Augusto Rodrigues (Recife, Pernambuco, 1913 — Resende, Rio de Janeiro, 9 de abril de 1993) foi um educador, pintor, desenhista, gravador, ilustrador, caricaturista, fotógrafo e poeta brasileiro.
Biografia - Itaú Cultural
Trabalha no ateliê de Percy Lau (1903-1972) e, em 1933, realiza sua primeira exposição individual, no Recife. Nesse ano, inicia sua atividade como ilustrador e caricaturista no Diário de Pernambuco. Ao lado de Guignard (1896-1962), Candido Portinari (1903-1962), e outros, expõe, em 1934, na Associação dos Artistas Brasileiros, no Rio de Janeiro. Em 1935, transfere-se para essa cidade e logo se torna colaborador de jornais e de revistas como O Estado de S. Paulo e O Cruzeiro. Participa da fundação e do planejamento dos jornais Folha Carioca, Diretrizes e Última Hora. Em 1942, realiza exposição individual, com cerca de 100 desenhos, no Museu Nacional de Belas Artes (MNBA). Com a colaboração de Lúcia Alencastro (1921-1996), Oswaldo Goeldi (1895-1961), Vera Tormenta (1930), Fernando Pamplona e Humberto Branco, funda a Escolinha de Arte do Brasil, em 1948. Em 1953, participa da 2ª Bienal Internacional de São Paulo e, com Geza Heller (1902-1992) e Marcelo Grassmann (1925), expõe na Petite Galerie e, no 2º Salão Nacional de Arte Moderna, em que obtém o prêmio de viagem ao exterior, na categoria desenho. Em 1971, integra a mostra Panorama do Desenho Brasileiro, organizada pelo Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM/SP), e edita seu primeiro livro de poesia, 27 Poemas. O segundo, A Fé entre os Desencantos, é publicado em 1980. Em 1989, lança Largo do Boticário - Em Preto e Branco, com 80 fotografias tiradas no decorrer dos anos.
Análise
Nas diversas atividades artísticas de Augusto Rodrigues, pode-se apontar como característica comum a permanente preocupação com a função da arte. Defende ser esta a forma pela qual a cultura se manifesta mais significativamente, daí a importância de difundi-la.
A criação da Escolinha de Arte do Brasil - primeira do gênero no país - é um exemplo do empenho de Rodrigues em renovar os métodos da educação artística para crianças e adultos. Com base nas idéias do historiador e crítico de arte Herbert Read (1893 - 1968), procura incluir, no processo de ensino, pesquisas poéticas que estimulem a criança a desenvolver sua própria singularidade. Essa iniciativa torna-se importante referência para o desenvolvimento da arte-educação no Brasil.
Rodrigues traz para seus trabalhos a liberdade dos traços que buscam integrar pintura e desenho, evitando o virtuosismo da linha ou das questões cromáticas. Entre seus temas, a mulher é personagem constante. É significativa também a presença de elementos ligados à cultura popular pernambucana, como o frevo e a dança de roda. Suas pinceladas são determinadas pelo próprio movimento, e não apenas pela forma e pela composição, de modo a criar as diversas direções e intensidades rítmicas.
A influência do cinema está em algumas pinturas, como mostra o tratamento dado a Carlitos, personagem de Charles Chaplin (1889 - 1977). Rodrigues amplia as possibilidades de sentido de suas obras ao apropriar-se de elementos cotidianos como anúncios, textos de jornais, fotografias de objetos, material impresso em offset, incorporados em seus trabalhos.
Fonte: AUGUSTO Rodrigues. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2020. Disponível em: <>. Acesso em: 10 de Jun. 2020. Verbete da Enciclopédia. ISBN: 978-85-7979-060-7
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Biografia - Wikipédia
Foi o pioneiro na criação das escolinhas de arte para crianças no Brasil. Augusto Rodrigues nasceu em 21 de Dezembro de 1913, no Recife (PE). Trabalhou no ateliê de Percy Lau. Em 1933, realizou sua primeira exposição individual. No mesmo ano, iniciou sua atividade como ilustrador e caricaturista no Diario de Pernambuco. Ao lado de Guignard e Portinari expos, em 1934, na Associação dos Artistas Brasileiros, no Rio de Janeiro. Em 1935 mudou-se para o Rio de Janeiro e tornou-se colaborador de jornais e de revistas como “O Estado de S. Paulo” e “O Cruzeiro”. Participou da fundação e do planejamento dos jornais “Folha Carioca”, “Diretrizes” e “Última Hora”. Com a colaboração de Lúcia Alencastro, Oswaldo Goeldi, Vera Tormenta, Fernando Pamplona e Humberto Branco, fundou a Escolinha de Arte do Brasil, em 1948. Em 1971 editou seu primeiro livro de poesia, “27 Poemas”. O segundo livro, “A fé entre os Desencantos”, foi publicado em 1980. Em 1989, lançou “Largo do Boticário – Em Preto e Branco”, composto por 80 fotografias tiradas no decorrer de vários anos.
Morreu aos 79 anos, de parada cardíaca e insuficiência respiratória, na Santa Casa de Resende (RJ). Foi enterrado no Cemitério de São João Batista, no bairro de Botafogo, na capital fluminense.
Exposições individuais
Augusto Rodrigues (1942: Rio de Janeiro, RJ)
Exposições coletivas
Exposição de Arte Brasileira (1943 : Londres, Reino Unido)
Exposição de Arte Moderna (1944 : Belo Horizonte, MG)
Salão Nacional de Belas Artes (50. : 1944 : Rio de Janeiro, RJ)
Exhibition of Modern Brazilian Paintings (1944 : Londres, Reino Unido)
Exhibition of Modern Brazilian Paintings (1944 : Norwich, Reino Unido)
Artistas Plásticos do Partido Comunista (1945 : Rio de Janeiro, RJ)
Exhibition of Modern Brazilian Paintings (1945 : Edimburgo, Reino Unido)
Exhibition of Modern Brazilian Paintings (1945 : Glasgow, Reino Unido)
Exhibition of Modern Brazilian Paintings (1945 : Bath, Reino Unido)
Exhibition of Modern Brazilian Paintings (1945 : Bristol, Reino Unido)
Exhibition of Modern Brazilian Paintings (1945 : Manchester, Reino Unido)
Bienal Internacional de São Paulo (2. : 1953 : São Paulo, SP)
Fonte: Wikipédia, consultado pela última vez em 10 de junho de 2020.
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Augusto Rodrigues: um educador com arte
"Detesto a escola repressiva... eu tinha também a minha vida fora da escola, e muito plena. A vida onde havia o devaneio, a exploração do rio, a natureza, os jogos onde a fantasia estava muito presente." (Augusto Rodrigues)
Augusto Rodrigues nasceu em Recife/PE, em 1913. Pintor, desenhista, gravador, ilustrador, caricaturista e poeta, trabalhou no ateliê de Percy Lau e realizou sua primeira exposição individual em 1933, ainda em Recife. Dentre seus trabalhos os ligados ao desenho são os de maior repercussão nas artes, mas em qualquer de seus trabalhos existia lirismo, sensibilidade cromática, concisão formal e beleza do desenho.
Em 1935 mudou-se para o Rio de Janeiro onde começou a aparecer nos jornais como ilustrador e realizou uma das suas maiores obras: em 1948 ele fundou a Escolinha de Arte do Brasil (EAB), na Biblioteca Castro Alves. A escola tinha como característica a diferença das consideradas "normais" e era frequentada por crianças, as especiais principalmente, que podiam desenhar em grandes papéis, cantar, desafinar, colher flores no jardim e brincar, acima de tudo, e muito!
Essa noção moderna de escola foi baseada por Augusto Rodrigues na sua própria infância - quando criança não se deu muito bem nas escolas, não por não ser inteligente, mas porque desde muito cedo possuía alma de artista e percebia as coisas de modo divergente, não se adaptava às normas e ao excesso de regras das escolas convencionais. Ele dizia: "No fundo, eu me formei na rua, em contato com as pessoas, evidentemente passando por uma escola. A minha primeira escola foi uma experiência muito triste porque não só eu me via impossibilitado de me movimentar, de falar, de viver, como também olhava as outras crianças impedidas igualmente de se expressarem. A escola era sombria, era triste, a professora também era sombria, e eu sentia uma preocupação, uma tensão dessa professora de imprimir nas crianças coisas que não tinham nenhum sentido para elas. Nós teríamos que aprender o que interessava a ela ensinar e teríamos que abdicar aquilo que era fundamental para nós, que era brincar".
Vários prêmios e uma carreira muito bem sucedida
Em 1953 recebeu um prêmio por seus trabalhos apresentados no Salão Brasileiro de Arte Moderna e com o dinheiro pode viajar pelos países europeus durante o período de 1955 e 1956, quando teve contato com arte europeia de grande valia para a expansão da sua expressão. E em 1960, fundou e tornou-se o primeiro presidente da Associação dos Artistas Plásticos Contemporâneos (Arco).
Na década de 1980, escreveu seu primeiro livro "A Fé entre os Desencantos". Ainda nesta década recebeu vários prêmios bem significativos para sua carreira: Medalha Anchieta, da Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro (1982); Medalha do Mérito da Fundação Joaquim Nabuco de Pesquisa Social de Pernambuco (1982); Medalha Pernambucana do Mérito, Classe Ouro, do governo do Estado de Pernambuco (1986) e o título de Doutor Honoris Causa, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (1988).
Ainda na década de 1980 participou da fundação do Museu do Desenho e Gravura, de Itajaí (SC), doando seu acervo de gravuras e desenhos de artistas e estrangeiros. Em 1982, em Florianópolis (SC), participou da organização da Oficina de Desenho e Gravura do Museu de Florianópolis que recebeu o nome Atelier Livre de Gravura Augusto Rodrigues.
Na década de 1990, no pouco tempo em que esteve vivo - morreu em 1993 -, foi eleito Presidente de Honra do Colloque Homme, Santé, Tropique, da Universidade de Poitiers (1990); foi lançado em Recife (PE) o livro com sua biografia: Augusto Rodrigues: o Artista e a Arte, Poeticamente, de Rosza W. Vel. Zoladz, da Editora Civilização Brasileira, na Escolinha de Arte do Recife (1991); foi homenageado no 6º Congresso Nacional da Federação de Arte-Educação do Brasil (Confaeb), na Universidade Federal e na Universidade Católica de Pernambuco (1993); e a ele foi entregue a Medalha Comemorativa Augusto Rodrigues na Casa Rui Barbosa, no Rio de Janeiro.
EAB fez a diferença na carreira do educador
Na criação da Sociedade Pestalozzi - uma escola para educação de crianças especiais - a contribuição de Augusto se deu quando se tornou professor de crianças e adultos. Principalmente com as crianças aprendeu que a atividade artística poderia ser motivo de estudo, registro e debates. Dona Helena, criadora da Sociedade, acreditava que a arte, como expressão livre e criadora, era o meio de educação por excelência, e que o artista tinha um papel fundamental na educação - maior do que os pedagogos e psicólogos. Por isso convidou Augusto Rodrigues para lecionar na escola.
Já uma das maiores criações de Augusto Rodrigues foi feita nos anos de 1970, juntamente com a gaúcha Lúcia Alencastro Valentim e a escultora norte-americana Margareth Spencer - a Escolinha de Arte do Brasil (EAB). A criação desta escola, fora do modelo oficial, há muito habitava os sonhos de Augusto. Logo cedo desejou fazer arte e, certa vez, conta ele que tentando vender uma assinatura de jornal ao psiquiatra Ulisses Pernambuco travou o seguinte diálogo: "Ele me perguntou se eu ia à escola, eu respondi que não (...) O que você gosta de fazer? Eu disse que gostava de fazer arte e ele respondeu: Muito bem, faça arte. Você tem que fazer aquilo que gosta para não ficar à margem da profissão".
A EAB, hoje espalhada por vários pontos do país, oferece à criança uma proposta diferente com a oportunidade para atividades de criação artística. Representa, no Brasil, alguma coisa que se poderia considerar óbvia, e que, entretanto, é, no gênero, talvez, o que mais significativo se faz entre nós no campo da educação infantil.
Ele mesmo definiu, como ninguém a EAB: "Na imensa aridez da paisagem das escolas nacionais, paisagem que lembra aspectos de nossos desertos, as escolinhas de arte são oásis de sombra e luz. Em que as crianças se encontram consigo mesmo e com a alegria de viver, tão 'deliberadamente' banida das 'escolas' convencionais de 'retalhos de informação', secos e duros como a vegetação habitual das zonas áridas. Mas não é somente a escolinha de arte uma inovação pedagógica. É também inovação do próprio conceito de arte, pois esta já não é a atividade especial das criaturas excepcionais, mas atividades inerentes ao senso humano da vida, que, felizmente, ainda se pode encontrar nas crianças que não foram completamente deformadas pelos condicionamentos inevitáveis da instrução morta e fragmentada das escolas convencionais. É essa a grande motivação das escolinhas de arte - dar às crianças oportunidade para a mais educativa das atividades, a atividade da criação artística".
Fica então muito bem circunscrita a contribuição de Augusto Rodrigues para a Arte/Educação brasileira - o seu conhecimento espalhou e estimulou em todo território nacional a necessidade de inclusão da Arte na educação escolar, chegando a confundir sua história com a EAB. Por isto e pela modernidade na educação ele merece o respeitado e admiração como grande Educador que foi.
Fonte: Educação Pública.gov, publicado em 2009 por Mara Lúcia Martins.
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Obra de Augusto Rodrigues ganha coleção de quatro volumes da Cepe
Augusto Rodrigues foi um pernambucano célebre. Ele viveu entre 1913 e 1993 e deixou um legado múltiplo que abrange o campo das artes, da educação e do jornalismo. Menos conhecido pelas novas gerações, o recifense atuou como caricaturista, desenhista, ilustrador, pintor, educador, fotógrafo, jornalista e poeta. Foi o principal caricaturista brasileiro na Segunda Guerra Mundial, tendo como principal personagem o ditador nazista Adolf Hitler. Mais tarde, militou pela presença das artes no ensino público e idealizou o projeto Escolinha de Arte do Brasil, com cerca de 150 de unidades no Brasil e na América Latina.
São alguns dos tópicos da trajetória, agora registrada em coleção lançada hoje pela Companhia Editora de Pernambuco (Cepe). A organização ficou por conta de Antonio Carlos Rodrigues, filho de Augusto. São quatro volumes, separados pelas diferentes facetas: Caricaturista (248 páginas), Educador (112), Fotógrafo (152) e Artista (184). Os livros podem ser adquiridos separadamente ou em box, no site cepe.com.br/lojacepe.
Editadas com papel machê, as publicações contam com inúmeras imagens sobre a vida e a obra de Rodrigues. Além de pontuações e reflexões do próprio filho, textos de apresentação trazem intelectuais como o jornalista e escritor José Hamilton Ribeiro, o escultor e diretor do Museu Afro Brasil, Emanoel Araújo, o professor Luiz Áquila da Rocha Miranda, entre outros. “Há muitos anos eu venho pesquisando as coisas do meu pai. Eu achava que ele merecia um trabalho desse porte, que mostrasse tudo o que ele fez de uma vez só. É uma pessoa extensa, né?”, diz Antonio Carlos Rodrigues.
“Justamente por isso, não ia caber em um livro só. A ideia para a coleção surgiu durante conversas com a editora. Inclusive, tive grande apoio da Cepe, sobretudo do diretor Ricardo Melo”, ressalta. “Meu pai tocou em vários aspectos da vida cultural. Foi um grande jornalista, ajudou a moldar a imprensa brasileira, a modernizar a educação e, no ramo das artes visuais, mostrou a obra de Vitalino ao Brasil.”
Augusto Rodrigues nasceu no Recife, em uma família composta por jornalistas, escritores e artistas. Deu os primeiros passos no jornalismo com o tabloide Alma Infantil, ao lado do primo Nelson Rodrigues - que se tornaria um dos maiores dramaturgos brasileiros. Aos 16 anos, participou da criação do I Salão de Arte Moderna de Pernambuco. Seu primeiro trabalho profissional com caricatura foi no Diario de Pernambuco, onde fez desenhos que criticavam poderosos. Através do jornal, conseguiu projeção no Sudeste, partindo para o Rio, a então capital federal, aos 21 anos.
Para Antonio, o principal objetivo é apresentar o legado do pai para novas gerações. “Faz anos que o Brasil não leva a cultura muito a sério, então vai ser muito importante para que as pessoas entendam melhor a arte do Brasil, a cultura do Brasil, a cultura popular. A arte precisa ser valorizada hoje”, diz o filho de Augusto, remetendo a uma das citações famosas do pai: “Quando a arte desaparece, a civilização desaparece. Ela é a forma pela qual a cultura se manifesta mais significativamente. Num lugar onde há carência de arte, há carência em todos os sentidos”.
Artista
Como pintor, Rodrigues ficou conhecido pelos desenhos de figuras humanas, sobretudo corpos femininos. Obras desse tipo são a maioria no volume Artista - inclusive na capa -, que também traz bilhetes e cartas que revelam a relação com artistas como Fernanda Montenegro, Cora Coralina e Carlos Drummond de Andrade. Esse último chegou a dedicar um poema a Augusto, intitulado Pintor de mulheres: “Este pintor / Sabe o corpo feminino e seus possíveis / De linha e de volume reinventados”, diz um trecho. Na seara das artes, ele também impactou a elite cultural ao levar a arte do caruaruense Mestre Vitalino para a Exposição de Cerâmica Popular Pernambucana, na Biblioteca Castro Alves, do Instituto Nacional do Livro, no Rio de Janeiro.
Caricaturista
As caricaturas e charges de Augusto Rodrigues figuraram nas páginas de veículos importantes na história do jornalismo brasileiro, como a revista O Cruzeiro, os jornais do grupo Diários Associados, de Assis Chateaubriand, além de O Estado de S. Paulo, Última Hora e outros. Nesse ofício, seu maior legado foi o conjunto de desenhos feitos sobre a Segunda Guerra. “O primeiro lance genial de Augusto foi ver que a humanidade dependia, naquele momento, do que iria acontecer com um homem que, por ventura, era quase uma caricatura viva: Adolf Hitler”, registra José Hamilton Ribeiro, em seu texto de prefácio.
Educador
Integrante de uma geração impactada pela Segunda Guerra, o cessar-fogo fez o jornalista lutar por uma educação libertária, com diálogo e estímulo criativo. Em 1948, ao lado da artista norte-americana Margaret Spencer e da professora Lúcia Alencastro Valentim, funda a primeira Escolinha de Arte do Brasil, que funcionou em um pequeno espaço na Biblioteca Castro Alves, no Rio. Cinco anos depois, é fundada a Escolinha de Arte do Recife, com apoio de Paulo Freire, Francisco Brennand, Hermilo Borba Filho, Lula Cardoso Ayres, entre outros. O livro Educador tem ainda entrevistas concedidas por Augusto a nomes como Rubem Braga, Anísio Teixeira e Aníbal Machado.
Fotógrafo
No volume sobre fotografias, estão registros da relação de Augusto com o Largo do Boticário, um recanto histórico e natural no bairro do Cosme Velho, no Rio, onde viveu até os anos 1950. Foi grande defensor do reduto, que escapou da destruição nos anos 1960 por conta da resistência dos moradores. Maior parte de sua produção fotográfica mostra o cotidiano acolhedor do espaço, composto por casarões no meio da Mata Atlântica. Ele também registrou personagens anônimos e, assim como nas telas, mulheres. “Augusto Rodrigues vivenciou tudo com um pincel numa mão e uma máquina fotográfica na outra”, diz Antônio Carlos Rodrigues. “Suas fotografias têm importância por vários motivos.”
Fonte e crédito fotográfico: Diário de Pernambuco, publicado em 27 de abril de 2020, por Emannuel Bento.
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Obra e legado de Augusto Rodrigues para a educação brasileira
Introdução
Este trabalho tem por objetivo apresentar parte da obra de pensamento do artista e educador brasileiro Augusto Rodrigues (1913-1993), um dos fundadores da Escolinha de Arte do Brasil (EAB). Augusto Rodrigues é uma referência histórica essencial para todos aqueles que trabalham com arte e educação, pois esta área tem se constituído pelo conjunto do que tem sido dito no grupo de todos os enunciados que a têm nomeado. Na medida em que Rodrigues pensou e falou sobre arte-educação, segundo Foucault (1986, p.47), ele contribuiu “para definir aquilo de que fala, de dar-lhe o status de objeto, ou seja, de fazê-lo aparecer, de torná-lo nomeável”.
Para sistematizar seu repertório teórico, o estudo histórico documental, apoiou-se na “análise de conteúdo” (Bardin, 1979) de diferentes fontes primárias e secundárias, como artigos e comunicações de autoria de Rodrigues, inúmeras entrevistas concedidas à mídia entre 1942 e 1992, e seu depoimento, gravado para o Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro em 1967. A releitura de seus princípios possibilitou o encontro de alguns aspectos sinalizados por esse artista educador - como a parceria, a conectividade, a cooperação, a inclusão - que não têm sido salientados na recepção de sua obra, impregnada pela leitura do espontaneísmo, do “deixar fazer”.
O Homem e seu tempo
Nascido no Recife, no dia 21 de novembro de 1913, no seio de uma família economicamente bem situada e tolerante em relação ao livre-pensar, Augusto Rodrigues não se afinou com a instituição escolar. Esta deixou-lhe amargas lembranças, tendo sido expulso daquelas que frequentou. A austeridade escolar se contrapunha, na vida do menino, ao sentimento de liberdade de uma atmosfera familiar saturada de valores estéticos. Rodrigues reconhecia a influência de um estimulante meio familiar que o levou a dedicar-se à arte. Sem formação acadêmica, iniciou-se como ilustrador do jornal Diário de Pernambuco. A falta de oportunidades profissionais do Recife levou o jovem para a cidade do Rio de Janeiro. A família Rodrigues era nome tradicional da imprensa carioca desde a década de 1920 sendo seu tio, Mario Leite Rodrigues, proprietário de jornais como A Manhã e Crítica. Se nas escolas do Maria Emilia Sardelich, professora assistente do Departamento de Educação da Universidade Estadual de Feira de Santana (BA) o menino era sistematicamente convidado a se retirar da sala de aula, no Rio de Janeiro os jornais disputavam seus desenhos e ilustrações.
Além da ilustração, e da intensa atividade como caricaturista, dedicou-se à pintura, com incursões pela fotografia e poesia. Ao longo de seus 79 anos de vida, Rodrigues foi afetado pela força e intolerância do autoritarismo da cultura brasileira, e experimentou a incompletude das transformações e processos sociais abortados. Com humor combateu a intolerância dos tempos totalitários, aos quais sobreviveu, tais como os golpes de 1937 e 1964. Durante o período do Estado Novo (1937-1945), teve atuação marcante com suas charges contra o nazi-fascismo. Enquanto Rodrigues concentrava sua verve na luta contra o nazi-fascismo, o Estado Novo ia desenvolvendo suas ações pedagógicas por meio da Juventude Brasileira, que tinha por objetivo promover o culto à pátria comemorando datas estabelecidas no calendário escolar. A organização da Juventude Brasileira se propunha a formar futuras lideranças alimentadas pelo patriotismo nacionalista (Goulart, 1990). Nessa época as megalômanas concentrações de canto orfeônico, dirigidas pelo maestro Villa-Lobos nos estádios de futebol, adequavam-se bem a esses objetivos. A ditadura de Vargas percebeu a musicalidade do povo brasileiro como um rico filão a ser explorado. Não foi só a música de Villa-Lobos que serviu ao regime para validar suas instituições, cultivar o mito da grandeza do País e conformar a população às suas normas autoritárias. Em seu afã propagandístico, o governo promoveu também a música popular brasileira, incentivou a criação de grupos musicais e festas populares e encomendou letras aos sambistas cariocas, que passaram a cantar o trabalho ao invés da malandragem.Tal como outros regimes totalitários da época, se utilizou da arte e da propaganda para impor suas normas.
Augusto Rodrigues se dava conta de quanto a arte e os meios de comunicação podiam se adequar à doutrinação dessa nova ordem, por isso colaborava com publicações que resistiam ao projeto político-ideológico do Estado Novo, como, a revista Diretrizes, para a qual contribuíam o escritor Jorge Amado e o sanitarista Noel Nutels, dentre outros. Esses anos da ditadura de Vargas foram fundamentais para Rodrigues vivenciar como o poder se ramificava, ininterrupta e constantemente, em todos os domínios da vida social, produzindo as subjetividades e adestrando os gestos.
Com o fim do regime de exceção, o País respirou um novo sopro democrático com a Constituição de 1946. Todavia, Rodrigues compreendia que não bastava a promulgação de uma Lei maior para que os direitos reconhecidos no documento fossem respeitados pelo sistema de poderes estabelecido. Para esse artista e educador um regime democrático não se consolida em um meio social hostil e necessita de instituições que operem em ambientes de 3 hábitos democráticos. Assim, debruçou-se sobre o processo educativo que, na sua concepção, poderia levar o homem a preservar a paz se o mesmo pretendesse a compreensão da condição humana. Foi se afastando da atividade caricatural em função dos inúmeros compromissos que passou a assumir com seu projeto educativo.
A obra e o educador
Rodrigues reconhecia a Exposição dos Desenhos e Pinturas de Crianças Inglesas, promovida pelo Conselho Britânico, em 1941, no Rio de Janeiro, como um dos eventos que deflagraram sua ação educativa. O catálogo dessa exposição contava com uma brilhante apresentação do poeta e crítico de arte inglês Herbert Read, que começara a chamar a atenção para o fato de a arte ocupar, no currículo da escola inglesa, o pior horário e ser dotada com a menor verba. Read recuperava a “racionalidade moral” já presente no discurso dos educadores europeus após o término da Primeira Guerra Mundial. Hernandez (2000) considera a “racionalidade” como o conjunto de argumentos e evidências que justificam a inclusão da arte no currículo escolar e, conforme o autor, não representa necessariamente uma hegemonia, pois diferentes formas de racionalidade podem conviver no mesmo espaço e tempo, sendo que uma pode estar mais consolidada que outra. A racionalidade moral entende que a arte contribui para a educação moral e o cultivo da vida espiritual e emocional. Paralelamente a essa racionalidade moral, gestava-se na Europa, ainda mergulhada no segundo conflito mundial, uma racionalidade expressiva, que sustentava ser a arte essencial para a projeção de emoções e sentimentos que não poderiam ser comunicados de outra forma.
Herbert Read, os franceses Arno Stern e Pierre Duquet e o austríaco Viktor Lowenfeld conduziam um movimento na Europa que pretendia recuperar um modelo mais livre de educação, assim como da própria convivência humana. Por isso, empenhavam-se em demonstrar que a arte estava ideologicamente comprometida com o esforço de preservação da liberdade e da democracia, da verdadeira liberdade, que permitia a auto-expressão artística. Tais estudiosos partiam de um princípio não-intervencionista de ensino de arte, baseado na atitude expressionista, com o principal objetivo de desenvolver a criatividade e a imaginação, através da expressão livre e independente das limitações impostas pelo adulto.
Como artista, Augusto Rodrigues reagira ao totalitarismo do Estado Novo e, com o ímpeto democrático que inspirava o País, identificou-se com a idéia de que as novas gerações fossem educadas na liberdade por meio da arte. Dessa forma contribuiu com a configuração da arte-educação no Brasil ao denunciar as condições da educação de seu tempo, ao se opor a um arbitrário conservadorismo e ao ir de encontro à tendência que privilegiava uma racionalidade, que se pode denominar de “cívica”, presente na escola 4 brasileira da década de 1940. Diferente da racionalidade moral, a racionalidade cívica justifica a inclusão da arte no currículo escolar a fim de cultivar o patriotismo pela veneração dos heróis e feitos de uma história contada, apenas, pela ótica dos vencedores. Rodrigues rompeu com essa racionalidade cívica e também dilatou a “racionalidade moral” enunciada pelos educadores da Escola Nova, imprimindo-lhe um caráter “expressivo e criativo” ao reconhecer os valores estéticos da arte infantil, já apontados por artistas modernistas como Anita Malfatti e Mário de Andrade, desde a década de 1920.
Juntamente com os artistas Napoleão Potiguara Lazzaroto, o Poty, Darel Valença e a pintora norte-americana Margaret Spencer, Augusto Rodrigues deu início à Escolinha de Arte do Brasil, em 1948, no Rio de Janeiro. Compraram tinta, lápis, papel e uns quantos pincéis, para lançarem-se a viver o fruto da inquietação do seu idealizador. A eles reuniramse todos aqueles com o mesmo desejo de educar por meio da arte, e a singela experiência se transformou em um movimento que se expandiu por todo o Brasil.
Ao modo dos mestres
Para Canclini (1984), a originalidade da arte e dos artistas latino-americanos reside na insolência e na liberdade com que tomam daqui e dali aquilo de que necessitam para a realização de seus projetos. Essa insolência e liberdade caracterizam, também, a forma como Augusto Rodrigues se apropriou dos referenciais teóricos para compor o seu próprio repertório educativo. Sem receita nem proposta teórica definida a princípio, sua ação educativa partiu do entendimento de que todo ser humano apresenta uma predisposição à criação, porém em mais de uma ocasião Rodrigues (1979) reconheceu seu débito com Helena Antipoff Anísio Teixeira e Herbert Read.
De Helena Antipoff, não se verifica citação direta sobre o que Rodrigues poderia ter aprendido com ela. A vasta experiência dessa educadora como assistente do psicólogo e pedagogo suiço Edouard Claparède, contagiou o artista na compreensão da atividade educativa como aquela que correspondia a uma função vital do homem. Helena Antipoff propunha o desenvolvimento das aptidões individuais para o interesse comum, dentro de um conceito democrático de vida social, já que nenhuma sociedade progrediria com pessoas de um único tipo, mas sim pela diferenciação das mesmas. Tais princípios influenciaram Rodrigues a ponto de incluir crianças portadoras de necessidades especiais em seu projeto educativo.
Anísio Teixeira foi o outro mestre sempre lembrado por Rodrigues por sua máxima escolanovista do “aprender a aprender”. Teixeira foi o primeiro tradutor de John Dewey no Brasil e divulgador dos princípios do aprender fazendo, da educação como 5 processo e não produto, processo de reconstrução e reconstituição da experiência, que se confunde com a vida. Rodrigues aprendeu a aprender com Anísio Teixeira, já que este incitava Rodrigues a refletir sobre as finalidades de sua ação educativa e seu próprio entendimento de arte em uma sociedade industrial.
A proximidade do pensamento de Rodrigues com o de Herbert Read é mais evidente. O crítico inglês defendia a tese de que a educação através da arte pode conseguir estabelecer uma relação entre ação e sentimento, “inclusive entre a realidade e nossos ideais” (Read,1973,p.293). Tal formação tem por finalidade desenvolver, ao mesmo tempo, a singularidade e a reciprocidade social do indivíduo. A sociedade apresenta-se como uma comunidade de pessoas em busca de equilíbrio, através da ajuda mútua; logo, a educação “deve orientar-se para fomentar o crescimento da célula especializada dentro de um corpo multiforme” (Read,1973,p.30). Partilhando dessa mesma idéia bem como defendendo a noção de disciplina como sendo uma relação receptiva entre educando e educador, Rodrigues propunha aos educadores substituírem a relação de coerção pela de cooperação, infundindo na mente das pessoas a consciência de normas ideais como respaldo de todas as regras.
Além das referências dos mestres que Augusto Rodrigues reconhecia, seu repertório está recheado de máximas que compuseram o intrincado ideário pedagógico brasileiro do século XX, marcado pelo embate entre dois grandes movimentos da história do pensamento pedagógico e da prática educativa: a educação tradicional e a educação nova. Os educadores brasileiros da primeira metade do século XX lançavam mão de idéias diversas: como a do impulso vital do suíço Ferrrière; do método dos projetos centrados em uma atividade prática do norte-americano Kilpatrick; do belga Decroly os projetos dos centros de interesse e dos materiais concretos para o estímulo dos sentidos de Maria Montessori.
Na segunda metade do século, o suíço Jean Piaget foi a grande referência para os educadores brasileiros, que também flertaram com as idéias antiautoritárias do escocês Alexander S. Neill, do psicólogo norte-americano Carl Rogers e do pernambucano Paulo Freire. Ao longo de todo o século XX, a prática educativa brasileira viu-se mais ou menos enredada, a depender do momento, por um desses princípios, sendo que vários deles têm convivido simultaneamente, mesmo que a instituição escolar continue a apresentar, ainda, fortes marcas da educação tradicional. As diferentes propostas pedagógicas acabam traduzindo-se na prática dos professores individualmente, tendo em vista o fato de que as reformas educacionais, sempre anunciadas pelo Estado brasileiro, defrontam-se com um forte conservadorismo, aliado à falta de infra-estrutura de um sistema escolar público, que alcançou 6 uma expansão quantitativa na segunda metade do século XX, mas, até o momento, se ressente da falta de qualidade.
Augusto Rodrigues foi compondo o seu repertório com esses preceitos manifestos na prática educativa brasileira, os quais, de uma forma ou de outra, deslocaram o centro da educação para o educando, para a criança. Cabe aqui observar que Augusto Rodrigues era um artista expressionista. Coelho (2000) entende que o expressionismo resulta da operação pela qual o artista percebe que vive sob um modo fixado de pensar, que o faz pensar segundo determinado padrão. Esse modo de pensar é completamente assimilado, a ponto de parecer natural pensar dessa forma. Consciente desse fato, o artista passa a combater esse modo prefixado de pensar, trata de desaprender o que sabia e só então é capaz de produzir sua obra de um “outro modo”. Neste sentido, percebe-se no educador Augusto Rodrigues um “outro modo” de fazer e pensar a relação pedagógica, já que não pesquisou a criança com o intuito de melhor conhecê-la, mas pesquisou com a criança compartilhando as experiências de adultos e crianças na busca de melhor compreender a experiência humana.
No espaço em aberto que foi a Escolinha de Arte em seu início, Rodrigues refletia e começava a perceber que a questão não era apenas liberar a criança através do desenho e da pintura, mas compreendê-la em seu aspecto global: na relação educador e educando, importava a observação do comportamento de ambos, o estímulo e os meios para que, através do fazer, ambos chegassem a um comportamento mais criativo e harmonioso. Em seu fazer arte com a criança, foi tratando de conhecer, compreender a expressão infantil, o modo como desenhava, pensava e sentia esse fazer. Afirmou que o “diálogo com a criança era fundamental e quanto mais rico fosse esse diálogo, quanto mais professores e coisas para dialogar, melhor” (Rodrigues, 1978, p. 287).
O caricaturista Augusto Rodrigues, hábil em reconhecer dentre todos os ângulos e gestos de uma personalidade aquele capaz de revelar-lhe a natureza como nenhum outro, era um educador atento à peculiaridade, àquilo que é capaz de diferenciar uma pessoa de todas as demais. Propunha que o educador deveria buscar o que torna as pessoas diferentes e não o que é comum a todas. Identificou a criança como um ser com vontade própria, diferente do adulto, com oportunidade de aprender, de descobrir a si mesma, seus interesses, obsessões, necessidades e capacidades dentro de seu próprio tempo, não configurado pelos aspectos coercitivos da realidade. Reconhecer esse tempo próprio da experiência infantil levou Rodrigues a não querer medir, em uma relação linear, do tipo causa-efeito, os resultados que obtinha com as crianças na Escolinha, atitude que nem sempre foi compreendida por seus contemporâneos.
A proposta de Rodrigues passou a ser confundida, no Brasil do final da década de 1970, com o espontaneísmo. A simplificação de seu pensamento levou a uma interpretação de que a oportunidade da criança descobrir a si mesma se referisse a algo que brotasse naturalmente do seu interior, como se a criança fosse completamente desembaraçada da participação de todos os outros com quem interage. Se Rodrigues propusesse o laisser-faire, laisser-aller, como muitas vezes assim tem sido interpretado, não insistiria no fato de que o professor deve saber o que é estar ao lado e oferecer estímulo para que se desenvolva o processo dinâmico, não se oporia a uma escola “que pede pouco, que não valoriza as capacidades criativas, pois ninguém consegue operacionalizá-las sem que haja oportunidades, estímulos à ação” (Rodrigues, 1973b, p. 6).
Se seu projeto tivesse por finalidade o “deixar fazer”, não persistiria na formação de professores. Até antes da criação dos cursos de Licenciatura em Educação Artística, em 1973, o Curso Intensivo de Arte na Educação, oferecido pela Escolinha de Arte do Brasil, era o único destinado a professores em educação através da arte. Para Rodrigues, o professor deve compreender as diferentes maneiras de ver, pois, para que este profissional possa formular seus próprios problemas, deve ter consciência dos conflitos, inconsistências e incongruências inerentes à sua própria percepção.
Na década de 1980, um grupo de artistas e educadores envolvidos com a questão do ensino da arte juntou-se àqueles que se voltaram para o estudo da História da Educação no Brasil, debruçando-se sobre a Escola Nova. Nessa época construiu-se uma argumentação segundo a qual a Escola Nova preocupara-se apenas com as inovações metodológicas do processo de ensino e aprendizagem - negligenciando o conteúdo que deveria ser ensinado - o que teria confundido os professores, levando-os a se perderem diante de tantos meios e técnicas diferenciadas. No ambiente educacional tratava-se de desmistificar o otimismo pedagógico, ao se afirmar que toda educação é política e se constitui segundo os sistemas de educação implantados pelos Estados modernos, num processo pelo qual as classes dominantes preparam a mentalidade, a ideologia, a conduta das crianças, para que reproduzam a mesma sociedade e não para transformá-la (Gadotti,1993). No campo da educação, a reflexão histórico-filosófica, de extração marxista, sobre o escolanovismo caminhou no sentido da “história tribunal”. Essa atitude acabou engendrando uma interpretação maniqueísta daquele movimento renovador. No entendimento da facção católica da década de 1930, tal grupo era tido como ameaça comunista, por suas idéias socializantes, e viu-se transformado, nos anos 1980, em sonegador das condições de escolarização das camadas populares (Brandão, 1998).
Todas as tendências alicerçadas na atividade e interesse do educando se viram eclipsadas pelas críticas marxistas às propostas humanistas e pela voga de pedagogias mais centradas na importância do conteúdo que se ensina. A valorização do processo vivido pelo educando em atividade passou a ser entendida como um princípio conservador, que não estimulava a visão crítica. O objetivo da educação através da arte, o qual era desenvolver a criatividade e a imaginação pela livre expressão, começou a ser substituído pelo da aprendizagem conceitual da estética, história e crítica, além das atividades de criação. Augusto Rodrigues insistia na importância do processo de descoberta vivido pela criança e entendia sua própria experiência como sendo um desdobramento da abertura criada pelos renovadores.
O legado para a educação brasileira
Rodrigues foi um homem de ação, um realizador: “As idéias, em educação, só têm sentido se saem da pura elaboração teórica para as realizações” (Rodrigues,1973a, p. 255). Se entendermos a filosofia como um exercício de compreensão do mundo que norteia a vida, que dirige nossas ações, podemos apontar Rodrigues como um filósofo da arte-educação brasileira. Não um filósofo consagrado pelo uso da sociedade de discurso. Bruyne (1991) afirma que a sociedade de discurso - formada pelo conjunto dos pesquisadores, teorias, rituais e normas das instiuições acadêmicas e científicas - possibilita o espaço crítico de controle mútuo, de elaboração intersubjetiva que garante a objetividade científica, porém apresenta aspectos nefastos como o conservadorismo, dogmatismo e nepotismo. Rodrigues também não foi formado pela instituição escolar, o que lhe inviabilizara qualquer posterior formação acadêmica, como o mesmo reconhecia; portanto não foi treinado para pensar “separando”, não apresentava as características do “pensamento disjuntivo”, essa forma de pensamento que, de acordo com Morin (1996), se impõe em nossa mente desde a infância, se desenvolve na escola, na universidade e se incrusta na especialização. A produção teórica de Rodrigues não apresenta as características valorizadas pela sociedade de discurso, não começou pelo estudo da filosofia da educação ou da arte, mas pela livre investigação com a criança, para melhor compreender a experiência humana da aprendizagem. Sua produção é uma constante atenção ao mundo, ao espaço e tempo vividos na busca dos pequenos detalhes que resultaram de seus múltiplos encontros com os outros, com a arte, com a política, com a filosofia, com a educação.
Rodrigues considerava a educação como a “tarefa mais complexa do homem porque afinal educação é o processo de fazer a nova humanidade” (Rodrigues,1973b, p.5). Com as fortes tonalidades do humanismo, configurou uma abordagem salientando a relação, 9 pois entendia que o desenvolvimento humano, o crescimento, o conhecimento resultam das relações que se estabelecem a partir da confiança e do respeito. Propunha a “formação de um Homem equipado para o convívio amorável - que significa a existência de um espaço coletivo de compreensão maior do amor- a fraternidade entre os povos e para a paz”(Rodrigues,1984, p.2).
Ao modo interacionista, considerava o conhecimento como uma elaboração contínua que envolve a descoberta e a criação em constante diálogo com todas as pessoas e objetos que nos rodeiam. Para Rodrigues, o exercício da arte é tão desafiador e complexo que conduz ao autoconhecimento, desenvolve a capacidade seletiva que permite perceber o mundo de uma maneira mais intensificada a ponto de “preservar o clima espiritual de compreensão entre os homens” (Rodrigues,1971, p.7). Considerava a arte capaz de preservar o clima espiritual de compreensão entre os homens, mas valorizava igualmente a ciência, pois afirmava não ser possível existir ciência sem imaginação e muito menos arte sem conhecimento. Após 20 anos de experiência do fazer artístico com a criança, Rodrigues afirmava, na década de 1960: “É preciso dar à criança do século XX maior oportunidade de convivência e compreensão da máquina. Ela tem de senti-la, compreendê-la. Mais que isso, poder armar, desarmar com suas próprias mãos, para perceber a sua mecânica e também entender a sua função, sentir familiaridade com mais uma maneira de expressar-se de maneira criadora” (Rodrigues, citado por Vinte, 1968, p.55).
Augusto Rodrigues também alertou os educadores para a questão da corporeidade. Maffesoli (1995) define a corporeidade como o ambiente geral no qual os corpos se situam uns em relação aos outros, sejam os corpos pessoais ou metafóricos. Rodrigues propunha o corpo como ponto de partida para o autoconhecimento, o que, conseqüentemente, predisporia ao conhecimento do outro. Ressaltava que a melhor forma de comunicar consiste em aproximar-se desse outro pelo que seja mais familiar e próximo de ambos, ou seja, o corpo, que está sempre presente, que engendra comunicação, que ocupa o espaço, que é visto. Rodrigues reconhecia a necessidade de expressão da dinâmica criativa corpo-mente para o processo de aprendizagem, o corpo como referência fundante de toda aprendizagem. Para tanto recomendava uma pedagogia plástica, que não se desencontrasse da alegria de viver. Insistia na preservação do entusiasmo, da alegria, do prazer que tem o poder de redobrar as emoções puramente intelectuais, trazendo-lhes o reforço de uma exaltação quase física.
Enfatizava uma solidariedade social que não seria definida apenas pelo aspecto racional, contratual, mas que se elaboraria a partir de relações amoráveis, de atrações, emoções. Para Rodrigues o um pressupõe a existência do outro, no qual e com o qual somos 10 capazes de reconhecimento. Propunha ainda fomentar a consciência cultural, para que cada pessoa reconhecesse e apreciasse sua cultura, não como uma forma fixa, congelada, mas enriquecida pelo diálogo com outras culturas. Rodrigues celebrava as diferentes manifestações culturais e ambicionava instituições igualmente abertas. Sensível às variações ambientais, finalizava sua obra alertando para as pequenas questões do cotidiano, em uma mistura orgânica de elementos arcaicos, como a comunidade, a cultura local e a atenção à natureza, e ao prazer, tanto quanto ao aspecto comunicacional do avanço tecnológico
Fonte: Sociedade Brasileira de História e Educação, por Maria Emilia Sardelich em Universidade Estadual de Feira de Santana (BA)
Augusto Rodrigues (Recife, Pernambuco, 1913 — Resende, Rio de Janeiro, 9 de abril de 1993) foi um educador, pintor, desenhista, gravador, ilustrador, caricaturista, fotógrafo e poeta brasileiro.
Biografia - Itaú Cultural
Trabalha no ateliê de Percy Lau (1903-1972) e, em 1933, realiza sua primeira exposição individual, no Recife. Nesse ano, inicia sua atividade como ilustrador e caricaturista no Diário de Pernambuco. Ao lado de Guignard (1896-1962), Candido Portinari (1903-1962), e outros, expõe, em 1934, na Associação dos Artistas Brasileiros, no Rio de Janeiro. Em 1935, transfere-se para essa cidade e logo se torna colaborador de jornais e de revistas como O Estado de S. Paulo e O Cruzeiro. Participa da fundação e do planejamento dos jornais Folha Carioca, Diretrizes e Última Hora. Em 1942, realiza exposição individual, com cerca de 100 desenhos, no Museu Nacional de Belas Artes (MNBA). Com a colaboração de Lúcia Alencastro (1921-1996), Oswaldo Goeldi (1895-1961), Vera Tormenta (1930), Fernando Pamplona e Humberto Branco, funda a Escolinha de Arte do Brasil, em 1948. Em 1953, participa da 2ª Bienal Internacional de São Paulo e, com Geza Heller (1902-1992) e Marcelo Grassmann (1925), expõe na Petite Galerie e, no 2º Salão Nacional de Arte Moderna, em que obtém o prêmio de viagem ao exterior, na categoria desenho. Em 1971, integra a mostra Panorama do Desenho Brasileiro, organizada pelo Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM/SP), e edita seu primeiro livro de poesia, 27 Poemas. O segundo, A Fé entre os Desencantos, é publicado em 1980. Em 1989, lança Largo do Boticário - Em Preto e Branco, com 80 fotografias tiradas no decorrer dos anos.
Análise
Nas diversas atividades artísticas de Augusto Rodrigues, pode-se apontar como característica comum a permanente preocupação com a função da arte. Defende ser esta a forma pela qual a cultura se manifesta mais significativamente, daí a importância de difundi-la.
A criação da Escolinha de Arte do Brasil - primeira do gênero no país - é um exemplo do empenho de Rodrigues em renovar os métodos da educação artística para crianças e adultos. Com base nas idéias do historiador e crítico de arte Herbert Read (1893 - 1968), procura incluir, no processo de ensino, pesquisas poéticas que estimulem a criança a desenvolver sua própria singularidade. Essa iniciativa torna-se importante referência para o desenvolvimento da arte-educação no Brasil.
Rodrigues traz para seus trabalhos a liberdade dos traços que buscam integrar pintura e desenho, evitando o virtuosismo da linha ou das questões cromáticas. Entre seus temas, a mulher é personagem constante. É significativa também a presença de elementos ligados à cultura popular pernambucana, como o frevo e a dança de roda. Suas pinceladas são determinadas pelo próprio movimento, e não apenas pela forma e pela composição, de modo a criar as diversas direções e intensidades rítmicas.
A influência do cinema está em algumas pinturas, como mostra o tratamento dado a Carlitos, personagem de Charles Chaplin (1889 - 1977). Rodrigues amplia as possibilidades de sentido de suas obras ao apropriar-se de elementos cotidianos como anúncios, textos de jornais, fotografias de objetos, material impresso em offset, incorporados em seus trabalhos.
Fonte: AUGUSTO Rodrigues. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2020. Disponível em: <>. Acesso em: 10 de Jun. 2020. Verbete da Enciclopédia. ISBN: 978-85-7979-060-7
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Biografia - Wikipédia
Foi o pioneiro na criação das escolinhas de arte para crianças no Brasil. Augusto Rodrigues nasceu em 21 de Dezembro de 1913, no Recife (PE). Trabalhou no ateliê de Percy Lau. Em 1933, realizou sua primeira exposição individual. No mesmo ano, iniciou sua atividade como ilustrador e caricaturista no Diario de Pernambuco. Ao lado de Guignard e Portinari expos, em 1934, na Associação dos Artistas Brasileiros, no Rio de Janeiro. Em 1935 mudou-se para o Rio de Janeiro e tornou-se colaborador de jornais e de revistas como “O Estado de S. Paulo” e “O Cruzeiro”. Participou da fundação e do planejamento dos jornais “Folha Carioca”, “Diretrizes” e “Última Hora”. Com a colaboração de Lúcia Alencastro, Oswaldo Goeldi, Vera Tormenta, Fernando Pamplona e Humberto Branco, fundou a Escolinha de Arte do Brasil, em 1948. Em 1971 editou seu primeiro livro de poesia, “27 Poemas”. O segundo livro, “A fé entre os Desencantos”, foi publicado em 1980. Em 1989, lançou “Largo do Boticário – Em Preto e Branco”, composto por 80 fotografias tiradas no decorrer de vários anos.
Morreu aos 79 anos, de parada cardíaca e insuficiência respiratória, na Santa Casa de Resende (RJ). Foi enterrado no Cemitério de São João Batista, no bairro de Botafogo, na capital fluminense.
Exposições individuais
Augusto Rodrigues (1942: Rio de Janeiro, RJ)
Exposições coletivas
Exposição de Arte Brasileira (1943 : Londres, Reino Unido)
Exposição de Arte Moderna (1944 : Belo Horizonte, MG)
Salão Nacional de Belas Artes (50. : 1944 : Rio de Janeiro, RJ)
Exhibition of Modern Brazilian Paintings (1944 : Londres, Reino Unido)
Exhibition of Modern Brazilian Paintings (1944 : Norwich, Reino Unido)
Artistas Plásticos do Partido Comunista (1945 : Rio de Janeiro, RJ)
Exhibition of Modern Brazilian Paintings (1945 : Edimburgo, Reino Unido)
Exhibition of Modern Brazilian Paintings (1945 : Glasgow, Reino Unido)
Exhibition of Modern Brazilian Paintings (1945 : Bath, Reino Unido)
Exhibition of Modern Brazilian Paintings (1945 : Bristol, Reino Unido)
Exhibition of Modern Brazilian Paintings (1945 : Manchester, Reino Unido)
Bienal Internacional de São Paulo (2. : 1953 : São Paulo, SP)
Fonte: Wikipédia, consultado pela última vez em 10 de junho de 2020.
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Augusto Rodrigues: um educador com arte
"Detesto a escola repressiva... eu tinha também a minha vida fora da escola, e muito plena. A vida onde havia o devaneio, a exploração do rio, a natureza, os jogos onde a fantasia estava muito presente." (Augusto Rodrigues)
Augusto Rodrigues nasceu em Recife/PE, em 1913. Pintor, desenhista, gravador, ilustrador, caricaturista e poeta, trabalhou no ateliê de Percy Lau e realizou sua primeira exposição individual em 1933, ainda em Recife. Dentre seus trabalhos os ligados ao desenho são os de maior repercussão nas artes, mas em qualquer de seus trabalhos existia lirismo, sensibilidade cromática, concisão formal e beleza do desenho.
Em 1935 mudou-se para o Rio de Janeiro onde começou a aparecer nos jornais como ilustrador e realizou uma das suas maiores obras: em 1948 ele fundou a Escolinha de Arte do Brasil (EAB), na Biblioteca Castro Alves. A escola tinha como característica a diferença das consideradas "normais" e era frequentada por crianças, as especiais principalmente, que podiam desenhar em grandes papéis, cantar, desafinar, colher flores no jardim e brincar, acima de tudo, e muito!
Essa noção moderna de escola foi baseada por Augusto Rodrigues na sua própria infância - quando criança não se deu muito bem nas escolas, não por não ser inteligente, mas porque desde muito cedo possuía alma de artista e percebia as coisas de modo divergente, não se adaptava às normas e ao excesso de regras das escolas convencionais. Ele dizia: "No fundo, eu me formei na rua, em contato com as pessoas, evidentemente passando por uma escola. A minha primeira escola foi uma experiência muito triste porque não só eu me via impossibilitado de me movimentar, de falar, de viver, como também olhava as outras crianças impedidas igualmente de se expressarem. A escola era sombria, era triste, a professora também era sombria, e eu sentia uma preocupação, uma tensão dessa professora de imprimir nas crianças coisas que não tinham nenhum sentido para elas. Nós teríamos que aprender o que interessava a ela ensinar e teríamos que abdicar aquilo que era fundamental para nós, que era brincar".
Vários prêmios e uma carreira muito bem sucedida
Em 1953 recebeu um prêmio por seus trabalhos apresentados no Salão Brasileiro de Arte Moderna e com o dinheiro pode viajar pelos países europeus durante o período de 1955 e 1956, quando teve contato com arte europeia de grande valia para a expansão da sua expressão. E em 1960, fundou e tornou-se o primeiro presidente da Associação dos Artistas Plásticos Contemporâneos (Arco).
Na década de 1980, escreveu seu primeiro livro "A Fé entre os Desencantos". Ainda nesta década recebeu vários prêmios bem significativos para sua carreira: Medalha Anchieta, da Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro (1982); Medalha do Mérito da Fundação Joaquim Nabuco de Pesquisa Social de Pernambuco (1982); Medalha Pernambucana do Mérito, Classe Ouro, do governo do Estado de Pernambuco (1986) e o título de Doutor Honoris Causa, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (1988).
Ainda na década de 1980 participou da fundação do Museu do Desenho e Gravura, de Itajaí (SC), doando seu acervo de gravuras e desenhos de artistas e estrangeiros. Em 1982, em Florianópolis (SC), participou da organização da Oficina de Desenho e Gravura do Museu de Florianópolis que recebeu o nome Atelier Livre de Gravura Augusto Rodrigues.
Na década de 1990, no pouco tempo em que esteve vivo - morreu em 1993 -, foi eleito Presidente de Honra do Colloque Homme, Santé, Tropique, da Universidade de Poitiers (1990); foi lançado em Recife (PE) o livro com sua biografia: Augusto Rodrigues: o Artista e a Arte, Poeticamente, de Rosza W. Vel. Zoladz, da Editora Civilização Brasileira, na Escolinha de Arte do Recife (1991); foi homenageado no 6º Congresso Nacional da Federação de Arte-Educação do Brasil (Confaeb), na Universidade Federal e na Universidade Católica de Pernambuco (1993); e a ele foi entregue a Medalha Comemorativa Augusto Rodrigues na Casa Rui Barbosa, no Rio de Janeiro.
EAB fez a diferença na carreira do educador
Na criação da Sociedade Pestalozzi - uma escola para educação de crianças especiais - a contribuição de Augusto se deu quando se tornou professor de crianças e adultos. Principalmente com as crianças aprendeu que a atividade artística poderia ser motivo de estudo, registro e debates. Dona Helena, criadora da Sociedade, acreditava que a arte, como expressão livre e criadora, era o meio de educação por excelência, e que o artista tinha um papel fundamental na educação - maior do que os pedagogos e psicólogos. Por isso convidou Augusto Rodrigues para lecionar na escola.
Já uma das maiores criações de Augusto Rodrigues foi feita nos anos de 1970, juntamente com a gaúcha Lúcia Alencastro Valentim e a escultora norte-americana Margareth Spencer - a Escolinha de Arte do Brasil (EAB). A criação desta escola, fora do modelo oficial, há muito habitava os sonhos de Augusto. Logo cedo desejou fazer arte e, certa vez, conta ele que tentando vender uma assinatura de jornal ao psiquiatra Ulisses Pernambuco travou o seguinte diálogo: "Ele me perguntou se eu ia à escola, eu respondi que não (...) O que você gosta de fazer? Eu disse que gostava de fazer arte e ele respondeu: Muito bem, faça arte. Você tem que fazer aquilo que gosta para não ficar à margem da profissão".
A EAB, hoje espalhada por vários pontos do país, oferece à criança uma proposta diferente com a oportunidade para atividades de criação artística. Representa, no Brasil, alguma coisa que se poderia considerar óbvia, e que, entretanto, é, no gênero, talvez, o que mais significativo se faz entre nós no campo da educação infantil.
Ele mesmo definiu, como ninguém a EAB: "Na imensa aridez da paisagem das escolas nacionais, paisagem que lembra aspectos de nossos desertos, as escolinhas de arte são oásis de sombra e luz. Em que as crianças se encontram consigo mesmo e com a alegria de viver, tão 'deliberadamente' banida das 'escolas' convencionais de 'retalhos de informação', secos e duros como a vegetação habitual das zonas áridas. Mas não é somente a escolinha de arte uma inovação pedagógica. É também inovação do próprio conceito de arte, pois esta já não é a atividade especial das criaturas excepcionais, mas atividades inerentes ao senso humano da vida, que, felizmente, ainda se pode encontrar nas crianças que não foram completamente deformadas pelos condicionamentos inevitáveis da instrução morta e fragmentada das escolas convencionais. É essa a grande motivação das escolinhas de arte - dar às crianças oportunidade para a mais educativa das atividades, a atividade da criação artística".
Fica então muito bem circunscrita a contribuição de Augusto Rodrigues para a Arte/Educação brasileira - o seu conhecimento espalhou e estimulou em todo território nacional a necessidade de inclusão da Arte na educação escolar, chegando a confundir sua história com a EAB. Por isto e pela modernidade na educação ele merece o respeitado e admiração como grande Educador que foi.
Fonte: Educação Pública.gov, publicado em 2009 por Mara Lúcia Martins.
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Obra de Augusto Rodrigues ganha coleção de quatro volumes da Cepe
Augusto Rodrigues foi um pernambucano célebre. Ele viveu entre 1913 e 1993 e deixou um legado múltiplo que abrange o campo das artes, da educação e do jornalismo. Menos conhecido pelas novas gerações, o recifense atuou como caricaturista, desenhista, ilustrador, pintor, educador, fotógrafo, jornalista e poeta. Foi o principal caricaturista brasileiro na Segunda Guerra Mundial, tendo como principal personagem o ditador nazista Adolf Hitler. Mais tarde, militou pela presença das artes no ensino público e idealizou o projeto Escolinha de Arte do Brasil, com cerca de 150 de unidades no Brasil e na América Latina.
São alguns dos tópicos da trajetória, agora registrada em coleção lançada hoje pela Companhia Editora de Pernambuco (Cepe). A organização ficou por conta de Antonio Carlos Rodrigues, filho de Augusto. São quatro volumes, separados pelas diferentes facetas: Caricaturista (248 páginas), Educador (112), Fotógrafo (152) e Artista (184). Os livros podem ser adquiridos separadamente ou em box, no site cepe.com.br/lojacepe.
Editadas com papel machê, as publicações contam com inúmeras imagens sobre a vida e a obra de Rodrigues. Além de pontuações e reflexões do próprio filho, textos de apresentação trazem intelectuais como o jornalista e escritor José Hamilton Ribeiro, o escultor e diretor do Museu Afro Brasil, Emanoel Araújo, o professor Luiz Áquila da Rocha Miranda, entre outros. “Há muitos anos eu venho pesquisando as coisas do meu pai. Eu achava que ele merecia um trabalho desse porte, que mostrasse tudo o que ele fez de uma vez só. É uma pessoa extensa, né?”, diz Antonio Carlos Rodrigues.
“Justamente por isso, não ia caber em um livro só. A ideia para a coleção surgiu durante conversas com a editora. Inclusive, tive grande apoio da Cepe, sobretudo do diretor Ricardo Melo”, ressalta. “Meu pai tocou em vários aspectos da vida cultural. Foi um grande jornalista, ajudou a moldar a imprensa brasileira, a modernizar a educação e, no ramo das artes visuais, mostrou a obra de Vitalino ao Brasil.”
Augusto Rodrigues nasceu no Recife, em uma família composta por jornalistas, escritores e artistas. Deu os primeiros passos no jornalismo com o tabloide Alma Infantil, ao lado do primo Nelson Rodrigues - que se tornaria um dos maiores dramaturgos brasileiros. Aos 16 anos, participou da criação do I Salão de Arte Moderna de Pernambuco. Seu primeiro trabalho profissional com caricatura foi no Diario de Pernambuco, onde fez desenhos que criticavam poderosos. Através do jornal, conseguiu projeção no Sudeste, partindo para o Rio, a então capital federal, aos 21 anos.
Para Antonio, o principal objetivo é apresentar o legado do pai para novas gerações. “Faz anos que o Brasil não leva a cultura muito a sério, então vai ser muito importante para que as pessoas entendam melhor a arte do Brasil, a cultura do Brasil, a cultura popular. A arte precisa ser valorizada hoje”, diz o filho de Augusto, remetendo a uma das citações famosas do pai: “Quando a arte desaparece, a civilização desaparece. Ela é a forma pela qual a cultura se manifesta mais significativamente. Num lugar onde há carência de arte, há carência em todos os sentidos”.
Artista
Como pintor, Rodrigues ficou conhecido pelos desenhos de figuras humanas, sobretudo corpos femininos. Obras desse tipo são a maioria no volume Artista - inclusive na capa -, que também traz bilhetes e cartas que revelam a relação com artistas como Fernanda Montenegro, Cora Coralina e Carlos Drummond de Andrade. Esse último chegou a dedicar um poema a Augusto, intitulado Pintor de mulheres: “Este pintor / Sabe o corpo feminino e seus possíveis / De linha e de volume reinventados”, diz um trecho. Na seara das artes, ele também impactou a elite cultural ao levar a arte do caruaruense Mestre Vitalino para a Exposição de Cerâmica Popular Pernambucana, na Biblioteca Castro Alves, do Instituto Nacional do Livro, no Rio de Janeiro.
Caricaturista
As caricaturas e charges de Augusto Rodrigues figuraram nas páginas de veículos importantes na história do jornalismo brasileiro, como a revista O Cruzeiro, os jornais do grupo Diários Associados, de Assis Chateaubriand, além de O Estado de S. Paulo, Última Hora e outros. Nesse ofício, seu maior legado foi o conjunto de desenhos feitos sobre a Segunda Guerra. “O primeiro lance genial de Augusto foi ver que a humanidade dependia, naquele momento, do que iria acontecer com um homem que, por ventura, era quase uma caricatura viva: Adolf Hitler”, registra José Hamilton Ribeiro, em seu texto de prefácio.
Educador
Integrante de uma geração impactada pela Segunda Guerra, o cessar-fogo fez o jornalista lutar por uma educação libertária, com diálogo e estímulo criativo. Em 1948, ao lado da artista norte-americana Margaret Spencer e da professora Lúcia Alencastro Valentim, funda a primeira Escolinha de Arte do Brasil, que funcionou em um pequeno espaço na Biblioteca Castro Alves, no Rio. Cinco anos depois, é fundada a Escolinha de Arte do Recife, com apoio de Paulo Freire, Francisco Brennand, Hermilo Borba Filho, Lula Cardoso Ayres, entre outros. O livro Educador tem ainda entrevistas concedidas por Augusto a nomes como Rubem Braga, Anísio Teixeira e Aníbal Machado.
Fotógrafo
No volume sobre fotografias, estão registros da relação de Augusto com o Largo do Boticário, um recanto histórico e natural no bairro do Cosme Velho, no Rio, onde viveu até os anos 1950. Foi grande defensor do reduto, que escapou da destruição nos anos 1960 por conta da resistência dos moradores. Maior parte de sua produção fotográfica mostra o cotidiano acolhedor do espaço, composto por casarões no meio da Mata Atlântica. Ele também registrou personagens anônimos e, assim como nas telas, mulheres. “Augusto Rodrigues vivenciou tudo com um pincel numa mão e uma máquina fotográfica na outra”, diz Antônio Carlos Rodrigues. “Suas fotografias têm importância por vários motivos.”
Fonte e crédito fotográfico: Diário de Pernambuco, publicado em 27 de abril de 2020, por Emannuel Bento.
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Obra e legado de Augusto Rodrigues para a educação brasileira
Introdução
Este trabalho tem por objetivo apresentar parte da obra de pensamento do artista e educador brasileiro Augusto Rodrigues (1913-1993), um dos fundadores da Escolinha de Arte do Brasil (EAB). Augusto Rodrigues é uma referência histórica essencial para todos aqueles que trabalham com arte e educação, pois esta área tem se constituído pelo conjunto do que tem sido dito no grupo de todos os enunciados que a têm nomeado. Na medida em que Rodrigues pensou e falou sobre arte-educação, segundo Foucault (1986, p.47), ele contribuiu “para definir aquilo de que fala, de dar-lhe o status de objeto, ou seja, de fazê-lo aparecer, de torná-lo nomeável”.
Para sistematizar seu repertório teórico, o estudo histórico documental, apoiou-se na “análise de conteúdo” (Bardin, 1979) de diferentes fontes primárias e secundárias, como artigos e comunicações de autoria de Rodrigues, inúmeras entrevistas concedidas à mídia entre 1942 e 1992, e seu depoimento, gravado para o Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro em 1967. A releitura de seus princípios possibilitou o encontro de alguns aspectos sinalizados por esse artista educador - como a parceria, a conectividade, a cooperação, a inclusão - que não têm sido salientados na recepção de sua obra, impregnada pela leitura do espontaneísmo, do “deixar fazer”.
O Homem e seu tempo
Nascido no Recife, no dia 21 de novembro de 1913, no seio de uma família economicamente bem situada e tolerante em relação ao livre-pensar, Augusto Rodrigues não se afinou com a instituição escolar. Esta deixou-lhe amargas lembranças, tendo sido expulso daquelas que frequentou. A austeridade escolar se contrapunha, na vida do menino, ao sentimento de liberdade de uma atmosfera familiar saturada de valores estéticos. Rodrigues reconhecia a influência de um estimulante meio familiar que o levou a dedicar-se à arte. Sem formação acadêmica, iniciou-se como ilustrador do jornal Diário de Pernambuco. A falta de oportunidades profissionais do Recife levou o jovem para a cidade do Rio de Janeiro. A família Rodrigues era nome tradicional da imprensa carioca desde a década de 1920 sendo seu tio, Mario Leite Rodrigues, proprietário de jornais como A Manhã e Crítica. Se nas escolas do Maria Emilia Sardelich, professora assistente do Departamento de Educação da Universidade Estadual de Feira de Santana (BA) o menino era sistematicamente convidado a se retirar da sala de aula, no Rio de Janeiro os jornais disputavam seus desenhos e ilustrações.
Além da ilustração, e da intensa atividade como caricaturista, dedicou-se à pintura, com incursões pela fotografia e poesia. Ao longo de seus 79 anos de vida, Rodrigues foi afetado pela força e intolerância do autoritarismo da cultura brasileira, e experimentou a incompletude das transformações e processos sociais abortados. Com humor combateu a intolerância dos tempos totalitários, aos quais sobreviveu, tais como os golpes de 1937 e 1964. Durante o período do Estado Novo (1937-1945), teve atuação marcante com suas charges contra o nazi-fascismo. Enquanto Rodrigues concentrava sua verve na luta contra o nazi-fascismo, o Estado Novo ia desenvolvendo suas ações pedagógicas por meio da Juventude Brasileira, que tinha por objetivo promover o culto à pátria comemorando datas estabelecidas no calendário escolar. A organização da Juventude Brasileira se propunha a formar futuras lideranças alimentadas pelo patriotismo nacionalista (Goulart, 1990). Nessa época as megalômanas concentrações de canto orfeônico, dirigidas pelo maestro Villa-Lobos nos estádios de futebol, adequavam-se bem a esses objetivos. A ditadura de Vargas percebeu a musicalidade do povo brasileiro como um rico filão a ser explorado. Não foi só a música de Villa-Lobos que serviu ao regime para validar suas instituições, cultivar o mito da grandeza do País e conformar a população às suas normas autoritárias. Em seu afã propagandístico, o governo promoveu também a música popular brasileira, incentivou a criação de grupos musicais e festas populares e encomendou letras aos sambistas cariocas, que passaram a cantar o trabalho ao invés da malandragem.Tal como outros regimes totalitários da época, se utilizou da arte e da propaganda para impor suas normas.
Augusto Rodrigues se dava conta de quanto a arte e os meios de comunicação podiam se adequar à doutrinação dessa nova ordem, por isso colaborava com publicações que resistiam ao projeto político-ideológico do Estado Novo, como, a revista Diretrizes, para a qual contribuíam o escritor Jorge Amado e o sanitarista Noel Nutels, dentre outros. Esses anos da ditadura de Vargas foram fundamentais para Rodrigues vivenciar como o poder se ramificava, ininterrupta e constantemente, em todos os domínios da vida social, produzindo as subjetividades e adestrando os gestos.
Com o fim do regime de exceção, o País respirou um novo sopro democrático com a Constituição de 1946. Todavia, Rodrigues compreendia que não bastava a promulgação de uma Lei maior para que os direitos reconhecidos no documento fossem respeitados pelo sistema de poderes estabelecido. Para esse artista e educador um regime democrático não se consolida em um meio social hostil e necessita de instituições que operem em ambientes de 3 hábitos democráticos. Assim, debruçou-se sobre o processo educativo que, na sua concepção, poderia levar o homem a preservar a paz se o mesmo pretendesse a compreensão da condição humana. Foi se afastando da atividade caricatural em função dos inúmeros compromissos que passou a assumir com seu projeto educativo.
A obra e o educador
Rodrigues reconhecia a Exposição dos Desenhos e Pinturas de Crianças Inglesas, promovida pelo Conselho Britânico, em 1941, no Rio de Janeiro, como um dos eventos que deflagraram sua ação educativa. O catálogo dessa exposição contava com uma brilhante apresentação do poeta e crítico de arte inglês Herbert Read, que começara a chamar a atenção para o fato de a arte ocupar, no currículo da escola inglesa, o pior horário e ser dotada com a menor verba. Read recuperava a “racionalidade moral” já presente no discurso dos educadores europeus após o término da Primeira Guerra Mundial. Hernandez (2000) considera a “racionalidade” como o conjunto de argumentos e evidências que justificam a inclusão da arte no currículo escolar e, conforme o autor, não representa necessariamente uma hegemonia, pois diferentes formas de racionalidade podem conviver no mesmo espaço e tempo, sendo que uma pode estar mais consolidada que outra. A racionalidade moral entende que a arte contribui para a educação moral e o cultivo da vida espiritual e emocional. Paralelamente a essa racionalidade moral, gestava-se na Europa, ainda mergulhada no segundo conflito mundial, uma racionalidade expressiva, que sustentava ser a arte essencial para a projeção de emoções e sentimentos que não poderiam ser comunicados de outra forma.
Herbert Read, os franceses Arno Stern e Pierre Duquet e o austríaco Viktor Lowenfeld conduziam um movimento na Europa que pretendia recuperar um modelo mais livre de educação, assim como da própria convivência humana. Por isso, empenhavam-se em demonstrar que a arte estava ideologicamente comprometida com o esforço de preservação da liberdade e da democracia, da verdadeira liberdade, que permitia a auto-expressão artística. Tais estudiosos partiam de um princípio não-intervencionista de ensino de arte, baseado na atitude expressionista, com o principal objetivo de desenvolver a criatividade e a imaginação, através da expressão livre e independente das limitações impostas pelo adulto.
Como artista, Augusto Rodrigues reagira ao totalitarismo do Estado Novo e, com o ímpeto democrático que inspirava o País, identificou-se com a idéia de que as novas gerações fossem educadas na liberdade por meio da arte. Dessa forma contribuiu com a configuração da arte-educação no Brasil ao denunciar as condições da educação de seu tempo, ao se opor a um arbitrário conservadorismo e ao ir de encontro à tendência que privilegiava uma racionalidade, que se pode denominar de “cívica”, presente na escola 4 brasileira da década de 1940. Diferente da racionalidade moral, a racionalidade cívica justifica a inclusão da arte no currículo escolar a fim de cultivar o patriotismo pela veneração dos heróis e feitos de uma história contada, apenas, pela ótica dos vencedores. Rodrigues rompeu com essa racionalidade cívica e também dilatou a “racionalidade moral” enunciada pelos educadores da Escola Nova, imprimindo-lhe um caráter “expressivo e criativo” ao reconhecer os valores estéticos da arte infantil, já apontados por artistas modernistas como Anita Malfatti e Mário de Andrade, desde a década de 1920.
Juntamente com os artistas Napoleão Potiguara Lazzaroto, o Poty, Darel Valença e a pintora norte-americana Margaret Spencer, Augusto Rodrigues deu início à Escolinha de Arte do Brasil, em 1948, no Rio de Janeiro. Compraram tinta, lápis, papel e uns quantos pincéis, para lançarem-se a viver o fruto da inquietação do seu idealizador. A eles reuniramse todos aqueles com o mesmo desejo de educar por meio da arte, e a singela experiência se transformou em um movimento que se expandiu por todo o Brasil.
Ao modo dos mestres
Para Canclini (1984), a originalidade da arte e dos artistas latino-americanos reside na insolência e na liberdade com que tomam daqui e dali aquilo de que necessitam para a realização de seus projetos. Essa insolência e liberdade caracterizam, também, a forma como Augusto Rodrigues se apropriou dos referenciais teóricos para compor o seu próprio repertório educativo. Sem receita nem proposta teórica definida a princípio, sua ação educativa partiu do entendimento de que todo ser humano apresenta uma predisposição à criação, porém em mais de uma ocasião Rodrigues (1979) reconheceu seu débito com Helena Antipoff Anísio Teixeira e Herbert Read.
De Helena Antipoff, não se verifica citação direta sobre o que Rodrigues poderia ter aprendido com ela. A vasta experiência dessa educadora como assistente do psicólogo e pedagogo suiço Edouard Claparède, contagiou o artista na compreensão da atividade educativa como aquela que correspondia a uma função vital do homem. Helena Antipoff propunha o desenvolvimento das aptidões individuais para o interesse comum, dentro de um conceito democrático de vida social, já que nenhuma sociedade progrediria com pessoas de um único tipo, mas sim pela diferenciação das mesmas. Tais princípios influenciaram Rodrigues a ponto de incluir crianças portadoras de necessidades especiais em seu projeto educativo.
Anísio Teixeira foi o outro mestre sempre lembrado por Rodrigues por sua máxima escolanovista do “aprender a aprender”. Teixeira foi o primeiro tradutor de John Dewey no Brasil e divulgador dos princípios do aprender fazendo, da educação como 5 processo e não produto, processo de reconstrução e reconstituição da experiência, que se confunde com a vida. Rodrigues aprendeu a aprender com Anísio Teixeira, já que este incitava Rodrigues a refletir sobre as finalidades de sua ação educativa e seu próprio entendimento de arte em uma sociedade industrial.
A proximidade do pensamento de Rodrigues com o de Herbert Read é mais evidente. O crítico inglês defendia a tese de que a educação através da arte pode conseguir estabelecer uma relação entre ação e sentimento, “inclusive entre a realidade e nossos ideais” (Read,1973,p.293). Tal formação tem por finalidade desenvolver, ao mesmo tempo, a singularidade e a reciprocidade social do indivíduo. A sociedade apresenta-se como uma comunidade de pessoas em busca de equilíbrio, através da ajuda mútua; logo, a educação “deve orientar-se para fomentar o crescimento da célula especializada dentro de um corpo multiforme” (Read,1973,p.30). Partilhando dessa mesma idéia bem como defendendo a noção de disciplina como sendo uma relação receptiva entre educando e educador, Rodrigues propunha aos educadores substituírem a relação de coerção pela de cooperação, infundindo na mente das pessoas a consciência de normas ideais como respaldo de todas as regras.
Além das referências dos mestres que Augusto Rodrigues reconhecia, seu repertório está recheado de máximas que compuseram o intrincado ideário pedagógico brasileiro do século XX, marcado pelo embate entre dois grandes movimentos da história do pensamento pedagógico e da prática educativa: a educação tradicional e a educação nova. Os educadores brasileiros da primeira metade do século XX lançavam mão de idéias diversas: como a do impulso vital do suíço Ferrrière; do método dos projetos centrados em uma atividade prática do norte-americano Kilpatrick; do belga Decroly os projetos dos centros de interesse e dos materiais concretos para o estímulo dos sentidos de Maria Montessori.
Na segunda metade do século, o suíço Jean Piaget foi a grande referência para os educadores brasileiros, que também flertaram com as idéias antiautoritárias do escocês Alexander S. Neill, do psicólogo norte-americano Carl Rogers e do pernambucano Paulo Freire. Ao longo de todo o século XX, a prática educativa brasileira viu-se mais ou menos enredada, a depender do momento, por um desses princípios, sendo que vários deles têm convivido simultaneamente, mesmo que a instituição escolar continue a apresentar, ainda, fortes marcas da educação tradicional. As diferentes propostas pedagógicas acabam traduzindo-se na prática dos professores individualmente, tendo em vista o fato de que as reformas educacionais, sempre anunciadas pelo Estado brasileiro, defrontam-se com um forte conservadorismo, aliado à falta de infra-estrutura de um sistema escolar público, que alcançou 6 uma expansão quantitativa na segunda metade do século XX, mas, até o momento, se ressente da falta de qualidade.
Augusto Rodrigues foi compondo o seu repertório com esses preceitos manifestos na prática educativa brasileira, os quais, de uma forma ou de outra, deslocaram o centro da educação para o educando, para a criança. Cabe aqui observar que Augusto Rodrigues era um artista expressionista. Coelho (2000) entende que o expressionismo resulta da operação pela qual o artista percebe que vive sob um modo fixado de pensar, que o faz pensar segundo determinado padrão. Esse modo de pensar é completamente assimilado, a ponto de parecer natural pensar dessa forma. Consciente desse fato, o artista passa a combater esse modo prefixado de pensar, trata de desaprender o que sabia e só então é capaz de produzir sua obra de um “outro modo”. Neste sentido, percebe-se no educador Augusto Rodrigues um “outro modo” de fazer e pensar a relação pedagógica, já que não pesquisou a criança com o intuito de melhor conhecê-la, mas pesquisou com a criança compartilhando as experiências de adultos e crianças na busca de melhor compreender a experiência humana.
No espaço em aberto que foi a Escolinha de Arte em seu início, Rodrigues refletia e começava a perceber que a questão não era apenas liberar a criança através do desenho e da pintura, mas compreendê-la em seu aspecto global: na relação educador e educando, importava a observação do comportamento de ambos, o estímulo e os meios para que, através do fazer, ambos chegassem a um comportamento mais criativo e harmonioso. Em seu fazer arte com a criança, foi tratando de conhecer, compreender a expressão infantil, o modo como desenhava, pensava e sentia esse fazer. Afirmou que o “diálogo com a criança era fundamental e quanto mais rico fosse esse diálogo, quanto mais professores e coisas para dialogar, melhor” (Rodrigues, 1978, p. 287).
O caricaturista Augusto Rodrigues, hábil em reconhecer dentre todos os ângulos e gestos de uma personalidade aquele capaz de revelar-lhe a natureza como nenhum outro, era um educador atento à peculiaridade, àquilo que é capaz de diferenciar uma pessoa de todas as demais. Propunha que o educador deveria buscar o que torna as pessoas diferentes e não o que é comum a todas. Identificou a criança como um ser com vontade própria, diferente do adulto, com oportunidade de aprender, de descobrir a si mesma, seus interesses, obsessões, necessidades e capacidades dentro de seu próprio tempo, não configurado pelos aspectos coercitivos da realidade. Reconhecer esse tempo próprio da experiência infantil levou Rodrigues a não querer medir, em uma relação linear, do tipo causa-efeito, os resultados que obtinha com as crianças na Escolinha, atitude que nem sempre foi compreendida por seus contemporâneos.
A proposta de Rodrigues passou a ser confundida, no Brasil do final da década de 1970, com o espontaneísmo. A simplificação de seu pensamento levou a uma interpretação de que a oportunidade da criança descobrir a si mesma se referisse a algo que brotasse naturalmente do seu interior, como se a criança fosse completamente desembaraçada da participação de todos os outros com quem interage. Se Rodrigues propusesse o laisser-faire, laisser-aller, como muitas vezes assim tem sido interpretado, não insistiria no fato de que o professor deve saber o que é estar ao lado e oferecer estímulo para que se desenvolva o processo dinâmico, não se oporia a uma escola “que pede pouco, que não valoriza as capacidades criativas, pois ninguém consegue operacionalizá-las sem que haja oportunidades, estímulos à ação” (Rodrigues, 1973b, p. 6).
Se seu projeto tivesse por finalidade o “deixar fazer”, não persistiria na formação de professores. Até antes da criação dos cursos de Licenciatura em Educação Artística, em 1973, o Curso Intensivo de Arte na Educação, oferecido pela Escolinha de Arte do Brasil, era o único destinado a professores em educação através da arte. Para Rodrigues, o professor deve compreender as diferentes maneiras de ver, pois, para que este profissional possa formular seus próprios problemas, deve ter consciência dos conflitos, inconsistências e incongruências inerentes à sua própria percepção.
Na década de 1980, um grupo de artistas e educadores envolvidos com a questão do ensino da arte juntou-se àqueles que se voltaram para o estudo da História da Educação no Brasil, debruçando-se sobre a Escola Nova. Nessa época construiu-se uma argumentação segundo a qual a Escola Nova preocupara-se apenas com as inovações metodológicas do processo de ensino e aprendizagem - negligenciando o conteúdo que deveria ser ensinado - o que teria confundido os professores, levando-os a se perderem diante de tantos meios e técnicas diferenciadas. No ambiente educacional tratava-se de desmistificar o otimismo pedagógico, ao se afirmar que toda educação é política e se constitui segundo os sistemas de educação implantados pelos Estados modernos, num processo pelo qual as classes dominantes preparam a mentalidade, a ideologia, a conduta das crianças, para que reproduzam a mesma sociedade e não para transformá-la (Gadotti,1993). No campo da educação, a reflexão histórico-filosófica, de extração marxista, sobre o escolanovismo caminhou no sentido da “história tribunal”. Essa atitude acabou engendrando uma interpretação maniqueísta daquele movimento renovador. No entendimento da facção católica da década de 1930, tal grupo era tido como ameaça comunista, por suas idéias socializantes, e viu-se transformado, nos anos 1980, em sonegador das condições de escolarização das camadas populares (Brandão, 1998).
Todas as tendências alicerçadas na atividade e interesse do educando se viram eclipsadas pelas críticas marxistas às propostas humanistas e pela voga de pedagogias mais centradas na importância do conteúdo que se ensina. A valorização do processo vivido pelo educando em atividade passou a ser entendida como um princípio conservador, que não estimulava a visão crítica. O objetivo da educação através da arte, o qual era desenvolver a criatividade e a imaginação pela livre expressão, começou a ser substituído pelo da aprendizagem conceitual da estética, história e crítica, além das atividades de criação. Augusto Rodrigues insistia na importância do processo de descoberta vivido pela criança e entendia sua própria experiência como sendo um desdobramento da abertura criada pelos renovadores.
O legado para a educação brasileira
Rodrigues foi um homem de ação, um realizador: “As idéias, em educação, só têm sentido se saem da pura elaboração teórica para as realizações” (Rodrigues,1973a, p. 255). Se entendermos a filosofia como um exercício de compreensão do mundo que norteia a vida, que dirige nossas ações, podemos apontar Rodrigues como um filósofo da arte-educação brasileira. Não um filósofo consagrado pelo uso da sociedade de discurso. Bruyne (1991) afirma que a sociedade de discurso - formada pelo conjunto dos pesquisadores, teorias, rituais e normas das instiuições acadêmicas e científicas - possibilita o espaço crítico de controle mútuo, de elaboração intersubjetiva que garante a objetividade científica, porém apresenta aspectos nefastos como o conservadorismo, dogmatismo e nepotismo. Rodrigues também não foi formado pela instituição escolar, o que lhe inviabilizara qualquer posterior formação acadêmica, como o mesmo reconhecia; portanto não foi treinado para pensar “separando”, não apresentava as características do “pensamento disjuntivo”, essa forma de pensamento que, de acordo com Morin (1996), se impõe em nossa mente desde a infância, se desenvolve na escola, na universidade e se incrusta na especialização. A produção teórica de Rodrigues não apresenta as características valorizadas pela sociedade de discurso, não começou pelo estudo da filosofia da educação ou da arte, mas pela livre investigação com a criança, para melhor compreender a experiência humana da aprendizagem. Sua produção é uma constante atenção ao mundo, ao espaço e tempo vividos na busca dos pequenos detalhes que resultaram de seus múltiplos encontros com os outros, com a arte, com a política, com a filosofia, com a educação.
Rodrigues considerava a educação como a “tarefa mais complexa do homem porque afinal educação é o processo de fazer a nova humanidade” (Rodrigues,1973b, p.5). Com as fortes tonalidades do humanismo, configurou uma abordagem salientando a relação, 9 pois entendia que o desenvolvimento humano, o crescimento, o conhecimento resultam das relações que se estabelecem a partir da confiança e do respeito. Propunha a “formação de um Homem equipado para o convívio amorável - que significa a existência de um espaço coletivo de compreensão maior do amor- a fraternidade entre os povos e para a paz”(Rodrigues,1984, p.2).
Ao modo interacionista, considerava o conhecimento como uma elaboração contínua que envolve a descoberta e a criação em constante diálogo com todas as pessoas e objetos que nos rodeiam. Para Rodrigues, o exercício da arte é tão desafiador e complexo que conduz ao autoconhecimento, desenvolve a capacidade seletiva que permite perceber o mundo de uma maneira mais intensificada a ponto de “preservar o clima espiritual de compreensão entre os homens” (Rodrigues,1971, p.7). Considerava a arte capaz de preservar o clima espiritual de compreensão entre os homens, mas valorizava igualmente a ciência, pois afirmava não ser possível existir ciência sem imaginação e muito menos arte sem conhecimento. Após 20 anos de experiência do fazer artístico com a criança, Rodrigues afirmava, na década de 1960: “É preciso dar à criança do século XX maior oportunidade de convivência e compreensão da máquina. Ela tem de senti-la, compreendê-la. Mais que isso, poder armar, desarmar com suas próprias mãos, para perceber a sua mecânica e também entender a sua função, sentir familiaridade com mais uma maneira de expressar-se de maneira criadora” (Rodrigues, citado por Vinte, 1968, p.55).
Augusto Rodrigues também alertou os educadores para a questão da corporeidade. Maffesoli (1995) define a corporeidade como o ambiente geral no qual os corpos se situam uns em relação aos outros, sejam os corpos pessoais ou metafóricos. Rodrigues propunha o corpo como ponto de partida para o autoconhecimento, o que, conseqüentemente, predisporia ao conhecimento do outro. Ressaltava que a melhor forma de comunicar consiste em aproximar-se desse outro pelo que seja mais familiar e próximo de ambos, ou seja, o corpo, que está sempre presente, que engendra comunicação, que ocupa o espaço, que é visto. Rodrigues reconhecia a necessidade de expressão da dinâmica criativa corpo-mente para o processo de aprendizagem, o corpo como referência fundante de toda aprendizagem. Para tanto recomendava uma pedagogia plástica, que não se desencontrasse da alegria de viver. Insistia na preservação do entusiasmo, da alegria, do prazer que tem o poder de redobrar as emoções puramente intelectuais, trazendo-lhes o reforço de uma exaltação quase física.
Enfatizava uma solidariedade social que não seria definida apenas pelo aspecto racional, contratual, mas que se elaboraria a partir de relações amoráveis, de atrações, emoções. Para Rodrigues o um pressupõe a existência do outro, no qual e com o qual somos 10 capazes de reconhecimento. Propunha ainda fomentar a consciência cultural, para que cada pessoa reconhecesse e apreciasse sua cultura, não como uma forma fixa, congelada, mas enriquecida pelo diálogo com outras culturas. Rodrigues celebrava as diferentes manifestações culturais e ambicionava instituições igualmente abertas. Sensível às variações ambientais, finalizava sua obra alertando para as pequenas questões do cotidiano, em uma mistura orgânica de elementos arcaicos, como a comunidade, a cultura local e a atenção à natureza, e ao prazer, tanto quanto ao aspecto comunicacional do avanço tecnológico
Fonte: Sociedade Brasileira de História e Educação, por Maria Emilia Sardelich em Universidade Estadual de Feira de Santana (BA)
Augusto Rodrigues (Recife, Pernambuco, 1913 — Resende, Rio de Janeiro, 9 de abril de 1993) foi um educador, pintor, desenhista, gravador, ilustrador, caricaturista, fotógrafo e poeta brasileiro.
Biografia - Itaú Cultural
Trabalha no ateliê de Percy Lau (1903-1972) e, em 1933, realiza sua primeira exposição individual, no Recife. Nesse ano, inicia sua atividade como ilustrador e caricaturista no Diário de Pernambuco. Ao lado de Guignard (1896-1962), Candido Portinari (1903-1962), e outros, expõe, em 1934, na Associação dos Artistas Brasileiros, no Rio de Janeiro. Em 1935, transfere-se para essa cidade e logo se torna colaborador de jornais e de revistas como O Estado de S. Paulo e O Cruzeiro. Participa da fundação e do planejamento dos jornais Folha Carioca, Diretrizes e Última Hora. Em 1942, realiza exposição individual, com cerca de 100 desenhos, no Museu Nacional de Belas Artes (MNBA). Com a colaboração de Lúcia Alencastro (1921-1996), Oswaldo Goeldi (1895-1961), Vera Tormenta (1930), Fernando Pamplona e Humberto Branco, funda a Escolinha de Arte do Brasil, em 1948. Em 1953, participa da 2ª Bienal Internacional de São Paulo e, com Geza Heller (1902-1992) e Marcelo Grassmann (1925), expõe na Petite Galerie e, no 2º Salão Nacional de Arte Moderna, em que obtém o prêmio de viagem ao exterior, na categoria desenho. Em 1971, integra a mostra Panorama do Desenho Brasileiro, organizada pelo Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM/SP), e edita seu primeiro livro de poesia, 27 Poemas. O segundo, A Fé entre os Desencantos, é publicado em 1980. Em 1989, lança Largo do Boticário - Em Preto e Branco, com 80 fotografias tiradas no decorrer dos anos.
Análise
Nas diversas atividades artísticas de Augusto Rodrigues, pode-se apontar como característica comum a permanente preocupação com a função da arte. Defende ser esta a forma pela qual a cultura se manifesta mais significativamente, daí a importância de difundi-la.
A criação da Escolinha de Arte do Brasil - primeira do gênero no país - é um exemplo do empenho de Rodrigues em renovar os métodos da educação artística para crianças e adultos. Com base nas idéias do historiador e crítico de arte Herbert Read (1893 - 1968), procura incluir, no processo de ensino, pesquisas poéticas que estimulem a criança a desenvolver sua própria singularidade. Essa iniciativa torna-se importante referência para o desenvolvimento da arte-educação no Brasil.
Rodrigues traz para seus trabalhos a liberdade dos traços que buscam integrar pintura e desenho, evitando o virtuosismo da linha ou das questões cromáticas. Entre seus temas, a mulher é personagem constante. É significativa também a presença de elementos ligados à cultura popular pernambucana, como o frevo e a dança de roda. Suas pinceladas são determinadas pelo próprio movimento, e não apenas pela forma e pela composição, de modo a criar as diversas direções e intensidades rítmicas.
A influência do cinema está em algumas pinturas, como mostra o tratamento dado a Carlitos, personagem de Charles Chaplin (1889 - 1977). Rodrigues amplia as possibilidades de sentido de suas obras ao apropriar-se de elementos cotidianos como anúncios, textos de jornais, fotografias de objetos, material impresso em offset, incorporados em seus trabalhos.
Fonte: AUGUSTO Rodrigues. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2020. Disponível em: <>. Acesso em: 10 de Jun. 2020. Verbete da Enciclopédia. ISBN: 978-85-7979-060-7
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Biografia - Wikipédia
Foi o pioneiro na criação das escolinhas de arte para crianças no Brasil. Augusto Rodrigues nasceu em 21 de Dezembro de 1913, no Recife (PE). Trabalhou no ateliê de Percy Lau. Em 1933, realizou sua primeira exposição individual. No mesmo ano, iniciou sua atividade como ilustrador e caricaturista no Diario de Pernambuco. Ao lado de Guignard e Portinari expos, em 1934, na Associação dos Artistas Brasileiros, no Rio de Janeiro. Em 1935 mudou-se para o Rio de Janeiro e tornou-se colaborador de jornais e de revistas como “O Estado de S. Paulo” e “O Cruzeiro”. Participou da fundação e do planejamento dos jornais “Folha Carioca”, “Diretrizes” e “Última Hora”. Com a colaboração de Lúcia Alencastro, Oswaldo Goeldi, Vera Tormenta, Fernando Pamplona e Humberto Branco, fundou a Escolinha de Arte do Brasil, em 1948. Em 1971 editou seu primeiro livro de poesia, “27 Poemas”. O segundo livro, “A fé entre os Desencantos”, foi publicado em 1980. Em 1989, lançou “Largo do Boticário – Em Preto e Branco”, composto por 80 fotografias tiradas no decorrer de vários anos.
Morreu aos 79 anos, de parada cardíaca e insuficiência respiratória, na Santa Casa de Resende (RJ). Foi enterrado no Cemitério de São João Batista, no bairro de Botafogo, na capital fluminense.
Exposições individuais
Augusto Rodrigues (1942: Rio de Janeiro, RJ)
Exposições coletivas
Exposição de Arte Brasileira (1943 : Londres, Reino Unido)
Exposição de Arte Moderna (1944 : Belo Horizonte, MG)
Salão Nacional de Belas Artes (50. : 1944 : Rio de Janeiro, RJ)
Exhibition of Modern Brazilian Paintings (1944 : Londres, Reino Unido)
Exhibition of Modern Brazilian Paintings (1944 : Norwich, Reino Unido)
Artistas Plásticos do Partido Comunista (1945 : Rio de Janeiro, RJ)
Exhibition of Modern Brazilian Paintings (1945 : Edimburgo, Reino Unido)
Exhibition of Modern Brazilian Paintings (1945 : Glasgow, Reino Unido)
Exhibition of Modern Brazilian Paintings (1945 : Bath, Reino Unido)
Exhibition of Modern Brazilian Paintings (1945 : Bristol, Reino Unido)
Exhibition of Modern Brazilian Paintings (1945 : Manchester, Reino Unido)
Bienal Internacional de São Paulo (2. : 1953 : São Paulo, SP)
Fonte: Wikipédia, consultado pela última vez em 10 de junho de 2020.
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Augusto Rodrigues: um educador com arte
"Detesto a escola repressiva... eu tinha também a minha vida fora da escola, e muito plena. A vida onde havia o devaneio, a exploração do rio, a natureza, os jogos onde a fantasia estava muito presente." (Augusto Rodrigues)
Augusto Rodrigues nasceu em Recife/PE, em 1913. Pintor, desenhista, gravador, ilustrador, caricaturista e poeta, trabalhou no ateliê de Percy Lau e realizou sua primeira exposição individual em 1933, ainda em Recife. Dentre seus trabalhos os ligados ao desenho são os de maior repercussão nas artes, mas em qualquer de seus trabalhos existia lirismo, sensibilidade cromática, concisão formal e beleza do desenho.
Em 1935 mudou-se para o Rio de Janeiro onde começou a aparecer nos jornais como ilustrador e realizou uma das suas maiores obras: em 1948 ele fundou a Escolinha de Arte do Brasil (EAB), na Biblioteca Castro Alves. A escola tinha como característica a diferença das consideradas "normais" e era frequentada por crianças, as especiais principalmente, que podiam desenhar em grandes papéis, cantar, desafinar, colher flores no jardim e brincar, acima de tudo, e muito!
Essa noção moderna de escola foi baseada por Augusto Rodrigues na sua própria infância - quando criança não se deu muito bem nas escolas, não por não ser inteligente, mas porque desde muito cedo possuía alma de artista e percebia as coisas de modo divergente, não se adaptava às normas e ao excesso de regras das escolas convencionais. Ele dizia: "No fundo, eu me formei na rua, em contato com as pessoas, evidentemente passando por uma escola. A minha primeira escola foi uma experiência muito triste porque não só eu me via impossibilitado de me movimentar, de falar, de viver, como também olhava as outras crianças impedidas igualmente de se expressarem. A escola era sombria, era triste, a professora também era sombria, e eu sentia uma preocupação, uma tensão dessa professora de imprimir nas crianças coisas que não tinham nenhum sentido para elas. Nós teríamos que aprender o que interessava a ela ensinar e teríamos que abdicar aquilo que era fundamental para nós, que era brincar".
Vários prêmios e uma carreira muito bem sucedida
Em 1953 recebeu um prêmio por seus trabalhos apresentados no Salão Brasileiro de Arte Moderna e com o dinheiro pode viajar pelos países europeus durante o período de 1955 e 1956, quando teve contato com arte europeia de grande valia para a expansão da sua expressão. E em 1960, fundou e tornou-se o primeiro presidente da Associação dos Artistas Plásticos Contemporâneos (Arco).
Na década de 1980, escreveu seu primeiro livro "A Fé entre os Desencantos". Ainda nesta década recebeu vários prêmios bem significativos para sua carreira: Medalha Anchieta, da Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro (1982); Medalha do Mérito da Fundação Joaquim Nabuco de Pesquisa Social de Pernambuco (1982); Medalha Pernambucana do Mérito, Classe Ouro, do governo do Estado de Pernambuco (1986) e o título de Doutor Honoris Causa, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (1988).
Ainda na década de 1980 participou da fundação do Museu do Desenho e Gravura, de Itajaí (SC), doando seu acervo de gravuras e desenhos de artistas e estrangeiros. Em 1982, em Florianópolis (SC), participou da organização da Oficina de Desenho e Gravura do Museu de Florianópolis que recebeu o nome Atelier Livre de Gravura Augusto Rodrigues.
Na década de 1990, no pouco tempo em que esteve vivo - morreu em 1993 -, foi eleito Presidente de Honra do Colloque Homme, Santé, Tropique, da Universidade de Poitiers (1990); foi lançado em Recife (PE) o livro com sua biografia: Augusto Rodrigues: o Artista e a Arte, Poeticamente, de Rosza W. Vel. Zoladz, da Editora Civilização Brasileira, na Escolinha de Arte do Recife (1991); foi homenageado no 6º Congresso Nacional da Federação de Arte-Educação do Brasil (Confaeb), na Universidade Federal e na Universidade Católica de Pernambuco (1993); e a ele foi entregue a Medalha Comemorativa Augusto Rodrigues na Casa Rui Barbosa, no Rio de Janeiro.
EAB fez a diferença na carreira do educador
Na criação da Sociedade Pestalozzi - uma escola para educação de crianças especiais - a contribuição de Augusto se deu quando se tornou professor de crianças e adultos. Principalmente com as crianças aprendeu que a atividade artística poderia ser motivo de estudo, registro e debates. Dona Helena, criadora da Sociedade, acreditava que a arte, como expressão livre e criadora, era o meio de educação por excelência, e que o artista tinha um papel fundamental na educação - maior do que os pedagogos e psicólogos. Por isso convidou Augusto Rodrigues para lecionar na escola.
Já uma das maiores criações de Augusto Rodrigues foi feita nos anos de 1970, juntamente com a gaúcha Lúcia Alencastro Valentim e a escultora norte-americana Margareth Spencer - a Escolinha de Arte do Brasil (EAB). A criação desta escola, fora do modelo oficial, há muito habitava os sonhos de Augusto. Logo cedo desejou fazer arte e, certa vez, conta ele que tentando vender uma assinatura de jornal ao psiquiatra Ulisses Pernambuco travou o seguinte diálogo: "Ele me perguntou se eu ia à escola, eu respondi que não (...) O que você gosta de fazer? Eu disse que gostava de fazer arte e ele respondeu: Muito bem, faça arte. Você tem que fazer aquilo que gosta para não ficar à margem da profissão".
A EAB, hoje espalhada por vários pontos do país, oferece à criança uma proposta diferente com a oportunidade para atividades de criação artística. Representa, no Brasil, alguma coisa que se poderia considerar óbvia, e que, entretanto, é, no gênero, talvez, o que mais significativo se faz entre nós no campo da educação infantil.
Ele mesmo definiu, como ninguém a EAB: "Na imensa aridez da paisagem das escolas nacionais, paisagem que lembra aspectos de nossos desertos, as escolinhas de arte são oásis de sombra e luz. Em que as crianças se encontram consigo mesmo e com a alegria de viver, tão 'deliberadamente' banida das 'escolas' convencionais de 'retalhos de informação', secos e duros como a vegetação habitual das zonas áridas. Mas não é somente a escolinha de arte uma inovação pedagógica. É também inovação do próprio conceito de arte, pois esta já não é a atividade especial das criaturas excepcionais, mas atividades inerentes ao senso humano da vida, que, felizmente, ainda se pode encontrar nas crianças que não foram completamente deformadas pelos condicionamentos inevitáveis da instrução morta e fragmentada das escolas convencionais. É essa a grande motivação das escolinhas de arte - dar às crianças oportunidade para a mais educativa das atividades, a atividade da criação artística".
Fica então muito bem circunscrita a contribuição de Augusto Rodrigues para a Arte/Educação brasileira - o seu conhecimento espalhou e estimulou em todo território nacional a necessidade de inclusão da Arte na educação escolar, chegando a confundir sua história com a EAB. Por isto e pela modernidade na educação ele merece o respeitado e admiração como grande Educador que foi.
Fonte: Educação Pública.gov, publicado em 2009 por Mara Lúcia Martins.
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Obra de Augusto Rodrigues ganha coleção de quatro volumes da Cepe
Augusto Rodrigues foi um pernambucano célebre. Ele viveu entre 1913 e 1993 e deixou um legado múltiplo que abrange o campo das artes, da educação e do jornalismo. Menos conhecido pelas novas gerações, o recifense atuou como caricaturista, desenhista, ilustrador, pintor, educador, fotógrafo, jornalista e poeta. Foi o principal caricaturista brasileiro na Segunda Guerra Mundial, tendo como principal personagem o ditador nazista Adolf Hitler. Mais tarde, militou pela presença das artes no ensino público e idealizou o projeto Escolinha de Arte do Brasil, com cerca de 150 de unidades no Brasil e na América Latina.
São alguns dos tópicos da trajetória, agora registrada em coleção lançada hoje pela Companhia Editora de Pernambuco (Cepe). A organização ficou por conta de Antonio Carlos Rodrigues, filho de Augusto. São quatro volumes, separados pelas diferentes facetas: Caricaturista (248 páginas), Educador (112), Fotógrafo (152) e Artista (184). Os livros podem ser adquiridos separadamente ou em box, no site cepe.com.br/lojacepe.
Editadas com papel machê, as publicações contam com inúmeras imagens sobre a vida e a obra de Rodrigues. Além de pontuações e reflexões do próprio filho, textos de apresentação trazem intelectuais como o jornalista e escritor José Hamilton Ribeiro, o escultor e diretor do Museu Afro Brasil, Emanoel Araújo, o professor Luiz Áquila da Rocha Miranda, entre outros. “Há muitos anos eu venho pesquisando as coisas do meu pai. Eu achava que ele merecia um trabalho desse porte, que mostrasse tudo o que ele fez de uma vez só. É uma pessoa extensa, né?”, diz Antonio Carlos Rodrigues.
“Justamente por isso, não ia caber em um livro só. A ideia para a coleção surgiu durante conversas com a editora. Inclusive, tive grande apoio da Cepe, sobretudo do diretor Ricardo Melo”, ressalta. “Meu pai tocou em vários aspectos da vida cultural. Foi um grande jornalista, ajudou a moldar a imprensa brasileira, a modernizar a educação e, no ramo das artes visuais, mostrou a obra de Vitalino ao Brasil.”
Augusto Rodrigues nasceu no Recife, em uma família composta por jornalistas, escritores e artistas. Deu os primeiros passos no jornalismo com o tabloide Alma Infantil, ao lado do primo Nelson Rodrigues - que se tornaria um dos maiores dramaturgos brasileiros. Aos 16 anos, participou da criação do I Salão de Arte Moderna de Pernambuco. Seu primeiro trabalho profissional com caricatura foi no Diario de Pernambuco, onde fez desenhos que criticavam poderosos. Através do jornal, conseguiu projeção no Sudeste, partindo para o Rio, a então capital federal, aos 21 anos.
Para Antonio, o principal objetivo é apresentar o legado do pai para novas gerações. “Faz anos que o Brasil não leva a cultura muito a sério, então vai ser muito importante para que as pessoas entendam melhor a arte do Brasil, a cultura do Brasil, a cultura popular. A arte precisa ser valorizada hoje”, diz o filho de Augusto, remetendo a uma das citações famosas do pai: “Quando a arte desaparece, a civilização desaparece. Ela é a forma pela qual a cultura se manifesta mais significativamente. Num lugar onde há carência de arte, há carência em todos os sentidos”.
Artista
Como pintor, Rodrigues ficou conhecido pelos desenhos de figuras humanas, sobretudo corpos femininos. Obras desse tipo são a maioria no volume Artista - inclusive na capa -, que também traz bilhetes e cartas que revelam a relação com artistas como Fernanda Montenegro, Cora Coralina e Carlos Drummond de Andrade. Esse último chegou a dedicar um poema a Augusto, intitulado Pintor de mulheres: “Este pintor / Sabe o corpo feminino e seus possíveis / De linha e de volume reinventados”, diz um trecho. Na seara das artes, ele também impactou a elite cultural ao levar a arte do caruaruense Mestre Vitalino para a Exposição de Cerâmica Popular Pernambucana, na Biblioteca Castro Alves, do Instituto Nacional do Livro, no Rio de Janeiro.
Caricaturista
As caricaturas e charges de Augusto Rodrigues figuraram nas páginas de veículos importantes na história do jornalismo brasileiro, como a revista O Cruzeiro, os jornais do grupo Diários Associados, de Assis Chateaubriand, além de O Estado de S. Paulo, Última Hora e outros. Nesse ofício, seu maior legado foi o conjunto de desenhos feitos sobre a Segunda Guerra. “O primeiro lance genial de Augusto foi ver que a humanidade dependia, naquele momento, do que iria acontecer com um homem que, por ventura, era quase uma caricatura viva: Adolf Hitler”, registra José Hamilton Ribeiro, em seu texto de prefácio.
Educador
Integrante de uma geração impactada pela Segunda Guerra, o cessar-fogo fez o jornalista lutar por uma educação libertária, com diálogo e estímulo criativo. Em 1948, ao lado da artista norte-americana Margaret Spencer e da professora Lúcia Alencastro Valentim, funda a primeira Escolinha de Arte do Brasil, que funcionou em um pequeno espaço na Biblioteca Castro Alves, no Rio. Cinco anos depois, é fundada a Escolinha de Arte do Recife, com apoio de Paulo Freire, Francisco Brennand, Hermilo Borba Filho, Lula Cardoso Ayres, entre outros. O livro Educador tem ainda entrevistas concedidas por Augusto a nomes como Rubem Braga, Anísio Teixeira e Aníbal Machado.
Fotógrafo
No volume sobre fotografias, estão registros da relação de Augusto com o Largo do Boticário, um recanto histórico e natural no bairro do Cosme Velho, no Rio, onde viveu até os anos 1950. Foi grande defensor do reduto, que escapou da destruição nos anos 1960 por conta da resistência dos moradores. Maior parte de sua produção fotográfica mostra o cotidiano acolhedor do espaço, composto por casarões no meio da Mata Atlântica. Ele também registrou personagens anônimos e, assim como nas telas, mulheres. “Augusto Rodrigues vivenciou tudo com um pincel numa mão e uma máquina fotográfica na outra”, diz Antônio Carlos Rodrigues. “Suas fotografias têm importância por vários motivos.”
Fonte e crédito fotográfico: Diário de Pernambuco, publicado em 27 de abril de 2020, por Emannuel Bento.
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Obra e legado de Augusto Rodrigues para a educação brasileira
Introdução
Este trabalho tem por objetivo apresentar parte da obra de pensamento do artista e educador brasileiro Augusto Rodrigues (1913-1993), um dos fundadores da Escolinha de Arte do Brasil (EAB). Augusto Rodrigues é uma referência histórica essencial para todos aqueles que trabalham com arte e educação, pois esta área tem se constituído pelo conjunto do que tem sido dito no grupo de todos os enunciados que a têm nomeado. Na medida em que Rodrigues pensou e falou sobre arte-educação, segundo Foucault (1986, p.47), ele contribuiu “para definir aquilo de que fala, de dar-lhe o status de objeto, ou seja, de fazê-lo aparecer, de torná-lo nomeável”.
Para sistematizar seu repertório teórico, o estudo histórico documental, apoiou-se na “análise de conteúdo” (Bardin, 1979) de diferentes fontes primárias e secundárias, como artigos e comunicações de autoria de Rodrigues, inúmeras entrevistas concedidas à mídia entre 1942 e 1992, e seu depoimento, gravado para o Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro em 1967. A releitura de seus princípios possibilitou o encontro de alguns aspectos sinalizados por esse artista educador - como a parceria, a conectividade, a cooperação, a inclusão - que não têm sido salientados na recepção de sua obra, impregnada pela leitura do espontaneísmo, do “deixar fazer”.
O Homem e seu tempo
Nascido no Recife, no dia 21 de novembro de 1913, no seio de uma família economicamente bem situada e tolerante em relação ao livre-pensar, Augusto Rodrigues não se afinou com a instituição escolar. Esta deixou-lhe amargas lembranças, tendo sido expulso daquelas que frequentou. A austeridade escolar se contrapunha, na vida do menino, ao sentimento de liberdade de uma atmosfera familiar saturada de valores estéticos. Rodrigues reconhecia a influência de um estimulante meio familiar que o levou a dedicar-se à arte. Sem formação acadêmica, iniciou-se como ilustrador do jornal Diário de Pernambuco. A falta de oportunidades profissionais do Recife levou o jovem para a cidade do Rio de Janeiro. A família Rodrigues era nome tradicional da imprensa carioca desde a década de 1920 sendo seu tio, Mario Leite Rodrigues, proprietário de jornais como A Manhã e Crítica. Se nas escolas do Maria Emilia Sardelich, professora assistente do Departamento de Educação da Universidade Estadual de Feira de Santana (BA) o menino era sistematicamente convidado a se retirar da sala de aula, no Rio de Janeiro os jornais disputavam seus desenhos e ilustrações.
Além da ilustração, e da intensa atividade como caricaturista, dedicou-se à pintura, com incursões pela fotografia e poesia. Ao longo de seus 79 anos de vida, Rodrigues foi afetado pela força e intolerância do autoritarismo da cultura brasileira, e experimentou a incompletude das transformações e processos sociais abortados. Com humor combateu a intolerância dos tempos totalitários, aos quais sobreviveu, tais como os golpes de 1937 e 1964. Durante o período do Estado Novo (1937-1945), teve atuação marcante com suas charges contra o nazi-fascismo. Enquanto Rodrigues concentrava sua verve na luta contra o nazi-fascismo, o Estado Novo ia desenvolvendo suas ações pedagógicas por meio da Juventude Brasileira, que tinha por objetivo promover o culto à pátria comemorando datas estabelecidas no calendário escolar. A organização da Juventude Brasileira se propunha a formar futuras lideranças alimentadas pelo patriotismo nacionalista (Goulart, 1990). Nessa época as megalômanas concentrações de canto orfeônico, dirigidas pelo maestro Villa-Lobos nos estádios de futebol, adequavam-se bem a esses objetivos. A ditadura de Vargas percebeu a musicalidade do povo brasileiro como um rico filão a ser explorado. Não foi só a música de Villa-Lobos que serviu ao regime para validar suas instituições, cultivar o mito da grandeza do País e conformar a população às suas normas autoritárias. Em seu afã propagandístico, o governo promoveu também a música popular brasileira, incentivou a criação de grupos musicais e festas populares e encomendou letras aos sambistas cariocas, que passaram a cantar o trabalho ao invés da malandragem.Tal como outros regimes totalitários da época, se utilizou da arte e da propaganda para impor suas normas.
Augusto Rodrigues se dava conta de quanto a arte e os meios de comunicação podiam se adequar à doutrinação dessa nova ordem, por isso colaborava com publicações que resistiam ao projeto político-ideológico do Estado Novo, como, a revista Diretrizes, para a qual contribuíam o escritor Jorge Amado e o sanitarista Noel Nutels, dentre outros. Esses anos da ditadura de Vargas foram fundamentais para Rodrigues vivenciar como o poder se ramificava, ininterrupta e constantemente, em todos os domínios da vida social, produzindo as subjetividades e adestrando os gestos.
Com o fim do regime de exceção, o País respirou um novo sopro democrático com a Constituição de 1946. Todavia, Rodrigues compreendia que não bastava a promulgação de uma Lei maior para que os direitos reconhecidos no documento fossem respeitados pelo sistema de poderes estabelecido. Para esse artista e educador um regime democrático não se consolida em um meio social hostil e necessita de instituições que operem em ambientes de 3 hábitos democráticos. Assim, debruçou-se sobre o processo educativo que, na sua concepção, poderia levar o homem a preservar a paz se o mesmo pretendesse a compreensão da condição humana. Foi se afastando da atividade caricatural em função dos inúmeros compromissos que passou a assumir com seu projeto educativo.
A obra e o educador
Rodrigues reconhecia a Exposição dos Desenhos e Pinturas de Crianças Inglesas, promovida pelo Conselho Britânico, em 1941, no Rio de Janeiro, como um dos eventos que deflagraram sua ação educativa. O catálogo dessa exposição contava com uma brilhante apresentação do poeta e crítico de arte inglês Herbert Read, que começara a chamar a atenção para o fato de a arte ocupar, no currículo da escola inglesa, o pior horário e ser dotada com a menor verba. Read recuperava a “racionalidade moral” já presente no discurso dos educadores europeus após o término da Primeira Guerra Mundial. Hernandez (2000) considera a “racionalidade” como o conjunto de argumentos e evidências que justificam a inclusão da arte no currículo escolar e, conforme o autor, não representa necessariamente uma hegemonia, pois diferentes formas de racionalidade podem conviver no mesmo espaço e tempo, sendo que uma pode estar mais consolidada que outra. A racionalidade moral entende que a arte contribui para a educação moral e o cultivo da vida espiritual e emocional. Paralelamente a essa racionalidade moral, gestava-se na Europa, ainda mergulhada no segundo conflito mundial, uma racionalidade expressiva, que sustentava ser a arte essencial para a projeção de emoções e sentimentos que não poderiam ser comunicados de outra forma.
Herbert Read, os franceses Arno Stern e Pierre Duquet e o austríaco Viktor Lowenfeld conduziam um movimento na Europa que pretendia recuperar um modelo mais livre de educação, assim como da própria convivência humana. Por isso, empenhavam-se em demonstrar que a arte estava ideologicamente comprometida com o esforço de preservação da liberdade e da democracia, da verdadeira liberdade, que permitia a auto-expressão artística. Tais estudiosos partiam de um princípio não-intervencionista de ensino de arte, baseado na atitude expressionista, com o principal objetivo de desenvolver a criatividade e a imaginação, através da expressão livre e independente das limitações impostas pelo adulto.
Como artista, Augusto Rodrigues reagira ao totalitarismo do Estado Novo e, com o ímpeto democrático que inspirava o País, identificou-se com a idéia de que as novas gerações fossem educadas na liberdade por meio da arte. Dessa forma contribuiu com a configuração da arte-educação no Brasil ao denunciar as condições da educação de seu tempo, ao se opor a um arbitrário conservadorismo e ao ir de encontro à tendência que privilegiava uma racionalidade, que se pode denominar de “cívica”, presente na escola 4 brasileira da década de 1940. Diferente da racionalidade moral, a racionalidade cívica justifica a inclusão da arte no currículo escolar a fim de cultivar o patriotismo pela veneração dos heróis e feitos de uma história contada, apenas, pela ótica dos vencedores. Rodrigues rompeu com essa racionalidade cívica e também dilatou a “racionalidade moral” enunciada pelos educadores da Escola Nova, imprimindo-lhe um caráter “expressivo e criativo” ao reconhecer os valores estéticos da arte infantil, já apontados por artistas modernistas como Anita Malfatti e Mário de Andrade, desde a década de 1920.
Juntamente com os artistas Napoleão Potiguara Lazzaroto, o Poty, Darel Valença e a pintora norte-americana Margaret Spencer, Augusto Rodrigues deu início à Escolinha de Arte do Brasil, em 1948, no Rio de Janeiro. Compraram tinta, lápis, papel e uns quantos pincéis, para lançarem-se a viver o fruto da inquietação do seu idealizador. A eles reuniramse todos aqueles com o mesmo desejo de educar por meio da arte, e a singela experiência se transformou em um movimento que se expandiu por todo o Brasil.
Ao modo dos mestres
Para Canclini (1984), a originalidade da arte e dos artistas latino-americanos reside na insolência e na liberdade com que tomam daqui e dali aquilo de que necessitam para a realização de seus projetos. Essa insolência e liberdade caracterizam, também, a forma como Augusto Rodrigues se apropriou dos referenciais teóricos para compor o seu próprio repertório educativo. Sem receita nem proposta teórica definida a princípio, sua ação educativa partiu do entendimento de que todo ser humano apresenta uma predisposição à criação, porém em mais de uma ocasião Rodrigues (1979) reconheceu seu débito com Helena Antipoff Anísio Teixeira e Herbert Read.
De Helena Antipoff, não se verifica citação direta sobre o que Rodrigues poderia ter aprendido com ela. A vasta experiência dessa educadora como assistente do psicólogo e pedagogo suiço Edouard Claparède, contagiou o artista na compreensão da atividade educativa como aquela que correspondia a uma função vital do homem. Helena Antipoff propunha o desenvolvimento das aptidões individuais para o interesse comum, dentro de um conceito democrático de vida social, já que nenhuma sociedade progrediria com pessoas de um único tipo, mas sim pela diferenciação das mesmas. Tais princípios influenciaram Rodrigues a ponto de incluir crianças portadoras de necessidades especiais em seu projeto educativo.
Anísio Teixeira foi o outro mestre sempre lembrado por Rodrigues por sua máxima escolanovista do “aprender a aprender”. Teixeira foi o primeiro tradutor de John Dewey no Brasil e divulgador dos princípios do aprender fazendo, da educação como 5 processo e não produto, processo de reconstrução e reconstituição da experiência, que se confunde com a vida. Rodrigues aprendeu a aprender com Anísio Teixeira, já que este incitava Rodrigues a refletir sobre as finalidades de sua ação educativa e seu próprio entendimento de arte em uma sociedade industrial.
A proximidade do pensamento de Rodrigues com o de Herbert Read é mais evidente. O crítico inglês defendia a tese de que a educação através da arte pode conseguir estabelecer uma relação entre ação e sentimento, “inclusive entre a realidade e nossos ideais” (Read,1973,p.293). Tal formação tem por finalidade desenvolver, ao mesmo tempo, a singularidade e a reciprocidade social do indivíduo. A sociedade apresenta-se como uma comunidade de pessoas em busca de equilíbrio, através da ajuda mútua; logo, a educação “deve orientar-se para fomentar o crescimento da célula especializada dentro de um corpo multiforme” (Read,1973,p.30). Partilhando dessa mesma idéia bem como defendendo a noção de disciplina como sendo uma relação receptiva entre educando e educador, Rodrigues propunha aos educadores substituírem a relação de coerção pela de cooperação, infundindo na mente das pessoas a consciência de normas ideais como respaldo de todas as regras.
Além das referências dos mestres que Augusto Rodrigues reconhecia, seu repertório está recheado de máximas que compuseram o intrincado ideário pedagógico brasileiro do século XX, marcado pelo embate entre dois grandes movimentos da história do pensamento pedagógico e da prática educativa: a educação tradicional e a educação nova. Os educadores brasileiros da primeira metade do século XX lançavam mão de idéias diversas: como a do impulso vital do suíço Ferrrière; do método dos projetos centrados em uma atividade prática do norte-americano Kilpatrick; do belga Decroly os projetos dos centros de interesse e dos materiais concretos para o estímulo dos sentidos de Maria Montessori.
Na segunda metade do século, o suíço Jean Piaget foi a grande referência para os educadores brasileiros, que também flertaram com as idéias antiautoritárias do escocês Alexander S. Neill, do psicólogo norte-americano Carl Rogers e do pernambucano Paulo Freire. Ao longo de todo o século XX, a prática educativa brasileira viu-se mais ou menos enredada, a depender do momento, por um desses princípios, sendo que vários deles têm convivido simultaneamente, mesmo que a instituição escolar continue a apresentar, ainda, fortes marcas da educação tradicional. As diferentes propostas pedagógicas acabam traduzindo-se na prática dos professores individualmente, tendo em vista o fato de que as reformas educacionais, sempre anunciadas pelo Estado brasileiro, defrontam-se com um forte conservadorismo, aliado à falta de infra-estrutura de um sistema escolar público, que alcançou 6 uma expansão quantitativa na segunda metade do século XX, mas, até o momento, se ressente da falta de qualidade.
Augusto Rodrigues foi compondo o seu repertório com esses preceitos manifestos na prática educativa brasileira, os quais, de uma forma ou de outra, deslocaram o centro da educação para o educando, para a criança. Cabe aqui observar que Augusto Rodrigues era um artista expressionista. Coelho (2000) entende que o expressionismo resulta da operação pela qual o artista percebe que vive sob um modo fixado de pensar, que o faz pensar segundo determinado padrão. Esse modo de pensar é completamente assimilado, a ponto de parecer natural pensar dessa forma. Consciente desse fato, o artista passa a combater esse modo prefixado de pensar, trata de desaprender o que sabia e só então é capaz de produzir sua obra de um “outro modo”. Neste sentido, percebe-se no educador Augusto Rodrigues um “outro modo” de fazer e pensar a relação pedagógica, já que não pesquisou a criança com o intuito de melhor conhecê-la, mas pesquisou com a criança compartilhando as experiências de adultos e crianças na busca de melhor compreender a experiência humana.
No espaço em aberto que foi a Escolinha de Arte em seu início, Rodrigues refletia e começava a perceber que a questão não era apenas liberar a criança através do desenho e da pintura, mas compreendê-la em seu aspecto global: na relação educador e educando, importava a observação do comportamento de ambos, o estímulo e os meios para que, através do fazer, ambos chegassem a um comportamento mais criativo e harmonioso. Em seu fazer arte com a criança, foi tratando de conhecer, compreender a expressão infantil, o modo como desenhava, pensava e sentia esse fazer. Afirmou que o “diálogo com a criança era fundamental e quanto mais rico fosse esse diálogo, quanto mais professores e coisas para dialogar, melhor” (Rodrigues, 1978, p. 287).
O caricaturista Augusto Rodrigues, hábil em reconhecer dentre todos os ângulos e gestos de uma personalidade aquele capaz de revelar-lhe a natureza como nenhum outro, era um educador atento à peculiaridade, àquilo que é capaz de diferenciar uma pessoa de todas as demais. Propunha que o educador deveria buscar o que torna as pessoas diferentes e não o que é comum a todas. Identificou a criança como um ser com vontade própria, diferente do adulto, com oportunidade de aprender, de descobrir a si mesma, seus interesses, obsessões, necessidades e capacidades dentro de seu próprio tempo, não configurado pelos aspectos coercitivos da realidade. Reconhecer esse tempo próprio da experiência infantil levou Rodrigues a não querer medir, em uma relação linear, do tipo causa-efeito, os resultados que obtinha com as crianças na Escolinha, atitude que nem sempre foi compreendida por seus contemporâneos.
A proposta de Rodrigues passou a ser confundida, no Brasil do final da década de 1970, com o espontaneísmo. A simplificação de seu pensamento levou a uma interpretação de que a oportunidade da criança descobrir a si mesma se referisse a algo que brotasse naturalmente do seu interior, como se a criança fosse completamente desembaraçada da participação de todos os outros com quem interage. Se Rodrigues propusesse o laisser-faire, laisser-aller, como muitas vezes assim tem sido interpretado, não insistiria no fato de que o professor deve saber o que é estar ao lado e oferecer estímulo para que se desenvolva o processo dinâmico, não se oporia a uma escola “que pede pouco, que não valoriza as capacidades criativas, pois ninguém consegue operacionalizá-las sem que haja oportunidades, estímulos à ação” (Rodrigues, 1973b, p. 6).
Se seu projeto tivesse por finalidade o “deixar fazer”, não persistiria na formação de professores. Até antes da criação dos cursos de Licenciatura em Educação Artística, em 1973, o Curso Intensivo de Arte na Educação, oferecido pela Escolinha de Arte do Brasil, era o único destinado a professores em educação através da arte. Para Rodrigues, o professor deve compreender as diferentes maneiras de ver, pois, para que este profissional possa formular seus próprios problemas, deve ter consciência dos conflitos, inconsistências e incongruências inerentes à sua própria percepção.
Na década de 1980, um grupo de artistas e educadores envolvidos com a questão do ensino da arte juntou-se àqueles que se voltaram para o estudo da História da Educação no Brasil, debruçando-se sobre a Escola Nova. Nessa época construiu-se uma argumentação segundo a qual a Escola Nova preocupara-se apenas com as inovações metodológicas do processo de ensino e aprendizagem - negligenciando o conteúdo que deveria ser ensinado - o que teria confundido os professores, levando-os a se perderem diante de tantos meios e técnicas diferenciadas. No ambiente educacional tratava-se de desmistificar o otimismo pedagógico, ao se afirmar que toda educação é política e se constitui segundo os sistemas de educação implantados pelos Estados modernos, num processo pelo qual as classes dominantes preparam a mentalidade, a ideologia, a conduta das crianças, para que reproduzam a mesma sociedade e não para transformá-la (Gadotti,1993). No campo da educação, a reflexão histórico-filosófica, de extração marxista, sobre o escolanovismo caminhou no sentido da “história tribunal”. Essa atitude acabou engendrando uma interpretação maniqueísta daquele movimento renovador. No entendimento da facção católica da década de 1930, tal grupo era tido como ameaça comunista, por suas idéias socializantes, e viu-se transformado, nos anos 1980, em sonegador das condições de escolarização das camadas populares (Brandão, 1998).
Todas as tendências alicerçadas na atividade e interesse do educando se viram eclipsadas pelas críticas marxistas às propostas humanistas e pela voga de pedagogias mais centradas na importância do conteúdo que se ensina. A valorização do processo vivido pelo educando em atividade passou a ser entendida como um princípio conservador, que não estimulava a visão crítica. O objetivo da educação através da arte, o qual era desenvolver a criatividade e a imaginação pela livre expressão, começou a ser substituído pelo da aprendizagem conceitual da estética, história e crítica, além das atividades de criação. Augusto Rodrigues insistia na importância do processo de descoberta vivido pela criança e entendia sua própria experiência como sendo um desdobramento da abertura criada pelos renovadores.
O legado para a educação brasileira
Rodrigues foi um homem de ação, um realizador: “As idéias, em educação, só têm sentido se saem da pura elaboração teórica para as realizações” (Rodrigues,1973a, p. 255). Se entendermos a filosofia como um exercício de compreensão do mundo que norteia a vida, que dirige nossas ações, podemos apontar Rodrigues como um filósofo da arte-educação brasileira. Não um filósofo consagrado pelo uso da sociedade de discurso. Bruyne (1991) afirma que a sociedade de discurso - formada pelo conjunto dos pesquisadores, teorias, rituais e normas das instiuições acadêmicas e científicas - possibilita o espaço crítico de controle mútuo, de elaboração intersubjetiva que garante a objetividade científica, porém apresenta aspectos nefastos como o conservadorismo, dogmatismo e nepotismo. Rodrigues também não foi formado pela instituição escolar, o que lhe inviabilizara qualquer posterior formação acadêmica, como o mesmo reconhecia; portanto não foi treinado para pensar “separando”, não apresentava as características do “pensamento disjuntivo”, essa forma de pensamento que, de acordo com Morin (1996), se impõe em nossa mente desde a infância, se desenvolve na escola, na universidade e se incrusta na especialização. A produção teórica de Rodrigues não apresenta as características valorizadas pela sociedade de discurso, não começou pelo estudo da filosofia da educação ou da arte, mas pela livre investigação com a criança, para melhor compreender a experiência humana da aprendizagem. Sua produção é uma constante atenção ao mundo, ao espaço e tempo vividos na busca dos pequenos detalhes que resultaram de seus múltiplos encontros com os outros, com a arte, com a política, com a filosofia, com a educação.
Rodrigues considerava a educação como a “tarefa mais complexa do homem porque afinal educação é o processo de fazer a nova humanidade” (Rodrigues,1973b, p.5). Com as fortes tonalidades do humanismo, configurou uma abordagem salientando a relação, 9 pois entendia que o desenvolvimento humano, o crescimento, o conhecimento resultam das relações que se estabelecem a partir da confiança e do respeito. Propunha a “formação de um Homem equipado para o convívio amorável - que significa a existência de um espaço coletivo de compreensão maior do amor- a fraternidade entre os povos e para a paz”(Rodrigues,1984, p.2).
Ao modo interacionista, considerava o conhecimento como uma elaboração contínua que envolve a descoberta e a criação em constante diálogo com todas as pessoas e objetos que nos rodeiam. Para Rodrigues, o exercício da arte é tão desafiador e complexo que conduz ao autoconhecimento, desenvolve a capacidade seletiva que permite perceber o mundo de uma maneira mais intensificada a ponto de “preservar o clima espiritual de compreensão entre os homens” (Rodrigues,1971, p.7). Considerava a arte capaz de preservar o clima espiritual de compreensão entre os homens, mas valorizava igualmente a ciência, pois afirmava não ser possível existir ciência sem imaginação e muito menos arte sem conhecimento. Após 20 anos de experiência do fazer artístico com a criança, Rodrigues afirmava, na década de 1960: “É preciso dar à criança do século XX maior oportunidade de convivência e compreensão da máquina. Ela tem de senti-la, compreendê-la. Mais que isso, poder armar, desarmar com suas próprias mãos, para perceber a sua mecânica e também entender a sua função, sentir familiaridade com mais uma maneira de expressar-se de maneira criadora” (Rodrigues, citado por Vinte, 1968, p.55).
Augusto Rodrigues também alertou os educadores para a questão da corporeidade. Maffesoli (1995) define a corporeidade como o ambiente geral no qual os corpos se situam uns em relação aos outros, sejam os corpos pessoais ou metafóricos. Rodrigues propunha o corpo como ponto de partida para o autoconhecimento, o que, conseqüentemente, predisporia ao conhecimento do outro. Ressaltava que a melhor forma de comunicar consiste em aproximar-se desse outro pelo que seja mais familiar e próximo de ambos, ou seja, o corpo, que está sempre presente, que engendra comunicação, que ocupa o espaço, que é visto. Rodrigues reconhecia a necessidade de expressão da dinâmica criativa corpo-mente para o processo de aprendizagem, o corpo como referência fundante de toda aprendizagem. Para tanto recomendava uma pedagogia plástica, que não se desencontrasse da alegria de viver. Insistia na preservação do entusiasmo, da alegria, do prazer que tem o poder de redobrar as emoções puramente intelectuais, trazendo-lhes o reforço de uma exaltação quase física.
Enfatizava uma solidariedade social que não seria definida apenas pelo aspecto racional, contratual, mas que se elaboraria a partir de relações amoráveis, de atrações, emoções. Para Rodrigues o um pressupõe a existência do outro, no qual e com o qual somos 10 capazes de reconhecimento. Propunha ainda fomentar a consciência cultural, para que cada pessoa reconhecesse e apreciasse sua cultura, não como uma forma fixa, congelada, mas enriquecida pelo diálogo com outras culturas. Rodrigues celebrava as diferentes manifestações culturais e ambicionava instituições igualmente abertas. Sensível às variações ambientais, finalizava sua obra alertando para as pequenas questões do cotidiano, em uma mistura orgânica de elementos arcaicos, como a comunidade, a cultura local e a atenção à natureza, e ao prazer, tanto quanto ao aspecto comunicacional do avanço tecnológico
Fonte: Sociedade Brasileira de História e Educação, por Maria Emilia Sardelich em Universidade Estadual de Feira de Santana (BA)
Augusto Rodrigues (Recife, Pernambuco, 1913 — Resende, Rio de Janeiro, 9 de abril de 1993) foi um educador, pintor, desenhista, gravador, ilustrador, caricaturista, fotógrafo e poeta brasileiro.
Biografia - Itaú Cultural
Trabalha no ateliê de Percy Lau (1903-1972) e, em 1933, realiza sua primeira exposição individual, no Recife. Nesse ano, inicia sua atividade como ilustrador e caricaturista no Diário de Pernambuco. Ao lado de Guignard (1896-1962), Candido Portinari (1903-1962), e outros, expõe, em 1934, na Associação dos Artistas Brasileiros, no Rio de Janeiro. Em 1935, transfere-se para essa cidade e logo se torna colaborador de jornais e de revistas como O Estado de S. Paulo e O Cruzeiro. Participa da fundação e do planejamento dos jornais Folha Carioca, Diretrizes e Última Hora. Em 1942, realiza exposição individual, com cerca de 100 desenhos, no Museu Nacional de Belas Artes (MNBA). Com a colaboração de Lúcia Alencastro (1921-1996), Oswaldo Goeldi (1895-1961), Vera Tormenta (1930), Fernando Pamplona e Humberto Branco, funda a Escolinha de Arte do Brasil, em 1948. Em 1953, participa da 2ª Bienal Internacional de São Paulo e, com Geza Heller (1902-1992) e Marcelo Grassmann (1925), expõe na Petite Galerie e, no 2º Salão Nacional de Arte Moderna, em que obtém o prêmio de viagem ao exterior, na categoria desenho. Em 1971, integra a mostra Panorama do Desenho Brasileiro, organizada pelo Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM/SP), e edita seu primeiro livro de poesia, 27 Poemas. O segundo, A Fé entre os Desencantos, é publicado em 1980. Em 1989, lança Largo do Boticário - Em Preto e Branco, com 80 fotografias tiradas no decorrer dos anos.
Análise
Nas diversas atividades artísticas de Augusto Rodrigues, pode-se apontar como característica comum a permanente preocupação com a função da arte. Defende ser esta a forma pela qual a cultura se manifesta mais significativamente, daí a importância de difundi-la.
A criação da Escolinha de Arte do Brasil - primeira do gênero no país - é um exemplo do empenho de Rodrigues em renovar os métodos da educação artística para crianças e adultos. Com base nas idéias do historiador e crítico de arte Herbert Read (1893 - 1968), procura incluir, no processo de ensino, pesquisas poéticas que estimulem a criança a desenvolver sua própria singularidade. Essa iniciativa torna-se importante referência para o desenvolvimento da arte-educação no Brasil.
Rodrigues traz para seus trabalhos a liberdade dos traços que buscam integrar pintura e desenho, evitando o virtuosismo da linha ou das questões cromáticas. Entre seus temas, a mulher é personagem constante. É significativa também a presença de elementos ligados à cultura popular pernambucana, como o frevo e a dança de roda. Suas pinceladas são determinadas pelo próprio movimento, e não apenas pela forma e pela composição, de modo a criar as diversas direções e intensidades rítmicas.
A influência do cinema está em algumas pinturas, como mostra o tratamento dado a Carlitos, personagem de Charles Chaplin (1889 - 1977). Rodrigues amplia as possibilidades de sentido de suas obras ao apropriar-se de elementos cotidianos como anúncios, textos de jornais, fotografias de objetos, material impresso em offset, incorporados em seus trabalhos.
Fonte: AUGUSTO Rodrigues. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2020. Disponível em: <>. Acesso em: 10 de Jun. 2020. Verbete da Enciclopédia. ISBN: 978-85-7979-060-7
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Biografia - Wikipédia
Foi o pioneiro na criação das escolinhas de arte para crianças no Brasil. Augusto Rodrigues nasceu em 21 de Dezembro de 1913, no Recife (PE). Trabalhou no ateliê de Percy Lau. Em 1933, realizou sua primeira exposição individual. No mesmo ano, iniciou sua atividade como ilustrador e caricaturista no Diario de Pernambuco. Ao lado de Guignard e Portinari expos, em 1934, na Associação dos Artistas Brasileiros, no Rio de Janeiro. Em 1935 mudou-se para o Rio de Janeiro e tornou-se colaborador de jornais e de revistas como “O Estado de S. Paulo” e “O Cruzeiro”. Participou da fundação e do planejamento dos jornais “Folha Carioca”, “Diretrizes” e “Última Hora”. Com a colaboração de Lúcia Alencastro, Oswaldo Goeldi, Vera Tormenta, Fernando Pamplona e Humberto Branco, fundou a Escolinha de Arte do Brasil, em 1948. Em 1971 editou seu primeiro livro de poesia, “27 Poemas”. O segundo livro, “A fé entre os Desencantos”, foi publicado em 1980. Em 1989, lançou “Largo do Boticário – Em Preto e Branco”, composto por 80 fotografias tiradas no decorrer de vários anos.
Morreu aos 79 anos, de parada cardíaca e insuficiência respiratória, na Santa Casa de Resende (RJ). Foi enterrado no Cemitério de São João Batista, no bairro de Botafogo, na capital fluminense.
Exposições individuais
Augusto Rodrigues (1942: Rio de Janeiro, RJ)
Exposições coletivas
Exposição de Arte Brasileira (1943 : Londres, Reino Unido)
Exposição de Arte Moderna (1944 : Belo Horizonte, MG)
Salão Nacional de Belas Artes (50. : 1944 : Rio de Janeiro, RJ)
Exhibition of Modern Brazilian Paintings (1944 : Londres, Reino Unido)
Exhibition of Modern Brazilian Paintings (1944 : Norwich, Reino Unido)
Artistas Plásticos do Partido Comunista (1945 : Rio de Janeiro, RJ)
Exhibition of Modern Brazilian Paintings (1945 : Edimburgo, Reino Unido)
Exhibition of Modern Brazilian Paintings (1945 : Glasgow, Reino Unido)
Exhibition of Modern Brazilian Paintings (1945 : Bath, Reino Unido)
Exhibition of Modern Brazilian Paintings (1945 : Bristol, Reino Unido)
Exhibition of Modern Brazilian Paintings (1945 : Manchester, Reino Unido)
Bienal Internacional de São Paulo (2. : 1953 : São Paulo, SP)
Fonte: Wikipédia, consultado pela última vez em 10 de junho de 2020.
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Augusto Rodrigues: um educador com arte
"Detesto a escola repressiva... eu tinha também a minha vida fora da escola, e muito plena. A vida onde havia o devaneio, a exploração do rio, a natureza, os jogos onde a fantasia estava muito presente." (Augusto Rodrigues)
Augusto Rodrigues nasceu em Recife/PE, em 1913. Pintor, desenhista, gravador, ilustrador, caricaturista e poeta, trabalhou no ateliê de Percy Lau e realizou sua primeira exposição individual em 1933, ainda em Recife. Dentre seus trabalhos os ligados ao desenho são os de maior repercussão nas artes, mas em qualquer de seus trabalhos existia lirismo, sensibilidade cromática, concisão formal e beleza do desenho.
Em 1935 mudou-se para o Rio de Janeiro onde começou a aparecer nos jornais como ilustrador e realizou uma das suas maiores obras: em 1948 ele fundou a Escolinha de Arte do Brasil (EAB), na Biblioteca Castro Alves. A escola tinha como característica a diferença das consideradas "normais" e era frequentada por crianças, as especiais principalmente, que podiam desenhar em grandes papéis, cantar, desafinar, colher flores no jardim e brincar, acima de tudo, e muito!
Essa noção moderna de escola foi baseada por Augusto Rodrigues na sua própria infância - quando criança não se deu muito bem nas escolas, não por não ser inteligente, mas porque desde muito cedo possuía alma de artista e percebia as coisas de modo divergente, não se adaptava às normas e ao excesso de regras das escolas convencionais. Ele dizia: "No fundo, eu me formei na rua, em contato com as pessoas, evidentemente passando por uma escola. A minha primeira escola foi uma experiência muito triste porque não só eu me via impossibilitado de me movimentar, de falar, de viver, como também olhava as outras crianças impedidas igualmente de se expressarem. A escola era sombria, era triste, a professora também era sombria, e eu sentia uma preocupação, uma tensão dessa professora de imprimir nas crianças coisas que não tinham nenhum sentido para elas. Nós teríamos que aprender o que interessava a ela ensinar e teríamos que abdicar aquilo que era fundamental para nós, que era brincar".
Vários prêmios e uma carreira muito bem sucedida
Em 1953 recebeu um prêmio por seus trabalhos apresentados no Salão Brasileiro de Arte Moderna e com o dinheiro pode viajar pelos países europeus durante o período de 1955 e 1956, quando teve contato com arte europeia de grande valia para a expansão da sua expressão. E em 1960, fundou e tornou-se o primeiro presidente da Associação dos Artistas Plásticos Contemporâneos (Arco).
Na década de 1980, escreveu seu primeiro livro "A Fé entre os Desencantos". Ainda nesta década recebeu vários prêmios bem significativos para sua carreira: Medalha Anchieta, da Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro (1982); Medalha do Mérito da Fundação Joaquim Nabuco de Pesquisa Social de Pernambuco (1982); Medalha Pernambucana do Mérito, Classe Ouro, do governo do Estado de Pernambuco (1986) e o título de Doutor Honoris Causa, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (1988).
Ainda na década de 1980 participou da fundação do Museu do Desenho e Gravura, de Itajaí (SC), doando seu acervo de gravuras e desenhos de artistas e estrangeiros. Em 1982, em Florianópolis (SC), participou da organização da Oficina de Desenho e Gravura do Museu de Florianópolis que recebeu o nome Atelier Livre de Gravura Augusto Rodrigues.
Na década de 1990, no pouco tempo em que esteve vivo - morreu em 1993 -, foi eleito Presidente de Honra do Colloque Homme, Santé, Tropique, da Universidade de Poitiers (1990); foi lançado em Recife (PE) o livro com sua biografia: Augusto Rodrigues: o Artista e a Arte, Poeticamente, de Rosza W. Vel. Zoladz, da Editora Civilização Brasileira, na Escolinha de Arte do Recife (1991); foi homenageado no 6º Congresso Nacional da Federação de Arte-Educação do Brasil (Confaeb), na Universidade Federal e na Universidade Católica de Pernambuco (1993); e a ele foi entregue a Medalha Comemorativa Augusto Rodrigues na Casa Rui Barbosa, no Rio de Janeiro.
EAB fez a diferença na carreira do educador
Na criação da Sociedade Pestalozzi - uma escola para educação de crianças especiais - a contribuição de Augusto se deu quando se tornou professor de crianças e adultos. Principalmente com as crianças aprendeu que a atividade artística poderia ser motivo de estudo, registro e debates. Dona Helena, criadora da Sociedade, acreditava que a arte, como expressão livre e criadora, era o meio de educação por excelência, e que o artista tinha um papel fundamental na educação - maior do que os pedagogos e psicólogos. Por isso convidou Augusto Rodrigues para lecionar na escola.
Já uma das maiores criações de Augusto Rodrigues foi feita nos anos de 1970, juntamente com a gaúcha Lúcia Alencastro Valentim e a escultora norte-americana Margareth Spencer - a Escolinha de Arte do Brasil (EAB). A criação desta escola, fora do modelo oficial, há muito habitava os sonhos de Augusto. Logo cedo desejou fazer arte e, certa vez, conta ele que tentando vender uma assinatura de jornal ao psiquiatra Ulisses Pernambuco travou o seguinte diálogo: "Ele me perguntou se eu ia à escola, eu respondi que não (...) O que você gosta de fazer? Eu disse que gostava de fazer arte e ele respondeu: Muito bem, faça arte. Você tem que fazer aquilo que gosta para não ficar à margem da profissão".
A EAB, hoje espalhada por vários pontos do país, oferece à criança uma proposta diferente com a oportunidade para atividades de criação artística. Representa, no Brasil, alguma coisa que se poderia considerar óbvia, e que, entretanto, é, no gênero, talvez, o que mais significativo se faz entre nós no campo da educação infantil.
Ele mesmo definiu, como ninguém a EAB: "Na imensa aridez da paisagem das escolas nacionais, paisagem que lembra aspectos de nossos desertos, as escolinhas de arte são oásis de sombra e luz. Em que as crianças se encontram consigo mesmo e com a alegria de viver, tão 'deliberadamente' banida das 'escolas' convencionais de 'retalhos de informação', secos e duros como a vegetação habitual das zonas áridas. Mas não é somente a escolinha de arte uma inovação pedagógica. É também inovação do próprio conceito de arte, pois esta já não é a atividade especial das criaturas excepcionais, mas atividades inerentes ao senso humano da vida, que, felizmente, ainda se pode encontrar nas crianças que não foram completamente deformadas pelos condicionamentos inevitáveis da instrução morta e fragmentada das escolas convencionais. É essa a grande motivação das escolinhas de arte - dar às crianças oportunidade para a mais educativa das atividades, a atividade da criação artística".
Fica então muito bem circunscrita a contribuição de Augusto Rodrigues para a Arte/Educação brasileira - o seu conhecimento espalhou e estimulou em todo território nacional a necessidade de inclusão da Arte na educação escolar, chegando a confundir sua história com a EAB. Por isto e pela modernidade na educação ele merece o respeitado e admiração como grande Educador que foi.
Fonte: Educação Pública.gov, publicado em 2009 por Mara Lúcia Martins.
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Obra de Augusto Rodrigues ganha coleção de quatro volumes da Cepe
Augusto Rodrigues foi um pernambucano célebre. Ele viveu entre 1913 e 1993 e deixou um legado múltiplo que abrange o campo das artes, da educação e do jornalismo. Menos conhecido pelas novas gerações, o recifense atuou como caricaturista, desenhista, ilustrador, pintor, educador, fotógrafo, jornalista e poeta. Foi o principal caricaturista brasileiro na Segunda Guerra Mundial, tendo como principal personagem o ditador nazista Adolf Hitler. Mais tarde, militou pela presença das artes no ensino público e idealizou o projeto Escolinha de Arte do Brasil, com cerca de 150 de unidades no Brasil e na América Latina.
São alguns dos tópicos da trajetória, agora registrada em coleção lançada hoje pela Companhia Editora de Pernambuco (Cepe). A organização ficou por conta de Antonio Carlos Rodrigues, filho de Augusto. São quatro volumes, separados pelas diferentes facetas: Caricaturista (248 páginas), Educador (112), Fotógrafo (152) e Artista (184). Os livros podem ser adquiridos separadamente ou em box, no site cepe.com.br/lojacepe.
Editadas com papel machê, as publicações contam com inúmeras imagens sobre a vida e a obra de Rodrigues. Além de pontuações e reflexões do próprio filho, textos de apresentação trazem intelectuais como o jornalista e escritor José Hamilton Ribeiro, o escultor e diretor do Museu Afro Brasil, Emanoel Araújo, o professor Luiz Áquila da Rocha Miranda, entre outros. “Há muitos anos eu venho pesquisando as coisas do meu pai. Eu achava que ele merecia um trabalho desse porte, que mostrasse tudo o que ele fez de uma vez só. É uma pessoa extensa, né?”, diz Antonio Carlos Rodrigues.
“Justamente por isso, não ia caber em um livro só. A ideia para a coleção surgiu durante conversas com a editora. Inclusive, tive grande apoio da Cepe, sobretudo do diretor Ricardo Melo”, ressalta. “Meu pai tocou em vários aspectos da vida cultural. Foi um grande jornalista, ajudou a moldar a imprensa brasileira, a modernizar a educação e, no ramo das artes visuais, mostrou a obra de Vitalino ao Brasil.”
Augusto Rodrigues nasceu no Recife, em uma família composta por jornalistas, escritores e artistas. Deu os primeiros passos no jornalismo com o tabloide Alma Infantil, ao lado do primo Nelson Rodrigues - que se tornaria um dos maiores dramaturgos brasileiros. Aos 16 anos, participou da criação do I Salão de Arte Moderna de Pernambuco. Seu primeiro trabalho profissional com caricatura foi no Diario de Pernambuco, onde fez desenhos que criticavam poderosos. Através do jornal, conseguiu projeção no Sudeste, partindo para o Rio, a então capital federal, aos 21 anos.
Para Antonio, o principal objetivo é apresentar o legado do pai para novas gerações. “Faz anos que o Brasil não leva a cultura muito a sério, então vai ser muito importante para que as pessoas entendam melhor a arte do Brasil, a cultura do Brasil, a cultura popular. A arte precisa ser valorizada hoje”, diz o filho de Augusto, remetendo a uma das citações famosas do pai: “Quando a arte desaparece, a civilização desaparece. Ela é a forma pela qual a cultura se manifesta mais significativamente. Num lugar onde há carência de arte, há carência em todos os sentidos”.
Artista
Como pintor, Rodrigues ficou conhecido pelos desenhos de figuras humanas, sobretudo corpos femininos. Obras desse tipo são a maioria no volume Artista - inclusive na capa -, que também traz bilhetes e cartas que revelam a relação com artistas como Fernanda Montenegro, Cora Coralina e Carlos Drummond de Andrade. Esse último chegou a dedicar um poema a Augusto, intitulado Pintor de mulheres: “Este pintor / Sabe o corpo feminino e seus possíveis / De linha e de volume reinventados”, diz um trecho. Na seara das artes, ele também impactou a elite cultural ao levar a arte do caruaruense Mestre Vitalino para a Exposição de Cerâmica Popular Pernambucana, na Biblioteca Castro Alves, do Instituto Nacional do Livro, no Rio de Janeiro.
Caricaturista
As caricaturas e charges de Augusto Rodrigues figuraram nas páginas de veículos importantes na história do jornalismo brasileiro, como a revista O Cruzeiro, os jornais do grupo Diários Associados, de Assis Chateaubriand, além de O Estado de S. Paulo, Última Hora e outros. Nesse ofício, seu maior legado foi o conjunto de desenhos feitos sobre a Segunda Guerra. “O primeiro lance genial de Augusto foi ver que a humanidade dependia, naquele momento, do que iria acontecer com um homem que, por ventura, era quase uma caricatura viva: Adolf Hitler”, registra José Hamilton Ribeiro, em seu texto de prefácio.
Educador
Integrante de uma geração impactada pela Segunda Guerra, o cessar-fogo fez o jornalista lutar por uma educação libertária, com diálogo e estímulo criativo. Em 1948, ao lado da artista norte-americana Margaret Spencer e da professora Lúcia Alencastro Valentim, funda a primeira Escolinha de Arte do Brasil, que funcionou em um pequeno espaço na Biblioteca Castro Alves, no Rio. Cinco anos depois, é fundada a Escolinha de Arte do Recife, com apoio de Paulo Freire, Francisco Brennand, Hermilo Borba Filho, Lula Cardoso Ayres, entre outros. O livro Educador tem ainda entrevistas concedidas por Augusto a nomes como Rubem Braga, Anísio Teixeira e Aníbal Machado.
Fotógrafo
No volume sobre fotografias, estão registros da relação de Augusto com o Largo do Boticário, um recanto histórico e natural no bairro do Cosme Velho, no Rio, onde viveu até os anos 1950. Foi grande defensor do reduto, que escapou da destruição nos anos 1960 por conta da resistência dos moradores. Maior parte de sua produção fotográfica mostra o cotidiano acolhedor do espaço, composto por casarões no meio da Mata Atlântica. Ele também registrou personagens anônimos e, assim como nas telas, mulheres. “Augusto Rodrigues vivenciou tudo com um pincel numa mão e uma máquina fotográfica na outra”, diz Antônio Carlos Rodrigues. “Suas fotografias têm importância por vários motivos.”
Fonte e crédito fotográfico: Diário de Pernambuco, publicado em 27 de abril de 2020, por Emannuel Bento.
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Obra e legado de Augusto Rodrigues para a educação brasileira
Introdução
Este trabalho tem por objetivo apresentar parte da obra de pensamento do artista e educador brasileiro Augusto Rodrigues (1913-1993), um dos fundadores da Escolinha de Arte do Brasil (EAB). Augusto Rodrigues é uma referência histórica essencial para todos aqueles que trabalham com arte e educação, pois esta área tem se constituído pelo conjunto do que tem sido dito no grupo de todos os enunciados que a têm nomeado. Na medida em que Rodrigues pensou e falou sobre arte-educação, segundo Foucault (1986, p.47), ele contribuiu “para definir aquilo de que fala, de dar-lhe o status de objeto, ou seja, de fazê-lo aparecer, de torná-lo nomeável”.
Para sistematizar seu repertório teórico, o estudo histórico documental, apoiou-se na “análise de conteúdo” (Bardin, 1979) de diferentes fontes primárias e secundárias, como artigos e comunicações de autoria de Rodrigues, inúmeras entrevistas concedidas à mídia entre 1942 e 1992, e seu depoimento, gravado para o Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro em 1967. A releitura de seus princípios possibilitou o encontro de alguns aspectos sinalizados por esse artista educador - como a parceria, a conectividade, a cooperação, a inclusão - que não têm sido salientados na recepção de sua obra, impregnada pela leitura do espontaneísmo, do “deixar fazer”.
O Homem e seu tempo
Nascido no Recife, no dia 21 de novembro de 1913, no seio de uma família economicamente bem situada e tolerante em relação ao livre-pensar, Augusto Rodrigues não se afinou com a instituição escolar. Esta deixou-lhe amargas lembranças, tendo sido expulso daquelas que frequentou. A austeridade escolar se contrapunha, na vida do menino, ao sentimento de liberdade de uma atmosfera familiar saturada de valores estéticos. Rodrigues reconhecia a influência de um estimulante meio familiar que o levou a dedicar-se à arte. Sem formação acadêmica, iniciou-se como ilustrador do jornal Diário de Pernambuco. A falta de oportunidades profissionais do Recife levou o jovem para a cidade do Rio de Janeiro. A família Rodrigues era nome tradicional da imprensa carioca desde a década de 1920 sendo seu tio, Mario Leite Rodrigues, proprietário de jornais como A Manhã e Crítica. Se nas escolas do Maria Emilia Sardelich, professora assistente do Departamento de Educação da Universidade Estadual de Feira de Santana (BA) o menino era sistematicamente convidado a se retirar da sala de aula, no Rio de Janeiro os jornais disputavam seus desenhos e ilustrações.
Além da ilustração, e da intensa atividade como caricaturista, dedicou-se à pintura, com incursões pela fotografia e poesia. Ao longo de seus 79 anos de vida, Rodrigues foi afetado pela força e intolerância do autoritarismo da cultura brasileira, e experimentou a incompletude das transformações e processos sociais abortados. Com humor combateu a intolerância dos tempos totalitários, aos quais sobreviveu, tais como os golpes de 1937 e 1964. Durante o período do Estado Novo (1937-1945), teve atuação marcante com suas charges contra o nazi-fascismo. Enquanto Rodrigues concentrava sua verve na luta contra o nazi-fascismo, o Estado Novo ia desenvolvendo suas ações pedagógicas por meio da Juventude Brasileira, que tinha por objetivo promover o culto à pátria comemorando datas estabelecidas no calendário escolar. A organização da Juventude Brasileira se propunha a formar futuras lideranças alimentadas pelo patriotismo nacionalista (Goulart, 1990). Nessa época as megalômanas concentrações de canto orfeônico, dirigidas pelo maestro Villa-Lobos nos estádios de futebol, adequavam-se bem a esses objetivos. A ditadura de Vargas percebeu a musicalidade do povo brasileiro como um rico filão a ser explorado. Não foi só a música de Villa-Lobos que serviu ao regime para validar suas instituições, cultivar o mito da grandeza do País e conformar a população às suas normas autoritárias. Em seu afã propagandístico, o governo promoveu também a música popular brasileira, incentivou a criação de grupos musicais e festas populares e encomendou letras aos sambistas cariocas, que passaram a cantar o trabalho ao invés da malandragem.Tal como outros regimes totalitários da época, se utilizou da arte e da propaganda para impor suas normas.
Augusto Rodrigues se dava conta de quanto a arte e os meios de comunicação podiam se adequar à doutrinação dessa nova ordem, por isso colaborava com publicações que resistiam ao projeto político-ideológico do Estado Novo, como, a revista Diretrizes, para a qual contribuíam o escritor Jorge Amado e o sanitarista Noel Nutels, dentre outros. Esses anos da ditadura de Vargas foram fundamentais para Rodrigues vivenciar como o poder se ramificava, ininterrupta e constantemente, em todos os domínios da vida social, produzindo as subjetividades e adestrando os gestos.
Com o fim do regime de exceção, o País respirou um novo sopro democrático com a Constituição de 1946. Todavia, Rodrigues compreendia que não bastava a promulgação de uma Lei maior para que os direitos reconhecidos no documento fossem respeitados pelo sistema de poderes estabelecido. Para esse artista e educador um regime democrático não se consolida em um meio social hostil e necessita de instituições que operem em ambientes de 3 hábitos democráticos. Assim, debruçou-se sobre o processo educativo que, na sua concepção, poderia levar o homem a preservar a paz se o mesmo pretendesse a compreensão da condição humana. Foi se afastando da atividade caricatural em função dos inúmeros compromissos que passou a assumir com seu projeto educativo.
A obra e o educador
Rodrigues reconhecia a Exposição dos Desenhos e Pinturas de Crianças Inglesas, promovida pelo Conselho Britânico, em 1941, no Rio de Janeiro, como um dos eventos que deflagraram sua ação educativa. O catálogo dessa exposição contava com uma brilhante apresentação do poeta e crítico de arte inglês Herbert Read, que começara a chamar a atenção para o fato de a arte ocupar, no currículo da escola inglesa, o pior horário e ser dotada com a menor verba. Read recuperava a “racionalidade moral” já presente no discurso dos educadores europeus após o término da Primeira Guerra Mundial. Hernandez (2000) considera a “racionalidade” como o conjunto de argumentos e evidências que justificam a inclusão da arte no currículo escolar e, conforme o autor, não representa necessariamente uma hegemonia, pois diferentes formas de racionalidade podem conviver no mesmo espaço e tempo, sendo que uma pode estar mais consolidada que outra. A racionalidade moral entende que a arte contribui para a educação moral e o cultivo da vida espiritual e emocional. Paralelamente a essa racionalidade moral, gestava-se na Europa, ainda mergulhada no segundo conflito mundial, uma racionalidade expressiva, que sustentava ser a arte essencial para a projeção de emoções e sentimentos que não poderiam ser comunicados de outra forma.
Herbert Read, os franceses Arno Stern e Pierre Duquet e o austríaco Viktor Lowenfeld conduziam um movimento na Europa que pretendia recuperar um modelo mais livre de educação, assim como da própria convivência humana. Por isso, empenhavam-se em demonstrar que a arte estava ideologicamente comprometida com o esforço de preservação da liberdade e da democracia, da verdadeira liberdade, que permitia a auto-expressão artística. Tais estudiosos partiam de um princípio não-intervencionista de ensino de arte, baseado na atitude expressionista, com o principal objetivo de desenvolver a criatividade e a imaginação, através da expressão livre e independente das limitações impostas pelo adulto.
Como artista, Augusto Rodrigues reagira ao totalitarismo do Estado Novo e, com o ímpeto democrático que inspirava o País, identificou-se com a idéia de que as novas gerações fossem educadas na liberdade por meio da arte. Dessa forma contribuiu com a configuração da arte-educação no Brasil ao denunciar as condições da educação de seu tempo, ao se opor a um arbitrário conservadorismo e ao ir de encontro à tendência que privilegiava uma racionalidade, que se pode denominar de “cívica”, presente na escola 4 brasileira da década de 1940. Diferente da racionalidade moral, a racionalidade cívica justifica a inclusão da arte no currículo escolar a fim de cultivar o patriotismo pela veneração dos heróis e feitos de uma história contada, apenas, pela ótica dos vencedores. Rodrigues rompeu com essa racionalidade cívica e também dilatou a “racionalidade moral” enunciada pelos educadores da Escola Nova, imprimindo-lhe um caráter “expressivo e criativo” ao reconhecer os valores estéticos da arte infantil, já apontados por artistas modernistas como Anita Malfatti e Mário de Andrade, desde a década de 1920.
Juntamente com os artistas Napoleão Potiguara Lazzaroto, o Poty, Darel Valença e a pintora norte-americana Margaret Spencer, Augusto Rodrigues deu início à Escolinha de Arte do Brasil, em 1948, no Rio de Janeiro. Compraram tinta, lápis, papel e uns quantos pincéis, para lançarem-se a viver o fruto da inquietação do seu idealizador. A eles reuniramse todos aqueles com o mesmo desejo de educar por meio da arte, e a singela experiência se transformou em um movimento que se expandiu por todo o Brasil.
Ao modo dos mestres
Para Canclini (1984), a originalidade da arte e dos artistas latino-americanos reside na insolência e na liberdade com que tomam daqui e dali aquilo de que necessitam para a realização de seus projetos. Essa insolência e liberdade caracterizam, também, a forma como Augusto Rodrigues se apropriou dos referenciais teóricos para compor o seu próprio repertório educativo. Sem receita nem proposta teórica definida a princípio, sua ação educativa partiu do entendimento de que todo ser humano apresenta uma predisposição à criação, porém em mais de uma ocasião Rodrigues (1979) reconheceu seu débito com Helena Antipoff Anísio Teixeira e Herbert Read.
De Helena Antipoff, não se verifica citação direta sobre o que Rodrigues poderia ter aprendido com ela. A vasta experiência dessa educadora como assistente do psicólogo e pedagogo suiço Edouard Claparède, contagiou o artista na compreensão da atividade educativa como aquela que correspondia a uma função vital do homem. Helena Antipoff propunha o desenvolvimento das aptidões individuais para o interesse comum, dentro de um conceito democrático de vida social, já que nenhuma sociedade progrediria com pessoas de um único tipo, mas sim pela diferenciação das mesmas. Tais princípios influenciaram Rodrigues a ponto de incluir crianças portadoras de necessidades especiais em seu projeto educativo.
Anísio Teixeira foi o outro mestre sempre lembrado por Rodrigues por sua máxima escolanovista do “aprender a aprender”. Teixeira foi o primeiro tradutor de John Dewey no Brasil e divulgador dos princípios do aprender fazendo, da educação como 5 processo e não produto, processo de reconstrução e reconstituição da experiência, que se confunde com a vida. Rodrigues aprendeu a aprender com Anísio Teixeira, já que este incitava Rodrigues a refletir sobre as finalidades de sua ação educativa e seu próprio entendimento de arte em uma sociedade industrial.
A proximidade do pensamento de Rodrigues com o de Herbert Read é mais evidente. O crítico inglês defendia a tese de que a educação através da arte pode conseguir estabelecer uma relação entre ação e sentimento, “inclusive entre a realidade e nossos ideais” (Read,1973,p.293). Tal formação tem por finalidade desenvolver, ao mesmo tempo, a singularidade e a reciprocidade social do indivíduo. A sociedade apresenta-se como uma comunidade de pessoas em busca de equilíbrio, através da ajuda mútua; logo, a educação “deve orientar-se para fomentar o crescimento da célula especializada dentro de um corpo multiforme” (Read,1973,p.30). Partilhando dessa mesma idéia bem como defendendo a noção de disciplina como sendo uma relação receptiva entre educando e educador, Rodrigues propunha aos educadores substituírem a relação de coerção pela de cooperação, infundindo na mente das pessoas a consciência de normas ideais como respaldo de todas as regras.
Além das referências dos mestres que Augusto Rodrigues reconhecia, seu repertório está recheado de máximas que compuseram o intrincado ideário pedagógico brasileiro do século XX, marcado pelo embate entre dois grandes movimentos da história do pensamento pedagógico e da prática educativa: a educação tradicional e a educação nova. Os educadores brasileiros da primeira metade do século XX lançavam mão de idéias diversas: como a do impulso vital do suíço Ferrrière; do método dos projetos centrados em uma atividade prática do norte-americano Kilpatrick; do belga Decroly os projetos dos centros de interesse e dos materiais concretos para o estímulo dos sentidos de Maria Montessori.
Na segunda metade do século, o suíço Jean Piaget foi a grande referência para os educadores brasileiros, que também flertaram com as idéias antiautoritárias do escocês Alexander S. Neill, do psicólogo norte-americano Carl Rogers e do pernambucano Paulo Freire. Ao longo de todo o século XX, a prática educativa brasileira viu-se mais ou menos enredada, a depender do momento, por um desses princípios, sendo que vários deles têm convivido simultaneamente, mesmo que a instituição escolar continue a apresentar, ainda, fortes marcas da educação tradicional. As diferentes propostas pedagógicas acabam traduzindo-se na prática dos professores individualmente, tendo em vista o fato de que as reformas educacionais, sempre anunciadas pelo Estado brasileiro, defrontam-se com um forte conservadorismo, aliado à falta de infra-estrutura de um sistema escolar público, que alcançou 6 uma expansão quantitativa na segunda metade do século XX, mas, até o momento, se ressente da falta de qualidade.
Augusto Rodrigues foi compondo o seu repertório com esses preceitos manifestos na prática educativa brasileira, os quais, de uma forma ou de outra, deslocaram o centro da educação para o educando, para a criança. Cabe aqui observar que Augusto Rodrigues era um artista expressionista. Coelho (2000) entende que o expressionismo resulta da operação pela qual o artista percebe que vive sob um modo fixado de pensar, que o faz pensar segundo determinado padrão. Esse modo de pensar é completamente assimilado, a ponto de parecer natural pensar dessa forma. Consciente desse fato, o artista passa a combater esse modo prefixado de pensar, trata de desaprender o que sabia e só então é capaz de produzir sua obra de um “outro modo”. Neste sentido, percebe-se no educador Augusto Rodrigues um “outro modo” de fazer e pensar a relação pedagógica, já que não pesquisou a criança com o intuito de melhor conhecê-la, mas pesquisou com a criança compartilhando as experiências de adultos e crianças na busca de melhor compreender a experiência humana.
No espaço em aberto que foi a Escolinha de Arte em seu início, Rodrigues refletia e começava a perceber que a questão não era apenas liberar a criança através do desenho e da pintura, mas compreendê-la em seu aspecto global: na relação educador e educando, importava a observação do comportamento de ambos, o estímulo e os meios para que, através do fazer, ambos chegassem a um comportamento mais criativo e harmonioso. Em seu fazer arte com a criança, foi tratando de conhecer, compreender a expressão infantil, o modo como desenhava, pensava e sentia esse fazer. Afirmou que o “diálogo com a criança era fundamental e quanto mais rico fosse esse diálogo, quanto mais professores e coisas para dialogar, melhor” (Rodrigues, 1978, p. 287).
O caricaturista Augusto Rodrigues, hábil em reconhecer dentre todos os ângulos e gestos de uma personalidade aquele capaz de revelar-lhe a natureza como nenhum outro, era um educador atento à peculiaridade, àquilo que é capaz de diferenciar uma pessoa de todas as demais. Propunha que o educador deveria buscar o que torna as pessoas diferentes e não o que é comum a todas. Identificou a criança como um ser com vontade própria, diferente do adulto, com oportunidade de aprender, de descobrir a si mesma, seus interesses, obsessões, necessidades e capacidades dentro de seu próprio tempo, não configurado pelos aspectos coercitivos da realidade. Reconhecer esse tempo próprio da experiência infantil levou Rodrigues a não querer medir, em uma relação linear, do tipo causa-efeito, os resultados que obtinha com as crianças na Escolinha, atitude que nem sempre foi compreendida por seus contemporâneos.
A proposta de Rodrigues passou a ser confundida, no Brasil do final da década de 1970, com o espontaneísmo. A simplificação de seu pensamento levou a uma interpretação de que a oportunidade da criança descobrir a si mesma se referisse a algo que brotasse naturalmente do seu interior, como se a criança fosse completamente desembaraçada da participação de todos os outros com quem interage. Se Rodrigues propusesse o laisser-faire, laisser-aller, como muitas vezes assim tem sido interpretado, não insistiria no fato de que o professor deve saber o que é estar ao lado e oferecer estímulo para que se desenvolva o processo dinâmico, não se oporia a uma escola “que pede pouco, que não valoriza as capacidades criativas, pois ninguém consegue operacionalizá-las sem que haja oportunidades, estímulos à ação” (Rodrigues, 1973b, p. 6).
Se seu projeto tivesse por finalidade o “deixar fazer”, não persistiria na formação de professores. Até antes da criação dos cursos de Licenciatura em Educação Artística, em 1973, o Curso Intensivo de Arte na Educação, oferecido pela Escolinha de Arte do Brasil, era o único destinado a professores em educação através da arte. Para Rodrigues, o professor deve compreender as diferentes maneiras de ver, pois, para que este profissional possa formular seus próprios problemas, deve ter consciência dos conflitos, inconsistências e incongruências inerentes à sua própria percepção.
Na década de 1980, um grupo de artistas e educadores envolvidos com a questão do ensino da arte juntou-se àqueles que se voltaram para o estudo da História da Educação no Brasil, debruçando-se sobre a Escola Nova. Nessa época construiu-se uma argumentação segundo a qual a Escola Nova preocupara-se apenas com as inovações metodológicas do processo de ensino e aprendizagem - negligenciando o conteúdo que deveria ser ensinado - o que teria confundido os professores, levando-os a se perderem diante de tantos meios e técnicas diferenciadas. No ambiente educacional tratava-se de desmistificar o otimismo pedagógico, ao se afirmar que toda educação é política e se constitui segundo os sistemas de educação implantados pelos Estados modernos, num processo pelo qual as classes dominantes preparam a mentalidade, a ideologia, a conduta das crianças, para que reproduzam a mesma sociedade e não para transformá-la (Gadotti,1993). No campo da educação, a reflexão histórico-filosófica, de extração marxista, sobre o escolanovismo caminhou no sentido da “história tribunal”. Essa atitude acabou engendrando uma interpretação maniqueísta daquele movimento renovador. No entendimento da facção católica da década de 1930, tal grupo era tido como ameaça comunista, por suas idéias socializantes, e viu-se transformado, nos anos 1980, em sonegador das condições de escolarização das camadas populares (Brandão, 1998).
Todas as tendências alicerçadas na atividade e interesse do educando se viram eclipsadas pelas críticas marxistas às propostas humanistas e pela voga de pedagogias mais centradas na importância do conteúdo que se ensina. A valorização do processo vivido pelo educando em atividade passou a ser entendida como um princípio conservador, que não estimulava a visão crítica. O objetivo da educação através da arte, o qual era desenvolver a criatividade e a imaginação pela livre expressão, começou a ser substituído pelo da aprendizagem conceitual da estética, história e crítica, além das atividades de criação. Augusto Rodrigues insistia na importância do processo de descoberta vivido pela criança e entendia sua própria experiência como sendo um desdobramento da abertura criada pelos renovadores.
O legado para a educação brasileira
Rodrigues foi um homem de ação, um realizador: “As idéias, em educação, só têm sentido se saem da pura elaboração teórica para as realizações” (Rodrigues,1973a, p. 255). Se entendermos a filosofia como um exercício de compreensão do mundo que norteia a vida, que dirige nossas ações, podemos apontar Rodrigues como um filósofo da arte-educação brasileira. Não um filósofo consagrado pelo uso da sociedade de discurso. Bruyne (1991) afirma que a sociedade de discurso - formada pelo conjunto dos pesquisadores, teorias, rituais e normas das instiuições acadêmicas e científicas - possibilita o espaço crítico de controle mútuo, de elaboração intersubjetiva que garante a objetividade científica, porém apresenta aspectos nefastos como o conservadorismo, dogmatismo e nepotismo. Rodrigues também não foi formado pela instituição escolar, o que lhe inviabilizara qualquer posterior formação acadêmica, como o mesmo reconhecia; portanto não foi treinado para pensar “separando”, não apresentava as características do “pensamento disjuntivo”, essa forma de pensamento que, de acordo com Morin (1996), se impõe em nossa mente desde a infância, se desenvolve na escola, na universidade e se incrusta na especialização. A produção teórica de Rodrigues não apresenta as características valorizadas pela sociedade de discurso, não começou pelo estudo da filosofia da educação ou da arte, mas pela livre investigação com a criança, para melhor compreender a experiência humana da aprendizagem. Sua produção é uma constante atenção ao mundo, ao espaço e tempo vividos na busca dos pequenos detalhes que resultaram de seus múltiplos encontros com os outros, com a arte, com a política, com a filosofia, com a educação.
Rodrigues considerava a educação como a “tarefa mais complexa do homem porque afinal educação é o processo de fazer a nova humanidade” (Rodrigues,1973b, p.5). Com as fortes tonalidades do humanismo, configurou uma abordagem salientando a relação, 9 pois entendia que o desenvolvimento humano, o crescimento, o conhecimento resultam das relações que se estabelecem a partir da confiança e do respeito. Propunha a “formação de um Homem equipado para o convívio amorável - que significa a existência de um espaço coletivo de compreensão maior do amor- a fraternidade entre os povos e para a paz”(Rodrigues,1984, p.2).
Ao modo interacionista, considerava o conhecimento como uma elaboração contínua que envolve a descoberta e a criação em constante diálogo com todas as pessoas e objetos que nos rodeiam. Para Rodrigues, o exercício da arte é tão desafiador e complexo que conduz ao autoconhecimento, desenvolve a capacidade seletiva que permite perceber o mundo de uma maneira mais intensificada a ponto de “preservar o clima espiritual de compreensão entre os homens” (Rodrigues,1971, p.7). Considerava a arte capaz de preservar o clima espiritual de compreensão entre os homens, mas valorizava igualmente a ciência, pois afirmava não ser possível existir ciência sem imaginação e muito menos arte sem conhecimento. Após 20 anos de experiência do fazer artístico com a criança, Rodrigues afirmava, na década de 1960: “É preciso dar à criança do século XX maior oportunidade de convivência e compreensão da máquina. Ela tem de senti-la, compreendê-la. Mais que isso, poder armar, desarmar com suas próprias mãos, para perceber a sua mecânica e também entender a sua função, sentir familiaridade com mais uma maneira de expressar-se de maneira criadora” (Rodrigues, citado por Vinte, 1968, p.55).
Augusto Rodrigues também alertou os educadores para a questão da corporeidade. Maffesoli (1995) define a corporeidade como o ambiente geral no qual os corpos se situam uns em relação aos outros, sejam os corpos pessoais ou metafóricos. Rodrigues propunha o corpo como ponto de partida para o autoconhecimento, o que, conseqüentemente, predisporia ao conhecimento do outro. Ressaltava que a melhor forma de comunicar consiste em aproximar-se desse outro pelo que seja mais familiar e próximo de ambos, ou seja, o corpo, que está sempre presente, que engendra comunicação, que ocupa o espaço, que é visto. Rodrigues reconhecia a necessidade de expressão da dinâmica criativa corpo-mente para o processo de aprendizagem, o corpo como referência fundante de toda aprendizagem. Para tanto recomendava uma pedagogia plástica, que não se desencontrasse da alegria de viver. Insistia na preservação do entusiasmo, da alegria, do prazer que tem o poder de redobrar as emoções puramente intelectuais, trazendo-lhes o reforço de uma exaltação quase física.
Enfatizava uma solidariedade social que não seria definida apenas pelo aspecto racional, contratual, mas que se elaboraria a partir de relações amoráveis, de atrações, emoções. Para Rodrigues o um pressupõe a existência do outro, no qual e com o qual somos 10 capazes de reconhecimento. Propunha ainda fomentar a consciência cultural, para que cada pessoa reconhecesse e apreciasse sua cultura, não como uma forma fixa, congelada, mas enriquecida pelo diálogo com outras culturas. Rodrigues celebrava as diferentes manifestações culturais e ambicionava instituições igualmente abertas. Sensível às variações ambientais, finalizava sua obra alertando para as pequenas questões do cotidiano, em uma mistura orgânica de elementos arcaicos, como a comunidade, a cultura local e a atenção à natureza, e ao prazer, tanto quanto ao aspecto comunicacional do avanço tecnológico
Fonte: Sociedade Brasileira de História e Educação, por Maria Emilia Sardelich em Universidade Estadual de Feira de Santana (BA)