra vai começar novamente a ter uma inserção na construção da história da arte brasileira. Goeldi, por exemplo, já é um artista obrigatório, uma referência. Mas artistas como Grassmann, Livio Abramo, Samico,entre outros, enfim, têm uma obra gráfica muito importante, muito extensa. A releitura dessa produção vai necessariamente ser reconhecida. Eu acho que a história da cultura incorpora aquelas pessoas que realizaram algo diferencial com densidade criativa."

Queria que você falasse de sua inserção na história da gravura, de sua trajetória.

"Eu entrei na gravura meio... não fiz a escolha de ser gravador. Eu estudei agronomia. No período universitário, durante o regime militar, tive duas prisões - fui um cassado branco, digamos. Em razão da impossibilidade de exercer minha formação profissional busquei redefinir a minha vida. Ao me ligar à arte, o meu interesse era fazer escultura. A xilogravura acontece como uma técnica em que eu conciliava o uso do desenho, que achava importante no desenvolvimento da expressão, e o uso da gravação, que tinha um pouco a ver com o entalhe na escultura. Você vai se envolvendo e quando vê já se passou um determinado tempo, não pequeno: são quarenta anos trabalhando com xilogravura. Então acaba encontrando algumas coisas que até então não tinham sido colocadas como programa de trabalho e que correspondem muito de seu temperamento. Uma delas é o uso da mão, o envolvimento físico na realização da obra. A outra coisa é a linguagem expressiva, com imagens que tem uma densidade muito forte, o valor gráfico, de uma visualidade sintética e que acaba também construindo um tipo de resultado ao qual você se sente identificado."

Mas você foi autodidata na gravura ou você também estudou com outros gravadores?

"Eu fiz um curso de curta duração na Escolinha de Arte do Brasil com o José Altino. Depois, eu trabalhava sozinho e às vezes ia à Escola de Belas Artes e mostrava o que eu estava fazendo para o professor Adir Botelho, que também é um excelente gravador, e que tinha um lado muito positivo de estimular as pessoas a prosseguir, sempre encontrava qualidade nas coisas que ele via. Eu me alimentava desses estímulos. Eu diria o seguinte: a escola, na verdade, dá uma base de conhecimento muito pequena para que você prossiga durante quarenta anos trabalhando. Por outro lado, a palavra autodidata sugere certa idéia de que você não precisa dos outros, e acho que a gente precisa: de se informar, precisa ler, precisa ver, precisa olhar ao redor - você está aprendendo com os outros o tempo todo. Agora, existe outra coisa que é a busca interna. Se não tem a busca interna, não tem essa curiosidade de descobrir o motor que te leva a continuar fazendo, o processo dura pouco tempo, depois cansa e esgota. A possibilidade de prosseguimento numa opção provém de uma inquietação interior, isso a pessoa tem que ter. Sem isso, não se envolve, não se renova e não tem a vitalidade para prosseguir.

É um caminho, uma viagem que você tem que imaginar que atrás da montanha existe uma paisagem mais bonita do que tudo o que até então conheceu. Você vai até a montanha e vê a paisagem e acha que valeu a subida. Mas percebe que mais à frente, no horizonte, existe outra montanha, então você vai em frente porque sempre tem algo além que desconhece e, isso, é o que constitui o seu potencial. Eu acho, primeiro, que a obra é alimentada na crença de algo a ser revelado - se der chance, vai se maravilhar. Você então prossegue baseado em algo que ainda não aconteceu e se insistir vai descobrir alguma coisa que lhe supera. E tem a busca que é do homem em nunca se satisfazer. Eu acho que é muito gostoso, é muito agradável ouvir elogios das pessoas, mas nunca tem que acreditar nelas, entendeu? Você tem que ouvir e, ao mesmo tempo, não aceitar. No dia em que se convence que está tudo ali, já feito, que está tudo bem, a busca acaba no que você acha que já agradou aos outros."

E qual é a motivação da obra?

"Uma obra, claro, é feita por razões internas. Mas como fato cultural, ela se completa com o outro. Mas o gosto do outro é sempre benevolente. O gosto seu, pessoal, nunca pode ser. Tem que ser exigente e transformador. Tem que estar aberto para algo que lhe dê uma agenda para prosseguir no trabalho. Uma obra é sempre incompleta. Passaram-se quarenta anos e se eu olhar o trabalho que eu fiz até então, acho que foi apenas um ensaio de um projeto que poderá ser melhor se eu continuar tentando, se eu investir mais. A gente vai se aprimorando com o fazer. Acho que pode até acontecer o contrário. Existem casos de regressão. Mas a obsessão de aprimoramento consiste na ânsia de se sentir nas coisas realizadas, em se sentir na transformação da matéria em expressão, pegar uma coisa que é um objeto e transformá-lo em sujeito. Através da relação física com a matéria, a criação se estabelece enquanto um exercício de autoconhecimento. Você se descobre muito consigo mesmo, através da prática, solitariamente, mas isso não é uma coisa feita às cegas. Existe uma cultura ao seu redor, existem coisas ao seu redor que vão dar sentido ao que foi feito.

Toda obra é importante na sua singularidade, na sua diferença, mas se for apenas isso, perde o sentido. Ela só acontece quando interage, dialoga e faz parte de uma rede de coisas que aconteceu ou que está acontecendo, até coisas não tenham ligação direta com seu trabalho. Assim, em geral, quando se pensa “influência” a gente pensa no que está mais próximo, mais relacionado, é como se existisse algo na sala ao lado. Mas às vezes a coisa distante pode ser mais importante. O que é que caracteriza a influência? Não é necessariamente a cópia, mas pode ser o contraste, aquilo que incomoda. O diferente é o que me faz pensar duas vezes, me faz refletir mais. Por que é que aquilo está sendo feito assim e eu estou fazendo dessa forma? É uma influência também, mas que não é necessariamente através da mimese, da cópia, da repetição, mas é através da reflexão e da afirmação do que você tem de distinto."

Nesse sentido, você identifica influências específicas na sua obra?

"Poderia dizer o seguinte: um monte de coisa de arte contemporânea - eu não faço nada similar - é extremamente importante porque me diferencia e me faz pensar por que eu faço de uma forma que não é exatamente aquilo. O que é que me justifica ser diferente daquilo? Leonardo da Vinci diz isso: se você quiser buscar ideias, olha o musgo do muro, a mancha de uma parede envelhecida. Eu, assistindo um cinema, não estou sendo influenciado? Lendo um jornal, não estou sendo influenciado? O campo da influencia não é necessariamente pegar uma imagem de um artista com o qual você se identifica e tentar fazer mais ou menos, trazendo essas coisas para o seu trabalho. Aí não é influência, aí é simplesmente cópia. Você está fazendo um subproduto daquele artista. Se eu pego um Miró e tento fazer um Miró alterado, “pintou vermelho, aí eu pinto azul”, não estou fazendo obra, eu estou na verdade fazendo um sub Miró, né? Esse tipo de influência é parasitismo, e é negativo. Agora, a interação, ela é estimulante, e você, sem ela, não tem um embate com o mundo das coisas, não constrói linguagem. Quando estou lendo, vamos supor - uma coisa distante - sobre o Renascimento, eu não vou ser um artista renascentista por estar lendo sobre o Renascimento. Mas estou de alguma maneira, refletindo uma forma de representação de imagens que tem um campo de fundo importante para pensar coisas que, mesmo que não saiam dali, ajudam a amadurecer a concepção."

E o fato do seu trabalho ter se iniciado no momento em que a própria gravura brasileira começava a entrar em decadência, como que isso te influenciou?

"Bom, primeiro, naquela época mercado era incipiente. Hoje, qualquer artista jovem só pensa em mercado, se o que faz se vende, se aquilo vai dar certo, se não vai dar certo. Condiciona sua decisão pelo sucesso. Na verdade, a minha opção foi entrar por alguma janela. É claro que eu tive a sensação de que eu cheguei à festa quando todo mundo já estava de porre, estava saindo em busca de outra coisa. Agora, para mim não foi só descobrir a gravura, para mim foi encontrar um sentido de vida. Encontrei na arte um alimento para viver. Eu estava me lixando se aquilo ia dar certo ou errado. Na verdade foi um puro estouro de algo que estava contido e me tomou conta com muita vontade.

No meu primeiro ano de trabalho, em 71, em alguns meses, em torno de 6 meses, talvez eu tenha feito mais de 300 trabalhos, chegava a fazer 10 xilogravuras por dia. Em seguida peguei esses trezentos trabalhos, as trezentas matrizes, e joguei fora. Não me interessava o que foi feito como obra, interessava aquilo como uma iniciação. O que eu aprendi ao realizar as obras, o que ficou dentro de mim, era mais importante do que o resultado. E, ao mesmo tempo, se - e foi um aprendizado - eu fizesse coisas que achasse que tinham que ser valorizadas somente porque foram feitas, eu dava muito mais importância àquilo como objeto do que como experiência. E para mim era muito mais importante a experiência do que o objeto. Eu acho isso, no fundo: mesmo se a obra nunca fosse importante, mesmo se a obra nunca fosse aceita, mesmo se a obra não tivesse relevância, mesmo assim, a experiência teria uma significação tão grande que por si só ela bastava."

Interessa o processo?

É, o que interessa é o processo. Quer dizer, eu estava tão envolvido, tão fortemente identificado, que fora sua qualidade, o ato de fazer tinha um valor em si. Passei boa parte da vida tendo um trabalho paralelo para me custear, fiz várias coisas para não ser dependente de vender gravura. Mesmo quando a gravura me trouxe dinheiro, ela me trouxe dinheiro ilustrando jornal, essas coisas todas, mas nunca como opção de ter que vender para poder me manter. Sempre me mantive e trabalhei com a certeza de que a experiência tinha um valor existencial indispensável. Até hoje é assim, então eu crio como sentido de vida. A obra, na verdade, ela vai narrando o sentido da minha vida. Por isso também nunca estive muito atento se ela ia agradar ou desagradar. Não que eu desejasse desagradar, ninguém faz isso, mas fiz a obra que eu pude fazer. Ela sempre teve como parâmetro a minha capacidade de chegar até ali e tentar a superação. Ela sempre esteve direta/indiretamente aderente aos meus limites.

Em qual momento que você começa a se interessar mais a mostrar sua obra?

"Eu fiz uma exposição no começo, em 72, em uma escola para crianças, e não vendeu muito mal. Venderam-se nove gravuras, o que, para um artista desconhecido, não chegava a ser tão mal. Mas eu achei tudo vazio, precisava encontrar uma função mais viva do que fazer obra para botar na parede e vender. Na época surgiam os jornais alternativos, com a publicação de bons desenhistas, o que me pareceu um caminho mais estimulante, longe dos impasses conceituais da arte. O resultado era direto, a imagem entrava em circulação. A função da obra passava a se justificar socialmente pela circulação da obra, encontrando o leitor. E durante dez anos, fiquei praticamente sem fazer exposição, até que aconteceu outra no Parque Lage, em 81. Trabalhei na imprensa até 85, quando termina o Regime Militar. Achei que, com o seu fim, aquela experiência motivadora tinha desaparecido, a função passaria a ser apenas a de ilustrador. Ao interromper a publicação em jornal precisaria dar ao trabalho um caminho próprio, sem ligação com temas pautados nos assuntos da realidade. Quer dizer, em vez dele se justificar por uma pauta que vinha de fora, um pedido externo, ele tinha que ter razões internas para prosseguir.

Comecei a fazer miniaturas. Fiz talvez mais de 1500 miniaturas, trabalhos em pequenos formatos, como se fosse um laboratório sobre o pensamento da gravura e a revisão de minha experiência até então. A base dessas obras, reunidas na série Arte Menor, foram os ornatos tipográficos, como as vinhetas, capitulares, frisos e uma série denominada Objetos Imaturos. Por ser obras em formatos pequenos, o leque das opções foi sendo ampliado, flexionando os temas. Tudo se permitia, sem privilegiar o assunto, enfim, sem a preocupação em hierarquizar o que deve ser significativo ou não, considerando que a significação se constituiria no conjunto numeroso e abrangente. Isto me ocupou durante onze anos. Em 1992, expus parte dessas obras no MASP e, em 1996, com a série ampliada, no CCBB - RJ. Essas exposições representam um ciclo dessa experiência. Fazer exposição não é uma obrigação sistemática. Nas exposições que tenho realizado procuro ter presente o registro temporal, uma soma dentro de um ciclo, para se ter uma leitura de um estágio de acumulação, em que as coisas vão se encontrando até um ponto em que aquele processo se autojustifica."

Mas mesmo que não seja uma intenção primária, ou mesmo secundária da exposição, a exposição, ela gera mercado?

"Gera pouco, circunstancialmente gera. Naquele momento, claro, você está divulgado. Alguma pessoa, vendo que você existe, pode despertar interesse. Mas não é permanente. Eu, por exemplo, participei da Bienal de São Paulo em 98, talvez a última grande Bienal que foi realizada, com curadoria do Paulo Herkenhoff, em que tinha um tema bastante instigante: a Antropofagia. Depois a Bienal entrou meio em declínio, parece que essa última vai ser mais teoria do que obra, mais debate, enfim. O fato é que sendo aquela uma Bienal com muita repercussão, vários artistas que participaram foram convidados para outras Bienais e o mercado se alimenta. No caso, eu fiz uma sala individual completa, terminada a Bienal, eu trouxe as gravuras para casa e a festa acabou. Quer dizer, não houve desdobramento, não teve repercussão. Por quê? Porque tem repercussão quando o cara já está no mercado, a galeria aproveita aquele momento para turbinar, levar para fora, promover o produto. Usa o evento como se fosse um estande de venda.

Quando você não está no mercado, ninguém trabalha aquela oportunidade e ela se encerra, ela tem prazo, acabou. Tem que começar tudo outra vez, tem que reerguer a sua tenda, fazer de novo. Eu tenho um pouco essa sensação, de que o movimento tem que estar sendo o tempo todo reconstruído, aquele renascer das cinzas. Nesses quarenta anos de trabalho eu fiz talvez umas sessenta exposições individuais, participei de umas 150 coletivas, o que não chega a ser muito, mas também não é pouco. É quase a média de uma e meia exposição individual a cada ano. Dessas 60 exposições individuais, foram duas exposições em galerias particulares, galerias do mercado e o restante, que é a totalidade, em espaços públicos. Aconteceram em centros culturais, universidades - não é mercado, longe de ser mercado. São exposições com, evidentemente, a destinação de público. Exposições gratuitas, abertas a visitação, que vai construindo uma referência, de norte a sul do Brasil. Então imagino que eu tenha deixado, nas pessoas que se interessam por esse assunto, uma presença da obra de forma bastante razoável. Do ponto de vista do mercado, é um fracasso."

E você se preocupa com esse “fracasso”?

"Estou falando de fracasso de você correlacionar a obra e o mercado, porque muitas vezes ela não surge. Quando tem o mercado por trás, que se interessa, ele vai inventando oportunidades. O meu processo todo foi desenvolvido pelo meu esforço pessoal, escolhendo onde eu acho que vale a pena estar presente. Vê bem: eu não tenho nenhuma queixa, não sou ressentido, não tenho, digamos, nenhuma razão de estar brigando com o mercado, como a fábula da raposa e as uvas, porque eu vivo independente disso. Nunca dependi, não tenho a cobrança do sucesso, não tenho a aflição da miséria.

Não é também que você seja contra, ou não queira que circule...

Não, não tem nada disso, não tem nada contra nem a favor. Seria brigar com a realidade. Compreendendo o estágio em que a gravura brasileira passa, a pouca presença no mercado, e achei que não deveria ficar me lastimando. Se não acontece de um lado, não impede que aconteça do outro. Optei pelo espaço público porque acho que uma obra se constrói no espaço público, na identificação com o outro, onde ela se consolida de uma maneira cultural. As exposições que realizei sempre tiveram uma boa aceitação. Trabalhando, por exemplo, no jornal, tem a mesma coisa. Ao publicar você semeia ao léu, vai pegando os estratos sociais, as mais distintas pessoas. O circuito de arte é elitista, fechado. Um ambiente onde se conhece as pessoas que participam. Você vai numa abertura de exposição e vê as mesmas figuras: é uma panela muito pequena, né?

Não tem que ficar parado, se lastimando. Tem que agir, romper com essa panela. Existem alternativas, além do mercado, que são importantes. O circuito social pode dar respaldo cultural à obra, com mais solidez, mais memória do que simplesmente a venda da obra. É uma forma de potencializar o trabalho junto às pessoas que não precisam ter a obra para que ela aconteça. Trata-se de alimentar o imaginário, de interagir. Eu acho que fiz uma opção viva: tornar a obra conhecida. Conhecida não pelas pessoas que têm a tabela de preço, mas conhecida por pessoas que gostam e se identificam com o que veem. Quando você ouve uma música no rádio e canta aquela música, ela é sua, ela é viva, ela está dentro de você. Não foi necessário comprar para você ser um agente daquela obra. É a memória que faz aquela obra existir e ir adiante. Independentemente do mercado, eu quero dizer isso, deve-se buscar formas de atuar e construir o próprio caminho. Olhando em retrospecto acredito que soube colocar o bloco na rua. Agora não quero dar exemplo do que deve ser feito. Cada um que encontre sua alternativa, reclamar de nada adianta."

Além das exposições, que formas você buscou para firmar sua obra?

"Fiz uma doação de 900 xilogravuras para o Gabinete do Museu Nacional de Belas Artes, há uns três, quatro anos atrás. São as obras em miniatura. Ano passado, em 2011, fui contemplado no edital do Ministério da Cultura destinado à aquisição de obras para acervos de museus. Apresentei o projeto de transferência de 500 obras para o Gabinete de Gravura do Museu Nacional de Belas Artes, que concentra a maior coleção pública de gravuras do País, e ele foi aprovado. Eu terei, no mesmo acervo público federal, onde tem restauro, digitalização da obra, acesso público, permanência, tombamento, mais ou menos 1500 obras. No Gabinete, a obra pode ser pesquisada, vista, revista e protegida em sua memória num tempo indeterminado. Eu tenho isso como uma referência importante, como um resultado positivo que se colhe depois de um ciclo de vida. Ao longo do meu processo evitei andar com muleta, sem precisar beijar a mão de ninguém. Não fiz concessão, eu tenho essa consciência. A obra foi feita com o suor do trabalho, não devo obediência a ninguém.

Ao permanecer utilizando a xilogravura sabia que ia pagar um preço. As escolhas mais difíceis podem, pela filtragem, serem as mais verdadeiras, porque também correspondem ao campo de liberdade que se deseja. O fato de eu ter escolhido a xilogravura é como se tivesse imposto a mim mesmo a chance de não dar certo. Ela não é um produto sedutor. O material oferece dificuldades, com recursos limitados. A opção, no contexto atual, é um tanto anacrônica, já que pertence a um estágio em via de extinção."

Falando do processo do ponto de vista técnico, você parte sempre do desenho? Transfere para a matriz?

"Não, eu desenho direto na madeira. Na primeira etapa, a madeira é como uma folha de papel em branco, você tem um vazio. Algo tem que sair do lápis. A ocupação desse campo com o gesto é um desafio: tem que encher aquilo de você. Em seguida, você tem que reinventar o desenho, interpretando a imagem na gravação em alto e baixo relevo. Esse embate na realização da obra, em estágios distintos, do começo ao fim, com certeza, é uma relação de aprendizado. Ela nunca é dada, mas alcançada através da vivência desse processo na transformação do vazio até a expressão."

Na hora do desenho você se preocupa com aquela questão da inversão?

"É, tem que pensar. Na impressão, ao entintar a placa gravada, a imagem se torna sintética, sendo necessário revisar a gravação a partir da imagem invertida. A gente vê a imagem de acordo com o nosso gesto habitual. A diagonal que sai da direita para a esquerda eu faço com muita facilidade. É curioso, porque as escritas pictográficas são todas assim, da direita para a esquerda, e a alfabética, você lê o livro da esquerda para a direita, é uma abstração. Então, a diagonal nessa direção é forte. A que se faz da esquerda para a direita é fraca, a não ser para os canhotos. Se eu desenho observando uma diagonal, quando eu imprimo sai invertida, o que altera a composição do desenho. Pensa o seguinte: uma pessoa que entra num plano, num palco de teatro, vai entrar, em geral, pela direita e sair pela esquerda. Isso é um movimento automático, convencional. É um fluxo, o condicionamento do olhar leva a isso. Se isso não é considerado se perde o dinamismo da composição. É uma coisa meio racional, mas no fundo é assim. Técnica é isso, é o que dá antecedência ao que vai acontecer. Por isso a técnica se aprende e se transmite, o que não se aprende é a expressão. Se você usar só técnica faz um trabalho rigoroso, excessivamente rigoroso, e fica prejudicado pelo excesso de controle. Mas tem isso, tem que considerar que vai ter uma inversão, um espelhamento. E, com a experiência, consegue-se pensar de forma espelhada. De tanto fazer... Aquela coisa do Leonardo da Vinci escrever de trás pra frente, espelhado, ele era canhoto. O canhoto provavelmente vai ter maior facilidade em inverter esse dinamismo do olhar."

E você é destro ou canhoto?

"Eu sou destro, não sou sinistro."

Você tem alguma preferência por madeiras específicas?

"Eu gosto do pau-marfim porque é uma madeira mais clara, o desenho fica mais legível. A superfície não tem porosidade ou marcas das fibras. Sendo de consistência coesa, permite gravar detalhes que resistem à impressão. Eu desenho detalhadamente, para ter tudo planejado na etapa da gravação. A base do meu trabalho é o desenho. Eu trabalho muito no desenho, que pode sofrer alterações até ser considerado definitivo."

E o desenho veio desde menino?

"Não. Eu só comecei a desenhar depois de vinte e poucos anos, em 1970. Eu estudei técnico agrícola e me formei em agronomia, bastante distante do universo da arte."

O desenho foi despertado no curso, com aqueles desenhos técnicos?

"Não. Foi despertado no desespero. Quando eu fiquei completamente sem ter o que fazer, nesse momento, eu comecei a desenhar. Eu tinha em casa um pano de fundo. Minha mãe, quando jovem, morou no Rio de Janeiro, estudou por um tempo Belas Artes. Meu irmão mais velho - são lendas de família, a gente fala essas coisas, mas sabe que tem exagero, mas pode ser que não, entendeu? - com cinco anos já tinha um desenho maduro, nunca teve desenho de criança. Essas referências... difícil de se comparar. Lembro que apreciava bastante as poucas coisas que via. Minha infância foi numa cidade de interior em Minas. Realmente só quando caí no buraco é que encontrei essa saída: eu desenhei por necessidade mesmo.

Nunca fiz a opção de ser artista. Para mim essa opção não existe, sempre fiz por necessidade e acabou se tornando algo indispensável. Estou a um mês cuidando de outras coisas e sinto falta de algo em minha vida. Eu diria que passo meu tempo enclausurado no ateliê, me sinto assim mais completo. Quando estou envolvido no trabalho não sinto falta do mundo. O que não quer dizer que eu não goste da vida e não sinta falta de gente. Muito me ajuda o fato de ser casado e ter a companhia de alguém que eu gosto. Passo tanto tempo dentro de casa que realmente para mim, quando vou à rua, o mundo é um presente. Rotina para mim é trabalhar. É a única coisa que me dá certeza da autenticidade das coisas que eu faço é isso.. Não tem outro jeito: acaba-se encontrando certo prazer na rotina. Já tive oportunidades de ter desistido. Quando eu fiz paisagismo, por exemplo, eu achava um trabalho delicioso - tudo era prazeroso."

E qual é a parte que você não acha prazerosa?

"A solidão. Para realizar o trabalho, é preciso aprender a ficar sozinho. É cansativo permanecer horas e horas com você mesmo, sozinho. Tem que se abrir para uma viagem interior nesse intervalo para não sentir tédio, não se sentir desesperado. A obra é, fundamentalmente, filha direta da solidão. Primeiro, da solidão mais angustiante, desse mal-estar que é a consciência de que você existe. Você é só você. E não entender porque você está aqui e agora - tudo o que estou falando agora. Ter a consciência, digamos, da ausência de explicação de qualquer coisa que se refira a sua própria vida e, ao mesmo tempo, suportá-la. Não é à-toa que existe Igreja, que existe Deus, que existe um monte de coisa. Realmente, a consciência do eu, ela dói. Então você tem que ter uma compensação, que é exatamente estabelecer um vínculo em que, apesar da ausência de sentido, você constrói o seu processo, fazendo aquilo que para você é vital. No fundo, vê bem, toda a obra são registros. Na medida em que eu não sei por que existo, deixo marcas para provar que eu existo. O trabalho é um pouco isso - se transformar em coisas que tem forma e estética, mas para mim as motivações profundas não partem da estética, não tem nada a ver com a forma."

É a sua religião.

"Tem um lado religioso, fundamentalmente, porque pressupõe o fato de que ao se aprimorar você vai se preparando para ter uma recompensa que é o Paraíso. Eu acredito nesse esforço de aprimoramento sem a recompensa do Paraíso. Ao final o que eu tenho é a morte - não é recompensa. É a consciência do desaparecimento. Exatamente porque existe a consciência do desaparecimento, a obra se mantém como um registro da permanência. E ultrapassa. Na verdade ela só me pertence enquanto estou fazendo. Depois de pronta, é como se já não tivesse mais essa questão, essa necessidade. É como se ela fosse um corpo totalmente ausente de mim. Ela só é minha na sua realização. Tem um pouco a justificação da vida, estabelecendo, através da ação, uma resposta, um sentido para tudo isso. Quando põe esse troço no patamar do mercado, com regras de competição, isso não me anima. A gravura é um objeto cobiçado? Não, não é cobiçado. Desse modo não vai disputar esse páreo. Está fora do páreo. Mas essa ausência do páreo, no fundo, traz o trabalho mais para perto de mim."

É que você foi, enfim, feliz nessa sua escolha por ter conseguido esse registro, já que muitas vezes o mercado acaba sendo...

Eu não acho que seja felicidade como diversão, eu acho que é uma coisa... Li uma frase do Fellini, que é mais ou menos assim: “você tem que coincidir a sua vida com o seu destino”. Para mim é muito mais uma coincidência de destino, sem acreditar no destino, de que fui induzido a fazer aquilo que tinha que fazer. Eu sou obediente a isso, continuo fazendo. Eu tenho algo que me ocupa de forma bastante intensa, mas sinto que não tenho uma obra completa. Eu acho terrível quando as pessoas se convencem de que fizeram uma obra definitiva, como sendo sua identidade, e não precisam mais de mudança, e se repetem naquela formula a exaustão, até o trabalho se definhar.

Estava pensando na exata mesma palavra, mas eu ia falar que a pessoa também se definha.

Fica um produtor de obras, elimina o desafio. É, repete, repete, repete. Beethoven compôs a Grande Fuga ao final da vida, poucos entenderam o que era aquilo. Ele cria os últimos Quartetos, compõe a Missa Solene, renova o pensamento da sinfonia, introduzindo o coral. Você fica pensando assim: “o cara foi melhorando com o tempo.” É um modelo invejável de sublimação criativa, seguindo o percurso nessa escala temporal, você percebe que é ao final que ele atinge o seu limite extremo de potencialidade. Claro que essas comparações são muito pedantes, mas a gente tem que colocar como paradigma algo que seja um desafio inesgotável."

Você então não tem preferências específicas por períodos no seu trabalho?

É natural que o último trabalho nos encante mais. Mas, com o passar do tempo, os primeiros trabalhos recuperam um sabor especial. Eles refletem a inocência que a gente nunca deveria perder. No estágio inicial, a opção se torna revelação. Estar envolvido com uma coisa em que só o fato de fazer seja compensador, isso é importante. Nesse processo todo existem essas três fases: o primeiro instante, em que tudo é descoberta. Em seguida, existe um longo período em que tudo é conflito, um período em que a máquina funciona cheia de areia no meio, fazendo riscos, em que toda superação é dissonante. Por último, vem o período do amadurecimento, que eu acho que é mais ou menos o momento que estou começando, em que não se briga mais,no qual a busca de superação faz parte de suas expectativas e você gosta do que está acontecendo."

Então é nesse momento que você insere a cor no trabalho, ou que você se sente confortável ao colocar a cor que, como você mesmo mencionou, já traz algo prévio?

"A cor, ela entrou porque eu estou ilustrando um jornal cujo projeto gráfico tem cor. São colagens, com recortes de papel colorido e desenho. É uma cor gráfica, não tem discordância com a experiência gráfica da xilogravura. É o que me interessa na gravura como linguagem, a sua visualidade sintética. A escola expressionista tem outros enfoques, que se baseiam no lado ético do trabalho manual em discordância ao trabalho alienado da máquina: a presença da ferramenta, a presença da matéria, a presença do gesto. A radicalização da subjetividade na criação. O ato - a imagem nasce do corte, do gesto, aquele momento da ação - tudo revela a presença humana na obra, uma forte presença humana. Absorvi em minhas obras esses conceitos.

Depois a visualidade foi se depurando por uma limpeza gráfica. Atualmente não me interessa a textura da madeira. Nos primeiros trabalhos tem isso. Eu uso o pau-marfim, que é uma madeira sem textura, não tem poros, não tem nada. Interessa a limpeza visual e presença exclusiva da gravação. A imagem gráfica é construída com estruturas sintéticas: a linha, o plano, o ponto. São signos estruturais. Isso poderia levar a uma solução totalmente fria e racional. A questão é ter essa limpeza embrenhada com expressividade, não perder a subjetividade, não tirar a alma do trabalho, não ficar só a visualidade. Por exemplo, um tabuleiro de xadrez, com casas brancas e pretas, tem a mais intensa visualidade possível, em alto-contraste absoluto, com quadrados que são interdependentes. Desaparecendo na estrutura do tabuleiro os quadrados pretos, fica o espaço amorfo totalmente branco, perde a construção. Se tiro as casas brancas, fica um espaço totalmente preto. Então elas são contrastadas e interdependentes, de intensa visualidade gráfica, mas não têm alma, são frias, é só visualidade e comunicação.

O desafio é como construir uma imagem em que essas questões estejam presentes, mas que tenham um conteúdo que ultrapassa a simples visualidade da imagem, que esteja entranhado do subjetivo. Eu acho que a obra é fundamentalmente a expressão da subjetividade. Ela não é objetiva. Caso tenha somente visualidade, está se pensando objetivamente - as logomarcas, por exemplo. Ela não tem particularidade, ninguém precisa saber quem foi que fez, porque não diz respeito ao sujeito.

Por exemplo, repare como você se encontra vestido: uma camisa clara e uma calça escura - pense no tabuleiro de xadrez. Quando se verifica essa polaridade visual, para compor uma coisa, de modo inconsciente, você percebe como a visualidade gráfica pertence ao nosso olhar, de um mundo repleto de impressos, de sinalizadores, de embalagens. Se você olhar pela rua, vai ver que todo mundo está vestido composto com a mesma polaridade contrastada. Isso é a estrutura básica da visualidade gráfica, que está na gravura. Meu pensamento, então, está relacionado ao olhar que as pessoas praticam inconscientemente na escolha das cores, na sua composição do corpo, que é a sua identidade visual. A forma como se compõe o corpo com o vestuário é como você quer que as pessoas o veja. Verifica-se que todo mundo compõe com essa idéia da polaridade, que é o tabuleiro de xadrez, que é o preto e o branco, que é uma cor mais clara e outra mais escura, e isso é a estrutura visual da gravura.

A xilogravura é um ofício pleno de ancestralidade, mas seu resultado visual permite dialogar com nosso tempo, e tento renovar introduzindo uma imagem que tenha essa capacidade. Para mim, a obra se qualifica pelo grau de impregnação subjetiva que se introduz na matéria. Em relação à objetividade do mundo, se coloca uma coisa arbitrária que é a sua presença."

Só por curiosidade, quais são os gravadores brasileiros que você mais aprecia?

"Embora seja uma pergunta natural, prefiro indagar porque uma pessoa que faz gravura tenha que ter uma relação de identidade com outro gravador. Será que a gravura é um espaço reservado, como um gueto? Poderia considerar que aprecio qualquer artista indistintamente, sem considerar a mídia do seu trabalho. Coloco esta questão para perceber como é difícil um gravador ir além da gravura, tanto em sua formação, como no significado de sua obra. Goeldi, aos poucos, tem sido compreendido por sua obra original, em que seu mundo simbólico adquire relevância.

No trabalho busco o sentimento de ausência das outras coisas que foram feitas. Do contrário, pensa bem o seguinte: são, no mínimo, trinta mil anos de história de imagem. Só hoje no mundo são 7 bilhões de habitantes. Todos iguais a nós, pensando, sentindo os mesmos conflitos, todos Homo sapiens. Ao longo da humanidade, nesses trinta mil anos, o número de pessoas que passaram por aqui é incalculável, talvez ultrapasse cem bilhões de habitantes, com criatividade, fazendo coisas: crochê, cerâmica, bijuteria e tal. Algumas coisas sobraram, ao longo dessa história toda. O que sobrou fornece o que se precisa para qualquer coisa.

Nada é mais desnecessário no mundo do que fazer qualquer imagem nova. Se alguém não fizer, ninguém vai dar falta, ninguém precisa. O mundo já está abarrotado de todos os tipos de imagens. Toneladas de figuras – é preciso toda uma vida para contemplar apenas um santuário de Bangkok. Então, digamos o seguinte: qualquer gesto criativo é completamente obsoleto, desnecessário, inútil, e talvez nem caiba mais, o mundo já está entulhado de coisas. Sem contar as imagens descartáveis, como imagens de televisão, essas coisas todas - que passa toda hora, você olha e esquece. O fazer dentro desse contexto só tem sentido se apagar essa memória e ficar órfão do peso do passado. Se você trouxer esses trinta mil anos para dentro do seu espaço, não se faz mais nada. Quer dizer, é como se o mundo começasse com você, tudo aquilo que foi feito não existe. É olhar para o futuro: nessa direção,literalmente nada foi feito. O que me espanta é surgir algo que ainda não exista, o que prova ser a criação uma questão em aberto. Nada impede a inventividade apesar de existir toneladas de registros - essa é a chance: se ausentar das coisas e buscar em si mesmo. Uma obra não vai mudar o mundo, todo esforço é um grão de areia. Não faço algo utilitário, a razão do trabalho é totalmente minha. Não é como ir ao dentista para cuidar do dente. As pessoas não precisam do que eu faço, eu faço a sua revelia, eu faço apesar da vontade dos outros: faço a favor de mim. O que salva o meu esforço, de modo tão surpreendente, é acontecer o milagre da empatia no outro. Porém ninguém deixa de viver a sua vida porque existem hoje no mundo 7 bilhões de pessoas. Quando morrem trezentos homens no soterramento de uma mina lá na China: “ah, a China tem gente demais, podem morrer mais outros que não vai fazer falta”, não é? Um país que tem mais de um bilhão de habitantes, trezentos soterrados, aparentemente, do ponto de vista numérico, não é nada - como estatística é insignificante. Aí você pega as trezentas histórias familiares, cada uma sofrendo aquelas mortes, com um grau profundo da tragédia e de intensidade de dor. Então a vida da gente é um pouco assim: numericamente, estatisticamente, nós somos insignificantes. Mas nós vivemos a nossa pequena tragédia tão intensamente, que a única forma de superá-la é dar a ela uma razão, como se ela fosse exclusiva. E é, e é. E é exclusiva."

Fonte: scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1678-53202013000100118,
por Oto Reifschneider em 20 de janeiro de 2012 em sua casa, no Rio de Janeiro.

Crédito fotográfico: Adriana Maciel

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Rubem Grilo, Catálogo de Marcos Ribeiro
https://www.youtube.com/watch?v=5BHUbZD9r5A

Rubem Grilo - A xilogravura como projeto modernista brasileiro
https://www.youtube.com/watch?v=uSPEPbe1-Uw

Rubem Grilo realiza exposição no MAMAM
https://www.youtube.com/watch?v=2pmAsN-WNL4

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Feito com no Rio de Janeiro

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