Uma das pioneiras em arte abstrata no Brasil, firmou na abstração informal sua individualidade artística. Começou seus estudos com Faya Ostrower, no início da década de 50. Explorou o estilo até a primeira metade da década seguinte. A partir daí, se viu, em suas próprias palavras, atraída por “uma força estranha (que) me levava para o corpo”. A figura passou a ser a maior expressão de sua arte de uma forma tão radical que os limites do desenho eram os limites do próprio corpo representado. Esta foi a sua fase visceral, onde órgãos apareciam como figura central (o ser humano não mais visto pela observação externa, mas de um princípio interno e subjetivo). Curiosamente, assim, conseguir abordar uma série de questões / ações externas, como se o corpo fosse uma espécie de mapa para algo maior. Cada parte do corpo remete a algo. Num mundo segregado, o estômago apela à necessidade de digerir. O coração, de se comprometer. O olho, de observar. O cérebro, de pensar. O tronco, de se posicionar. A carne na tábua, à inevitabilidade da morte. Essa tendência, encerrada com o bem humorado “Limpeza de ouvido com cotonete”, antecipa o uso da cartografia em sua produção, quando se questiona sobre limites culturais e fronteiras geográficas. Na série Brasil Nativo / Brasil Alienígena (1977), a cultura brasileira é pensada como resultado de tensões, continuidade vs descontinuidade.
Apesar da importância da gravura em metal, buscou sempre novas linguagens, materiais e suportes, utilizando fotogravuras, montagens, serigrafia e vídeo. Atualmente, além de continuar se pesquisando e expondo, leciona na Escola de Artes Visuais do Parque Lage.
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Com formação em língua e literatura anglo-germânicas, inicia, na década de 1950, seus estudos artísticos no ateliê de Fayga Ostrower (1920-2001). Em 1954, vive em Nova York, onde freqüenta as aulas de história da arte com Hannah Levy no The Metropolitan Museum of Art (MET) [Museu Metropolitano de Arte] e, como ouvinte, cursos na New York University. Retorna ao Brasil no ano seguinte. Entre 1960 e 1965, participa do ateliê de gravura em metal do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM/RJ), onde passa a lecionar três anos mais tarde.
Em 1969, novamente em Nova York, ministra aulas na Columbia University. Volta ao Rio de Janeiro em 1970. Em 1982, recebe bolsa da John Simon Guggenheim Memorial Foundation, em Nova York. Publica, com Fernando Cocchiarale (1951), o livro Abstracionismo Geométrico e Informal: a vanguarda brasileira nos anos cinqüenta, em 1987. Sua obra é marcada pelo uso de diversas linguagens e a exploração de novos materiais e suportes. Nos anos 1970, sua produção tem caráter experimental: fotomontagem, fotogravura, xerox, vídeo e Super-8. Dedica-se também à pintura desde a década de 1980.
A partir da década de 1990, emprega novos materiais e produz formas cartográficas vazadas em metal, dentro de caixas de ferro ou gavetas, preenchidas por encáustica. Suas obras situam-se no limite entre pintura, objeto e gravura.
Análise
Num primeiro momento, o trabalho de Anna Bella Geiger vincula-se ao abstracionismo informal. Aluna de desenho, gravura e pintura de Fayga Ostrower a partir de 1950, a artista participa da 1ª Exposição Nacional de Arte Abstrata, no Hotel Quitandinha, em Petrópolis, Rio de Janeiro, em 1953. Após uma pausa na atividade artística, motivada pelo ingresso na Faculdade Nacional de Filosofia e viagem de estudo aos Estados Unidos, Geiger freqüenta o ateliê de gravura em metal do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM/RJ) de 1960 a 1965. Nesse período, completamente dedicada à gravura, ela passa a desenvolver uma figuração de base abstrata.
De 1965 a 1968, Geiger produz o que é chamado pela crítica de "fase visceral", sob a influência da nova figuração. As imagens trazem a pesquisa da realidade orgânica mediante a representação fragmentada do corpo como referência a um possível mapa do microcosmo. Essa fase antecipa a utilização da cartografia em sua produção, cujo eixo central é o questionamento da noção de limitação de territórios culturais baseados em fronteiras geográficas, por exemplo, a problematização da existência de uma "cultura brasileira" comum a todos os habitantes da nação. Ao mesmo tempo Geiger compõe suas imagens com base em chapas de metal recortadas, explicitando e explorando artisticamente o próprio processo material de produção da técnica de gravura em metal.
Apesar da importância e constância da gravura em sua obra, em Circumambulatio (1972) percebe-se a necessidade de Geiger de encontrar novos meios de expressão. Nesse sentido, sua produção da década de 1970 é marcada por um caráter eminentemente experimental: fotogravura, fotografia clichê, fotomontagem, serigrafia, xerox, cartão-postal, vídeo, Super-8, são algumas das mídias utilizadas pela artista. Estimulada pelas questões levantadas pela arte conceitual e o momento político vivido, ela apresenta em seus trabalhos sobretudo questões relativas à identidade e cultura nacional, ao local do artista na sociedade, à constituição do meio de arte no Brasil e sua posição no mundo.
A série Brasil Nativo/Brasil Alienígena (1977), na qual Geiger dispõe nove cartões-postais com cenas da vida indígena lado a lado com retratos de sua vida cotidiana, é emblemática do período. Nela a cultura brasileira é pensada como resultado de tensões, continuidades e descontinuidades, a negar uma unidade cultural orgânica. Nesse momento, o uso irônico e transgressor da cartografia torna-se um elemento fundamental do trabalho em séries como O Pão Nosso de Cada Dia e Local da Ação. O caráter icônico dos mapas é tensionado a fim de criar uma verdadeira "topografia da arte", e simultaneamente problematizar as delimitações (culturais, políticas, sociais) indiciadas por fronteiras e limites.
Nos anos 1980, a artista começa a pintar e desenvolve longas séries, como Píer & Ocean, fazendo uma reavaliação crítica tanto da história da pintura quanto dos signos de seus trabalhos anteriores. Os anos 1990 são marcados por séries como Fronteiriços, em que novos materiais são usados. As formas cartográficas reaparecem vazadas em metal dentro de caixas de ferro ou gavetas de mapotecas preenchidas por encáustica. No limite entre gravura, pintura e objeto, essas obras são o emblema perfeito de toda sua produção na medida em que atualizam as séries anteriores. Mais recentemente, retoma seus interesses pelas novas tecnologias utilizando o vídeo em associação com a gravura (clichês de metal) e arquivos de ferro na instalação Indiferenciados (2001).
Fonte: ANNA Bella Geiger. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2020. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa296/anna-bella-geiger>. Acesso em: 03 de Mar. 2020. Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7
Uma das pioneiras em arte abstrata no Brasil, firmou na abstração informal sua individualidade artística. Começou seus estudos com Faya Ostrower, no início da década de 50. Explorou o estilo até a primeira metade da década seguinte. A partir daí, se viu, em suas próprias palavras, atraída por “uma força estranha (que) me levava para o corpo”. A figura passou a ser a maior expressão de sua arte de uma forma tão radical que os limites do desenho eram os limites do próprio corpo representado. Esta foi a sua fase visceral, onde órgãos apareciam como figura central (o ser humano não mais visto pela observação externa, mas de um princípio interno e subjetivo). Curiosamente, assim, conseguir abordar uma série de questões / ações externas, como se o corpo fosse uma espécie de mapa para algo maior. Cada parte do corpo remete a algo. Num mundo segregado, o estômago apela à necessidade de digerir. O coração, de se comprometer. O olho, de observar. O cérebro, de pensar. O tronco, de se posicionar. A carne na tábua, à inevitabilidade da morte. Essa tendência, encerrada com o bem humorado “Limpeza de ouvido com cotonete”, antecipa o uso da cartografia em sua produção, quando se questiona sobre limites culturais e fronteiras geográficas. Na série Brasil Nativo / Brasil Alienígena (1977), a cultura brasileira é pensada como resultado de tensões, continuidade vs descontinuidade.
Apesar da importância da gravura em metal, buscou sempre novas linguagens, materiais e suportes, utilizando fotogravuras, montagens, serigrafia e vídeo. Atualmente, além de continuar se pesquisando e expondo, leciona na Escola de Artes Visuais do Parque Lage.
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Com formação em língua e literatura anglo-germânicas, inicia, na década de 1950, seus estudos artísticos no ateliê de Fayga Ostrower (1920-2001). Em 1954, vive em Nova York, onde freqüenta as aulas de história da arte com Hannah Levy no The Metropolitan Museum of Art (MET) [Museu Metropolitano de Arte] e, como ouvinte, cursos na New York University. Retorna ao Brasil no ano seguinte. Entre 1960 e 1965, participa do ateliê de gravura em metal do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM/RJ), onde passa a lecionar três anos mais tarde.
Em 1969, novamente em Nova York, ministra aulas na Columbia University. Volta ao Rio de Janeiro em 1970. Em 1982, recebe bolsa da John Simon Guggenheim Memorial Foundation, em Nova York. Publica, com Fernando Cocchiarale (1951), o livro Abstracionismo Geométrico e Informal: a vanguarda brasileira nos anos cinqüenta, em 1987. Sua obra é marcada pelo uso de diversas linguagens e a exploração de novos materiais e suportes. Nos anos 1970, sua produção tem caráter experimental: fotomontagem, fotogravura, xerox, vídeo e Super-8. Dedica-se também à pintura desde a década de 1980.
A partir da década de 1990, emprega novos materiais e produz formas cartográficas vazadas em metal, dentro de caixas de ferro ou gavetas, preenchidas por encáustica. Suas obras situam-se no limite entre pintura, objeto e gravura.
Análise
Num primeiro momento, o trabalho de Anna Bella Geiger vincula-se ao abstracionismo informal. Aluna de desenho, gravura e pintura de Fayga Ostrower a partir de 1950, a artista participa da 1ª Exposição Nacional de Arte Abstrata, no Hotel Quitandinha, em Petrópolis, Rio de Janeiro, em 1953. Após uma pausa na atividade artística, motivada pelo ingresso na Faculdade Nacional de Filosofia e viagem de estudo aos Estados Unidos, Geiger freqüenta o ateliê de gravura em metal do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM/RJ) de 1960 a 1965. Nesse período, completamente dedicada à gravura, ela passa a desenvolver uma figuração de base abstrata.
De 1965 a 1968, Geiger produz o que é chamado pela crítica de "fase visceral", sob a influência da nova figuração. As imagens trazem a pesquisa da realidade orgânica mediante a representação fragmentada do corpo como referência a um possível mapa do microcosmo. Essa fase antecipa a utilização da cartografia em sua produção, cujo eixo central é o questionamento da noção de limitação de territórios culturais baseados em fronteiras geográficas, por exemplo, a problematização da existência de uma "cultura brasileira" comum a todos os habitantes da nação. Ao mesmo tempo Geiger compõe suas imagens com base em chapas de metal recortadas, explicitando e explorando artisticamente o próprio processo material de produção da técnica de gravura em metal.
Apesar da importância e constância da gravura em sua obra, em Circumambulatio (1972) percebe-se a necessidade de Geiger de encontrar novos meios de expressão. Nesse sentido, sua produção da década de 1970 é marcada por um caráter eminentemente experimental: fotogravura, fotografia clichê, fotomontagem, serigrafia, xerox, cartão-postal, vídeo, Super-8, são algumas das mídias utilizadas pela artista. Estimulada pelas questões levantadas pela arte conceitual e o momento político vivido, ela apresenta em seus trabalhos sobretudo questões relativas à identidade e cultura nacional, ao local do artista na sociedade, à constituição do meio de arte no Brasil e sua posição no mundo.
A série Brasil Nativo/Brasil Alienígena (1977), na qual Geiger dispõe nove cartões-postais com cenas da vida indígena lado a lado com retratos de sua vida cotidiana, é emblemática do período. Nela a cultura brasileira é pensada como resultado de tensões, continuidades e descontinuidades, a negar uma unidade cultural orgânica. Nesse momento, o uso irônico e transgressor da cartografia torna-se um elemento fundamental do trabalho em séries como O Pão Nosso de Cada Dia e Local da Ação. O caráter icônico dos mapas é tensionado a fim de criar uma verdadeira "topografia da arte", e simultaneamente problematizar as delimitações (culturais, políticas, sociais) indiciadas por fronteiras e limites.
Nos anos 1980, a artista começa a pintar e desenvolve longas séries, como Píer & Ocean, fazendo uma reavaliação crítica tanto da história da pintura quanto dos signos de seus trabalhos anteriores. Os anos 1990 são marcados por séries como Fronteiriços, em que novos materiais são usados. As formas cartográficas reaparecem vazadas em metal dentro de caixas de ferro ou gavetas de mapotecas preenchidas por encáustica. No limite entre gravura, pintura e objeto, essas obras são o emblema perfeito de toda sua produção na medida em que atualizam as séries anteriores. Mais recentemente, retoma seus interesses pelas novas tecnologias utilizando o vídeo em associação com a gravura (clichês de metal) e arquivos de ferro na instalação Indiferenciados (2001).
Fonte: ANNA Bella Geiger. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2020. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa296/anna-bella-geiger>. Acesso em: 03 de Mar. 2020. Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7
Uma das pioneiras em arte abstrata no Brasil, firmou na abstração informal sua individualidade artística. Começou seus estudos com Faya Ostrower, no início da década de 50. Explorou o estilo até a primeira metade da década seguinte. A partir daí, se viu, em suas próprias palavras, atraída por “uma força estranha (que) me levava para o corpo”. A figura passou a ser a maior expressão de sua arte de uma forma tão radical que os limites do desenho eram os limites do próprio corpo representado. Esta foi a sua fase visceral, onde órgãos apareciam como figura central (o ser humano não mais visto pela observação externa, mas de um princípio interno e subjetivo). Curiosamente, assim, conseguir abordar uma série de questões / ações externas, como se o corpo fosse uma espécie de mapa para algo maior. Cada parte do corpo remete a algo. Num mundo segregado, o estômago apela à necessidade de digerir. O coração, de se comprometer. O olho, de observar. O cérebro, de pensar. O tronco, de se posicionar. A carne na tábua, à inevitabilidade da morte. Essa tendência, encerrada com o bem humorado “Limpeza de ouvido com cotonete”, antecipa o uso da cartografia em sua produção, quando se questiona sobre limites culturais e fronteiras geográficas. Na série Brasil Nativo / Brasil Alienígena (1977), a cultura brasileira é pensada como resultado de tensões, continuidade vs descontinuidade.
Apesar da importância da gravura em metal, buscou sempre novas linguagens, materiais e suportes, utilizando fotogravuras, montagens, serigrafia e vídeo. Atualmente, além de continuar se pesquisando e expondo, leciona na Escola de Artes Visuais do Parque Lage.
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Com formação em língua e literatura anglo-germânicas, inicia, na década de 1950, seus estudos artísticos no ateliê de Fayga Ostrower (1920-2001). Em 1954, vive em Nova York, onde freqüenta as aulas de história da arte com Hannah Levy no The Metropolitan Museum of Art (MET) [Museu Metropolitano de Arte] e, como ouvinte, cursos na New York University. Retorna ao Brasil no ano seguinte. Entre 1960 e 1965, participa do ateliê de gravura em metal do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM/RJ), onde passa a lecionar três anos mais tarde.
Em 1969, novamente em Nova York, ministra aulas na Columbia University. Volta ao Rio de Janeiro em 1970. Em 1982, recebe bolsa da John Simon Guggenheim Memorial Foundation, em Nova York. Publica, com Fernando Cocchiarale (1951), o livro Abstracionismo Geométrico e Informal: a vanguarda brasileira nos anos cinqüenta, em 1987. Sua obra é marcada pelo uso de diversas linguagens e a exploração de novos materiais e suportes. Nos anos 1970, sua produção tem caráter experimental: fotomontagem, fotogravura, xerox, vídeo e Super-8. Dedica-se também à pintura desde a década de 1980.
A partir da década de 1990, emprega novos materiais e produz formas cartográficas vazadas em metal, dentro de caixas de ferro ou gavetas, preenchidas por encáustica. Suas obras situam-se no limite entre pintura, objeto e gravura.
Análise
Num primeiro momento, o trabalho de Anna Bella Geiger vincula-se ao abstracionismo informal. Aluna de desenho, gravura e pintura de Fayga Ostrower a partir de 1950, a artista participa da 1ª Exposição Nacional de Arte Abstrata, no Hotel Quitandinha, em Petrópolis, Rio de Janeiro, em 1953. Após uma pausa na atividade artística, motivada pelo ingresso na Faculdade Nacional de Filosofia e viagem de estudo aos Estados Unidos, Geiger freqüenta o ateliê de gravura em metal do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM/RJ) de 1960 a 1965. Nesse período, completamente dedicada à gravura, ela passa a desenvolver uma figuração de base abstrata.
De 1965 a 1968, Geiger produz o que é chamado pela crítica de "fase visceral", sob a influência da nova figuração. As imagens trazem a pesquisa da realidade orgânica mediante a representação fragmentada do corpo como referência a um possível mapa do microcosmo. Essa fase antecipa a utilização da cartografia em sua produção, cujo eixo central é o questionamento da noção de limitação de territórios culturais baseados em fronteiras geográficas, por exemplo, a problematização da existência de uma "cultura brasileira" comum a todos os habitantes da nação. Ao mesmo tempo Geiger compõe suas imagens com base em chapas de metal recortadas, explicitando e explorando artisticamente o próprio processo material de produção da técnica de gravura em metal.
Apesar da importância e constância da gravura em sua obra, em Circumambulatio (1972) percebe-se a necessidade de Geiger de encontrar novos meios de expressão. Nesse sentido, sua produção da década de 1970 é marcada por um caráter eminentemente experimental: fotogravura, fotografia clichê, fotomontagem, serigrafia, xerox, cartão-postal, vídeo, Super-8, são algumas das mídias utilizadas pela artista. Estimulada pelas questões levantadas pela arte conceitual e o momento político vivido, ela apresenta em seus trabalhos sobretudo questões relativas à identidade e cultura nacional, ao local do artista na sociedade, à constituição do meio de arte no Brasil e sua posição no mundo.
A série Brasil Nativo/Brasil Alienígena (1977), na qual Geiger dispõe nove cartões-postais com cenas da vida indígena lado a lado com retratos de sua vida cotidiana, é emblemática do período. Nela a cultura brasileira é pensada como resultado de tensões, continuidades e descontinuidades, a negar uma unidade cultural orgânica. Nesse momento, o uso irônico e transgressor da cartografia torna-se um elemento fundamental do trabalho em séries como O Pão Nosso de Cada Dia e Local da Ação. O caráter icônico dos mapas é tensionado a fim de criar uma verdadeira "topografia da arte", e simultaneamente problematizar as delimitações (culturais, políticas, sociais) indiciadas por fronteiras e limites.
Nos anos 1980, a artista começa a pintar e desenvolve longas séries, como Píer & Ocean, fazendo uma reavaliação crítica tanto da história da pintura quanto dos signos de seus trabalhos anteriores. Os anos 1990 são marcados por séries como Fronteiriços, em que novos materiais são usados. As formas cartográficas reaparecem vazadas em metal dentro de caixas de ferro ou gavetas de mapotecas preenchidas por encáustica. No limite entre gravura, pintura e objeto, essas obras são o emblema perfeito de toda sua produção na medida em que atualizam as séries anteriores. Mais recentemente, retoma seus interesses pelas novas tecnologias utilizando o vídeo em associação com a gravura (clichês de metal) e arquivos de ferro na instalação Indiferenciados (2001).
Fonte: ANNA Bella Geiger. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2020. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa296/anna-bella-geiger>. Acesso em: 03 de Mar. 2020. Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7
Uma das pioneiras em arte abstrata no Brasil, firmou na abstração informal sua individualidade artística. Começou seus estudos com Faya Ostrower, no início da década de 50. Explorou o estilo até a primeira metade da década seguinte. A partir daí, se viu, em suas próprias palavras, atraída por “uma força estranha (que) me levava para o corpo”. A figura passou a ser a maior expressão de sua arte de uma forma tão radical que os limites do desenho eram os limites do próprio corpo representado. Esta foi a sua fase visceral, onde órgãos apareciam como figura central (o ser humano não mais visto pela observação externa, mas de um princípio interno e subjetivo). Curiosamente, assim, conseguir abordar uma série de questões / ações externas, como se o corpo fosse uma espécie de mapa para algo maior. Cada parte do corpo remete a algo. Num mundo segregado, o estômago apela à necessidade de digerir. O coração, de se comprometer. O olho, de observar. O cérebro, de pensar. O tronco, de se posicionar. A carne na tábua, à inevitabilidade da morte. Essa tendência, encerrada com o bem humorado “Limpeza de ouvido com cotonete”, antecipa o uso da cartografia em sua produção, quando se questiona sobre limites culturais e fronteiras geográficas. Na série Brasil Nativo / Brasil Alienígena (1977), a cultura brasileira é pensada como resultado de tensões, continuidade vs descontinuidade.
Apesar da importância da gravura em metal, buscou sempre novas linguagens, materiais e suportes, utilizando fotogravuras, montagens, serigrafia e vídeo. Atualmente, além de continuar se pesquisando e expondo, leciona na Escola de Artes Visuais do Parque Lage.
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Com formação em língua e literatura anglo-germânicas, inicia, na década de 1950, seus estudos artísticos no ateliê de Fayga Ostrower (1920-2001). Em 1954, vive em Nova York, onde freqüenta as aulas de história da arte com Hannah Levy no The Metropolitan Museum of Art (MET) [Museu Metropolitano de Arte] e, como ouvinte, cursos na New York University. Retorna ao Brasil no ano seguinte. Entre 1960 e 1965, participa do ateliê de gravura em metal do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM/RJ), onde passa a lecionar três anos mais tarde.
Em 1969, novamente em Nova York, ministra aulas na Columbia University. Volta ao Rio de Janeiro em 1970. Em 1982, recebe bolsa da John Simon Guggenheim Memorial Foundation, em Nova York. Publica, com Fernando Cocchiarale (1951), o livro Abstracionismo Geométrico e Informal: a vanguarda brasileira nos anos cinqüenta, em 1987. Sua obra é marcada pelo uso de diversas linguagens e a exploração de novos materiais e suportes. Nos anos 1970, sua produção tem caráter experimental: fotomontagem, fotogravura, xerox, vídeo e Super-8. Dedica-se também à pintura desde a década de 1980.
A partir da década de 1990, emprega novos materiais e produz formas cartográficas vazadas em metal, dentro de caixas de ferro ou gavetas, preenchidas por encáustica. Suas obras situam-se no limite entre pintura, objeto e gravura.
Análise
Num primeiro momento, o trabalho de Anna Bella Geiger vincula-se ao abstracionismo informal. Aluna de desenho, gravura e pintura de Fayga Ostrower a partir de 1950, a artista participa da 1ª Exposição Nacional de Arte Abstrata, no Hotel Quitandinha, em Petrópolis, Rio de Janeiro, em 1953. Após uma pausa na atividade artística, motivada pelo ingresso na Faculdade Nacional de Filosofia e viagem de estudo aos Estados Unidos, Geiger freqüenta o ateliê de gravura em metal do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM/RJ) de 1960 a 1965. Nesse período, completamente dedicada à gravura, ela passa a desenvolver uma figuração de base abstrata.
De 1965 a 1968, Geiger produz o que é chamado pela crítica de "fase visceral", sob a influência da nova figuração. As imagens trazem a pesquisa da realidade orgânica mediante a representação fragmentada do corpo como referência a um possível mapa do microcosmo. Essa fase antecipa a utilização da cartografia em sua produção, cujo eixo central é o questionamento da noção de limitação de territórios culturais baseados em fronteiras geográficas, por exemplo, a problematização da existência de uma "cultura brasileira" comum a todos os habitantes da nação. Ao mesmo tempo Geiger compõe suas imagens com base em chapas de metal recortadas, explicitando e explorando artisticamente o próprio processo material de produção da técnica de gravura em metal.
Apesar da importância e constância da gravura em sua obra, em Circumambulatio (1972) percebe-se a necessidade de Geiger de encontrar novos meios de expressão. Nesse sentido, sua produção da década de 1970 é marcada por um caráter eminentemente experimental: fotogravura, fotografia clichê, fotomontagem, serigrafia, xerox, cartão-postal, vídeo, Super-8, são algumas das mídias utilizadas pela artista. Estimulada pelas questões levantadas pela arte conceitual e o momento político vivido, ela apresenta em seus trabalhos sobretudo questões relativas à identidade e cultura nacional, ao local do artista na sociedade, à constituição do meio de arte no Brasil e sua posição no mundo.
A série Brasil Nativo/Brasil Alienígena (1977), na qual Geiger dispõe nove cartões-postais com cenas da vida indígena lado a lado com retratos de sua vida cotidiana, é emblemática do período. Nela a cultura brasileira é pensada como resultado de tensões, continuidades e descontinuidades, a negar uma unidade cultural orgânica. Nesse momento, o uso irônico e transgressor da cartografia torna-se um elemento fundamental do trabalho em séries como O Pão Nosso de Cada Dia e Local da Ação. O caráter icônico dos mapas é tensionado a fim de criar uma verdadeira "topografia da arte", e simultaneamente problematizar as delimitações (culturais, políticas, sociais) indiciadas por fronteiras e limites.
Nos anos 1980, a artista começa a pintar e desenvolve longas séries, como Píer & Ocean, fazendo uma reavaliação crítica tanto da história da pintura quanto dos signos de seus trabalhos anteriores. Os anos 1990 são marcados por séries como Fronteiriços, em que novos materiais são usados. As formas cartográficas reaparecem vazadas em metal dentro de caixas de ferro ou gavetas de mapotecas preenchidas por encáustica. No limite entre gravura, pintura e objeto, essas obras são o emblema perfeito de toda sua produção na medida em que atualizam as séries anteriores. Mais recentemente, retoma seus interesses pelas novas tecnologias utilizando o vídeo em associação com a gravura (clichês de metal) e arquivos de ferro na instalação Indiferenciados (2001).
Fonte: ANNA Bella Geiger. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2020. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa296/anna-bella-geiger>. Acesso em: 03 de Mar. 2020. Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7