Raimundo Brandão Cela (Sobral, CE, 19 de julho de 1890 — Niterói, RJ, 6 de novembro de 1954), mais conhecido como Raimundo Cela, foi um pintor, desenhista, gravador, professor e engenheiro brasileiro. Estudou na Escola Nacional de Belas Artes e lecionou gravura em metal na Enba. A produção de Raimundo Cela permanece isolada, à margem do modernismo e de outros movimentos transformadores nas artes do Brasil. Revela, entretanto, a paisagem e as figuras populares do Ceará, com sensibilidade e inquietação em face das questões sociais de seu tempo. São constantes em sua produção as paisagens litorâneas e as atividades de vaqueiros, pescadores e jangadeiros, pintadas com paleta clara e luminosa. Destaca-se também sua obra gráfica, que revela domínio técnico da gravura em metal. Expôs por diversas vezes no Brasil e também na França. Venceu a 24º Exposição Geral de Belas Artes, com a pintura "O último diálogo de Sócrates", recebendo o prêmio de viagem ao estrangeiro para continuar seus estudos na Europa. Sua obra cria uma nova visualidade para o cearense, e, não por acaso, ele torna-se conhecido como o Pintor do Nordeste.
Biografia – Itaú Cultural
Forma-se em ciências e letras no Liceu do Ceará. Em 1910, mudou-se para o Rio de Janeiro e se matriculou como aluno livre da Escola Nacional de Belas Artes - Enba. É aluno de Zeferino da Costa (1840 - 1915), Eliseu Visconti (1866 - 1944) e Baptista da Costa (1865 - 1926). Nessa época, titulava-se em engenharia, pela Escola Politécnica. Entre 1917 e 1922, viaja a Paris para aperfeiçoar-se. Quando volta ao Brasil, por problemas de saúde, reside em Camocim, no interior do Ceará, e trabalha como engenheiro. Em 1938, criou um painel sobre a abolição da escravatura para o Palácio do Governo do Estado, em Fortaleza. Voltou a dedicar-se à carreira de artista plástico de forma mais enfática após 1940, quando se mudou para Niterói, no Rio de Janeiro. A partir dessa data leciona gravura em metal na Enba. Realiza a primeira mostra individual em 1945, no Museu Nacional de Belas Artes - MNBA, no Rio de Janeiro. São temas constantes em sua produção as paisagens, os tipos populares e o trabalho de vaqueiros e pescadores de sua terra natal. Destaca-se também sua obra gráfica, na qual retoma a mesma temática. Após sua morte, é criada a Casa Raimundo Cela, Centro de Artes Visuais, em Fortaleza, onde ocorre, em 1970, uma mostra de artistas cearenses com o lançamento de uma monografia sobre o artista. Em 2004, é lançado o livro Raimundo Cela: 1890-1954, de autoria de Estrigas, pela editora Pinakotheke.
Análise
A produção de Raimundo Cela permanece isolada, à margem do modernismo e de outros movimentos transformadores nas artes do Brasil. Revela, entretanto, a paisagem e as figuras populares do Ceará, com sensibilidade e inquietação em face das questões sociais de seu tempo. São constantes em sua produção as paisagens litorâneas e as atividades de vaqueiros, pescadores e jangadeiros, pintadas com paleta clara e luminosa.
Destaca-se também sua obra gráfica, que revela domínio técnico da gravura em metal. Trata dos temas recorrentes em sua pintura: paisagens, cenas cotidianas e tipos populares, utilizando o claro-escuro de forma controlada.
Exposições Coletivas
1916 - Rio de Janeiro RJ - 23ª Exposição Geral de Belas Artes, na Enba - pequena medalha de prata
1917 - Rio de Janeiro RJ - 24ª Exposição Geral de Belas Artes, na Enba - prêmio de viagem ao exterior
1918 - Rio de Janeiro RJ - 25ª Exposição Geral de Belas Artes, na Enba
1919 - Rio de Janeiro RJ - Exposição Carioca de Gravura e Água-Forte
1922 - Paris (França) - Salão dos Artistas Franceses
1943 - Fortaleza CE - 1º Salão de Abril
1943 - São Paulo SP - 9º Salão Paulista de Belas Artes, na Galeria Prestes Maia - pequena medalha de ouro
1945 - Rio de Janeiro RJ - 51º Salão Nacional de Belas Artes, no MNBA - medalha de ouro em pintura
1947 - Rio de Janeiro RJ - 53º Salão Nacional de Belas Artes, no MNBA - medalha de ouro em gravura
Exposições Póstumas
1964 - Rio de Janeiro RJ - Sala Especial dedicada a sua obra de gravador, no MNBA
1970 - Fortaleza CE - Coletiva de artistas cearenses, na Casa de Raimundo Cela
1978 - Rio de Janeiro RJ - 1º Salão Nacional de Artes Plásticas, no MNBA
1989 - Fortaleza CE - Arte Brasileira dos Séculos XIX e XX nas Coleções Cearenses: pinturas e desenhos, no Espaço Cultural da Unifor
1991 - Fortaleza CE - Scap: 50 anos, no Imperial Othon Palace Hotel
1992 - Rio de Janeiro RJ - Gravura de Arte no Brasil: proposta para um mapeamento, no CCBB
1999 - Rio de Janeiro RJ - Mostra Rio Gravura. Gravura Moderna Brasileira: acervo Museu Nacional de Belas Artes, no MNBA
2003 - São Paulo SP - Arte e Sociedade: uma relação polêmica, no Itaú Cultural
Fonte: RAIMUNDO Cela. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2022. Acesso em: 04 de outubro de 2022. Verbete da Enciclopédia. ISBN: 978-85-7979-060-7
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Biografia – Wikipédia
Filho do mecânico espanhol José Maria Mosquera Cela (1857 - 1923) e da professora sobralense Maria Carolina Brandão Cela (1854 - 1927). Com quatro anos de idade a família se mudou para a cidade litorânea de Camocim onde o pai deveria assumir as oficinas da estrada de ferro e a mãe lecionar na escola de primeiras letras. Foi aí que Raimundo Cela e seus irmãos fizeram com a própria mãe os estudos iniciais de escrita e leitura.
No ano de 1906 é mandado para Fortaleza a fim de estudar no conceituado Liceu Cearense onde recebeu o diploma de bacharel em Ciências e Letras.
No Rio de Janeiro
Em 1910 chega ao Rio de Janeiro e, atendendo a sua inata inclinação para as artes, matricula-se na Escola Nacional de Belas Artes como aluno livre. Teve por mestres Zeferino da Costa em modelo vivo, e Eliseu Visconti e Batista da Costa em pintura. Ao mesmo tempo, inscreve-se na Escola Politécnica pois era desejo de seu pai que se tornasse engenheiro. Três anos depois, recebe o grau de Engenheiro-geógrafo.
Em 1916 participa pela primeira vez do Salão da Escola Nacional de Belas Artes e conquista a Pequena Medalha de prata. No ano seguinte, recebe o cobiçado Prêmio de Viagem ao estrangeiro.
Na Europa
Na Europa, estudou gravura com Frank Brangwyn, pintor, gravador e litógrafo inglês.
Pinacoteca de Sobral
Em 2016 peças de sua autoria e ou de coleção de foram doadas por familiares de Raimundo Cela para compor o acervo da Pinacoteca de Sobral, terra natal do artista.
Fonte: Wikipédia. Consultado pela última vez em 4 de outubro de 2022.
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Exposição Raimundo Cela - FAAP
Raimundo Cela nasceu em 1890, em Sobral, no interior do Ceará, mas cresceu em uma cidade litorânea próxima: Camocim. O artista - criado em um meio familiar culto - foi para o Rio de Janeiro em 1910 estudar engenharia, desejo de seu pai, e pintura, por ambição própria. Formou-se sob orientação dos maiores mestres do começo do século, tendo contato especial com Eliseu Visconti.
A pintura de Cela inicia-se totalmente acadêmica, tendo ele recebido, em 1917, como prêmio, uma viagem à Paris do Salão Nacional de Belas Artes, pela obra clássica Último Diálogo de Sócrates. A viagem só ocorreu em 1920, devido à guerra.
O artista permaneceu na França por dois anos, quando dedicou-se ao aprendizado da gravura em metal com Frane Brangwyn, pintor, gravador e litógrafo inglês. Seu trabalho nessa técnica é de excepcional qualidade. Suas gravuras, segundo o artista plástico e professor formado pela Escola de Belas Artes da UFRJ, Adir Botelho, não são apenas registros gráficos, históricos, são obras universais no sentido e na expressão. Foi o pioneiro do ensino da gravura em metal na Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, lecionando durante nove anos.
De volta ao Brasil, foi viver em Camocim, onde trabalhou durante dez anos como engenheiro de uma pequena usina elétrica. Em 1938, a pintura de um painel para o governo do Estado, representando a libertação dos escravos do Ceará o trouxe de volta à vida artística. Pouco depois, em 1940, estabeleceu-se em Fortaleza. O artista francês Jean Pierre Chabloz o conheceu nessa fase e encantou-se com sua obra.
Raimundo Cela, sendo um moderno, nunca foi um modernista. Ele apareceu justamente no momento da história cultural em que as artes iam ser atingidas pelo radicalismo de 1922. Criou-se, então, o mito que hoje vem sendo revisto pelos estudos sobre o pré-modernismo, de que aconteceu um hiato entre os mestres do século XIX e a Semana de Arte Moderna. Neste período, nada teria sido produzido de interessante e criativo. Os que surgiram naquela fase foram mantidos numa espécie de limbo cultural. Mas o valor da arte de Raimundo Cela deve-se ao fato de ter sido concebida à margem das escolas, de não ter sido contaminada pelos modismos passageiros.
Raimundo Cela retornou ao Rio de Janeiro em 1945. Tornou-se professor de gravura em metal da Escola Nacional de Belas Artes, cargo que ocuparia até a sua morte, em 1954. Nesta última fase da carreira, o pintor foi duas vezes premiado com a medalha de ouro do Salão Nacional de Belas Artes.
Exposição
O Museu de Arte Brasileira da FAAP (MAB-FAAP) realiza, a partir de 12 de junho, a exposição de Raimundo Cela (1890-1954), principal artista cearense de sua geração. Reunindo 120 obras, a retrospectiva apresenta o percurso do artista desde suas obras acadêmicas até os últimos trabalhos, plenos de ritmo e emoção.
Com curadoria de Denise Mattar, que tem como proposta resgatar artistas de qualidade que ficaram à margem da história oficial da arte brasileira, a mostra “Raimundo Cela – um mestre brasileiro” apresenta a obra de um realizador muito respeitado entre os estudiosos, mas pouco conhecido do público em geral.
Maior retrospectiva já realizada do pintor cearense, a mostra abarca sua trajetória, a partir de momentos chave que representam o início de um novo ciclo em sua obra.
A exposição inicia com seus primeiros trabalhos, marcados pela influência do academicismo. São obras determinadas pelo perfeito domínio da técnica clássica, na composição de telas figurativas, evocações à Antiguidade Clássica e à paisagem brasileira. Nesse setor, destacam-se, entre outras, obras como Último diálogo de Sócrates (1917), premiada no Salão Nacional de Belas Artes e que garantiu ao artista uma viagem a Paris, na França.
Devido à Primeira Guerra Mundial, a viagem foi realizada apenas em 1920, justamente o princípio dos anos “loucos” da capital francesa, onde Cela dedica-se aos estudos da gravura em metal, dando uma nova perspectiva à sua obra, não apenas na técnica, mas também na temática.
Ao longo dos anos em que permanece em Paris, o artista retratou em seus desenhos, óleos e gravuras, cenas da paisagem francesa, como na tela Paisagem de Saint-Agrève (1921), e da realidade parisiense e de seus tipos, em estudos de nus e nos desenhos Ferreiro e Funileiro (1921).
Um dos grandes destaques da exposição, e da obra de Raimundo Cela, o painel Abolição (1938) estará reproduzido na mostra em seu tamanho original. Primeiro estado brasileiro a abolir a escravatura, em 25 de março de 1884, o Ceará, terra natal de Cela, encomenda ao artista, em 1938, um painel que simboliza o momento histórico tão marcante na história do Ceará e do Brasil.
Na mostra individual, o público poderá ter acesso a uma visão única do Ceará. Em seus quadros está a melhor tradução dessa paisagem nordestina, como na série Pinturas Brancas, de marinas e paisagens. Cela também foi um “caçador de almas” e dos tipos cearenses, com destaque para as figuras populares, como pescadores, vaqueiros, rendeiras e os jangadeiros, estes representados em uma série de obras criadas entre 1940 e 1946. Na mostra, essas produções estarão dispostas de modo narrativo, representando a sequência de ações que levam a jangada ao mar.
A exposição tem o patrocínio da Minalba e, depois da temporada no MAB-FAAP, segue para o Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro.
Fonte: FAAP. Consultado pela última vez em 4 de outubro de 2022.
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Coleção Raimundo Cela
Raimundo Brandão Cela, nasceu em Sobral, no dia 19 de julho de 1890. Cela ingressa no Liceu do Ceará, formando-se em Ciências e Letras. Em 1910 muda-se para o Rio de Janeiro, frequentando a Escola Nacional de Belas Artes, sendo aluno de Zeferino da Costa, Eliseu Visconti e Baptista da Costa.
Em 1917, obtém o prêmio de Viagem ao Estrangeiro pela obra “Último Diálogo com Sócrates”. Morando em Paris entre anos de 1917 a 1922, viaja para Inglaterra, Bélgica, Holanda e Espanha e estuda gravura em metal com Frank Branwyn.
Ao retornar para o Brasil, muda-se para Camocim, interior do Ceará, e passa a trabalhar como engenheiro. Em 1938, o artista pinta o quadro “Abolição dos Escravos” para o Palácio do Governo do Ceará, representando a imagem que remete a Liberdade, e alguns importantes líderes e intelectuais abolicionistas.
Participou do I Salão Cearense de Pintura e do I Salão de Abril, no Ceará; do IX Salão Paulista de Belas Artes, em São Paulo; do Salão Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, quando recebeu a Medalha de Ouro em Pintura e a Medalha de Ouro em Gravura, entre outras consideráveis exposições e conquistas.
Em 1957, no período que denominamos pré-MAUC, participou de uma retrospectiva com Vicente Leite, no Salão Nobre da Reitoria como parte do projeto artístico cultural da Universidade. No ano de instalação do MAUC, em 1961, o museu promove uma retrospectiva do pintor. Com o maior acervo do artista no Estado do Ceará, em 1979, foi inaugurada a Sala Raimundo Cela. Em 1990, comemorando o Centenário de nascimento de Cela, o MAUC realiza uma exposição comemorativa com 71 obras do artista.
Pintor, desenhista e gravador, tem como temática abordada característica a tipologia da terra, isto é, os tipos humanos regionais, com perspectiva formal estética. Dessa forma, retratou a força do trabalhador, desvencilhando-o da imagem de pobreza, além de tornar o jangadeiro um emblema e enriquecer a memória do Ceará.
Com telas luminosas e claras, representadas ali os pescadores, os vaqueiros, os artesãos, os operários e os jangadeiros, em sua maioria, o mestre Raimundo Brandão Cela representa um grande marco para a arte regional, tornando-se um pintor renomado para o patrimônio artístico cearense.
Raimundo Cela faleceu no Rio de Janeiro em 06 de novembro de 1954.
Fonte: Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará. Consultado pela última vez em 4 de outubro de 2022.
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120 pinturas incríveis que retratam a trajetória de Raimundo Cela – Art Ref
Quem é o artista?
Raimundo Cela, sendo um moderno, nunca foi um modernista. Ele apareceu justamente naquele momento de nossa história cultural em que as artes iam ser atingidas pelo radicalismo de 1922. Criou-se, então, o mito, que hoje vem sendo revisto pelos estudos sobre o pré-modernismo, de que aconteceu um hiato entre os mestres do século XIX e a Semana de Arte Moderna. Mas o valor da arte de Raimundo Cela deve-se ao fato de ter sido concebida à margem das escolas, de não ter sido contaminada pelos modismos passageiros.
A exposição de Raimundo Cela traz para o eixo Rio-São Paulo a memória de um dos mais importantes artistas cearenses.
A exposição de Raimundo Cela (1890-1954), principal artista cearense de sua geração. Reunindo 120 obras, a retrospectiva apresentará o percurso do artista desde suas obras acadêmicas até os últimos trabalhos, plenos de ritmo e emoção. Com curadoria de Denise Mattar, que tem como proposta resgatar artistas de qualidade que ficaram à margem da história oficial da arte brasileira, a exposição Raimundo Cela vai apresentar aos paulistas e cariocas a obra de um realizador muito respeitado entre os estudiosos, mas pouco conhecido do público em geral.
A exposição reúne obras das seguintes instituições: Museu de Arte da Universidade Federal, do Ceará do Instituto Dragão do Mar, Palácio da Abolição, Palácio Iracema em Fortaleza, e do Museu Nacional de Belas Artes no Rio de Janeiro, além de 14 coleções particulares de Fortaleza e São Paulo. Em contribuição à preservação da memória do artista e de sua obra, o Projeto Raimundo Cela: um mestre brasileiro realizará o restauro de quatro obras do artista, sendo três obras pertencentes ao acervo do Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará – MAUC: Rendeira (1931, Óleo sobre madeira, 32 x 40,5 cm); Cabeça de vaqueiro (1931, Óleo sobre madeira, 38 x 46 cm) e Cabeça de Jangadeiro (1933, Óleo sobre madeira, 38 x 46 cm).
Da coleção do Governo do Estado do Ceará – Instituto Dragão do Mar será restaurada a obra Catequese (Óleo sobre tela 190 x 200 cm). Essas obras serão apresentadas na itinerância da mostra para o Museu Nacional de Belas Artes em outubro deste ano.
A exposição
Maior retrospectiva já realizada do pintor cearense, a mostra abarca sua trajetória, a partir dos momentos-chave, que representam o início de um novo ciclo em sua obra.
A exposição abre com desenhos introdutórios e preparatórios e óleos de seus primeiros trabalhos, marcados pela influência do academicismo, ou seja, obras determinadas pelo perfeito domínio da técnica clássica, na composição de telas figurativas, evocações à Antiguidade Clássica e à paisagem brasileira. Nesse setor, destacam-se, entre outras, obras como Último diálogo de Sócrates (1917), premiada no Salão Nacional de Belas Artes com uma viagem a Paris.
Por causa da Primeira Guerra, a viagem acontece apenas em 1920, justamente o princípio dos anos loucos da capital francesa, onde Cela dedica-se aos estudos da gravura em metal, dando uma nova perspectiva à sua obra, não apenas na técnica, como também na temática. Ao longo dos anos em que permanece em Paris, como o público verá na exposição, seus desenhos, óleos e gravuras retratam cenas da paisagem francesa, como na tela Paisagem de Saint-Agrève (1921), e da realidade parisiense e de seus tipos, em estudos de nus e nos desenhos Ferreiro e Funileiro (1921).
Um dos grandes destaques da exposição, e da obra de Cela, o painel Abolição (1938), estará reproduzido na mostra em seu tamanho original. Primeiro estado brasileiro a abolir a escravatura, em 25 de Março de 1884, o Ceará, terra-natal de Cela, encomenda a ele, em 1938, um painel que simbolize o momento histórico tão marcante na história do Ceará e do Brasil.
Na individual, o público poderá ter acesso a uma visão única do Ceará. Um Ceará da gente do mar, com muita luz, vento, areia e água salgada. Certamente está em seus quadros a melhor tradução dessa paisagem nordestina, como na série Pinturas Brancas, de marinas e paisagens. Cela também foi um caçador de almas e dos tipos cearenses, com destaque para as figuras populares, como pescadores, vaqueiros, rendeiras e os jangadeiros, estes representados em uma série de obras criadas entre 1940 e 1946 que, na mostra, estarão dispostas de modo narrativo, mostrando a sequência de ações que levam a jangada ao mar.
A exposição reúne obras das seguintes instituições: Museu de Arte da Universidade Federal, do Ceará do Instituto Dragão do Mar, Palácio da Abolição, Palácio Iracema em Fortaleza, e do Museu Nacional de Belas Artes no Rio de Janeiro, além de 14 coleções particulares de Fortaleza e São Paulo. Como uma contribuição a memória do artista e preservação de sua obra, o Projeto Raimundo Cela: um mestre brasileiro, realizará o restauro de quatro obras do artista, sendo três obras pertencentes ao acervo do Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará – MAUC: Rendeira (1931, Óleo sobre madeira, 32 x 40,5 cm); Cabeça de vaqueiro (1931, Óleo sobre madeira, 38 x 46 cm) e Cabeça de Jangadeiro (1933, Óleo sobre madeira, 38 x 46 cm). E da Coleção do Governo do Estado do Ceará – Instituto Dragão do Mar será restaurada a obra Catequese (Óleo sobre tela 190 x 200 cm). Essas obras serão apresentadas na itinerância da mostra para o Museu Nacional de Belas Artes em outubro deste ano.
Vida e obra
Raimundo Cela nasceu em 1890, em Sobral, no interior do Ceará, mas cresceu em uma cidade litorânea próxima: Camocim. O artista foi criado em um meio familiar culto. Cela foi para o Rio de Janeiro em 1910 estudar engenharia, desejo de seu pai, e pintura, por ambição própria. Formou-se sob orientação dos maiores mestres do começo do século, tendo contato especial com Eliseu Visconti.
A pintura de Cela inicia-se totalmente acadêmica, tendo ele recebido, em 1917, o prêmio de viagem ao exterior do Salão Nacional de Belas Artes, pela obra clássica “Último Diálogo de Sócrates”.
Por causa da Guerra só viajou em 1920. Permaneceu na França por dois anos, quando dedicou-se ao aprendizado da gravura em metal com Frane Brangwyn, pintor, gravador e litógrafo inglês. Seu trabalho nessa técnica é de excepcional qualidade. Suas gravuras, segundo Adir Botelho, não são apenas registros gráficos, históricos, são obras universais no sentido e na expressão. Foi o pioneiro do ensino da gravura em metal na Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, lecionando durante nove anos.
De volta ao Brasil, foi viver em Camocim, onde trabalhou durante dez anos como engenheiro de uma pequena usina elétrica. Em 1938, a pintura de um painel para o governo do Estado representando a libertação dos escravos do Ceará o trouxe de volta à vida artística. Pouco depois, em 1940, estabeleceu-se em Fortaleza. O artista francês Jean Pierre Chabloz o conheceu nessa fase e encantou-se com sua obra.
Nas palavras de Cláudio Valério Teixeira (artista plástico, restaurador e crítico de arte): “Na obra de Cela nada é inocência, tudo é fruto de planejamento, economia e técnica. Mas tudo é também movimento, força, agilidade e graça. Sua arte não procura simplesmente imitar as coisas representadas, é de uma beleza solene, meio melancólica, mas luminosa”.
O pintor retornou ao Rio de Janeiro em 1945. Tornou-se professor de gravura em metal da Escola Nacional de Belas Artes, cargo que ocuparia até a sua morte, em 1954. Nesta última fase da carreira, Cela foi duas vezes premiado com a medalha de ouro do Salão Nacional de Belas Artes.
Fonte: Art Ref, "120 pinturas incríveis que retratam a trajetória de Raimundo Cela", publicado em 6 de junho de 2016. Consultado pela última vez em 4 de outubro de 2022.
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Raimundo Cela, um mestre brasileiro | Almeida e Dale
Uma janela para o Ceará
A arte de Raimundo Cela nos proporciona uma janela para o Ceará. Um Ceará de praias oceânicas, de jangadas e de jangadeiros. Um Ceará da gente do mar, com muita luz, vento, areia e água salgada. Certamente está na obra de Raimundo Cela a melhor tradução pictórica dessa paisagem nordestina tão impregnada de sensações para os que nela viveram. Vendo suas jangadas balançando por força das ondas e do vento, a vontade que dá é de cantar aquela famosa canção de Luiz Gonzaga: "olha palha do coqueiro quando vento dá/ olha o tombo da jangada nas ondas do mar... "
Raimundo Brandão Cela foi um pintor cearense do começo do século XX. Um artista singular não só pela qualidade da obra que nos legou como também pela trajetória que seguiu, tão diversa da de outros artistas seus contemporâneos. Ele nasceu em 1890, em Sobral, no interior do Ceará, mas a família Cela se mudou quando ele tinha quatro anos para a cidade litorânea mais próxima: Camocim. Se tivesse crescido em Sobral certamente os temas que mais o inspirariam estariam associados à paisagem árida, ao calor inclemente e ao sol causticante dessa rica e pitoresca cidade do norte do Ceará. Mas crescer na bela Camocim, banhada pelo rio Coreaú, beijada pela brisa do Atlântico, ouvindo a pancada das ondas, vendo o movimento dos barcos e dos pescadores marcou seu espírito e impregnou sua arte de forma definitiva.
Origens
O pai de Cela era o espanhol José Maria Mosqueira Cela, chefe das oficinas da Estrada de Ferro de Sobral que se casara naquela cidade com a professora Maria Carolina Brandão, três anos mais velha que ele. Ter mãe professora fazia grande diferença no Ceará do final do século XIX e os filhos do casal fizeram seus estudos iniciais em casa. Ainda adolescente, Raimundo Cela foi matriculado no Liceu do Ceará, em Fortaleza, seguindo, em 1910, para o Rio de Janeiro onde se formaria engenheiro como desejava o pai e pintor como ele mesmo desejava. Em 1913, trabalhou com o Marechal Rondon na “repartição geral de proteção ao índio”, conforme contou em carta para o pai. Na Escola Nacional de Belas Artes, no Rio, estudou sob a orientação dos maiores mestres do começo do século, sendo especialmente influenciado por Eliseu Visconti de quem se tornou aluno dileto.
Em 1917, Cela ganhou o prêmio de viagem do Salão Nacional de Belas Artes. Por causa da Grande Guerra e da necessidade de concluir o curso de engenharia, só viajou mesmo em 1920. Permaneceu na França três anos, onde se dedicou ao aprendizado da gravura em metal. É considerado um dos maiores no gênero e suas gravuras, na visão de Adir Botelho, representam um dos raros momentos na história da gravura brasileira em que o ideal artístico encontra um equilíbrio e um acordo perfeitos. A experiência internacional foi importante em sua vida tanto do ponto de vista pessoal quanto do aprimoramento de novas técnicas e talvez houvesse prolongado a permanência na Europa se não tivesse ficado doente. Doença que fora causada, segundo os médicos, pelo excesso de trabalho. E isto também nos revela um pouco desse artista aparentemente calmo, reservado, metódico e disciplinado mas que investia uma paixão tão febril em sua arte a ponto de adoecer mais de uma vez.
Com a morte do pai, em 1924, Cela preferiu se estabelecer no Camocim, onde trabalhou durante dez anos como gerente da Companhia de Força e Luz de Camocim – CFLC, pequena empresa de iluminação à gás que constituíram junto com o irmão, Fernando Cela. Mantinha o ateliê ao lado da usina e o jovem pintor e poeta, Otacílio de Azevedo, que ali o visitou, ficou impressionado com a riqueza da obra que reunira naqueles anos de afastamento.
“Uma das mais extraordinárias surpresas da minha vida foi quando, como fotógrafo, em 1933, fui, por intermédio de Péricles Serpa, visitar em Camocim, o ateliê de Raimundo Cela. Ao penetrar no recinto, parecia-me tudo aquilo uma estranha aventura arrancada das páginas das ‘Mil e uma noites’, tal a riqueza de quadros deslumbrantes que me ofuscavam a vista”.
Luz e força
Pintor e engenheiro, artista e engenheiro, foi Raimundo Cela uma contradição em termos? Pode ser, mas talvez a engenharia explique muito da qualidade de sua arte. Segundo Cláudio Valério Teixeira, na obra de Cela nada é inocência, tudo é fruto de planejamento, economia e técnica. Mas, o equilíbrio racional que daí resulta não faz da sua, uma arte que tenta imitar formalmente as coisas representadas. Nela tudo também é movimento, emoção, agilidade e graça. Se os assuntos de Cela são geralmente brasileiros e mais precisamente cearenses, se sua arte é fruto de sua apurada sensibilidade, sua técnica sutil e equilibrada foi desenvolvida ao longo dos anos de rigorosos estudos no Rio de Janeiro e na Europa.
Seus grupos de trabalhadores do mar têm uma beleza solene, meio melancólica, apesar das luzes e das cores. O olhar é atraído por um detalhe: a cabeça, as costas, as pernas dos jangadeiros, sem desprezar o conjunto em que a harmonia dos movimentos, dos gestos e das formas impactam pela naturalidade com que nos capturam. Seus quadros nos revelam, de uma maneira muito sutil, sem grandiloquência ou pieguice, a poesia que inspira a visão dos pescadores e de suas jangadas nas praias do Ceará. Suas cores são alegres e vibrantes mas matizadas pelos rosas e azuis claros que evitam que o trabalho se deixe corromper pela tentação do excesso normalmente associado à representação da paisagem tropical. De suas telas emana uma luminosidade difusa como a de Turner mas muito mais serena, obtida pela equilibrada distribuição das cores, dos cinzas e do brancos.
Cláudio Valério identifica em seu trabalho a simbiose da pintura com a aquarela: uma seleção de pigmentos de quem já havia olhado a pintura impressionista e por ela se deixado envolver, uma paleta aberta cujas cores luminosas tomam o lugar das terrosas. Sem prejuízo dessas que aparecem nas tradicionais roupas masculinas, calça e camisão de linho cru, tingidas de um marrom intenso, avermelhado, tão característica do povo do Ceará do seu tempo. O crítico chama a atenção para o tratamento que Cela dá às suas figuras, nas quais o recurso ao traço quase caricatural e deformador subtrai de seus desenhos o caráter naturalista, fazendo-os ganhar em expressividade.
Se seus quadros são antecedidos de um planejamento e de muitos esboços, o resultado das composições nada perde em liberdade e naturalidade e é definido pelo que Claudio Valério chama de “verdadeira transfiguração do aprendizado acadêmico”. O importante, acrescenta: é verificar como o artista vai transformando a forma clássica – poses típicas de estudos de academia – em traços pessoais, desenhos menos laboriosos, realizados ao natural, agregando características formais inteiramente próprias. A seu ver, o principal tema da arte de Cela é a força: linhas e formas exercem e traduzem tensões, antagonismos criados nos retângulos do suporte confirmam seu principal interesse, em detrimento do meramente anedótico, da simples narrativa das cenas, das ilustração dos fatos.
Raimundo Cela apareceu justamente naquele momento de nossa história cultural em que as artes iam ser atingidas pelo radicalismo de 1922. Criou-se então o mito, que hoje vem sendo revisto pelos estudos sobre pré-modernismo, de que havido um hiato entre os mestres do século XIX e a Semana de Arte Moderna. Nesse período nada teria sido produzido de interessante e criativo. Os que surgiram naquela fase foram mantidos assim numa espécie de abandono crítico. Foi nesse limbo cultural que durante muito tempo tentaram alojar Raimundo Cela. Ele foi, na verdade, um artista do século XX, com características de formação e interesses temáticos que remetem à sua primeira metade. Raimundo Cela, sendo um moderno, nunca foi um modernista. Mantendo-se alheio às escolas, não sucumbindo ao apelo fácil do modernismo, o artista escapou de ser contagiado pelas tendências então em voga. Talvez o fato de ter se mantido tanto tempo afastado do meio artístico, pintando seus quadros na tranquila Camocim, tenha contribuído, ao lado das convicções que orientavam a vida do artista, para a singularidade de sua arte.
Um homem singular
Era, segundo o relato dos que o conheceram, um homem sóbrio e discreto sem, no entanto, ser antipático. Ao contrário, os íntimos o descrevem como alguém afável, alegre e conversador. O pintor francês radicado no Ceará, Jean Pierre Chabloz, que o conheceu em Fortaleza nos anos 1940, o descreve como um artista requintado, cultíssimo, dotado num alto grau de ‘mesure’, daquela ‘finesse’ afetuosa e ligeiramente irônica que fazem o encanto indiscutido dos espíritos e das sensibilidades verdadeiramente franceses. Muito dedicado aos pais e aos irmãos mais novos, casou-se tarde, com mais de quarenta anos, com uma moça do Amazonas, Eunice Medeiros, com a qual teve dois filhos, Paulo e Dolores.
Depois de quase quatorze anos em Camocim, a reaparição de Raimundo Cela no cenário artístico oficial se daria em 1938 quando foi convidado para pintar um painel para o Governo do Estado representando a libertação dos escravos do Ceará. Morou durante sete anos em Fortaleza onde foi professor de desenho no Colégio Militar e na Escola de Agronomia. Mantinha ateliê nos altos do lindo teatro José de Alencar, integrando-se ao movimentado ambiente cultural da cidade. Junto com o pintor carioca radicado no Ceará, Mário Barata, Cela fundou, em 30 de junho de 1941, o Centro Cultural de Belas Artes que em 1944, seria renomeada como Sociedade Cearense de Belas Artes. A SCAP foi mais importante espaço de articulação dos artistas plásticos cearenses, dedicando-se ao ensino artístico e à promoção de grandes primeiras mostras coletivas de arte. Em 1943, Raimundo Cela participou do primeiro Salão de Abril, promovido pela Secretaria de Arte da União Estadual de Estudantes (UEE), onde seus trabalhos foram apresentados junto com o de outros artistas da terra: Jean-Pierre Chabloz, João Maria Siqueira, Antônio Bandeira, Rubens, Mário Baratta, Aldemir Martins, Afonso Bruno e Fonsek. O artista retornou ao Rio de Janeiro em 1945 e se tornou professor de gravura em metal da Escola Nacional de Belas Artes, cargo que ocuparia até sua morte em 1954. Nesta última fase da carreira, Raimundo Cela foi duas vezes premiado com a medalha de ouro no Salão Nacional de Belas Artes. Retirado em Niterói, viveu ali seus últimos anos, apegado aos quadros dos quais vendeu muito poucos. Não que lhe faltassem compradores, apenas porque o artista tinha-lhes um apego sentimental e raramente se dispunha a separar-se deles.
O advento do Modernismo no Brasil, em 1922, e sua implantação, que se estendeu até o final dos anos 1940, foram responsáveis pela depreciação dos artistas formados em bases acadêmicas. A segregação adquiriu cores ainda mais fortes durante a expansão do Abstracionismo, quando toda a produção acadêmica foi negada, como se nada tivesse valor. Nessa zona de esquecimento permaneceram, por décadas, excelentes pintores como Eliseu Visconti, Lucílio Albuquerque e Antonio Parreiras, entre outros. Se isso ocorreu com pintores do eixo Rio-São Paulo, o que dizer de um artista de origem acadêmica que optou por viver e pintar sua terra natal, o Ceará? Essa miopia, finalmente, começa a ser desconsiderada pela crítica, abrindo espaço para a descoberta de grandes talentos esquecidos.
Raimundo Cela é um dos criadores da visualidade cearense, descartou a representação do nordestino como o sertanejo miserável e faminto, para mostrar o trabalhador forte e decidido do litoral. Pintou pescadores, jangadeiros e barcos, a intensa luz das praias cearenses e as nuvens rosadas do céu equatorial . Suas composições, minuciosamente construídas, são plenas de ritmo e emoção. Elas reúnem a precisão do engenheiro à sensibilidade do artista, o épico ao cotidiano, a precisão do desenho à energia da cor.
Apesar de amplamente reconhecido em seu estado natal, e muito respeitado entre os estudiosos, Cela é bem pouco conhecido fora desses nichos. Assim, a exposição Raimundo Cela - Um Mestre Brasileiro, tem como objetivo apresentar ao público paulista e carioca a obra do artista. A retrospectiva abarca sua trajetória a partir de momentos-chave: O prêmio da Escola Nacional de Belas Artes, a viagem à Europa, o retorno a Camocim, a mudança para Fortaleza e a volta ao Rio de Janeiro. Desenhos, gravuras, aquarelas e pinturas, de todas essas fases, permitem compreender o processo criativo do artista.
A vida de Raimundo Cela e as etapas de seu percurso artístico estão amplamente apresentadas neste catálogo. Elas podem ser encontradas no texto de Isabel Lustosa, na cronologia do artista e nos textos introdutórios a cada núcleo da exposição, assim, preferimos abordar, ainda que superficialmente, outro aspecto da trajetória de Cela: a constituição de sua imagística. Fundamentais para a elaboração deste texto e para a realização da exposição foram os seguintes trabalhos: a publicação Raimundo Cela, realizada em 1990 pela Editora Pinakotheke, e, especialmente, a dissertação de mestrado Pintura na Travessia: A Paisagem Litorânea na obra de Raymundo Cela, de Delano Pessoa Carneiro Barbosa, realizada para a Universidade Federal do Ceará em 2010.
Raimundo Cela -1890-1954
Raimundo Cela estudou na Escola Nacional de Belas Artes, de 1910 a 1918, como aluno dos chamados cursos livres – que não exigiam presença em período integral – pois ele estudava engenharia à noite e trabalhava durante o dia. Ao longo desses anos recebeu várias láureas, entre elas a medalha de prata do Salão de 1916. Em 1917 ganhou o prêmio máximo da instituição e o seu sucesso, além do seu talento, foi devido a um cuidadoso planejamento e conhecimento da cultura visual de sua época.
Raymundo Cela conhecia as regras para a obtenção do Prêmio de Viagem vigentes no período, dentre elas a elaboração de um quadro de composição em tamanho grande, além da valorização dos desenhos que configuram a pintura, ou seja, a constituição de tipologias. Não por acaso, juntamente com a tela, o artista expôs, no Salon de 1917, sete estudos (desenhos) das figuras que compõem a cena. Assim, Raymundo Cela contemplou de maneira harmônica as quatro características constitutivas de uma composição: o desenho – tomado como projeto inicial da obra –, o método compositivo, a constituição de tipologias – a partir de desenho de modelo-vivo – e, por fim, explicitou sua proximidade com a tradição clássica.
O trabalho foi bastante elogiado pela imprensa. Um das exceções foi Monteiro Lobato, que, já engajado no seu projeto de arte brasileira, discordava do tema histórico e clássico da obra, embora não negasse valor a Cela:
Raymundo Cela é outro nome que aparece. Traz uma tela de vulto: Último diálogo de Sócrates. A mania de sair do presente compreensível, e mergulhar em mundos mortos, como o grego, é uma balda velha da Escola, que não perceberá nunca o absurdo contido nisso, diante da moderna concepção de arte. Como pode um menino do Ceará, transplantado para o Rio, e que não é um helenólogo com 50 anos de estudo, como pode essa moderníssima e brasileiríssima criatura interpretar com sua alma virgem de filosofias, uma cena do século de Péricles? Não obstante Cela denuncia-se com boas qualidades de arranjador, e boa técnica, sobretudo nas figuras secundárias.
O artista não gostou muito da crítica, que relatou en passant em carta a seu pai, mas talvez ela o tenha influenciado de alguma forma, pois, na Exposição Geral de 1918, ele apresentou uma obra intitulada Porto da Jangada (Ceará).
No início de 1920, depois de passar algum tempo com seus pais em Camocim, Cela partiu para a Europa. A bolsa de viagem concedida aos alunos livres previa a permanência no exterior por dois anos, e não exigia a realização de cópias ou frequência a cursos específicos, assim Cela pode escolher onde e como queria estudar. Ficou em Paris, por algum tempo, realizando estudos da figura humana, com modelos europeus femininos e masculinos, em moldes bem acadêmicos. A seguir, já vivendo em Dampierre, registra as paisagens bucólicas de Saint-Agrève em pinturas e aquarelas. Adotou nesses trabalhos uma fatura impressionista, não usada anteriormente, embora, certamente, conhecesse este movimento desde o Brasil, visto ter sido aluno de Visconti. Mas é no desenho e na gravura que ocorre uma determinante mudança temática na obra do artista, Cela repensa os ensinamentos da Academia e volta seu olhar para pessoas comuns do vilarejo onde reside, e os retrata em seus labores: a feira, a oficina, a forja.
Essa atitude estava no ar nesse momento na Europa, como um efeito das mudanças políticas, econômicas e sociais decorrentes do processo de industrialização e da luta pelos direitos trabalhistas da classe operária. O mundo estava mudando e a arte precisava acompanhar:
Essa ênfase numa reflexão sobre um presente em transformação se contrapõe ao culto ao passado praticado no espaço da pintura ensinada nas escolas oficiais de artes, as Academias, e apresentadas nos seus Salões por meio de obras que privilegiavam, como sabemos, um retorno à Roma imperial e republicana, se fossem neoclássicas, ou à Idade Média e ao “Oriente”, se românticas.
No caso de Cela acreditamos que a convivência com Frank Brangwyn, seu professor de gravura, integrante do movimento Arts & Crafts, deve ter contribuído consideravelmente para sua mudança de foco. O conjunto de trabalhos desenvolvido por Cela nesse momento é de qualidade excepcional, neles o artista reúne o rigor da técnica da gravura em metal ao apuro da composição, em obras que transpiram a energia simples do trabalho, revelam o desolamento dos desamparados ou nos fazem sentir o calor do metal em brasa no cadinho. Não por acaso, alguns deles foram selecionados para o Salon des Artistes Français. Resta lamentar que esse momento de produção tão especial, tenha sido interrompido pelo AVC que acometeu o artista. Impedido de ler, desenhar, pintar e até de viajar, Cela permanece num limbo até poder voltar ao Brasil.
Logo após sua chegada seu pai faleceu e o artista instala-se em Camocim.
Apesar de se situar longe da capital, a cidade era, naquele momento, o principal porto do Ceará. A instalação de uma companhia de energia era cada vez mais necessária e Cela torna-se o engenheiro que comanda essa operação. Não sabemos praticamente nada desse período, no qual Cela, aparentemente, deixa de pintar. Como fato temos o falecimento de sua mãe em 1927 e o surgimento de algumas obras datadas de 1929. A partir daí o artista não apenas volta às artes, mas trilha um caminho original e incomum.
Nessa retomada da pintura, Cela volta ao tema dos trabalhadores, em grande diálogo com a pesquisa que estava realizando na França, em 1922. A pintura Saída da Oficina, 1929 é quase impressionista e parece ter sido efetuada diretamente sobre a tela, sem um desenho como base. O artista não dá continuidade a este estilo e, já em 1931, inicia a série conhecida como “Cabeças” na qual retrata tipos do Ceará: o vaqueiro, a rendeira, o jangadeiro. Outro tema que começa a surgir nessa retomada é a paisagem litorânea do Ceará, exemplificada na tela Praia em Camocim, 1932.
Em 1938, Cela muda-se para Fortaleza e o encontro com as jangadas e o mar bravio abre para ele um novo caminho; a possibilidade de reunir tudo o que havia pesquisado até então. Sua obra dá um salto! Há nesse momento uma junção de temáticas que já eram caras ao artista como o trabalhador e a paisagem litorânea, mas agora elas aparecem numa nova clave. O homem rude e forte que enfrenta o mar e o ar, na sua frágil embarcação com asas de pássaro, interage com a cor e da luz das praias do Ceará. Há também uma superposição de técnicas: o desenho registrando os corpos em movimento, cada músculo retesado na luta contra a natureza, enquanto que a pintura, de rápidas pinceladas, estilhaça a cor. E, finalmente, consuma-se a fusão do artista com o engenheiro, e, suas composições, cuidadosamente construídas, são plenas de ritmo e emoção.
Essa mudança para Fortaleza permitiu a Cela estar com outros artistas, convívio do qual estivera afastado durante o período em que residiu em Camocim. Estimulado por Mário Baratta ele volta a participar do circuito de arte brasileiro da época e a enviar obras para exposições. No I Salão de Abril, realizado na cidade em 1943, Cela participou ao lado de jovens como Jean-Pierre Chabloz, Antônio Bandeira e Aldemir Martins, entre outros. Na ocasião Cela expôs a pintura Arrebentação.
Este trabalho fazia parte de uma sequência quase cinematográfica composta por três obras: A Arrebentação, Vencendo o Escarcéu e A Virada, tendo a segunda delas recebido a Pequena Medalha de Prata do IX Salão Paulista de Belas Artes em 1943.
Não podemos deixar de observar que provavelmente muito contribuiu para a escolha temática o episódio conhecido como o Raid da Jangada São Pedro quando quatro jangadeiros cearenses, viajaram de Fortaleza ao Rio de Janeiro de jangada, para reivindicar o reconhecimento de sua profissão. O fato contribuiu para firmar a imagem do cearense como um forte, em grande contraste à imagem do caipira indolente do Sudeste, retratado na literatura por Monteiro Lobato e na pintura por Almeida Jr..
Em 1945 Cela muda-se para o Rio de Janeiro, o que altera de forma sensível sua pintura. O artista captura a clara luminosidade das paisagens, mais suave do que a saturada luz do Ceará. Aqui ele também pinta os trabalhadores do mar, mas os personagens refletem os tipos locais, quase sempre retratados em atitude descontraída, sensivelmente diferente do comportamento rijo dos jangadeiros. Entre as obras desse período destaca-se A Venda do Peixe, tela de grandes dimensões e um toque épico.
Em 1951 Cela foi aprovado por unanimidade para o cargo de professor de Gravura da Escola Nacional de Belas Artes, passando a figurar entre os mestres que o formaram. Nesse período Cela transcreve para a gravura a imagística que o consagrou: as jangadas, os vaqueiros e os tipos populares brasileiros. Ao conjunto ele incorpora imagens tocantes, como o casal de retirantes olhando um barco partir e o jangadeiro fitando o mar. Curiosamente as duas gravuras retratam as figuras de costas recurso que o artista explora com maestria para ganhar expressividade.
Considerado como o último trabalho de Cela , o óleo “Duas Épocas” é uma crônica, pintada por um artista que observa o Rio de Janeiro de sua juventude desaparecer. Assim como suas últimas gravuras essa obra parece inaugurar uma nova pesquisa, mais nostálgica e doce, um novo caminho talvez, interrompido por sua morte.
Reunir as 126 obras que compõem a exposição Raimundo Cela - um mestre brasileiro, não foi tarefa fácil, e só aconteceu graças à preciosa colaboração de muitas pessoas e instituições que se desdobraram para ajudar o projeto, entre elas, Paulo Linhares e Bitú Cassundé, do Instituto Dragão do Mar, Pedro Eymar, do Museu de Arte da Universidade do Ceará, Randal Pompeu da Universidade de Fortaleza, Monica Xexéo do Museu Nacional de Belas Artes e, especialmente, o artista José Guedes.
Idealizada pela Galeria Almeida e Dale, a mostra teve o patrocínio da Minalba para sua realização. Agradeço a todos os colecionadores e instituições que cederam obras para esta exposição, ao Museu de Arte Brasileira da FAAP e ao Museu Nacional de Belas Artes pelos belos espaços, e à toda a competente e sensível equipe que produziu as duas mostras. Destaco a bela cenografia de Guilherme Isnard, que nos ajudou a empreender uma mágica viagem à obra de Raimundo Cela.
Denise Mattar, Curadora.
Um artista promissor
1910/1919
Desde cedo Raimundo Cela demonstrou talento para as artes plásticas. Acredita-se que o desenho Árvore seja um de seus primeiros trabalhos.
Em 1910, aos 20 anos, ele foi para o Rio de Janeiro estudar Engenharia, como queria seu pai, e Arte, como ele mesmo desejava.
Na Escola Nacional de Belas Artes foi aluno de João Zeferino da Costa, Eliseu Visconti e João Batista da Costa. Nesse período, Cela recebeu várias vezes o primeiro lugar nos concursos de composição entre os alunos. Ele era novato, vindo de longe, cursava engenharia, trabalhava durante o dia, para não depender do pai, e mesmo assim chamou a atenção dos professores.
Em 1916, numa de suas primeiras participações na Exposição Nacional de Belas Artes, ele já recebeu a medalha de prata e, em 1917, surpreendentemente, ganhou o ambicionado Prêmio de Viagem ao Exterior, que o levaria a Europa.
Seu autorretrato, de 1921, foi realizado em Paris.
O grande prêmio 1917
Em 1917, Raimundo Cela recebeu o mais cobiçado prêmio da XXIV Exposição Geral de Belas Artes, o Prêmio de Viagem ao Exterior, com a pintura O Último Diálogo de Sócrates. A Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro era a mais importante instituição de ensino de artes plásticas no Brasil, e sua Exposição Geral, o evento mais aguardado entre os artistas. As premiações eram divididas em menção honrosa, medalhas de bronze, prata e ouro. O Grande Prêmio de Viagem ao Exterior concedia ao artista uma pensão para morar na Europa por dois anos.
O Último Diálogo de Sócrates é uma obra de caráter acadêmico, que retrata o momento no qual o filósofo prefere tomar o veneno e aceitar sua condenação, do que fugir, como queriam seus discípulos. A escolha de um tema histórico grego que privilegia a ética, o desenho primoroso, o desenvolvimento da atitude e emoção das personagens e a execução da pintura com intenso uso do claro-escuro, convergiram para o reconhecimento e consagração de Raimundo Cela com a conquista do tão sonhado prêmio.
As obras premiadas passavam a integrar o acervo do ENBA.
Europa – 1920/22
Cela chega à Europa em Abril de 1920, e vai para Paris. Embora considere a cidade fascinante, relata uma grande dificuldade de adaptação à vida movimentada e frenética daquele período, incompatível com sua personalidade reservada.
A seguir viaja para a Inglaterra, Bélgica e Holanda visitando vários museus. No seu retorno, sem ter condições de instalar um ateliê em Paris, reside em Dampierre, uma pequena comunidade da região de Saint-Agrève, a uma hora de distância de Paris. É lá que Raimundo Cela começa a se interessar pela pintura de paisagem e a adensar seu interesse pelo estudo do desenho do corpo humano e pela temática dos trabalhadores e operários; mais presente nos desenhos e gravuras.
Em 1922, participa do Salon des Artistes Français com a obra Paisagem de Saint-Agrève (1921) e duas águas-fortes, que lhe rendem boas críticas nos principais jornais parisienses. Nesse momento, ele sofre uma hemorragia meníngea, um tipo de Acidente Vascular Cerebral (AVC), que o impossibilita de trabalhar por quase um semestre. Os médicos recomendam repouso absoluto, pois sua visão foi seriamente afetada. Sua recuperação completa vai se dar apenas após o retorno ao Brasil.
Gravuras – 1920/22
Ainda na Europa, Raimundo Cela aprende as técnicas de gravura em metal com Frank Brangwyn. Muito reconhecido, o artista britânico era pintor, desenhista, muralista, gravador, litógrafo, ilustrador e cartazista. Estudar com um mestre tão habilitado garantiu a Cela o domínio de uma técnica complexa e muito pouco ensinada no Brasil.
A gravura em metal é um tipo de trabalho que favorece a linha do desenho e os jogos de luz e sombra, nos quais Cela sempre havia revelado grande domínio. Suas gravuras desse período são densas e marcantes, executadas com absoluta precisão e uma qualidade técnica raramente encontrada entre nossos artistas. O desenho sempre foi a base do seu trabalho e isso pode ser bem observado aqui, nos esboços preparatórios para as gravuras.
Os temas escolhidos por Cela são aspectos da vida popular europeia, os habitantes da cidade, comerciantes, trabalhadores das forjas e das feiras, os mendigos e marginalizados. Essa aproximação do cotidiano o levaria, no seu retorno ao Brasil, a representar o seu próprio povo.
O painel da abolição – 1938
Quando Raimundo Cela ganhou o Prêmio de Viagem ao Exterior, o Governo do Estado do Ceará manifestou interesse em adquirir a obra que o consagrou. Isto não foi possível, uma vez que todas as obras premiadas passavam a integrar o acervo do ENBA, conforme estipulado no regulamento do concurso. Cela propôs então produzir, enquanto estivesse na Europa, uma obra com tema histórico brasileiro, o que não aconteceu devido à enfermidade que o acometeu.
Em 1938, dezesseis anos após seu retorno ao Brasil, Raimundo Cela executou a obra A Abolição dos Escravos para o Palácio da Luz, cumprindo a promessa de realizar uma obra para a sede do Governo do Estado. Em 1975, o edifício foi transformado em Casa de Cultura Raimundo Cela, e atualmente abriga a Academia Cearense de Letras. Devido às grandes dimensões da obra, e impossibilidade de remoção, ela permanece instalada no mesmo edifício.
A Abolição dos Escravos retrata um importante tema da história cearense. Em 25 de março de 1884 a Província do Ceará foi a primeira a abolir a escravidão em seu território, quatro anos antes da assinatura da Lei Áurea. A obra é uma alegoria a esse acontecimento. Em tons rosamate a pintura retrata os escravos recebendo uma dádiva da figura feminina sobre a jangada – a própria Liberdade. Alguns importantes líderes e intelectuais cearenses estão nela retratados, como Francisco José do Nascimento, conhecido como o Dragão do Mar, José do Patrocínio, João Cordeiro, Isac Amaral e Maria Tomásia.
Oficinas – 1929/33
Na sua volta ao país, Cela fica sete anos sem pintar. Quando retoma a pintura são os trabalhadores populares que despertam sua atenção.
Saída da oficina de 1929, apresentada na exposição, é uma das primeiras obras conhecidas do seu retorno, na qual vemos um grupo de trabalhadores no final do expediente. Com uma pincelada mais solta e gestual, a luz intensa do Ceará começa a aparecer e a moldar seu estilo.
Na aquarela Oficina, de 1933, Cela reafirma seu talento na composição e no trabalho de perspectiva da arquitetura, criado através da sugestão das roldanas no teto. As figuras são menos delineadas, vibram nessa luz quase impressionista que entra na cena pela grande janela ao fundo.
Obra: Catequese
Catequese é uma obra singular na produção de Raimundo Cela. Não há consenso sobre a datação desta pintura de caráter histórico, mas a tradição estima sua produção no início dos anos 1930. Se levarmos em consideração a grande dimensão da tela e a escolha de um tema indianista – tão apreciado pela Academia -, podemos supor que tratava-se de uma encomenda, talvez a primeira tentativa de executar a pintura prometida ao Governo do Estado, desde a época de sua premiação na ENBA. Corroborando esta hipótese, o primeiro registro que encontramos deste trabalho indica que a obra integrava originalmente a coleção do Palácio da Luz, assim como a Abolição dos Escravos.
Catequese retrata um padre jesuíta cercado por jovens índios, numa tentativa de aproximação e conversão religiosa. A composição das figuras guarda certa semelhança com o “Último Diálogo de Sócrates”, e parece resgatar os ensinamentos do período em que frequentou a Escola Nacional de Belas Artes, porém a fatura já mostra os ensinamentos da França e beira o Impressionismo. Além disso, segundo aponta o pesquisador Delano Pessoa, esta é a primeira obra na qual Cela integra a paisagem litorânea, e na qual introduz uma paleta de cores mais variada e repleta de nuances que, ao longo dos anos, desenvolverá.
O tema tem pouca familiaridade com o artista, que rapidamente se volta às personagens que cercam seu dia a dia, como o vaqueiro e o jangadeiro.
No Ceará é assim… – 1929/1945
O pai de Raimundo Cela faleceu logo após o seu retorno ao Brasil. O artista decide se instalar em Camocim para ficar próximo à família. Ele ainda sofreu sequelas do AVC, o que o manteve afastado da pintura por algum tempo, trabalhando como engenheiro.
No seu reencontro com a pintura, no final da década de 1920, vai se interessar principalmente pela deslumbrante paisagem litorânea do Ceará e pelos tipos locais. Sem abandonar seus anos de treinamento acadêmico, Cela desenhava ao ar livre, observando as cores e a luz local, mas realizava a composição e a pintura em ateliê. Da paisagem lhe interessavam principalmente as cenas da praia e do mar, as embarcações, as pequenas casas e os trabalhadores. Predominam em sua pintura as pessoas do povo, personagens anônimas que sintetizam os habitantes do litoral. Nesse primeiro momento os estudos são basicamente dedicados à cabeça, colocando em evidência as feições e expressões, formatos do rosto e suas proporções. Ao longo da década de 1940, as composições passaram a retratar os trabalhadores litorâneos em ação.
Cela nunca se interessou pela pintura de retratos de personalidades importantes. Além de alguns poucos retratos de sua família e de amigos, são conhecidos apenas um autorretrato em desenho, alguns estudos acadêmicos e a série de cabeças de tipos cearenses aqui apresentada.
Trabalhadores do Mar — 1938/45
Em 1938, Cela muda-se para Fortaleza. As canoas de Camocim e o mar calmo o encantavam, mas o encontro com as jangadas e o mar bravio abre para ele um novo caminho; a possibilidade de reunir tudo o que havia pesquisado até então. Sua obra dá um salto!
Há nesse momento uma junção de temáticas que já eram caras ao artista como o trabalhador e a paisagem litorânea, mas agora elas aparecem numa nova clave. O homem rude e forte que enfrenta o mar e o ar, na sua frágil embarcação com asas de pássaro, interage com a cor e da luz das praias do Ceará. Há também uma superposição de técnicas: o desenho registrando os corpos em movimento, cada músculo retesado na luta contra a natureza, enquanto que a pintura, de rápidas pinceladas, estilhaça a cor. E, finalmente, consuma-se a fusão do artista com o engenheiro, e, as composições, cuidadosamente construídas, onde nada é acaso, são plenas de ritmo e emoção.
Cela descarta a representação do nordestino como o sertanejo retirante, miserável e faminto, para mostrar um trabalhador forte e decidido. Sua obra cria uma nova visualidade para o cearense, e, não por acaso, ele torna-se conhecido como o Pintor do Nordeste.
O desenho como base
Na Escola Nacional de Belas Artes era grande a importância atribuída ao ensino do desenho, ao longo de todo o curso, especialmente ao desenho figurado e de modelo-vivo. Seguindo a tradição francesa, a ENBA defendia o primado do desenho em oposição à cor.
Herdeiro dessa postura, Raimundo Cela tinha no desenho a base e a estrutura de sua produção artística. O artista fazia inúmeros estudos de cada personagem e de seus diferentes movimentos, para criar composições harmoniosas, nas quais cada elemento do quadro era pensado e elaborado minuciosamente. Seu processo de trabalho incluía, com frequência, a realização de diversos desenhos para o estudo da forma, e de aquarelas para o estudo da cor, até chegar ao resultado final, a pintura a óleo.
Estão reunidos aqui alguns desses desenhos preparatórios para as obras A Virada e Jangadeiros em Palestra nos quais podemos observar de perto a construção do processo criativo do artista.
Gravuras Brasileiras 1922/52
A produção gráfica de Raimundo Cela, no seu retorno ao país, é considerada extraordinária entre estudiosos da área, tanto pela primorosa execução, quanto pela temática brasileira, permeada de um misto de encanto e melancolia.
O crítico e artista Adir Botelho, analisando as gravuras produzidas no período, que se estende de 1923 a 1952, destaca algumas peças que estão aqui apresentadas. Ele considera o Bumba-meu-boi um trabalho de magnífico impacto visual e uma obra-mestra da gravura brasileira. Em Retirantes, ele vê uma rara e expressiva imagem, repleta de calor humano, na qual homem e mulher contemplam a embarcação que se distancia, divididos “entre ir embora para muito longe, ou ficar levando a vida como Deus quer”. Em Jangadas para o Mar, Botelho observa que Cela, aplica a lixa sobre o verniz, na preparação da gravura, de modo a criar uma textura de areia em todo o trabalho.
Jangadeiro Cearense é, para o crítico, uma imagem animada de incontestável vigor plástico: “plantado na praia, em toda a sua firmeza de mastro, o jangadeiro é a imagem que todos guardamos do Ceará, sobranceiro a todas as adversidades da vida e do clima, o Ceará franco e destemeroso, que, como no verso do poeta ‘olha de frente o sol, como um touro selvagem”.
Rio de Janeiro 1945/54
No seu regresso ao Rio de Janeiro, em 1945, Raimundo Cela volta a participar de exposições e salões no eixo Rio/São Paulo. O artista promissor, que chegara a ser dado como morto pela ausência de notícias, retorna de forma triunfante, e sua obra conquista o espaço e o reconhecimento merecidos. Nesse mesmo ano, ele recebe a medalha de ouro no L Salão Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro. Repetindo o feito obtém, em 1947, as medalhas de ouro em gravura e em pintura no LII Salão Nacional de Belas Artes. Realiza diversas exposições individuais, é premiado com a Pequena Medalha de Ouro no IX Salão Paulista de Belas Artes, em São Paulo, e recebe o Prêmio Antônio Parreiras em pintura, no VII Salão Fluminense de Belas Artes de Niterói.
Cela retoma também sua atividade como professor de desenho, assumindo, em 1948, a cadeira de Modelo Vivo e Desenho Figurado na Escola Fluminense de Belas Artes de Niterói. Em 1949 concorre a cadeira de Geometria Descritiva na ENBA, para a qual publica sua tese Perspectiva das Sombras Solares em que analisa seus estudos para a pintura Jangadeiros em Palestra. Em 1950 é aprovado com unanimidade para o cargo de professor de Gravura da Escola Nacional de Belas Artes, passando assim a figurar entre os mestres que o formaram. Assume o cargo em 1951, lecionando até 1954, o ano de sua morte.
O Rio de Janeiro altera de forma sensível sua pintura, Cela captura uma luminosidade inteiramente diferente, as personagens refletem tipos locais e as cenas urbanas retornam à sua obra. Saudoso de sua terra, Cela continua a pintar lembranças do Ceará.
A venda do Peixe - 1947
Distante das jangadas do Ceará, Cela continua a retratar os trabalhadores do mar. Vivendo em Niterói, até hoje um ponto de abastecimento de pescados, o artista pinta a impactante obra A Venda do Peixe, na qual os pescadores e o comércio de seu produto ganham protagonismo. O artista condensa de forma primorosa esses novos elementos. Sob uma luz difusa, os vendedores se aglomeram com suas cestas, anunciando a pesca recém-chegada. Compradores olham para elas com desconfiança, para melhor barganhar preços. A cena pulsante tem um toque oriental. Cela dá destaque às roupas e ao gestual dos personagens, que são apresentados numa atitude muito mais descontraída e leve, sensivelmente diferente do comportamento rijo dos jangadeiros. Num toque audacioso o artista coloca em primeiro plano uma sombra de algo que não se vê. Ao fundo, a paisagem marcante da Baía de Guanabara.
Pinturas brancas
Entre 1936 e 1944 Raimundo Cela produz uma série de obras monocromáticas e evanescentes nas quais funde céu, areia e mar. Sem extrapolar o plano da figuração, pois os barcos e jangadas que retrata estão sempre visíveis, alguns até com riqueza de detalhes, Cela esfumaça os contornos da paisagem, e os dilui sob “a luz que cega, de tanto que ilumina”.
As imagens dessa série remetem às “pinturas brancas” do venezuelano Armando Reverón (1889-1954). Trabalhando na cidade litorânea de Macuto, próxima da linha do Equador, o artista, que vivenciava uma luminosidade similar à de Fortaleza, dizia: “A luz dissolve todas as cores e afinal todas as cores juntas tornam-se o branco”.
Fundindo e confundindo limites, Cela consegue extrair beleza da dura luz equatorial, produzindo imagens poéticas que evocam paz e serenidade.
Cronologia
1938-1941
Instala seu primeiro ateliê num salão cedido pelo comando do Colégio Floriano (hoje Colégio Militar do Ceará – CMC), onde ministra o curso de Desenho. Integra-se ao circuito artístico vigente na cidade naquele período, participando da fundação da primeira entidade de artes plásticas do Ceará: o Centro Cultural de Belas Artes. Participa do I Salão Cearense de Pintura, organizado pelo CCBA. Ainda nesse ano Cela realizou uma mostra individual no Hotel Excelsior.
1942
Torna-se professor da Escola de Agronomia, onde leciona Desenho de Aguadas, Perspectiva e Sombras.
Seu ateliê passa a funcionar no foyer do Teatro José de Alencar, espaço cedido pelo Governo do Estado, para onde muitos artistas dirigiam-se para observar o mestre pintando. Participa do II Salão Cearense de Pintura.
1943
Neste ano foi realizado o I Salão de Abril, promovido pela Secretaria de Arte da União Estadual de Estudantes (UEE). Raimundo Cela participa ao lado dos jovens Jean-Pierre Chabloz, Antônio Bandeira, Mário Baratta, Aldemir Martins, entre outros. É o período no qual Cela pinta a paisagem litorânea e os trabalhadores do mar na lida com suas jangadas. Participa do 9o Salão Paulista de Belas Artes, SP e recebe a Pequena Medalha de Ouro com a obra Vencendo o Escarcéo.
1944
Realiza uma exposição individual na Casa Juvenal Galeno, patrocinada pela Revista Contemporânea.
É homenageado no III Salão Cearense de Pintura ao lado de Vicente Leite e Gérson Farias.
1945
Volta ao Rio de Janeiro, residindo em Niterói. Realiza exposição individual no Museu Nacional de Belas Artes (19/6 a 3/7). Participa do L Salão Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro, recebendo a Medalha de Ouro.
1947
Obtém a Medalha de Ouro, na seção de Artes Gráficas, e a Medalha de Ouro, em pintura, no LII São Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro. Faz exposição individual no Palácio da Cultura, Ministério da Educação, Rio de Janeiro. Conquistou o Prêmio Antônio Parreiras, de pintura, no VII Salão Fluminense de Belas Artes, Niterói, e a Pequena Medalha de Ouro no IX Salão Paulista de Belas Artes, São Paulo.
1948
Leciona Modelo Vivo e Desenho Figurado, na Escola Fluminense de Belas Artes, Niterói, RJ. Participa do LIII Salão Nacional de Belas Artes, Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro e do VIII Salão Fluminense de Belas Artes, Niterói, RJ, no qual recebe a Medalha de Ouro.
1949
Publica sua tese de concurso para a cadeira de Geometria Descritiva, da Escola Nacional de Belas Artes, denominada Perspectiva das Sombras Solares, ilustrada com a pintura Jangadeiros em Palestra, porém desiste do concurso por motivos de saúde.
1950
Aprovado por unanimidade, pela Congregação da Escola Nacional de Belas Artes, para regência da cadeira de Gravura de talho-doce, água-forte e xilografia, introduz o ensino da gravura em metal na ENBA.
1951
Dá início às aulas de gravura e leciona até 1954.
1954
Faleceu no dia 6 de novembro de 1954, no Hospital dos Servidores do Estado, Rio de Janeiro, RJ. Suas obras participam da exposição A Europa na Arte Brasileira, Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro, RJ
O Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, realizou, em 1956, uma exposição póstuma, em homenagem ao artista, organizada pelo Deputado Federal Crisanto Moreira da Rocha.
Fonte: Almeida e Dale, "Raimundo Cela, um mestre brasileiro" Consultado pela última vez em 5 de outubro de 2022.
Crédito fotográfico: Almeida e Dale, Catálogo Raimundo Cela, página 2. Consultado pela última vez em 5 de outubro de 2022.
Raimundo Brandão Cela (Sobral, CE, 19 de julho de 1890 — Niterói, RJ, 6 de novembro de 1954), mais conhecido como Raimundo Cela, foi um pintor, desenhista, gravador, professor e engenheiro brasileiro. Estudou na Escola Nacional de Belas Artes e lecionou gravura em metal na Enba. A produção de Raimundo Cela permanece isolada, à margem do modernismo e de outros movimentos transformadores nas artes do Brasil. Revela, entretanto, a paisagem e as figuras populares do Ceará, com sensibilidade e inquietação em face das questões sociais de seu tempo. São constantes em sua produção as paisagens litorâneas e as atividades de vaqueiros, pescadores e jangadeiros, pintadas com paleta clara e luminosa. Destaca-se também sua obra gráfica, que revela domínio técnico da gravura em metal. Expôs por diversas vezes no Brasil e também na França. Venceu a 24º Exposição Geral de Belas Artes, com a pintura "O último diálogo de Sócrates", recebendo o prêmio de viagem ao estrangeiro para continuar seus estudos na Europa. Sua obra cria uma nova visualidade para o cearense, e, não por acaso, ele torna-se conhecido como o Pintor do Nordeste.
Biografia – Itaú Cultural
Forma-se em ciências e letras no Liceu do Ceará. Em 1910, mudou-se para o Rio de Janeiro e se matriculou como aluno livre da Escola Nacional de Belas Artes - Enba. É aluno de Zeferino da Costa (1840 - 1915), Eliseu Visconti (1866 - 1944) e Baptista da Costa (1865 - 1926). Nessa época, titulava-se em engenharia, pela Escola Politécnica. Entre 1917 e 1922, viaja a Paris para aperfeiçoar-se. Quando volta ao Brasil, por problemas de saúde, reside em Camocim, no interior do Ceará, e trabalha como engenheiro. Em 1938, criou um painel sobre a abolição da escravatura para o Palácio do Governo do Estado, em Fortaleza. Voltou a dedicar-se à carreira de artista plástico de forma mais enfática após 1940, quando se mudou para Niterói, no Rio de Janeiro. A partir dessa data leciona gravura em metal na Enba. Realiza a primeira mostra individual em 1945, no Museu Nacional de Belas Artes - MNBA, no Rio de Janeiro. São temas constantes em sua produção as paisagens, os tipos populares e o trabalho de vaqueiros e pescadores de sua terra natal. Destaca-se também sua obra gráfica, na qual retoma a mesma temática. Após sua morte, é criada a Casa Raimundo Cela, Centro de Artes Visuais, em Fortaleza, onde ocorre, em 1970, uma mostra de artistas cearenses com o lançamento de uma monografia sobre o artista. Em 2004, é lançado o livro Raimundo Cela: 1890-1954, de autoria de Estrigas, pela editora Pinakotheke.
Análise
A produção de Raimundo Cela permanece isolada, à margem do modernismo e de outros movimentos transformadores nas artes do Brasil. Revela, entretanto, a paisagem e as figuras populares do Ceará, com sensibilidade e inquietação em face das questões sociais de seu tempo. São constantes em sua produção as paisagens litorâneas e as atividades de vaqueiros, pescadores e jangadeiros, pintadas com paleta clara e luminosa.
Destaca-se também sua obra gráfica, que revela domínio técnico da gravura em metal. Trata dos temas recorrentes em sua pintura: paisagens, cenas cotidianas e tipos populares, utilizando o claro-escuro de forma controlada.
Exposições Coletivas
1916 - Rio de Janeiro RJ - 23ª Exposição Geral de Belas Artes, na Enba - pequena medalha de prata
1917 - Rio de Janeiro RJ - 24ª Exposição Geral de Belas Artes, na Enba - prêmio de viagem ao exterior
1918 - Rio de Janeiro RJ - 25ª Exposição Geral de Belas Artes, na Enba
1919 - Rio de Janeiro RJ - Exposição Carioca de Gravura e Água-Forte
1922 - Paris (França) - Salão dos Artistas Franceses
1943 - Fortaleza CE - 1º Salão de Abril
1943 - São Paulo SP - 9º Salão Paulista de Belas Artes, na Galeria Prestes Maia - pequena medalha de ouro
1945 - Rio de Janeiro RJ - 51º Salão Nacional de Belas Artes, no MNBA - medalha de ouro em pintura
1947 - Rio de Janeiro RJ - 53º Salão Nacional de Belas Artes, no MNBA - medalha de ouro em gravura
Exposições Póstumas
1964 - Rio de Janeiro RJ - Sala Especial dedicada a sua obra de gravador, no MNBA
1970 - Fortaleza CE - Coletiva de artistas cearenses, na Casa de Raimundo Cela
1978 - Rio de Janeiro RJ - 1º Salão Nacional de Artes Plásticas, no MNBA
1989 - Fortaleza CE - Arte Brasileira dos Séculos XIX e XX nas Coleções Cearenses: pinturas e desenhos, no Espaço Cultural da Unifor
1991 - Fortaleza CE - Scap: 50 anos, no Imperial Othon Palace Hotel
1992 - Rio de Janeiro RJ - Gravura de Arte no Brasil: proposta para um mapeamento, no CCBB
1999 - Rio de Janeiro RJ - Mostra Rio Gravura. Gravura Moderna Brasileira: acervo Museu Nacional de Belas Artes, no MNBA
2003 - São Paulo SP - Arte e Sociedade: uma relação polêmica, no Itaú Cultural
Fonte: RAIMUNDO Cela. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2022. Acesso em: 04 de outubro de 2022. Verbete da Enciclopédia. ISBN: 978-85-7979-060-7
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Biografia – Wikipédia
Filho do mecânico espanhol José Maria Mosquera Cela (1857 - 1923) e da professora sobralense Maria Carolina Brandão Cela (1854 - 1927). Com quatro anos de idade a família se mudou para a cidade litorânea de Camocim onde o pai deveria assumir as oficinas da estrada de ferro e a mãe lecionar na escola de primeiras letras. Foi aí que Raimundo Cela e seus irmãos fizeram com a própria mãe os estudos iniciais de escrita e leitura.
No ano de 1906 é mandado para Fortaleza a fim de estudar no conceituado Liceu Cearense onde recebeu o diploma de bacharel em Ciências e Letras.
No Rio de Janeiro
Em 1910 chega ao Rio de Janeiro e, atendendo a sua inata inclinação para as artes, matricula-se na Escola Nacional de Belas Artes como aluno livre. Teve por mestres Zeferino da Costa em modelo vivo, e Eliseu Visconti e Batista da Costa em pintura. Ao mesmo tempo, inscreve-se na Escola Politécnica pois era desejo de seu pai que se tornasse engenheiro. Três anos depois, recebe o grau de Engenheiro-geógrafo.
Em 1916 participa pela primeira vez do Salão da Escola Nacional de Belas Artes e conquista a Pequena Medalha de prata. No ano seguinte, recebe o cobiçado Prêmio de Viagem ao estrangeiro.
Na Europa
Na Europa, estudou gravura com Frank Brangwyn, pintor, gravador e litógrafo inglês.
Pinacoteca de Sobral
Em 2016 peças de sua autoria e ou de coleção de foram doadas por familiares de Raimundo Cela para compor o acervo da Pinacoteca de Sobral, terra natal do artista.
Fonte: Wikipédia. Consultado pela última vez em 4 de outubro de 2022.
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Exposição Raimundo Cela - FAAP
Raimundo Cela nasceu em 1890, em Sobral, no interior do Ceará, mas cresceu em uma cidade litorânea próxima: Camocim. O artista - criado em um meio familiar culto - foi para o Rio de Janeiro em 1910 estudar engenharia, desejo de seu pai, e pintura, por ambição própria. Formou-se sob orientação dos maiores mestres do começo do século, tendo contato especial com Eliseu Visconti.
A pintura de Cela inicia-se totalmente acadêmica, tendo ele recebido, em 1917, como prêmio, uma viagem à Paris do Salão Nacional de Belas Artes, pela obra clássica Último Diálogo de Sócrates. A viagem só ocorreu em 1920, devido à guerra.
O artista permaneceu na França por dois anos, quando dedicou-se ao aprendizado da gravura em metal com Frane Brangwyn, pintor, gravador e litógrafo inglês. Seu trabalho nessa técnica é de excepcional qualidade. Suas gravuras, segundo o artista plástico e professor formado pela Escola de Belas Artes da UFRJ, Adir Botelho, não são apenas registros gráficos, históricos, são obras universais no sentido e na expressão. Foi o pioneiro do ensino da gravura em metal na Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, lecionando durante nove anos.
De volta ao Brasil, foi viver em Camocim, onde trabalhou durante dez anos como engenheiro de uma pequena usina elétrica. Em 1938, a pintura de um painel para o governo do Estado, representando a libertação dos escravos do Ceará o trouxe de volta à vida artística. Pouco depois, em 1940, estabeleceu-se em Fortaleza. O artista francês Jean Pierre Chabloz o conheceu nessa fase e encantou-se com sua obra.
Raimundo Cela, sendo um moderno, nunca foi um modernista. Ele apareceu justamente no momento da história cultural em que as artes iam ser atingidas pelo radicalismo de 1922. Criou-se, então, o mito que hoje vem sendo revisto pelos estudos sobre o pré-modernismo, de que aconteceu um hiato entre os mestres do século XIX e a Semana de Arte Moderna. Neste período, nada teria sido produzido de interessante e criativo. Os que surgiram naquela fase foram mantidos numa espécie de limbo cultural. Mas o valor da arte de Raimundo Cela deve-se ao fato de ter sido concebida à margem das escolas, de não ter sido contaminada pelos modismos passageiros.
Raimundo Cela retornou ao Rio de Janeiro em 1945. Tornou-se professor de gravura em metal da Escola Nacional de Belas Artes, cargo que ocuparia até a sua morte, em 1954. Nesta última fase da carreira, o pintor foi duas vezes premiado com a medalha de ouro do Salão Nacional de Belas Artes.
Exposição
O Museu de Arte Brasileira da FAAP (MAB-FAAP) realiza, a partir de 12 de junho, a exposição de Raimundo Cela (1890-1954), principal artista cearense de sua geração. Reunindo 120 obras, a retrospectiva apresenta o percurso do artista desde suas obras acadêmicas até os últimos trabalhos, plenos de ritmo e emoção.
Com curadoria de Denise Mattar, que tem como proposta resgatar artistas de qualidade que ficaram à margem da história oficial da arte brasileira, a mostra “Raimundo Cela – um mestre brasileiro” apresenta a obra de um realizador muito respeitado entre os estudiosos, mas pouco conhecido do público em geral.
Maior retrospectiva já realizada do pintor cearense, a mostra abarca sua trajetória, a partir de momentos chave que representam o início de um novo ciclo em sua obra.
A exposição inicia com seus primeiros trabalhos, marcados pela influência do academicismo. São obras determinadas pelo perfeito domínio da técnica clássica, na composição de telas figurativas, evocações à Antiguidade Clássica e à paisagem brasileira. Nesse setor, destacam-se, entre outras, obras como Último diálogo de Sócrates (1917), premiada no Salão Nacional de Belas Artes e que garantiu ao artista uma viagem a Paris, na França.
Devido à Primeira Guerra Mundial, a viagem foi realizada apenas em 1920, justamente o princípio dos anos “loucos” da capital francesa, onde Cela dedica-se aos estudos da gravura em metal, dando uma nova perspectiva à sua obra, não apenas na técnica, mas também na temática.
Ao longo dos anos em que permanece em Paris, o artista retratou em seus desenhos, óleos e gravuras, cenas da paisagem francesa, como na tela Paisagem de Saint-Agrève (1921), e da realidade parisiense e de seus tipos, em estudos de nus e nos desenhos Ferreiro e Funileiro (1921).
Um dos grandes destaques da exposição, e da obra de Raimundo Cela, o painel Abolição (1938) estará reproduzido na mostra em seu tamanho original. Primeiro estado brasileiro a abolir a escravatura, em 25 de março de 1884, o Ceará, terra natal de Cela, encomenda ao artista, em 1938, um painel que simboliza o momento histórico tão marcante na história do Ceará e do Brasil.
Na mostra individual, o público poderá ter acesso a uma visão única do Ceará. Em seus quadros está a melhor tradução dessa paisagem nordestina, como na série Pinturas Brancas, de marinas e paisagens. Cela também foi um “caçador de almas” e dos tipos cearenses, com destaque para as figuras populares, como pescadores, vaqueiros, rendeiras e os jangadeiros, estes representados em uma série de obras criadas entre 1940 e 1946. Na mostra, essas produções estarão dispostas de modo narrativo, representando a sequência de ações que levam a jangada ao mar.
A exposição tem o patrocínio da Minalba e, depois da temporada no MAB-FAAP, segue para o Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro.
Fonte: FAAP. Consultado pela última vez em 4 de outubro de 2022.
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Coleção Raimundo Cela
Raimundo Brandão Cela, nasceu em Sobral, no dia 19 de julho de 1890. Cela ingressa no Liceu do Ceará, formando-se em Ciências e Letras. Em 1910 muda-se para o Rio de Janeiro, frequentando a Escola Nacional de Belas Artes, sendo aluno de Zeferino da Costa, Eliseu Visconti e Baptista da Costa.
Em 1917, obtém o prêmio de Viagem ao Estrangeiro pela obra “Último Diálogo com Sócrates”. Morando em Paris entre anos de 1917 a 1922, viaja para Inglaterra, Bélgica, Holanda e Espanha e estuda gravura em metal com Frank Branwyn.
Ao retornar para o Brasil, muda-se para Camocim, interior do Ceará, e passa a trabalhar como engenheiro. Em 1938, o artista pinta o quadro “Abolição dos Escravos” para o Palácio do Governo do Ceará, representando a imagem que remete a Liberdade, e alguns importantes líderes e intelectuais abolicionistas.
Participou do I Salão Cearense de Pintura e do I Salão de Abril, no Ceará; do IX Salão Paulista de Belas Artes, em São Paulo; do Salão Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, quando recebeu a Medalha de Ouro em Pintura e a Medalha de Ouro em Gravura, entre outras consideráveis exposições e conquistas.
Em 1957, no período que denominamos pré-MAUC, participou de uma retrospectiva com Vicente Leite, no Salão Nobre da Reitoria como parte do projeto artístico cultural da Universidade. No ano de instalação do MAUC, em 1961, o museu promove uma retrospectiva do pintor. Com o maior acervo do artista no Estado do Ceará, em 1979, foi inaugurada a Sala Raimundo Cela. Em 1990, comemorando o Centenário de nascimento de Cela, o MAUC realiza uma exposição comemorativa com 71 obras do artista.
Pintor, desenhista e gravador, tem como temática abordada característica a tipologia da terra, isto é, os tipos humanos regionais, com perspectiva formal estética. Dessa forma, retratou a força do trabalhador, desvencilhando-o da imagem de pobreza, além de tornar o jangadeiro um emblema e enriquecer a memória do Ceará.
Com telas luminosas e claras, representadas ali os pescadores, os vaqueiros, os artesãos, os operários e os jangadeiros, em sua maioria, o mestre Raimundo Brandão Cela representa um grande marco para a arte regional, tornando-se um pintor renomado para o patrimônio artístico cearense.
Raimundo Cela faleceu no Rio de Janeiro em 06 de novembro de 1954.
Fonte: Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará. Consultado pela última vez em 4 de outubro de 2022.
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120 pinturas incríveis que retratam a trajetória de Raimundo Cela – Art Ref
Quem é o artista?
Raimundo Cela, sendo um moderno, nunca foi um modernista. Ele apareceu justamente naquele momento de nossa história cultural em que as artes iam ser atingidas pelo radicalismo de 1922. Criou-se, então, o mito, que hoje vem sendo revisto pelos estudos sobre o pré-modernismo, de que aconteceu um hiato entre os mestres do século XIX e a Semana de Arte Moderna. Mas o valor da arte de Raimundo Cela deve-se ao fato de ter sido concebida à margem das escolas, de não ter sido contaminada pelos modismos passageiros.
A exposição de Raimundo Cela traz para o eixo Rio-São Paulo a memória de um dos mais importantes artistas cearenses.
A exposição de Raimundo Cela (1890-1954), principal artista cearense de sua geração. Reunindo 120 obras, a retrospectiva apresentará o percurso do artista desde suas obras acadêmicas até os últimos trabalhos, plenos de ritmo e emoção. Com curadoria de Denise Mattar, que tem como proposta resgatar artistas de qualidade que ficaram à margem da história oficial da arte brasileira, a exposição Raimundo Cela vai apresentar aos paulistas e cariocas a obra de um realizador muito respeitado entre os estudiosos, mas pouco conhecido do público em geral.
A exposição reúne obras das seguintes instituições: Museu de Arte da Universidade Federal, do Ceará do Instituto Dragão do Mar, Palácio da Abolição, Palácio Iracema em Fortaleza, e do Museu Nacional de Belas Artes no Rio de Janeiro, além de 14 coleções particulares de Fortaleza e São Paulo. Em contribuição à preservação da memória do artista e de sua obra, o Projeto Raimundo Cela: um mestre brasileiro realizará o restauro de quatro obras do artista, sendo três obras pertencentes ao acervo do Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará – MAUC: Rendeira (1931, Óleo sobre madeira, 32 x 40,5 cm); Cabeça de vaqueiro (1931, Óleo sobre madeira, 38 x 46 cm) e Cabeça de Jangadeiro (1933, Óleo sobre madeira, 38 x 46 cm).
Da coleção do Governo do Estado do Ceará – Instituto Dragão do Mar será restaurada a obra Catequese (Óleo sobre tela 190 x 200 cm). Essas obras serão apresentadas na itinerância da mostra para o Museu Nacional de Belas Artes em outubro deste ano.
A exposição
Maior retrospectiva já realizada do pintor cearense, a mostra abarca sua trajetória, a partir dos momentos-chave, que representam o início de um novo ciclo em sua obra.
A exposição abre com desenhos introdutórios e preparatórios e óleos de seus primeiros trabalhos, marcados pela influência do academicismo, ou seja, obras determinadas pelo perfeito domínio da técnica clássica, na composição de telas figurativas, evocações à Antiguidade Clássica e à paisagem brasileira. Nesse setor, destacam-se, entre outras, obras como Último diálogo de Sócrates (1917), premiada no Salão Nacional de Belas Artes com uma viagem a Paris.
Por causa da Primeira Guerra, a viagem acontece apenas em 1920, justamente o princípio dos anos loucos da capital francesa, onde Cela dedica-se aos estudos da gravura em metal, dando uma nova perspectiva à sua obra, não apenas na técnica, como também na temática. Ao longo dos anos em que permanece em Paris, como o público verá na exposição, seus desenhos, óleos e gravuras retratam cenas da paisagem francesa, como na tela Paisagem de Saint-Agrève (1921), e da realidade parisiense e de seus tipos, em estudos de nus e nos desenhos Ferreiro e Funileiro (1921).
Um dos grandes destaques da exposição, e da obra de Cela, o painel Abolição (1938), estará reproduzido na mostra em seu tamanho original. Primeiro estado brasileiro a abolir a escravatura, em 25 de Março de 1884, o Ceará, terra-natal de Cela, encomenda a ele, em 1938, um painel que simbolize o momento histórico tão marcante na história do Ceará e do Brasil.
Na individual, o público poderá ter acesso a uma visão única do Ceará. Um Ceará da gente do mar, com muita luz, vento, areia e água salgada. Certamente está em seus quadros a melhor tradução dessa paisagem nordestina, como na série Pinturas Brancas, de marinas e paisagens. Cela também foi um caçador de almas e dos tipos cearenses, com destaque para as figuras populares, como pescadores, vaqueiros, rendeiras e os jangadeiros, estes representados em uma série de obras criadas entre 1940 e 1946 que, na mostra, estarão dispostas de modo narrativo, mostrando a sequência de ações que levam a jangada ao mar.
A exposição reúne obras das seguintes instituições: Museu de Arte da Universidade Federal, do Ceará do Instituto Dragão do Mar, Palácio da Abolição, Palácio Iracema em Fortaleza, e do Museu Nacional de Belas Artes no Rio de Janeiro, além de 14 coleções particulares de Fortaleza e São Paulo. Como uma contribuição a memória do artista e preservação de sua obra, o Projeto Raimundo Cela: um mestre brasileiro, realizará o restauro de quatro obras do artista, sendo três obras pertencentes ao acervo do Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará – MAUC: Rendeira (1931, Óleo sobre madeira, 32 x 40,5 cm); Cabeça de vaqueiro (1931, Óleo sobre madeira, 38 x 46 cm) e Cabeça de Jangadeiro (1933, Óleo sobre madeira, 38 x 46 cm). E da Coleção do Governo do Estado do Ceará – Instituto Dragão do Mar será restaurada a obra Catequese (Óleo sobre tela 190 x 200 cm). Essas obras serão apresentadas na itinerância da mostra para o Museu Nacional de Belas Artes em outubro deste ano.
Vida e obra
Raimundo Cela nasceu em 1890, em Sobral, no interior do Ceará, mas cresceu em uma cidade litorânea próxima: Camocim. O artista foi criado em um meio familiar culto. Cela foi para o Rio de Janeiro em 1910 estudar engenharia, desejo de seu pai, e pintura, por ambição própria. Formou-se sob orientação dos maiores mestres do começo do século, tendo contato especial com Eliseu Visconti.
A pintura de Cela inicia-se totalmente acadêmica, tendo ele recebido, em 1917, o prêmio de viagem ao exterior do Salão Nacional de Belas Artes, pela obra clássica “Último Diálogo de Sócrates”.
Por causa da Guerra só viajou em 1920. Permaneceu na França por dois anos, quando dedicou-se ao aprendizado da gravura em metal com Frane Brangwyn, pintor, gravador e litógrafo inglês. Seu trabalho nessa técnica é de excepcional qualidade. Suas gravuras, segundo Adir Botelho, não são apenas registros gráficos, históricos, são obras universais no sentido e na expressão. Foi o pioneiro do ensino da gravura em metal na Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, lecionando durante nove anos.
De volta ao Brasil, foi viver em Camocim, onde trabalhou durante dez anos como engenheiro de uma pequena usina elétrica. Em 1938, a pintura de um painel para o governo do Estado representando a libertação dos escravos do Ceará o trouxe de volta à vida artística. Pouco depois, em 1940, estabeleceu-se em Fortaleza. O artista francês Jean Pierre Chabloz o conheceu nessa fase e encantou-se com sua obra.
Nas palavras de Cláudio Valério Teixeira (artista plástico, restaurador e crítico de arte): “Na obra de Cela nada é inocência, tudo é fruto de planejamento, economia e técnica. Mas tudo é também movimento, força, agilidade e graça. Sua arte não procura simplesmente imitar as coisas representadas, é de uma beleza solene, meio melancólica, mas luminosa”.
O pintor retornou ao Rio de Janeiro em 1945. Tornou-se professor de gravura em metal da Escola Nacional de Belas Artes, cargo que ocuparia até a sua morte, em 1954. Nesta última fase da carreira, Cela foi duas vezes premiado com a medalha de ouro do Salão Nacional de Belas Artes.
Fonte: Art Ref, "120 pinturas incríveis que retratam a trajetória de Raimundo Cela", publicado em 6 de junho de 2016. Consultado pela última vez em 4 de outubro de 2022.
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Raimundo Cela, um mestre brasileiro | Almeida e Dale
Uma janela para o Ceará
A arte de Raimundo Cela nos proporciona uma janela para o Ceará. Um Ceará de praias oceânicas, de jangadas e de jangadeiros. Um Ceará da gente do mar, com muita luz, vento, areia e água salgada. Certamente está na obra de Raimundo Cela a melhor tradução pictórica dessa paisagem nordestina tão impregnada de sensações para os que nela viveram. Vendo suas jangadas balançando por força das ondas e do vento, a vontade que dá é de cantar aquela famosa canção de Luiz Gonzaga: "olha palha do coqueiro quando vento dá/ olha o tombo da jangada nas ondas do mar... "
Raimundo Brandão Cela foi um pintor cearense do começo do século XX. Um artista singular não só pela qualidade da obra que nos legou como também pela trajetória que seguiu, tão diversa da de outros artistas seus contemporâneos. Ele nasceu em 1890, em Sobral, no interior do Ceará, mas a família Cela se mudou quando ele tinha quatro anos para a cidade litorânea mais próxima: Camocim. Se tivesse crescido em Sobral certamente os temas que mais o inspirariam estariam associados à paisagem árida, ao calor inclemente e ao sol causticante dessa rica e pitoresca cidade do norte do Ceará. Mas crescer na bela Camocim, banhada pelo rio Coreaú, beijada pela brisa do Atlântico, ouvindo a pancada das ondas, vendo o movimento dos barcos e dos pescadores marcou seu espírito e impregnou sua arte de forma definitiva.
Origens
O pai de Cela era o espanhol José Maria Mosqueira Cela, chefe das oficinas da Estrada de Ferro de Sobral que se casara naquela cidade com a professora Maria Carolina Brandão, três anos mais velha que ele. Ter mãe professora fazia grande diferença no Ceará do final do século XIX e os filhos do casal fizeram seus estudos iniciais em casa. Ainda adolescente, Raimundo Cela foi matriculado no Liceu do Ceará, em Fortaleza, seguindo, em 1910, para o Rio de Janeiro onde se formaria engenheiro como desejava o pai e pintor como ele mesmo desejava. Em 1913, trabalhou com o Marechal Rondon na “repartição geral de proteção ao índio”, conforme contou em carta para o pai. Na Escola Nacional de Belas Artes, no Rio, estudou sob a orientação dos maiores mestres do começo do século, sendo especialmente influenciado por Eliseu Visconti de quem se tornou aluno dileto.
Em 1917, Cela ganhou o prêmio de viagem do Salão Nacional de Belas Artes. Por causa da Grande Guerra e da necessidade de concluir o curso de engenharia, só viajou mesmo em 1920. Permaneceu na França três anos, onde se dedicou ao aprendizado da gravura em metal. É considerado um dos maiores no gênero e suas gravuras, na visão de Adir Botelho, representam um dos raros momentos na história da gravura brasileira em que o ideal artístico encontra um equilíbrio e um acordo perfeitos. A experiência internacional foi importante em sua vida tanto do ponto de vista pessoal quanto do aprimoramento de novas técnicas e talvez houvesse prolongado a permanência na Europa se não tivesse ficado doente. Doença que fora causada, segundo os médicos, pelo excesso de trabalho. E isto também nos revela um pouco desse artista aparentemente calmo, reservado, metódico e disciplinado mas que investia uma paixão tão febril em sua arte a ponto de adoecer mais de uma vez.
Com a morte do pai, em 1924, Cela preferiu se estabelecer no Camocim, onde trabalhou durante dez anos como gerente da Companhia de Força e Luz de Camocim – CFLC, pequena empresa de iluminação à gás que constituíram junto com o irmão, Fernando Cela. Mantinha o ateliê ao lado da usina e o jovem pintor e poeta, Otacílio de Azevedo, que ali o visitou, ficou impressionado com a riqueza da obra que reunira naqueles anos de afastamento.
“Uma das mais extraordinárias surpresas da minha vida foi quando, como fotógrafo, em 1933, fui, por intermédio de Péricles Serpa, visitar em Camocim, o ateliê de Raimundo Cela. Ao penetrar no recinto, parecia-me tudo aquilo uma estranha aventura arrancada das páginas das ‘Mil e uma noites’, tal a riqueza de quadros deslumbrantes que me ofuscavam a vista”.
Luz e força
Pintor e engenheiro, artista e engenheiro, foi Raimundo Cela uma contradição em termos? Pode ser, mas talvez a engenharia explique muito da qualidade de sua arte. Segundo Cláudio Valério Teixeira, na obra de Cela nada é inocência, tudo é fruto de planejamento, economia e técnica. Mas, o equilíbrio racional que daí resulta não faz da sua, uma arte que tenta imitar formalmente as coisas representadas. Nela tudo também é movimento, emoção, agilidade e graça. Se os assuntos de Cela são geralmente brasileiros e mais precisamente cearenses, se sua arte é fruto de sua apurada sensibilidade, sua técnica sutil e equilibrada foi desenvolvida ao longo dos anos de rigorosos estudos no Rio de Janeiro e na Europa.
Seus grupos de trabalhadores do mar têm uma beleza solene, meio melancólica, apesar das luzes e das cores. O olhar é atraído por um detalhe: a cabeça, as costas, as pernas dos jangadeiros, sem desprezar o conjunto em que a harmonia dos movimentos, dos gestos e das formas impactam pela naturalidade com que nos capturam. Seus quadros nos revelam, de uma maneira muito sutil, sem grandiloquência ou pieguice, a poesia que inspira a visão dos pescadores e de suas jangadas nas praias do Ceará. Suas cores são alegres e vibrantes mas matizadas pelos rosas e azuis claros que evitam que o trabalho se deixe corromper pela tentação do excesso normalmente associado à representação da paisagem tropical. De suas telas emana uma luminosidade difusa como a de Turner mas muito mais serena, obtida pela equilibrada distribuição das cores, dos cinzas e do brancos.
Cláudio Valério identifica em seu trabalho a simbiose da pintura com a aquarela: uma seleção de pigmentos de quem já havia olhado a pintura impressionista e por ela se deixado envolver, uma paleta aberta cujas cores luminosas tomam o lugar das terrosas. Sem prejuízo dessas que aparecem nas tradicionais roupas masculinas, calça e camisão de linho cru, tingidas de um marrom intenso, avermelhado, tão característica do povo do Ceará do seu tempo. O crítico chama a atenção para o tratamento que Cela dá às suas figuras, nas quais o recurso ao traço quase caricatural e deformador subtrai de seus desenhos o caráter naturalista, fazendo-os ganhar em expressividade.
Se seus quadros são antecedidos de um planejamento e de muitos esboços, o resultado das composições nada perde em liberdade e naturalidade e é definido pelo que Claudio Valério chama de “verdadeira transfiguração do aprendizado acadêmico”. O importante, acrescenta: é verificar como o artista vai transformando a forma clássica – poses típicas de estudos de academia – em traços pessoais, desenhos menos laboriosos, realizados ao natural, agregando características formais inteiramente próprias. A seu ver, o principal tema da arte de Cela é a força: linhas e formas exercem e traduzem tensões, antagonismos criados nos retângulos do suporte confirmam seu principal interesse, em detrimento do meramente anedótico, da simples narrativa das cenas, das ilustração dos fatos.
Raimundo Cela apareceu justamente naquele momento de nossa história cultural em que as artes iam ser atingidas pelo radicalismo de 1922. Criou-se então o mito, que hoje vem sendo revisto pelos estudos sobre pré-modernismo, de que havido um hiato entre os mestres do século XIX e a Semana de Arte Moderna. Nesse período nada teria sido produzido de interessante e criativo. Os que surgiram naquela fase foram mantidos assim numa espécie de abandono crítico. Foi nesse limbo cultural que durante muito tempo tentaram alojar Raimundo Cela. Ele foi, na verdade, um artista do século XX, com características de formação e interesses temáticos que remetem à sua primeira metade. Raimundo Cela, sendo um moderno, nunca foi um modernista. Mantendo-se alheio às escolas, não sucumbindo ao apelo fácil do modernismo, o artista escapou de ser contagiado pelas tendências então em voga. Talvez o fato de ter se mantido tanto tempo afastado do meio artístico, pintando seus quadros na tranquila Camocim, tenha contribuído, ao lado das convicções que orientavam a vida do artista, para a singularidade de sua arte.
Um homem singular
Era, segundo o relato dos que o conheceram, um homem sóbrio e discreto sem, no entanto, ser antipático. Ao contrário, os íntimos o descrevem como alguém afável, alegre e conversador. O pintor francês radicado no Ceará, Jean Pierre Chabloz, que o conheceu em Fortaleza nos anos 1940, o descreve como um artista requintado, cultíssimo, dotado num alto grau de ‘mesure’, daquela ‘finesse’ afetuosa e ligeiramente irônica que fazem o encanto indiscutido dos espíritos e das sensibilidades verdadeiramente franceses. Muito dedicado aos pais e aos irmãos mais novos, casou-se tarde, com mais de quarenta anos, com uma moça do Amazonas, Eunice Medeiros, com a qual teve dois filhos, Paulo e Dolores.
Depois de quase quatorze anos em Camocim, a reaparição de Raimundo Cela no cenário artístico oficial se daria em 1938 quando foi convidado para pintar um painel para o Governo do Estado representando a libertação dos escravos do Ceará. Morou durante sete anos em Fortaleza onde foi professor de desenho no Colégio Militar e na Escola de Agronomia. Mantinha ateliê nos altos do lindo teatro José de Alencar, integrando-se ao movimentado ambiente cultural da cidade. Junto com o pintor carioca radicado no Ceará, Mário Barata, Cela fundou, em 30 de junho de 1941, o Centro Cultural de Belas Artes que em 1944, seria renomeada como Sociedade Cearense de Belas Artes. A SCAP foi mais importante espaço de articulação dos artistas plásticos cearenses, dedicando-se ao ensino artístico e à promoção de grandes primeiras mostras coletivas de arte. Em 1943, Raimundo Cela participou do primeiro Salão de Abril, promovido pela Secretaria de Arte da União Estadual de Estudantes (UEE), onde seus trabalhos foram apresentados junto com o de outros artistas da terra: Jean-Pierre Chabloz, João Maria Siqueira, Antônio Bandeira, Rubens, Mário Baratta, Aldemir Martins, Afonso Bruno e Fonsek. O artista retornou ao Rio de Janeiro em 1945 e se tornou professor de gravura em metal da Escola Nacional de Belas Artes, cargo que ocuparia até sua morte em 1954. Nesta última fase da carreira, Raimundo Cela foi duas vezes premiado com a medalha de ouro no Salão Nacional de Belas Artes. Retirado em Niterói, viveu ali seus últimos anos, apegado aos quadros dos quais vendeu muito poucos. Não que lhe faltassem compradores, apenas porque o artista tinha-lhes um apego sentimental e raramente se dispunha a separar-se deles.
O advento do Modernismo no Brasil, em 1922, e sua implantação, que se estendeu até o final dos anos 1940, foram responsáveis pela depreciação dos artistas formados em bases acadêmicas. A segregação adquiriu cores ainda mais fortes durante a expansão do Abstracionismo, quando toda a produção acadêmica foi negada, como se nada tivesse valor. Nessa zona de esquecimento permaneceram, por décadas, excelentes pintores como Eliseu Visconti, Lucílio Albuquerque e Antonio Parreiras, entre outros. Se isso ocorreu com pintores do eixo Rio-São Paulo, o que dizer de um artista de origem acadêmica que optou por viver e pintar sua terra natal, o Ceará? Essa miopia, finalmente, começa a ser desconsiderada pela crítica, abrindo espaço para a descoberta de grandes talentos esquecidos.
Raimundo Cela é um dos criadores da visualidade cearense, descartou a representação do nordestino como o sertanejo miserável e faminto, para mostrar o trabalhador forte e decidido do litoral. Pintou pescadores, jangadeiros e barcos, a intensa luz das praias cearenses e as nuvens rosadas do céu equatorial . Suas composições, minuciosamente construídas, são plenas de ritmo e emoção. Elas reúnem a precisão do engenheiro à sensibilidade do artista, o épico ao cotidiano, a precisão do desenho à energia da cor.
Apesar de amplamente reconhecido em seu estado natal, e muito respeitado entre os estudiosos, Cela é bem pouco conhecido fora desses nichos. Assim, a exposição Raimundo Cela - Um Mestre Brasileiro, tem como objetivo apresentar ao público paulista e carioca a obra do artista. A retrospectiva abarca sua trajetória a partir de momentos-chave: O prêmio da Escola Nacional de Belas Artes, a viagem à Europa, o retorno a Camocim, a mudança para Fortaleza e a volta ao Rio de Janeiro. Desenhos, gravuras, aquarelas e pinturas, de todas essas fases, permitem compreender o processo criativo do artista.
A vida de Raimundo Cela e as etapas de seu percurso artístico estão amplamente apresentadas neste catálogo. Elas podem ser encontradas no texto de Isabel Lustosa, na cronologia do artista e nos textos introdutórios a cada núcleo da exposição, assim, preferimos abordar, ainda que superficialmente, outro aspecto da trajetória de Cela: a constituição de sua imagística. Fundamentais para a elaboração deste texto e para a realização da exposição foram os seguintes trabalhos: a publicação Raimundo Cela, realizada em 1990 pela Editora Pinakotheke, e, especialmente, a dissertação de mestrado Pintura na Travessia: A Paisagem Litorânea na obra de Raymundo Cela, de Delano Pessoa Carneiro Barbosa, realizada para a Universidade Federal do Ceará em 2010.
Raimundo Cela -1890-1954
Raimundo Cela estudou na Escola Nacional de Belas Artes, de 1910 a 1918, como aluno dos chamados cursos livres – que não exigiam presença em período integral – pois ele estudava engenharia à noite e trabalhava durante o dia. Ao longo desses anos recebeu várias láureas, entre elas a medalha de prata do Salão de 1916. Em 1917 ganhou o prêmio máximo da instituição e o seu sucesso, além do seu talento, foi devido a um cuidadoso planejamento e conhecimento da cultura visual de sua época.
Raymundo Cela conhecia as regras para a obtenção do Prêmio de Viagem vigentes no período, dentre elas a elaboração de um quadro de composição em tamanho grande, além da valorização dos desenhos que configuram a pintura, ou seja, a constituição de tipologias. Não por acaso, juntamente com a tela, o artista expôs, no Salon de 1917, sete estudos (desenhos) das figuras que compõem a cena. Assim, Raymundo Cela contemplou de maneira harmônica as quatro características constitutivas de uma composição: o desenho – tomado como projeto inicial da obra –, o método compositivo, a constituição de tipologias – a partir de desenho de modelo-vivo – e, por fim, explicitou sua proximidade com a tradição clássica.
O trabalho foi bastante elogiado pela imprensa. Um das exceções foi Monteiro Lobato, que, já engajado no seu projeto de arte brasileira, discordava do tema histórico e clássico da obra, embora não negasse valor a Cela:
Raymundo Cela é outro nome que aparece. Traz uma tela de vulto: Último diálogo de Sócrates. A mania de sair do presente compreensível, e mergulhar em mundos mortos, como o grego, é uma balda velha da Escola, que não perceberá nunca o absurdo contido nisso, diante da moderna concepção de arte. Como pode um menino do Ceará, transplantado para o Rio, e que não é um helenólogo com 50 anos de estudo, como pode essa moderníssima e brasileiríssima criatura interpretar com sua alma virgem de filosofias, uma cena do século de Péricles? Não obstante Cela denuncia-se com boas qualidades de arranjador, e boa técnica, sobretudo nas figuras secundárias.
O artista não gostou muito da crítica, que relatou en passant em carta a seu pai, mas talvez ela o tenha influenciado de alguma forma, pois, na Exposição Geral de 1918, ele apresentou uma obra intitulada Porto da Jangada (Ceará).
No início de 1920, depois de passar algum tempo com seus pais em Camocim, Cela partiu para a Europa. A bolsa de viagem concedida aos alunos livres previa a permanência no exterior por dois anos, e não exigia a realização de cópias ou frequência a cursos específicos, assim Cela pode escolher onde e como queria estudar. Ficou em Paris, por algum tempo, realizando estudos da figura humana, com modelos europeus femininos e masculinos, em moldes bem acadêmicos. A seguir, já vivendo em Dampierre, registra as paisagens bucólicas de Saint-Agrève em pinturas e aquarelas. Adotou nesses trabalhos uma fatura impressionista, não usada anteriormente, embora, certamente, conhecesse este movimento desde o Brasil, visto ter sido aluno de Visconti. Mas é no desenho e na gravura que ocorre uma determinante mudança temática na obra do artista, Cela repensa os ensinamentos da Academia e volta seu olhar para pessoas comuns do vilarejo onde reside, e os retrata em seus labores: a feira, a oficina, a forja.
Essa atitude estava no ar nesse momento na Europa, como um efeito das mudanças políticas, econômicas e sociais decorrentes do processo de industrialização e da luta pelos direitos trabalhistas da classe operária. O mundo estava mudando e a arte precisava acompanhar:
Essa ênfase numa reflexão sobre um presente em transformação se contrapõe ao culto ao passado praticado no espaço da pintura ensinada nas escolas oficiais de artes, as Academias, e apresentadas nos seus Salões por meio de obras que privilegiavam, como sabemos, um retorno à Roma imperial e republicana, se fossem neoclássicas, ou à Idade Média e ao “Oriente”, se românticas.
No caso de Cela acreditamos que a convivência com Frank Brangwyn, seu professor de gravura, integrante do movimento Arts & Crafts, deve ter contribuído consideravelmente para sua mudança de foco. O conjunto de trabalhos desenvolvido por Cela nesse momento é de qualidade excepcional, neles o artista reúne o rigor da técnica da gravura em metal ao apuro da composição, em obras que transpiram a energia simples do trabalho, revelam o desolamento dos desamparados ou nos fazem sentir o calor do metal em brasa no cadinho. Não por acaso, alguns deles foram selecionados para o Salon des Artistes Français. Resta lamentar que esse momento de produção tão especial, tenha sido interrompido pelo AVC que acometeu o artista. Impedido de ler, desenhar, pintar e até de viajar, Cela permanece num limbo até poder voltar ao Brasil.
Logo após sua chegada seu pai faleceu e o artista instala-se em Camocim.
Apesar de se situar longe da capital, a cidade era, naquele momento, o principal porto do Ceará. A instalação de uma companhia de energia era cada vez mais necessária e Cela torna-se o engenheiro que comanda essa operação. Não sabemos praticamente nada desse período, no qual Cela, aparentemente, deixa de pintar. Como fato temos o falecimento de sua mãe em 1927 e o surgimento de algumas obras datadas de 1929. A partir daí o artista não apenas volta às artes, mas trilha um caminho original e incomum.
Nessa retomada da pintura, Cela volta ao tema dos trabalhadores, em grande diálogo com a pesquisa que estava realizando na França, em 1922. A pintura Saída da Oficina, 1929 é quase impressionista e parece ter sido efetuada diretamente sobre a tela, sem um desenho como base. O artista não dá continuidade a este estilo e, já em 1931, inicia a série conhecida como “Cabeças” na qual retrata tipos do Ceará: o vaqueiro, a rendeira, o jangadeiro. Outro tema que começa a surgir nessa retomada é a paisagem litorânea do Ceará, exemplificada na tela Praia em Camocim, 1932.
Em 1938, Cela muda-se para Fortaleza e o encontro com as jangadas e o mar bravio abre para ele um novo caminho; a possibilidade de reunir tudo o que havia pesquisado até então. Sua obra dá um salto! Há nesse momento uma junção de temáticas que já eram caras ao artista como o trabalhador e a paisagem litorânea, mas agora elas aparecem numa nova clave. O homem rude e forte que enfrenta o mar e o ar, na sua frágil embarcação com asas de pássaro, interage com a cor e da luz das praias do Ceará. Há também uma superposição de técnicas: o desenho registrando os corpos em movimento, cada músculo retesado na luta contra a natureza, enquanto que a pintura, de rápidas pinceladas, estilhaça a cor. E, finalmente, consuma-se a fusão do artista com o engenheiro, e, suas composições, cuidadosamente construídas, são plenas de ritmo e emoção.
Essa mudança para Fortaleza permitiu a Cela estar com outros artistas, convívio do qual estivera afastado durante o período em que residiu em Camocim. Estimulado por Mário Baratta ele volta a participar do circuito de arte brasileiro da época e a enviar obras para exposições. No I Salão de Abril, realizado na cidade em 1943, Cela participou ao lado de jovens como Jean-Pierre Chabloz, Antônio Bandeira e Aldemir Martins, entre outros. Na ocasião Cela expôs a pintura Arrebentação.
Este trabalho fazia parte de uma sequência quase cinematográfica composta por três obras: A Arrebentação, Vencendo o Escarcéu e A Virada, tendo a segunda delas recebido a Pequena Medalha de Prata do IX Salão Paulista de Belas Artes em 1943.
Não podemos deixar de observar que provavelmente muito contribuiu para a escolha temática o episódio conhecido como o Raid da Jangada São Pedro quando quatro jangadeiros cearenses, viajaram de Fortaleza ao Rio de Janeiro de jangada, para reivindicar o reconhecimento de sua profissão. O fato contribuiu para firmar a imagem do cearense como um forte, em grande contraste à imagem do caipira indolente do Sudeste, retratado na literatura por Monteiro Lobato e na pintura por Almeida Jr..
Em 1945 Cela muda-se para o Rio de Janeiro, o que altera de forma sensível sua pintura. O artista captura a clara luminosidade das paisagens, mais suave do que a saturada luz do Ceará. Aqui ele também pinta os trabalhadores do mar, mas os personagens refletem os tipos locais, quase sempre retratados em atitude descontraída, sensivelmente diferente do comportamento rijo dos jangadeiros. Entre as obras desse período destaca-se A Venda do Peixe, tela de grandes dimensões e um toque épico.
Em 1951 Cela foi aprovado por unanimidade para o cargo de professor de Gravura da Escola Nacional de Belas Artes, passando a figurar entre os mestres que o formaram. Nesse período Cela transcreve para a gravura a imagística que o consagrou: as jangadas, os vaqueiros e os tipos populares brasileiros. Ao conjunto ele incorpora imagens tocantes, como o casal de retirantes olhando um barco partir e o jangadeiro fitando o mar. Curiosamente as duas gravuras retratam as figuras de costas recurso que o artista explora com maestria para ganhar expressividade.
Considerado como o último trabalho de Cela , o óleo “Duas Épocas” é uma crônica, pintada por um artista que observa o Rio de Janeiro de sua juventude desaparecer. Assim como suas últimas gravuras essa obra parece inaugurar uma nova pesquisa, mais nostálgica e doce, um novo caminho talvez, interrompido por sua morte.
Reunir as 126 obras que compõem a exposição Raimundo Cela - um mestre brasileiro, não foi tarefa fácil, e só aconteceu graças à preciosa colaboração de muitas pessoas e instituições que se desdobraram para ajudar o projeto, entre elas, Paulo Linhares e Bitú Cassundé, do Instituto Dragão do Mar, Pedro Eymar, do Museu de Arte da Universidade do Ceará, Randal Pompeu da Universidade de Fortaleza, Monica Xexéo do Museu Nacional de Belas Artes e, especialmente, o artista José Guedes.
Idealizada pela Galeria Almeida e Dale, a mostra teve o patrocínio da Minalba para sua realização. Agradeço a todos os colecionadores e instituições que cederam obras para esta exposição, ao Museu de Arte Brasileira da FAAP e ao Museu Nacional de Belas Artes pelos belos espaços, e à toda a competente e sensível equipe que produziu as duas mostras. Destaco a bela cenografia de Guilherme Isnard, que nos ajudou a empreender uma mágica viagem à obra de Raimundo Cela.
Denise Mattar, Curadora.
Um artista promissor
1910/1919
Desde cedo Raimundo Cela demonstrou talento para as artes plásticas. Acredita-se que o desenho Árvore seja um de seus primeiros trabalhos.
Em 1910, aos 20 anos, ele foi para o Rio de Janeiro estudar Engenharia, como queria seu pai, e Arte, como ele mesmo desejava.
Na Escola Nacional de Belas Artes foi aluno de João Zeferino da Costa, Eliseu Visconti e João Batista da Costa. Nesse período, Cela recebeu várias vezes o primeiro lugar nos concursos de composição entre os alunos. Ele era novato, vindo de longe, cursava engenharia, trabalhava durante o dia, para não depender do pai, e mesmo assim chamou a atenção dos professores.
Em 1916, numa de suas primeiras participações na Exposição Nacional de Belas Artes, ele já recebeu a medalha de prata e, em 1917, surpreendentemente, ganhou o ambicionado Prêmio de Viagem ao Exterior, que o levaria a Europa.
Seu autorretrato, de 1921, foi realizado em Paris.
O grande prêmio 1917
Em 1917, Raimundo Cela recebeu o mais cobiçado prêmio da XXIV Exposição Geral de Belas Artes, o Prêmio de Viagem ao Exterior, com a pintura O Último Diálogo de Sócrates. A Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro era a mais importante instituição de ensino de artes plásticas no Brasil, e sua Exposição Geral, o evento mais aguardado entre os artistas. As premiações eram divididas em menção honrosa, medalhas de bronze, prata e ouro. O Grande Prêmio de Viagem ao Exterior concedia ao artista uma pensão para morar na Europa por dois anos.
O Último Diálogo de Sócrates é uma obra de caráter acadêmico, que retrata o momento no qual o filósofo prefere tomar o veneno e aceitar sua condenação, do que fugir, como queriam seus discípulos. A escolha de um tema histórico grego que privilegia a ética, o desenho primoroso, o desenvolvimento da atitude e emoção das personagens e a execução da pintura com intenso uso do claro-escuro, convergiram para o reconhecimento e consagração de Raimundo Cela com a conquista do tão sonhado prêmio.
As obras premiadas passavam a integrar o acervo do ENBA.
Europa – 1920/22
Cela chega à Europa em Abril de 1920, e vai para Paris. Embora considere a cidade fascinante, relata uma grande dificuldade de adaptação à vida movimentada e frenética daquele período, incompatível com sua personalidade reservada.
A seguir viaja para a Inglaterra, Bélgica e Holanda visitando vários museus. No seu retorno, sem ter condições de instalar um ateliê em Paris, reside em Dampierre, uma pequena comunidade da região de Saint-Agrève, a uma hora de distância de Paris. É lá que Raimundo Cela começa a se interessar pela pintura de paisagem e a adensar seu interesse pelo estudo do desenho do corpo humano e pela temática dos trabalhadores e operários; mais presente nos desenhos e gravuras.
Em 1922, participa do Salon des Artistes Français com a obra Paisagem de Saint-Agrève (1921) e duas águas-fortes, que lhe rendem boas críticas nos principais jornais parisienses. Nesse momento, ele sofre uma hemorragia meníngea, um tipo de Acidente Vascular Cerebral (AVC), que o impossibilita de trabalhar por quase um semestre. Os médicos recomendam repouso absoluto, pois sua visão foi seriamente afetada. Sua recuperação completa vai se dar apenas após o retorno ao Brasil.
Gravuras – 1920/22
Ainda na Europa, Raimundo Cela aprende as técnicas de gravura em metal com Frank Brangwyn. Muito reconhecido, o artista britânico era pintor, desenhista, muralista, gravador, litógrafo, ilustrador e cartazista. Estudar com um mestre tão habilitado garantiu a Cela o domínio de uma técnica complexa e muito pouco ensinada no Brasil.
A gravura em metal é um tipo de trabalho que favorece a linha do desenho e os jogos de luz e sombra, nos quais Cela sempre havia revelado grande domínio. Suas gravuras desse período são densas e marcantes, executadas com absoluta precisão e uma qualidade técnica raramente encontrada entre nossos artistas. O desenho sempre foi a base do seu trabalho e isso pode ser bem observado aqui, nos esboços preparatórios para as gravuras.
Os temas escolhidos por Cela são aspectos da vida popular europeia, os habitantes da cidade, comerciantes, trabalhadores das forjas e das feiras, os mendigos e marginalizados. Essa aproximação do cotidiano o levaria, no seu retorno ao Brasil, a representar o seu próprio povo.
O painel da abolição – 1938
Quando Raimundo Cela ganhou o Prêmio de Viagem ao Exterior, o Governo do Estado do Ceará manifestou interesse em adquirir a obra que o consagrou. Isto não foi possível, uma vez que todas as obras premiadas passavam a integrar o acervo do ENBA, conforme estipulado no regulamento do concurso. Cela propôs então produzir, enquanto estivesse na Europa, uma obra com tema histórico brasileiro, o que não aconteceu devido à enfermidade que o acometeu.
Em 1938, dezesseis anos após seu retorno ao Brasil, Raimundo Cela executou a obra A Abolição dos Escravos para o Palácio da Luz, cumprindo a promessa de realizar uma obra para a sede do Governo do Estado. Em 1975, o edifício foi transformado em Casa de Cultura Raimundo Cela, e atualmente abriga a Academia Cearense de Letras. Devido às grandes dimensões da obra, e impossibilidade de remoção, ela permanece instalada no mesmo edifício.
A Abolição dos Escravos retrata um importante tema da história cearense. Em 25 de março de 1884 a Província do Ceará foi a primeira a abolir a escravidão em seu território, quatro anos antes da assinatura da Lei Áurea. A obra é uma alegoria a esse acontecimento. Em tons rosamate a pintura retrata os escravos recebendo uma dádiva da figura feminina sobre a jangada – a própria Liberdade. Alguns importantes líderes e intelectuais cearenses estão nela retratados, como Francisco José do Nascimento, conhecido como o Dragão do Mar, José do Patrocínio, João Cordeiro, Isac Amaral e Maria Tomásia.
Oficinas – 1929/33
Na sua volta ao país, Cela fica sete anos sem pintar. Quando retoma a pintura são os trabalhadores populares que despertam sua atenção.
Saída da oficina de 1929, apresentada na exposição, é uma das primeiras obras conhecidas do seu retorno, na qual vemos um grupo de trabalhadores no final do expediente. Com uma pincelada mais solta e gestual, a luz intensa do Ceará começa a aparecer e a moldar seu estilo.
Na aquarela Oficina, de 1933, Cela reafirma seu talento na composição e no trabalho de perspectiva da arquitetura, criado através da sugestão das roldanas no teto. As figuras são menos delineadas, vibram nessa luz quase impressionista que entra na cena pela grande janela ao fundo.
Obra: Catequese
Catequese é uma obra singular na produção de Raimundo Cela. Não há consenso sobre a datação desta pintura de caráter histórico, mas a tradição estima sua produção no início dos anos 1930. Se levarmos em consideração a grande dimensão da tela e a escolha de um tema indianista – tão apreciado pela Academia -, podemos supor que tratava-se de uma encomenda, talvez a primeira tentativa de executar a pintura prometida ao Governo do Estado, desde a época de sua premiação na ENBA. Corroborando esta hipótese, o primeiro registro que encontramos deste trabalho indica que a obra integrava originalmente a coleção do Palácio da Luz, assim como a Abolição dos Escravos.
Catequese retrata um padre jesuíta cercado por jovens índios, numa tentativa de aproximação e conversão religiosa. A composição das figuras guarda certa semelhança com o “Último Diálogo de Sócrates”, e parece resgatar os ensinamentos do período em que frequentou a Escola Nacional de Belas Artes, porém a fatura já mostra os ensinamentos da França e beira o Impressionismo. Além disso, segundo aponta o pesquisador Delano Pessoa, esta é a primeira obra na qual Cela integra a paisagem litorânea, e na qual introduz uma paleta de cores mais variada e repleta de nuances que, ao longo dos anos, desenvolverá.
O tema tem pouca familiaridade com o artista, que rapidamente se volta às personagens que cercam seu dia a dia, como o vaqueiro e o jangadeiro.
No Ceará é assim… – 1929/1945
O pai de Raimundo Cela faleceu logo após o seu retorno ao Brasil. O artista decide se instalar em Camocim para ficar próximo à família. Ele ainda sofreu sequelas do AVC, o que o manteve afastado da pintura por algum tempo, trabalhando como engenheiro.
No seu reencontro com a pintura, no final da década de 1920, vai se interessar principalmente pela deslumbrante paisagem litorânea do Ceará e pelos tipos locais. Sem abandonar seus anos de treinamento acadêmico, Cela desenhava ao ar livre, observando as cores e a luz local, mas realizava a composição e a pintura em ateliê. Da paisagem lhe interessavam principalmente as cenas da praia e do mar, as embarcações, as pequenas casas e os trabalhadores. Predominam em sua pintura as pessoas do povo, personagens anônimas que sintetizam os habitantes do litoral. Nesse primeiro momento os estudos são basicamente dedicados à cabeça, colocando em evidência as feições e expressões, formatos do rosto e suas proporções. Ao longo da década de 1940, as composições passaram a retratar os trabalhadores litorâneos em ação.
Cela nunca se interessou pela pintura de retratos de personalidades importantes. Além de alguns poucos retratos de sua família e de amigos, são conhecidos apenas um autorretrato em desenho, alguns estudos acadêmicos e a série de cabeças de tipos cearenses aqui apresentada.
Trabalhadores do Mar — 1938/45
Em 1938, Cela muda-se para Fortaleza. As canoas de Camocim e o mar calmo o encantavam, mas o encontro com as jangadas e o mar bravio abre para ele um novo caminho; a possibilidade de reunir tudo o que havia pesquisado até então. Sua obra dá um salto!
Há nesse momento uma junção de temáticas que já eram caras ao artista como o trabalhador e a paisagem litorânea, mas agora elas aparecem numa nova clave. O homem rude e forte que enfrenta o mar e o ar, na sua frágil embarcação com asas de pássaro, interage com a cor e da luz das praias do Ceará. Há também uma superposição de técnicas: o desenho registrando os corpos em movimento, cada músculo retesado na luta contra a natureza, enquanto que a pintura, de rápidas pinceladas, estilhaça a cor. E, finalmente, consuma-se a fusão do artista com o engenheiro, e, as composições, cuidadosamente construídas, onde nada é acaso, são plenas de ritmo e emoção.
Cela descarta a representação do nordestino como o sertanejo retirante, miserável e faminto, para mostrar um trabalhador forte e decidido. Sua obra cria uma nova visualidade para o cearense, e, não por acaso, ele torna-se conhecido como o Pintor do Nordeste.
O desenho como base
Na Escola Nacional de Belas Artes era grande a importância atribuída ao ensino do desenho, ao longo de todo o curso, especialmente ao desenho figurado e de modelo-vivo. Seguindo a tradição francesa, a ENBA defendia o primado do desenho em oposição à cor.
Herdeiro dessa postura, Raimundo Cela tinha no desenho a base e a estrutura de sua produção artística. O artista fazia inúmeros estudos de cada personagem e de seus diferentes movimentos, para criar composições harmoniosas, nas quais cada elemento do quadro era pensado e elaborado minuciosamente. Seu processo de trabalho incluía, com frequência, a realização de diversos desenhos para o estudo da forma, e de aquarelas para o estudo da cor, até chegar ao resultado final, a pintura a óleo.
Estão reunidos aqui alguns desses desenhos preparatórios para as obras A Virada e Jangadeiros em Palestra nos quais podemos observar de perto a construção do processo criativo do artista.
Gravuras Brasileiras 1922/52
A produção gráfica de Raimundo Cela, no seu retorno ao país, é considerada extraordinária entre estudiosos da área, tanto pela primorosa execução, quanto pela temática brasileira, permeada de um misto de encanto e melancolia.
O crítico e artista Adir Botelho, analisando as gravuras produzidas no período, que se estende de 1923 a 1952, destaca algumas peças que estão aqui apresentadas. Ele considera o Bumba-meu-boi um trabalho de magnífico impacto visual e uma obra-mestra da gravura brasileira. Em Retirantes, ele vê uma rara e expressiva imagem, repleta de calor humano, na qual homem e mulher contemplam a embarcação que se distancia, divididos “entre ir embora para muito longe, ou ficar levando a vida como Deus quer”. Em Jangadas para o Mar, Botelho observa que Cela, aplica a lixa sobre o verniz, na preparação da gravura, de modo a criar uma textura de areia em todo o trabalho.
Jangadeiro Cearense é, para o crítico, uma imagem animada de incontestável vigor plástico: “plantado na praia, em toda a sua firmeza de mastro, o jangadeiro é a imagem que todos guardamos do Ceará, sobranceiro a todas as adversidades da vida e do clima, o Ceará franco e destemeroso, que, como no verso do poeta ‘olha de frente o sol, como um touro selvagem”.
Rio de Janeiro 1945/54
No seu regresso ao Rio de Janeiro, em 1945, Raimundo Cela volta a participar de exposições e salões no eixo Rio/São Paulo. O artista promissor, que chegara a ser dado como morto pela ausência de notícias, retorna de forma triunfante, e sua obra conquista o espaço e o reconhecimento merecidos. Nesse mesmo ano, ele recebe a medalha de ouro no L Salão Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro. Repetindo o feito obtém, em 1947, as medalhas de ouro em gravura e em pintura no LII Salão Nacional de Belas Artes. Realiza diversas exposições individuais, é premiado com a Pequena Medalha de Ouro no IX Salão Paulista de Belas Artes, em São Paulo, e recebe o Prêmio Antônio Parreiras em pintura, no VII Salão Fluminense de Belas Artes de Niterói.
Cela retoma também sua atividade como professor de desenho, assumindo, em 1948, a cadeira de Modelo Vivo e Desenho Figurado na Escola Fluminense de Belas Artes de Niterói. Em 1949 concorre a cadeira de Geometria Descritiva na ENBA, para a qual publica sua tese Perspectiva das Sombras Solares em que analisa seus estudos para a pintura Jangadeiros em Palestra. Em 1950 é aprovado com unanimidade para o cargo de professor de Gravura da Escola Nacional de Belas Artes, passando assim a figurar entre os mestres que o formaram. Assume o cargo em 1951, lecionando até 1954, o ano de sua morte.
O Rio de Janeiro altera de forma sensível sua pintura, Cela captura uma luminosidade inteiramente diferente, as personagens refletem tipos locais e as cenas urbanas retornam à sua obra. Saudoso de sua terra, Cela continua a pintar lembranças do Ceará.
A venda do Peixe - 1947
Distante das jangadas do Ceará, Cela continua a retratar os trabalhadores do mar. Vivendo em Niterói, até hoje um ponto de abastecimento de pescados, o artista pinta a impactante obra A Venda do Peixe, na qual os pescadores e o comércio de seu produto ganham protagonismo. O artista condensa de forma primorosa esses novos elementos. Sob uma luz difusa, os vendedores se aglomeram com suas cestas, anunciando a pesca recém-chegada. Compradores olham para elas com desconfiança, para melhor barganhar preços. A cena pulsante tem um toque oriental. Cela dá destaque às roupas e ao gestual dos personagens, que são apresentados numa atitude muito mais descontraída e leve, sensivelmente diferente do comportamento rijo dos jangadeiros. Num toque audacioso o artista coloca em primeiro plano uma sombra de algo que não se vê. Ao fundo, a paisagem marcante da Baía de Guanabara.
Pinturas brancas
Entre 1936 e 1944 Raimundo Cela produz uma série de obras monocromáticas e evanescentes nas quais funde céu, areia e mar. Sem extrapolar o plano da figuração, pois os barcos e jangadas que retrata estão sempre visíveis, alguns até com riqueza de detalhes, Cela esfumaça os contornos da paisagem, e os dilui sob “a luz que cega, de tanto que ilumina”.
As imagens dessa série remetem às “pinturas brancas” do venezuelano Armando Reverón (1889-1954). Trabalhando na cidade litorânea de Macuto, próxima da linha do Equador, o artista, que vivenciava uma luminosidade similar à de Fortaleza, dizia: “A luz dissolve todas as cores e afinal todas as cores juntas tornam-se o branco”.
Fundindo e confundindo limites, Cela consegue extrair beleza da dura luz equatorial, produzindo imagens poéticas que evocam paz e serenidade.
Cronologia
1938-1941
Instala seu primeiro ateliê num salão cedido pelo comando do Colégio Floriano (hoje Colégio Militar do Ceará – CMC), onde ministra o curso de Desenho. Integra-se ao circuito artístico vigente na cidade naquele período, participando da fundação da primeira entidade de artes plásticas do Ceará: o Centro Cultural de Belas Artes. Participa do I Salão Cearense de Pintura, organizado pelo CCBA. Ainda nesse ano Cela realizou uma mostra individual no Hotel Excelsior.
1942
Torna-se professor da Escola de Agronomia, onde leciona Desenho de Aguadas, Perspectiva e Sombras.
Seu ateliê passa a funcionar no foyer do Teatro José de Alencar, espaço cedido pelo Governo do Estado, para onde muitos artistas dirigiam-se para observar o mestre pintando. Participa do II Salão Cearense de Pintura.
1943
Neste ano foi realizado o I Salão de Abril, promovido pela Secretaria de Arte da União Estadual de Estudantes (UEE). Raimundo Cela participa ao lado dos jovens Jean-Pierre Chabloz, Antônio Bandeira, Mário Baratta, Aldemir Martins, entre outros. É o período no qual Cela pinta a paisagem litorânea e os trabalhadores do mar na lida com suas jangadas. Participa do 9o Salão Paulista de Belas Artes, SP e recebe a Pequena Medalha de Ouro com a obra Vencendo o Escarcéo.
1944
Realiza uma exposição individual na Casa Juvenal Galeno, patrocinada pela Revista Contemporânea.
É homenageado no III Salão Cearense de Pintura ao lado de Vicente Leite e Gérson Farias.
1945
Volta ao Rio de Janeiro, residindo em Niterói. Realiza exposição individual no Museu Nacional de Belas Artes (19/6 a 3/7). Participa do L Salão Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro, recebendo a Medalha de Ouro.
1947
Obtém a Medalha de Ouro, na seção de Artes Gráficas, e a Medalha de Ouro, em pintura, no LII São Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro. Faz exposição individual no Palácio da Cultura, Ministério da Educação, Rio de Janeiro. Conquistou o Prêmio Antônio Parreiras, de pintura, no VII Salão Fluminense de Belas Artes, Niterói, e a Pequena Medalha de Ouro no IX Salão Paulista de Belas Artes, São Paulo.
1948
Leciona Modelo Vivo e Desenho Figurado, na Escola Fluminense de Belas Artes, Niterói, RJ. Participa do LIII Salão Nacional de Belas Artes, Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro e do VIII Salão Fluminense de Belas Artes, Niterói, RJ, no qual recebe a Medalha de Ouro.
1949
Publica sua tese de concurso para a cadeira de Geometria Descritiva, da Escola Nacional de Belas Artes, denominada Perspectiva das Sombras Solares, ilustrada com a pintura Jangadeiros em Palestra, porém desiste do concurso por motivos de saúde.
1950
Aprovado por unanimidade, pela Congregação da Escola Nacional de Belas Artes, para regência da cadeira de Gravura de talho-doce, água-forte e xilografia, introduz o ensino da gravura em metal na ENBA.
1951
Dá início às aulas de gravura e leciona até 1954.
1954
Faleceu no dia 6 de novembro de 1954, no Hospital dos Servidores do Estado, Rio de Janeiro, RJ. Suas obras participam da exposição A Europa na Arte Brasileira, Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro, RJ
O Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, realizou, em 1956, uma exposição póstuma, em homenagem ao artista, organizada pelo Deputado Federal Crisanto Moreira da Rocha.
Fonte: Almeida e Dale, "Raimundo Cela, um mestre brasileiro" Consultado pela última vez em 5 de outubro de 2022.
Crédito fotográfico: Almeida e Dale, Catálogo Raimundo Cela, página 2. Consultado pela última vez em 5 de outubro de 2022.
Raimundo Brandão Cela (Sobral, CE, 19 de julho de 1890 — Niterói, RJ, 6 de novembro de 1954), mais conhecido como Raimundo Cela, foi um pintor, desenhista, gravador, professor e engenheiro brasileiro. Estudou na Escola Nacional de Belas Artes e lecionou gravura em metal na Enba. A produção de Raimundo Cela permanece isolada, à margem do modernismo e de outros movimentos transformadores nas artes do Brasil. Revela, entretanto, a paisagem e as figuras populares do Ceará, com sensibilidade e inquietação em face das questões sociais de seu tempo. São constantes em sua produção as paisagens litorâneas e as atividades de vaqueiros, pescadores e jangadeiros, pintadas com paleta clara e luminosa. Destaca-se também sua obra gráfica, que revela domínio técnico da gravura em metal. Expôs por diversas vezes no Brasil e também na França. Venceu a 24º Exposição Geral de Belas Artes, com a pintura "O último diálogo de Sócrates", recebendo o prêmio de viagem ao estrangeiro para continuar seus estudos na Europa. Sua obra cria uma nova visualidade para o cearense, e, não por acaso, ele torna-se conhecido como o Pintor do Nordeste.
Biografia – Itaú Cultural
Forma-se em ciências e letras no Liceu do Ceará. Em 1910, mudou-se para o Rio de Janeiro e se matriculou como aluno livre da Escola Nacional de Belas Artes - Enba. É aluno de Zeferino da Costa (1840 - 1915), Eliseu Visconti (1866 - 1944) e Baptista da Costa (1865 - 1926). Nessa época, titulava-se em engenharia, pela Escola Politécnica. Entre 1917 e 1922, viaja a Paris para aperfeiçoar-se. Quando volta ao Brasil, por problemas de saúde, reside em Camocim, no interior do Ceará, e trabalha como engenheiro. Em 1938, criou um painel sobre a abolição da escravatura para o Palácio do Governo do Estado, em Fortaleza. Voltou a dedicar-se à carreira de artista plástico de forma mais enfática após 1940, quando se mudou para Niterói, no Rio de Janeiro. A partir dessa data leciona gravura em metal na Enba. Realiza a primeira mostra individual em 1945, no Museu Nacional de Belas Artes - MNBA, no Rio de Janeiro. São temas constantes em sua produção as paisagens, os tipos populares e o trabalho de vaqueiros e pescadores de sua terra natal. Destaca-se também sua obra gráfica, na qual retoma a mesma temática. Após sua morte, é criada a Casa Raimundo Cela, Centro de Artes Visuais, em Fortaleza, onde ocorre, em 1970, uma mostra de artistas cearenses com o lançamento de uma monografia sobre o artista. Em 2004, é lançado o livro Raimundo Cela: 1890-1954, de autoria de Estrigas, pela editora Pinakotheke.
Análise
A produção de Raimundo Cela permanece isolada, à margem do modernismo e de outros movimentos transformadores nas artes do Brasil. Revela, entretanto, a paisagem e as figuras populares do Ceará, com sensibilidade e inquietação em face das questões sociais de seu tempo. São constantes em sua produção as paisagens litorâneas e as atividades de vaqueiros, pescadores e jangadeiros, pintadas com paleta clara e luminosa.
Destaca-se também sua obra gráfica, que revela domínio técnico da gravura em metal. Trata dos temas recorrentes em sua pintura: paisagens, cenas cotidianas e tipos populares, utilizando o claro-escuro de forma controlada.
Exposições Coletivas
1916 - Rio de Janeiro RJ - 23ª Exposição Geral de Belas Artes, na Enba - pequena medalha de prata
1917 - Rio de Janeiro RJ - 24ª Exposição Geral de Belas Artes, na Enba - prêmio de viagem ao exterior
1918 - Rio de Janeiro RJ - 25ª Exposição Geral de Belas Artes, na Enba
1919 - Rio de Janeiro RJ - Exposição Carioca de Gravura e Água-Forte
1922 - Paris (França) - Salão dos Artistas Franceses
1943 - Fortaleza CE - 1º Salão de Abril
1943 - São Paulo SP - 9º Salão Paulista de Belas Artes, na Galeria Prestes Maia - pequena medalha de ouro
1945 - Rio de Janeiro RJ - 51º Salão Nacional de Belas Artes, no MNBA - medalha de ouro em pintura
1947 - Rio de Janeiro RJ - 53º Salão Nacional de Belas Artes, no MNBA - medalha de ouro em gravura
Exposições Póstumas
1964 - Rio de Janeiro RJ - Sala Especial dedicada a sua obra de gravador, no MNBA
1970 - Fortaleza CE - Coletiva de artistas cearenses, na Casa de Raimundo Cela
1978 - Rio de Janeiro RJ - 1º Salão Nacional de Artes Plásticas, no MNBA
1989 - Fortaleza CE - Arte Brasileira dos Séculos XIX e XX nas Coleções Cearenses: pinturas e desenhos, no Espaço Cultural da Unifor
1991 - Fortaleza CE - Scap: 50 anos, no Imperial Othon Palace Hotel
1992 - Rio de Janeiro RJ - Gravura de Arte no Brasil: proposta para um mapeamento, no CCBB
1999 - Rio de Janeiro RJ - Mostra Rio Gravura. Gravura Moderna Brasileira: acervo Museu Nacional de Belas Artes, no MNBA
2003 - São Paulo SP - Arte e Sociedade: uma relação polêmica, no Itaú Cultural
Fonte: RAIMUNDO Cela. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2022. Acesso em: 04 de outubro de 2022. Verbete da Enciclopédia. ISBN: 978-85-7979-060-7
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Biografia – Wikipédia
Filho do mecânico espanhol José Maria Mosquera Cela (1857 - 1923) e da professora sobralense Maria Carolina Brandão Cela (1854 - 1927). Com quatro anos de idade a família se mudou para a cidade litorânea de Camocim onde o pai deveria assumir as oficinas da estrada de ferro e a mãe lecionar na escola de primeiras letras. Foi aí que Raimundo Cela e seus irmãos fizeram com a própria mãe os estudos iniciais de escrita e leitura.
No ano de 1906 é mandado para Fortaleza a fim de estudar no conceituado Liceu Cearense onde recebeu o diploma de bacharel em Ciências e Letras.
No Rio de Janeiro
Em 1910 chega ao Rio de Janeiro e, atendendo a sua inata inclinação para as artes, matricula-se na Escola Nacional de Belas Artes como aluno livre. Teve por mestres Zeferino da Costa em modelo vivo, e Eliseu Visconti e Batista da Costa em pintura. Ao mesmo tempo, inscreve-se na Escola Politécnica pois era desejo de seu pai que se tornasse engenheiro. Três anos depois, recebe o grau de Engenheiro-geógrafo.
Em 1916 participa pela primeira vez do Salão da Escola Nacional de Belas Artes e conquista a Pequena Medalha de prata. No ano seguinte, recebe o cobiçado Prêmio de Viagem ao estrangeiro.
Na Europa
Na Europa, estudou gravura com Frank Brangwyn, pintor, gravador e litógrafo inglês.
Pinacoteca de Sobral
Em 2016 peças de sua autoria e ou de coleção de foram doadas por familiares de Raimundo Cela para compor o acervo da Pinacoteca de Sobral, terra natal do artista.
Fonte: Wikipédia. Consultado pela última vez em 4 de outubro de 2022.
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Exposição Raimundo Cela - FAAP
Raimundo Cela nasceu em 1890, em Sobral, no interior do Ceará, mas cresceu em uma cidade litorânea próxima: Camocim. O artista - criado em um meio familiar culto - foi para o Rio de Janeiro em 1910 estudar engenharia, desejo de seu pai, e pintura, por ambição própria. Formou-se sob orientação dos maiores mestres do começo do século, tendo contato especial com Eliseu Visconti.
A pintura de Cela inicia-se totalmente acadêmica, tendo ele recebido, em 1917, como prêmio, uma viagem à Paris do Salão Nacional de Belas Artes, pela obra clássica Último Diálogo de Sócrates. A viagem só ocorreu em 1920, devido à guerra.
O artista permaneceu na França por dois anos, quando dedicou-se ao aprendizado da gravura em metal com Frane Brangwyn, pintor, gravador e litógrafo inglês. Seu trabalho nessa técnica é de excepcional qualidade. Suas gravuras, segundo o artista plástico e professor formado pela Escola de Belas Artes da UFRJ, Adir Botelho, não são apenas registros gráficos, históricos, são obras universais no sentido e na expressão. Foi o pioneiro do ensino da gravura em metal na Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, lecionando durante nove anos.
De volta ao Brasil, foi viver em Camocim, onde trabalhou durante dez anos como engenheiro de uma pequena usina elétrica. Em 1938, a pintura de um painel para o governo do Estado, representando a libertação dos escravos do Ceará o trouxe de volta à vida artística. Pouco depois, em 1940, estabeleceu-se em Fortaleza. O artista francês Jean Pierre Chabloz o conheceu nessa fase e encantou-se com sua obra.
Raimundo Cela, sendo um moderno, nunca foi um modernista. Ele apareceu justamente no momento da história cultural em que as artes iam ser atingidas pelo radicalismo de 1922. Criou-se, então, o mito que hoje vem sendo revisto pelos estudos sobre o pré-modernismo, de que aconteceu um hiato entre os mestres do século XIX e a Semana de Arte Moderna. Neste período, nada teria sido produzido de interessante e criativo. Os que surgiram naquela fase foram mantidos numa espécie de limbo cultural. Mas o valor da arte de Raimundo Cela deve-se ao fato de ter sido concebida à margem das escolas, de não ter sido contaminada pelos modismos passageiros.
Raimundo Cela retornou ao Rio de Janeiro em 1945. Tornou-se professor de gravura em metal da Escola Nacional de Belas Artes, cargo que ocuparia até a sua morte, em 1954. Nesta última fase da carreira, o pintor foi duas vezes premiado com a medalha de ouro do Salão Nacional de Belas Artes.
Exposição
O Museu de Arte Brasileira da FAAP (MAB-FAAP) realiza, a partir de 12 de junho, a exposição de Raimundo Cela (1890-1954), principal artista cearense de sua geração. Reunindo 120 obras, a retrospectiva apresenta o percurso do artista desde suas obras acadêmicas até os últimos trabalhos, plenos de ritmo e emoção.
Com curadoria de Denise Mattar, que tem como proposta resgatar artistas de qualidade que ficaram à margem da história oficial da arte brasileira, a mostra “Raimundo Cela – um mestre brasileiro” apresenta a obra de um realizador muito respeitado entre os estudiosos, mas pouco conhecido do público em geral.
Maior retrospectiva já realizada do pintor cearense, a mostra abarca sua trajetória, a partir de momentos chave que representam o início de um novo ciclo em sua obra.
A exposição inicia com seus primeiros trabalhos, marcados pela influência do academicismo. São obras determinadas pelo perfeito domínio da técnica clássica, na composição de telas figurativas, evocações à Antiguidade Clássica e à paisagem brasileira. Nesse setor, destacam-se, entre outras, obras como Último diálogo de Sócrates (1917), premiada no Salão Nacional de Belas Artes e que garantiu ao artista uma viagem a Paris, na França.
Devido à Primeira Guerra Mundial, a viagem foi realizada apenas em 1920, justamente o princípio dos anos “loucos” da capital francesa, onde Cela dedica-se aos estudos da gravura em metal, dando uma nova perspectiva à sua obra, não apenas na técnica, mas também na temática.
Ao longo dos anos em que permanece em Paris, o artista retratou em seus desenhos, óleos e gravuras, cenas da paisagem francesa, como na tela Paisagem de Saint-Agrève (1921), e da realidade parisiense e de seus tipos, em estudos de nus e nos desenhos Ferreiro e Funileiro (1921).
Um dos grandes destaques da exposição, e da obra de Raimundo Cela, o painel Abolição (1938) estará reproduzido na mostra em seu tamanho original. Primeiro estado brasileiro a abolir a escravatura, em 25 de março de 1884, o Ceará, terra natal de Cela, encomenda ao artista, em 1938, um painel que simboliza o momento histórico tão marcante na história do Ceará e do Brasil.
Na mostra individual, o público poderá ter acesso a uma visão única do Ceará. Em seus quadros está a melhor tradução dessa paisagem nordestina, como na série Pinturas Brancas, de marinas e paisagens. Cela também foi um “caçador de almas” e dos tipos cearenses, com destaque para as figuras populares, como pescadores, vaqueiros, rendeiras e os jangadeiros, estes representados em uma série de obras criadas entre 1940 e 1946. Na mostra, essas produções estarão dispostas de modo narrativo, representando a sequência de ações que levam a jangada ao mar.
A exposição tem o patrocínio da Minalba e, depois da temporada no MAB-FAAP, segue para o Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro.
Fonte: FAAP. Consultado pela última vez em 4 de outubro de 2022.
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Coleção Raimundo Cela
Raimundo Brandão Cela, nasceu em Sobral, no dia 19 de julho de 1890. Cela ingressa no Liceu do Ceará, formando-se em Ciências e Letras. Em 1910 muda-se para o Rio de Janeiro, frequentando a Escola Nacional de Belas Artes, sendo aluno de Zeferino da Costa, Eliseu Visconti e Baptista da Costa.
Em 1917, obtém o prêmio de Viagem ao Estrangeiro pela obra “Último Diálogo com Sócrates”. Morando em Paris entre anos de 1917 a 1922, viaja para Inglaterra, Bélgica, Holanda e Espanha e estuda gravura em metal com Frank Branwyn.
Ao retornar para o Brasil, muda-se para Camocim, interior do Ceará, e passa a trabalhar como engenheiro. Em 1938, o artista pinta o quadro “Abolição dos Escravos” para o Palácio do Governo do Ceará, representando a imagem que remete a Liberdade, e alguns importantes líderes e intelectuais abolicionistas.
Participou do I Salão Cearense de Pintura e do I Salão de Abril, no Ceará; do IX Salão Paulista de Belas Artes, em São Paulo; do Salão Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, quando recebeu a Medalha de Ouro em Pintura e a Medalha de Ouro em Gravura, entre outras consideráveis exposições e conquistas.
Em 1957, no período que denominamos pré-MAUC, participou de uma retrospectiva com Vicente Leite, no Salão Nobre da Reitoria como parte do projeto artístico cultural da Universidade. No ano de instalação do MAUC, em 1961, o museu promove uma retrospectiva do pintor. Com o maior acervo do artista no Estado do Ceará, em 1979, foi inaugurada a Sala Raimundo Cela. Em 1990, comemorando o Centenário de nascimento de Cela, o MAUC realiza uma exposição comemorativa com 71 obras do artista.
Pintor, desenhista e gravador, tem como temática abordada característica a tipologia da terra, isto é, os tipos humanos regionais, com perspectiva formal estética. Dessa forma, retratou a força do trabalhador, desvencilhando-o da imagem de pobreza, além de tornar o jangadeiro um emblema e enriquecer a memória do Ceará.
Com telas luminosas e claras, representadas ali os pescadores, os vaqueiros, os artesãos, os operários e os jangadeiros, em sua maioria, o mestre Raimundo Brandão Cela representa um grande marco para a arte regional, tornando-se um pintor renomado para o patrimônio artístico cearense.
Raimundo Cela faleceu no Rio de Janeiro em 06 de novembro de 1954.
Fonte: Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará. Consultado pela última vez em 4 de outubro de 2022.
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120 pinturas incríveis que retratam a trajetória de Raimundo Cela – Art Ref
Quem é o artista?
Raimundo Cela, sendo um moderno, nunca foi um modernista. Ele apareceu justamente naquele momento de nossa história cultural em que as artes iam ser atingidas pelo radicalismo de 1922. Criou-se, então, o mito, que hoje vem sendo revisto pelos estudos sobre o pré-modernismo, de que aconteceu um hiato entre os mestres do século XIX e a Semana de Arte Moderna. Mas o valor da arte de Raimundo Cela deve-se ao fato de ter sido concebida à margem das escolas, de não ter sido contaminada pelos modismos passageiros.
A exposição de Raimundo Cela traz para o eixo Rio-São Paulo a memória de um dos mais importantes artistas cearenses.
A exposição de Raimundo Cela (1890-1954), principal artista cearense de sua geração. Reunindo 120 obras, a retrospectiva apresentará o percurso do artista desde suas obras acadêmicas até os últimos trabalhos, plenos de ritmo e emoção. Com curadoria de Denise Mattar, que tem como proposta resgatar artistas de qualidade que ficaram à margem da história oficial da arte brasileira, a exposição Raimundo Cela vai apresentar aos paulistas e cariocas a obra de um realizador muito respeitado entre os estudiosos, mas pouco conhecido do público em geral.
A exposição reúne obras das seguintes instituições: Museu de Arte da Universidade Federal, do Ceará do Instituto Dragão do Mar, Palácio da Abolição, Palácio Iracema em Fortaleza, e do Museu Nacional de Belas Artes no Rio de Janeiro, além de 14 coleções particulares de Fortaleza e São Paulo. Em contribuição à preservação da memória do artista e de sua obra, o Projeto Raimundo Cela: um mestre brasileiro realizará o restauro de quatro obras do artista, sendo três obras pertencentes ao acervo do Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará – MAUC: Rendeira (1931, Óleo sobre madeira, 32 x 40,5 cm); Cabeça de vaqueiro (1931, Óleo sobre madeira, 38 x 46 cm) e Cabeça de Jangadeiro (1933, Óleo sobre madeira, 38 x 46 cm).
Da coleção do Governo do Estado do Ceará – Instituto Dragão do Mar será restaurada a obra Catequese (Óleo sobre tela 190 x 200 cm). Essas obras serão apresentadas na itinerância da mostra para o Museu Nacional de Belas Artes em outubro deste ano.
A exposição
Maior retrospectiva já realizada do pintor cearense, a mostra abarca sua trajetória, a partir dos momentos-chave, que representam o início de um novo ciclo em sua obra.
A exposição abre com desenhos introdutórios e preparatórios e óleos de seus primeiros trabalhos, marcados pela influência do academicismo, ou seja, obras determinadas pelo perfeito domínio da técnica clássica, na composição de telas figurativas, evocações à Antiguidade Clássica e à paisagem brasileira. Nesse setor, destacam-se, entre outras, obras como Último diálogo de Sócrates (1917), premiada no Salão Nacional de Belas Artes com uma viagem a Paris.
Por causa da Primeira Guerra, a viagem acontece apenas em 1920, justamente o princípio dos anos loucos da capital francesa, onde Cela dedica-se aos estudos da gravura em metal, dando uma nova perspectiva à sua obra, não apenas na técnica, como também na temática. Ao longo dos anos em que permanece em Paris, como o público verá na exposição, seus desenhos, óleos e gravuras retratam cenas da paisagem francesa, como na tela Paisagem de Saint-Agrève (1921), e da realidade parisiense e de seus tipos, em estudos de nus e nos desenhos Ferreiro e Funileiro (1921).
Um dos grandes destaques da exposição, e da obra de Cela, o painel Abolição (1938), estará reproduzido na mostra em seu tamanho original. Primeiro estado brasileiro a abolir a escravatura, em 25 de Março de 1884, o Ceará, terra-natal de Cela, encomenda a ele, em 1938, um painel que simbolize o momento histórico tão marcante na história do Ceará e do Brasil.
Na individual, o público poderá ter acesso a uma visão única do Ceará. Um Ceará da gente do mar, com muita luz, vento, areia e água salgada. Certamente está em seus quadros a melhor tradução dessa paisagem nordestina, como na série Pinturas Brancas, de marinas e paisagens. Cela também foi um caçador de almas e dos tipos cearenses, com destaque para as figuras populares, como pescadores, vaqueiros, rendeiras e os jangadeiros, estes representados em uma série de obras criadas entre 1940 e 1946 que, na mostra, estarão dispostas de modo narrativo, mostrando a sequência de ações que levam a jangada ao mar.
A exposição reúne obras das seguintes instituições: Museu de Arte da Universidade Federal, do Ceará do Instituto Dragão do Mar, Palácio da Abolição, Palácio Iracema em Fortaleza, e do Museu Nacional de Belas Artes no Rio de Janeiro, além de 14 coleções particulares de Fortaleza e São Paulo. Como uma contribuição a memória do artista e preservação de sua obra, o Projeto Raimundo Cela: um mestre brasileiro, realizará o restauro de quatro obras do artista, sendo três obras pertencentes ao acervo do Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará – MAUC: Rendeira (1931, Óleo sobre madeira, 32 x 40,5 cm); Cabeça de vaqueiro (1931, Óleo sobre madeira, 38 x 46 cm) e Cabeça de Jangadeiro (1933, Óleo sobre madeira, 38 x 46 cm). E da Coleção do Governo do Estado do Ceará – Instituto Dragão do Mar será restaurada a obra Catequese (Óleo sobre tela 190 x 200 cm). Essas obras serão apresentadas na itinerância da mostra para o Museu Nacional de Belas Artes em outubro deste ano.
Vida e obra
Raimundo Cela nasceu em 1890, em Sobral, no interior do Ceará, mas cresceu em uma cidade litorânea próxima: Camocim. O artista foi criado em um meio familiar culto. Cela foi para o Rio de Janeiro em 1910 estudar engenharia, desejo de seu pai, e pintura, por ambição própria. Formou-se sob orientação dos maiores mestres do começo do século, tendo contato especial com Eliseu Visconti.
A pintura de Cela inicia-se totalmente acadêmica, tendo ele recebido, em 1917, o prêmio de viagem ao exterior do Salão Nacional de Belas Artes, pela obra clássica “Último Diálogo de Sócrates”.
Por causa da Guerra só viajou em 1920. Permaneceu na França por dois anos, quando dedicou-se ao aprendizado da gravura em metal com Frane Brangwyn, pintor, gravador e litógrafo inglês. Seu trabalho nessa técnica é de excepcional qualidade. Suas gravuras, segundo Adir Botelho, não são apenas registros gráficos, históricos, são obras universais no sentido e na expressão. Foi o pioneiro do ensino da gravura em metal na Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, lecionando durante nove anos.
De volta ao Brasil, foi viver em Camocim, onde trabalhou durante dez anos como engenheiro de uma pequena usina elétrica. Em 1938, a pintura de um painel para o governo do Estado representando a libertação dos escravos do Ceará o trouxe de volta à vida artística. Pouco depois, em 1940, estabeleceu-se em Fortaleza. O artista francês Jean Pierre Chabloz o conheceu nessa fase e encantou-se com sua obra.
Nas palavras de Cláudio Valério Teixeira (artista plástico, restaurador e crítico de arte): “Na obra de Cela nada é inocência, tudo é fruto de planejamento, economia e técnica. Mas tudo é também movimento, força, agilidade e graça. Sua arte não procura simplesmente imitar as coisas representadas, é de uma beleza solene, meio melancólica, mas luminosa”.
O pintor retornou ao Rio de Janeiro em 1945. Tornou-se professor de gravura em metal da Escola Nacional de Belas Artes, cargo que ocuparia até a sua morte, em 1954. Nesta última fase da carreira, Cela foi duas vezes premiado com a medalha de ouro do Salão Nacional de Belas Artes.
Fonte: Art Ref, "120 pinturas incríveis que retratam a trajetória de Raimundo Cela", publicado em 6 de junho de 2016. Consultado pela última vez em 4 de outubro de 2022.
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Raimundo Cela, um mestre brasileiro | Almeida e Dale
Uma janela para o Ceará
A arte de Raimundo Cela nos proporciona uma janela para o Ceará. Um Ceará de praias oceânicas, de jangadas e de jangadeiros. Um Ceará da gente do mar, com muita luz, vento, areia e água salgada. Certamente está na obra de Raimundo Cela a melhor tradução pictórica dessa paisagem nordestina tão impregnada de sensações para os que nela viveram. Vendo suas jangadas balançando por força das ondas e do vento, a vontade que dá é de cantar aquela famosa canção de Luiz Gonzaga: "olha palha do coqueiro quando vento dá/ olha o tombo da jangada nas ondas do mar... "
Raimundo Brandão Cela foi um pintor cearense do começo do século XX. Um artista singular não só pela qualidade da obra que nos legou como também pela trajetória que seguiu, tão diversa da de outros artistas seus contemporâneos. Ele nasceu em 1890, em Sobral, no interior do Ceará, mas a família Cela se mudou quando ele tinha quatro anos para a cidade litorânea mais próxima: Camocim. Se tivesse crescido em Sobral certamente os temas que mais o inspirariam estariam associados à paisagem árida, ao calor inclemente e ao sol causticante dessa rica e pitoresca cidade do norte do Ceará. Mas crescer na bela Camocim, banhada pelo rio Coreaú, beijada pela brisa do Atlântico, ouvindo a pancada das ondas, vendo o movimento dos barcos e dos pescadores marcou seu espírito e impregnou sua arte de forma definitiva.
Origens
O pai de Cela era o espanhol José Maria Mosqueira Cela, chefe das oficinas da Estrada de Ferro de Sobral que se casara naquela cidade com a professora Maria Carolina Brandão, três anos mais velha que ele. Ter mãe professora fazia grande diferença no Ceará do final do século XIX e os filhos do casal fizeram seus estudos iniciais em casa. Ainda adolescente, Raimundo Cela foi matriculado no Liceu do Ceará, em Fortaleza, seguindo, em 1910, para o Rio de Janeiro onde se formaria engenheiro como desejava o pai e pintor como ele mesmo desejava. Em 1913, trabalhou com o Marechal Rondon na “repartição geral de proteção ao índio”, conforme contou em carta para o pai. Na Escola Nacional de Belas Artes, no Rio, estudou sob a orientação dos maiores mestres do começo do século, sendo especialmente influenciado por Eliseu Visconti de quem se tornou aluno dileto.
Em 1917, Cela ganhou o prêmio de viagem do Salão Nacional de Belas Artes. Por causa da Grande Guerra e da necessidade de concluir o curso de engenharia, só viajou mesmo em 1920. Permaneceu na França três anos, onde se dedicou ao aprendizado da gravura em metal. É considerado um dos maiores no gênero e suas gravuras, na visão de Adir Botelho, representam um dos raros momentos na história da gravura brasileira em que o ideal artístico encontra um equilíbrio e um acordo perfeitos. A experiência internacional foi importante em sua vida tanto do ponto de vista pessoal quanto do aprimoramento de novas técnicas e talvez houvesse prolongado a permanência na Europa se não tivesse ficado doente. Doença que fora causada, segundo os médicos, pelo excesso de trabalho. E isto também nos revela um pouco desse artista aparentemente calmo, reservado, metódico e disciplinado mas que investia uma paixão tão febril em sua arte a ponto de adoecer mais de uma vez.
Com a morte do pai, em 1924, Cela preferiu se estabelecer no Camocim, onde trabalhou durante dez anos como gerente da Companhia de Força e Luz de Camocim – CFLC, pequena empresa de iluminação à gás que constituíram junto com o irmão, Fernando Cela. Mantinha o ateliê ao lado da usina e o jovem pintor e poeta, Otacílio de Azevedo, que ali o visitou, ficou impressionado com a riqueza da obra que reunira naqueles anos de afastamento.
“Uma das mais extraordinárias surpresas da minha vida foi quando, como fotógrafo, em 1933, fui, por intermédio de Péricles Serpa, visitar em Camocim, o ateliê de Raimundo Cela. Ao penetrar no recinto, parecia-me tudo aquilo uma estranha aventura arrancada das páginas das ‘Mil e uma noites’, tal a riqueza de quadros deslumbrantes que me ofuscavam a vista”.
Luz e força
Pintor e engenheiro, artista e engenheiro, foi Raimundo Cela uma contradição em termos? Pode ser, mas talvez a engenharia explique muito da qualidade de sua arte. Segundo Cláudio Valério Teixeira, na obra de Cela nada é inocência, tudo é fruto de planejamento, economia e técnica. Mas, o equilíbrio racional que daí resulta não faz da sua, uma arte que tenta imitar formalmente as coisas representadas. Nela tudo também é movimento, emoção, agilidade e graça. Se os assuntos de Cela são geralmente brasileiros e mais precisamente cearenses, se sua arte é fruto de sua apurada sensibilidade, sua técnica sutil e equilibrada foi desenvolvida ao longo dos anos de rigorosos estudos no Rio de Janeiro e na Europa.
Seus grupos de trabalhadores do mar têm uma beleza solene, meio melancólica, apesar das luzes e das cores. O olhar é atraído por um detalhe: a cabeça, as costas, as pernas dos jangadeiros, sem desprezar o conjunto em que a harmonia dos movimentos, dos gestos e das formas impactam pela naturalidade com que nos capturam. Seus quadros nos revelam, de uma maneira muito sutil, sem grandiloquência ou pieguice, a poesia que inspira a visão dos pescadores e de suas jangadas nas praias do Ceará. Suas cores são alegres e vibrantes mas matizadas pelos rosas e azuis claros que evitam que o trabalho se deixe corromper pela tentação do excesso normalmente associado à representação da paisagem tropical. De suas telas emana uma luminosidade difusa como a de Turner mas muito mais serena, obtida pela equilibrada distribuição das cores, dos cinzas e do brancos.
Cláudio Valério identifica em seu trabalho a simbiose da pintura com a aquarela: uma seleção de pigmentos de quem já havia olhado a pintura impressionista e por ela se deixado envolver, uma paleta aberta cujas cores luminosas tomam o lugar das terrosas. Sem prejuízo dessas que aparecem nas tradicionais roupas masculinas, calça e camisão de linho cru, tingidas de um marrom intenso, avermelhado, tão característica do povo do Ceará do seu tempo. O crítico chama a atenção para o tratamento que Cela dá às suas figuras, nas quais o recurso ao traço quase caricatural e deformador subtrai de seus desenhos o caráter naturalista, fazendo-os ganhar em expressividade.
Se seus quadros são antecedidos de um planejamento e de muitos esboços, o resultado das composições nada perde em liberdade e naturalidade e é definido pelo que Claudio Valério chama de “verdadeira transfiguração do aprendizado acadêmico”. O importante, acrescenta: é verificar como o artista vai transformando a forma clássica – poses típicas de estudos de academia – em traços pessoais, desenhos menos laboriosos, realizados ao natural, agregando características formais inteiramente próprias. A seu ver, o principal tema da arte de Cela é a força: linhas e formas exercem e traduzem tensões, antagonismos criados nos retângulos do suporte confirmam seu principal interesse, em detrimento do meramente anedótico, da simples narrativa das cenas, das ilustração dos fatos.
Raimundo Cela apareceu justamente naquele momento de nossa história cultural em que as artes iam ser atingidas pelo radicalismo de 1922. Criou-se então o mito, que hoje vem sendo revisto pelos estudos sobre pré-modernismo, de que havido um hiato entre os mestres do século XIX e a Semana de Arte Moderna. Nesse período nada teria sido produzido de interessante e criativo. Os que surgiram naquela fase foram mantidos assim numa espécie de abandono crítico. Foi nesse limbo cultural que durante muito tempo tentaram alojar Raimundo Cela. Ele foi, na verdade, um artista do século XX, com características de formação e interesses temáticos que remetem à sua primeira metade. Raimundo Cela, sendo um moderno, nunca foi um modernista. Mantendo-se alheio às escolas, não sucumbindo ao apelo fácil do modernismo, o artista escapou de ser contagiado pelas tendências então em voga. Talvez o fato de ter se mantido tanto tempo afastado do meio artístico, pintando seus quadros na tranquila Camocim, tenha contribuído, ao lado das convicções que orientavam a vida do artista, para a singularidade de sua arte.
Um homem singular
Era, segundo o relato dos que o conheceram, um homem sóbrio e discreto sem, no entanto, ser antipático. Ao contrário, os íntimos o descrevem como alguém afável, alegre e conversador. O pintor francês radicado no Ceará, Jean Pierre Chabloz, que o conheceu em Fortaleza nos anos 1940, o descreve como um artista requintado, cultíssimo, dotado num alto grau de ‘mesure’, daquela ‘finesse’ afetuosa e ligeiramente irônica que fazem o encanto indiscutido dos espíritos e das sensibilidades verdadeiramente franceses. Muito dedicado aos pais e aos irmãos mais novos, casou-se tarde, com mais de quarenta anos, com uma moça do Amazonas, Eunice Medeiros, com a qual teve dois filhos, Paulo e Dolores.
Depois de quase quatorze anos em Camocim, a reaparição de Raimundo Cela no cenário artístico oficial se daria em 1938 quando foi convidado para pintar um painel para o Governo do Estado representando a libertação dos escravos do Ceará. Morou durante sete anos em Fortaleza onde foi professor de desenho no Colégio Militar e na Escola de Agronomia. Mantinha ateliê nos altos do lindo teatro José de Alencar, integrando-se ao movimentado ambiente cultural da cidade. Junto com o pintor carioca radicado no Ceará, Mário Barata, Cela fundou, em 30 de junho de 1941, o Centro Cultural de Belas Artes que em 1944, seria renomeada como Sociedade Cearense de Belas Artes. A SCAP foi mais importante espaço de articulação dos artistas plásticos cearenses, dedicando-se ao ensino artístico e à promoção de grandes primeiras mostras coletivas de arte. Em 1943, Raimundo Cela participou do primeiro Salão de Abril, promovido pela Secretaria de Arte da União Estadual de Estudantes (UEE), onde seus trabalhos foram apresentados junto com o de outros artistas da terra: Jean-Pierre Chabloz, João Maria Siqueira, Antônio Bandeira, Rubens, Mário Baratta, Aldemir Martins, Afonso Bruno e Fonsek. O artista retornou ao Rio de Janeiro em 1945 e se tornou professor de gravura em metal da Escola Nacional de Belas Artes, cargo que ocuparia até sua morte em 1954. Nesta última fase da carreira, Raimundo Cela foi duas vezes premiado com a medalha de ouro no Salão Nacional de Belas Artes. Retirado em Niterói, viveu ali seus últimos anos, apegado aos quadros dos quais vendeu muito poucos. Não que lhe faltassem compradores, apenas porque o artista tinha-lhes um apego sentimental e raramente se dispunha a separar-se deles.
O advento do Modernismo no Brasil, em 1922, e sua implantação, que se estendeu até o final dos anos 1940, foram responsáveis pela depreciação dos artistas formados em bases acadêmicas. A segregação adquiriu cores ainda mais fortes durante a expansão do Abstracionismo, quando toda a produção acadêmica foi negada, como se nada tivesse valor. Nessa zona de esquecimento permaneceram, por décadas, excelentes pintores como Eliseu Visconti, Lucílio Albuquerque e Antonio Parreiras, entre outros. Se isso ocorreu com pintores do eixo Rio-São Paulo, o que dizer de um artista de origem acadêmica que optou por viver e pintar sua terra natal, o Ceará? Essa miopia, finalmente, começa a ser desconsiderada pela crítica, abrindo espaço para a descoberta de grandes talentos esquecidos.
Raimundo Cela é um dos criadores da visualidade cearense, descartou a representação do nordestino como o sertanejo miserável e faminto, para mostrar o trabalhador forte e decidido do litoral. Pintou pescadores, jangadeiros e barcos, a intensa luz das praias cearenses e as nuvens rosadas do céu equatorial . Suas composições, minuciosamente construídas, são plenas de ritmo e emoção. Elas reúnem a precisão do engenheiro à sensibilidade do artista, o épico ao cotidiano, a precisão do desenho à energia da cor.
Apesar de amplamente reconhecido em seu estado natal, e muito respeitado entre os estudiosos, Cela é bem pouco conhecido fora desses nichos. Assim, a exposição Raimundo Cela - Um Mestre Brasileiro, tem como objetivo apresentar ao público paulista e carioca a obra do artista. A retrospectiva abarca sua trajetória a partir de momentos-chave: O prêmio da Escola Nacional de Belas Artes, a viagem à Europa, o retorno a Camocim, a mudança para Fortaleza e a volta ao Rio de Janeiro. Desenhos, gravuras, aquarelas e pinturas, de todas essas fases, permitem compreender o processo criativo do artista.
A vida de Raimundo Cela e as etapas de seu percurso artístico estão amplamente apresentadas neste catálogo. Elas podem ser encontradas no texto de Isabel Lustosa, na cronologia do artista e nos textos introdutórios a cada núcleo da exposição, assim, preferimos abordar, ainda que superficialmente, outro aspecto da trajetória de Cela: a constituição de sua imagística. Fundamentais para a elaboração deste texto e para a realização da exposição foram os seguintes trabalhos: a publicação Raimundo Cela, realizada em 1990 pela Editora Pinakotheke, e, especialmente, a dissertação de mestrado Pintura na Travessia: A Paisagem Litorânea na obra de Raymundo Cela, de Delano Pessoa Carneiro Barbosa, realizada para a Universidade Federal do Ceará em 2010.
Raimundo Cela -1890-1954
Raimundo Cela estudou na Escola Nacional de Belas Artes, de 1910 a 1918, como aluno dos chamados cursos livres – que não exigiam presença em período integral – pois ele estudava engenharia à noite e trabalhava durante o dia. Ao longo desses anos recebeu várias láureas, entre elas a medalha de prata do Salão de 1916. Em 1917 ganhou o prêmio máximo da instituição e o seu sucesso, além do seu talento, foi devido a um cuidadoso planejamento e conhecimento da cultura visual de sua época.
Raymundo Cela conhecia as regras para a obtenção do Prêmio de Viagem vigentes no período, dentre elas a elaboração de um quadro de composição em tamanho grande, além da valorização dos desenhos que configuram a pintura, ou seja, a constituição de tipologias. Não por acaso, juntamente com a tela, o artista expôs, no Salon de 1917, sete estudos (desenhos) das figuras que compõem a cena. Assim, Raymundo Cela contemplou de maneira harmônica as quatro características constitutivas de uma composição: o desenho – tomado como projeto inicial da obra –, o método compositivo, a constituição de tipologias – a partir de desenho de modelo-vivo – e, por fim, explicitou sua proximidade com a tradição clássica.
O trabalho foi bastante elogiado pela imprensa. Um das exceções foi Monteiro Lobato, que, já engajado no seu projeto de arte brasileira, discordava do tema histórico e clássico da obra, embora não negasse valor a Cela:
Raymundo Cela é outro nome que aparece. Traz uma tela de vulto: Último diálogo de Sócrates. A mania de sair do presente compreensível, e mergulhar em mundos mortos, como o grego, é uma balda velha da Escola, que não perceberá nunca o absurdo contido nisso, diante da moderna concepção de arte. Como pode um menino do Ceará, transplantado para o Rio, e que não é um helenólogo com 50 anos de estudo, como pode essa moderníssima e brasileiríssima criatura interpretar com sua alma virgem de filosofias, uma cena do século de Péricles? Não obstante Cela denuncia-se com boas qualidades de arranjador, e boa técnica, sobretudo nas figuras secundárias.
O artista não gostou muito da crítica, que relatou en passant em carta a seu pai, mas talvez ela o tenha influenciado de alguma forma, pois, na Exposição Geral de 1918, ele apresentou uma obra intitulada Porto da Jangada (Ceará).
No início de 1920, depois de passar algum tempo com seus pais em Camocim, Cela partiu para a Europa. A bolsa de viagem concedida aos alunos livres previa a permanência no exterior por dois anos, e não exigia a realização de cópias ou frequência a cursos específicos, assim Cela pode escolher onde e como queria estudar. Ficou em Paris, por algum tempo, realizando estudos da figura humana, com modelos europeus femininos e masculinos, em moldes bem acadêmicos. A seguir, já vivendo em Dampierre, registra as paisagens bucólicas de Saint-Agrève em pinturas e aquarelas. Adotou nesses trabalhos uma fatura impressionista, não usada anteriormente, embora, certamente, conhecesse este movimento desde o Brasil, visto ter sido aluno de Visconti. Mas é no desenho e na gravura que ocorre uma determinante mudança temática na obra do artista, Cela repensa os ensinamentos da Academia e volta seu olhar para pessoas comuns do vilarejo onde reside, e os retrata em seus labores: a feira, a oficina, a forja.
Essa atitude estava no ar nesse momento na Europa, como um efeito das mudanças políticas, econômicas e sociais decorrentes do processo de industrialização e da luta pelos direitos trabalhistas da classe operária. O mundo estava mudando e a arte precisava acompanhar:
Essa ênfase numa reflexão sobre um presente em transformação se contrapõe ao culto ao passado praticado no espaço da pintura ensinada nas escolas oficiais de artes, as Academias, e apresentadas nos seus Salões por meio de obras que privilegiavam, como sabemos, um retorno à Roma imperial e republicana, se fossem neoclássicas, ou à Idade Média e ao “Oriente”, se românticas.
No caso de Cela acreditamos que a convivência com Frank Brangwyn, seu professor de gravura, integrante do movimento Arts & Crafts, deve ter contribuído consideravelmente para sua mudança de foco. O conjunto de trabalhos desenvolvido por Cela nesse momento é de qualidade excepcional, neles o artista reúne o rigor da técnica da gravura em metal ao apuro da composição, em obras que transpiram a energia simples do trabalho, revelam o desolamento dos desamparados ou nos fazem sentir o calor do metal em brasa no cadinho. Não por acaso, alguns deles foram selecionados para o Salon des Artistes Français. Resta lamentar que esse momento de produção tão especial, tenha sido interrompido pelo AVC que acometeu o artista. Impedido de ler, desenhar, pintar e até de viajar, Cela permanece num limbo até poder voltar ao Brasil.
Logo após sua chegada seu pai faleceu e o artista instala-se em Camocim.
Apesar de se situar longe da capital, a cidade era, naquele momento, o principal porto do Ceará. A instalação de uma companhia de energia era cada vez mais necessária e Cela torna-se o engenheiro que comanda essa operação. Não sabemos praticamente nada desse período, no qual Cela, aparentemente, deixa de pintar. Como fato temos o falecimento de sua mãe em 1927 e o surgimento de algumas obras datadas de 1929. A partir daí o artista não apenas volta às artes, mas trilha um caminho original e incomum.
Nessa retomada da pintura, Cela volta ao tema dos trabalhadores, em grande diálogo com a pesquisa que estava realizando na França, em 1922. A pintura Saída da Oficina, 1929 é quase impressionista e parece ter sido efetuada diretamente sobre a tela, sem um desenho como base. O artista não dá continuidade a este estilo e, já em 1931, inicia a série conhecida como “Cabeças” na qual retrata tipos do Ceará: o vaqueiro, a rendeira, o jangadeiro. Outro tema que começa a surgir nessa retomada é a paisagem litorânea do Ceará, exemplificada na tela Praia em Camocim, 1932.
Em 1938, Cela muda-se para Fortaleza e o encontro com as jangadas e o mar bravio abre para ele um novo caminho; a possibilidade de reunir tudo o que havia pesquisado até então. Sua obra dá um salto! Há nesse momento uma junção de temáticas que já eram caras ao artista como o trabalhador e a paisagem litorânea, mas agora elas aparecem numa nova clave. O homem rude e forte que enfrenta o mar e o ar, na sua frágil embarcação com asas de pássaro, interage com a cor e da luz das praias do Ceará. Há também uma superposição de técnicas: o desenho registrando os corpos em movimento, cada músculo retesado na luta contra a natureza, enquanto que a pintura, de rápidas pinceladas, estilhaça a cor. E, finalmente, consuma-se a fusão do artista com o engenheiro, e, suas composições, cuidadosamente construídas, são plenas de ritmo e emoção.
Essa mudança para Fortaleza permitiu a Cela estar com outros artistas, convívio do qual estivera afastado durante o período em que residiu em Camocim. Estimulado por Mário Baratta ele volta a participar do circuito de arte brasileiro da época e a enviar obras para exposições. No I Salão de Abril, realizado na cidade em 1943, Cela participou ao lado de jovens como Jean-Pierre Chabloz, Antônio Bandeira e Aldemir Martins, entre outros. Na ocasião Cela expôs a pintura Arrebentação.
Este trabalho fazia parte de uma sequência quase cinematográfica composta por três obras: A Arrebentação, Vencendo o Escarcéu e A Virada, tendo a segunda delas recebido a Pequena Medalha de Prata do IX Salão Paulista de Belas Artes em 1943.
Não podemos deixar de observar que provavelmente muito contribuiu para a escolha temática o episódio conhecido como o Raid da Jangada São Pedro quando quatro jangadeiros cearenses, viajaram de Fortaleza ao Rio de Janeiro de jangada, para reivindicar o reconhecimento de sua profissão. O fato contribuiu para firmar a imagem do cearense como um forte, em grande contraste à imagem do caipira indolente do Sudeste, retratado na literatura por Monteiro Lobato e na pintura por Almeida Jr..
Em 1945 Cela muda-se para o Rio de Janeiro, o que altera de forma sensível sua pintura. O artista captura a clara luminosidade das paisagens, mais suave do que a saturada luz do Ceará. Aqui ele também pinta os trabalhadores do mar, mas os personagens refletem os tipos locais, quase sempre retratados em atitude descontraída, sensivelmente diferente do comportamento rijo dos jangadeiros. Entre as obras desse período destaca-se A Venda do Peixe, tela de grandes dimensões e um toque épico.
Em 1951 Cela foi aprovado por unanimidade para o cargo de professor de Gravura da Escola Nacional de Belas Artes, passando a figurar entre os mestres que o formaram. Nesse período Cela transcreve para a gravura a imagística que o consagrou: as jangadas, os vaqueiros e os tipos populares brasileiros. Ao conjunto ele incorpora imagens tocantes, como o casal de retirantes olhando um barco partir e o jangadeiro fitando o mar. Curiosamente as duas gravuras retratam as figuras de costas recurso que o artista explora com maestria para ganhar expressividade.
Considerado como o último trabalho de Cela , o óleo “Duas Épocas” é uma crônica, pintada por um artista que observa o Rio de Janeiro de sua juventude desaparecer. Assim como suas últimas gravuras essa obra parece inaugurar uma nova pesquisa, mais nostálgica e doce, um novo caminho talvez, interrompido por sua morte.
Reunir as 126 obras que compõem a exposição Raimundo Cela - um mestre brasileiro, não foi tarefa fácil, e só aconteceu graças à preciosa colaboração de muitas pessoas e instituições que se desdobraram para ajudar o projeto, entre elas, Paulo Linhares e Bitú Cassundé, do Instituto Dragão do Mar, Pedro Eymar, do Museu de Arte da Universidade do Ceará, Randal Pompeu da Universidade de Fortaleza, Monica Xexéo do Museu Nacional de Belas Artes e, especialmente, o artista José Guedes.
Idealizada pela Galeria Almeida e Dale, a mostra teve o patrocínio da Minalba para sua realização. Agradeço a todos os colecionadores e instituições que cederam obras para esta exposição, ao Museu de Arte Brasileira da FAAP e ao Museu Nacional de Belas Artes pelos belos espaços, e à toda a competente e sensível equipe que produziu as duas mostras. Destaco a bela cenografia de Guilherme Isnard, que nos ajudou a empreender uma mágica viagem à obra de Raimundo Cela.
Denise Mattar, Curadora.
Um artista promissor
1910/1919
Desde cedo Raimundo Cela demonstrou talento para as artes plásticas. Acredita-se que o desenho Árvore seja um de seus primeiros trabalhos.
Em 1910, aos 20 anos, ele foi para o Rio de Janeiro estudar Engenharia, como queria seu pai, e Arte, como ele mesmo desejava.
Na Escola Nacional de Belas Artes foi aluno de João Zeferino da Costa, Eliseu Visconti e João Batista da Costa. Nesse período, Cela recebeu várias vezes o primeiro lugar nos concursos de composição entre os alunos. Ele era novato, vindo de longe, cursava engenharia, trabalhava durante o dia, para não depender do pai, e mesmo assim chamou a atenção dos professores.
Em 1916, numa de suas primeiras participações na Exposição Nacional de Belas Artes, ele já recebeu a medalha de prata e, em 1917, surpreendentemente, ganhou o ambicionado Prêmio de Viagem ao Exterior, que o levaria a Europa.
Seu autorretrato, de 1921, foi realizado em Paris.
O grande prêmio 1917
Em 1917, Raimundo Cela recebeu o mais cobiçado prêmio da XXIV Exposição Geral de Belas Artes, o Prêmio de Viagem ao Exterior, com a pintura O Último Diálogo de Sócrates. A Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro era a mais importante instituição de ensino de artes plásticas no Brasil, e sua Exposição Geral, o evento mais aguardado entre os artistas. As premiações eram divididas em menção honrosa, medalhas de bronze, prata e ouro. O Grande Prêmio de Viagem ao Exterior concedia ao artista uma pensão para morar na Europa por dois anos.
O Último Diálogo de Sócrates é uma obra de caráter acadêmico, que retrata o momento no qual o filósofo prefere tomar o veneno e aceitar sua condenação, do que fugir, como queriam seus discípulos. A escolha de um tema histórico grego que privilegia a ética, o desenho primoroso, o desenvolvimento da atitude e emoção das personagens e a execução da pintura com intenso uso do claro-escuro, convergiram para o reconhecimento e consagração de Raimundo Cela com a conquista do tão sonhado prêmio.
As obras premiadas passavam a integrar o acervo do ENBA.
Europa – 1920/22
Cela chega à Europa em Abril de 1920, e vai para Paris. Embora considere a cidade fascinante, relata uma grande dificuldade de adaptação à vida movimentada e frenética daquele período, incompatível com sua personalidade reservada.
A seguir viaja para a Inglaterra, Bélgica e Holanda visitando vários museus. No seu retorno, sem ter condições de instalar um ateliê em Paris, reside em Dampierre, uma pequena comunidade da região de Saint-Agrève, a uma hora de distância de Paris. É lá que Raimundo Cela começa a se interessar pela pintura de paisagem e a adensar seu interesse pelo estudo do desenho do corpo humano e pela temática dos trabalhadores e operários; mais presente nos desenhos e gravuras.
Em 1922, participa do Salon des Artistes Français com a obra Paisagem de Saint-Agrève (1921) e duas águas-fortes, que lhe rendem boas críticas nos principais jornais parisienses. Nesse momento, ele sofre uma hemorragia meníngea, um tipo de Acidente Vascular Cerebral (AVC), que o impossibilita de trabalhar por quase um semestre. Os médicos recomendam repouso absoluto, pois sua visão foi seriamente afetada. Sua recuperação completa vai se dar apenas após o retorno ao Brasil.
Gravuras – 1920/22
Ainda na Europa, Raimundo Cela aprende as técnicas de gravura em metal com Frank Brangwyn. Muito reconhecido, o artista britânico era pintor, desenhista, muralista, gravador, litógrafo, ilustrador e cartazista. Estudar com um mestre tão habilitado garantiu a Cela o domínio de uma técnica complexa e muito pouco ensinada no Brasil.
A gravura em metal é um tipo de trabalho que favorece a linha do desenho e os jogos de luz e sombra, nos quais Cela sempre havia revelado grande domínio. Suas gravuras desse período são densas e marcantes, executadas com absoluta precisão e uma qualidade técnica raramente encontrada entre nossos artistas. O desenho sempre foi a base do seu trabalho e isso pode ser bem observado aqui, nos esboços preparatórios para as gravuras.
Os temas escolhidos por Cela são aspectos da vida popular europeia, os habitantes da cidade, comerciantes, trabalhadores das forjas e das feiras, os mendigos e marginalizados. Essa aproximação do cotidiano o levaria, no seu retorno ao Brasil, a representar o seu próprio povo.
O painel da abolição – 1938
Quando Raimundo Cela ganhou o Prêmio de Viagem ao Exterior, o Governo do Estado do Ceará manifestou interesse em adquirir a obra que o consagrou. Isto não foi possível, uma vez que todas as obras premiadas passavam a integrar o acervo do ENBA, conforme estipulado no regulamento do concurso. Cela propôs então produzir, enquanto estivesse na Europa, uma obra com tema histórico brasileiro, o que não aconteceu devido à enfermidade que o acometeu.
Em 1938, dezesseis anos após seu retorno ao Brasil, Raimundo Cela executou a obra A Abolição dos Escravos para o Palácio da Luz, cumprindo a promessa de realizar uma obra para a sede do Governo do Estado. Em 1975, o edifício foi transformado em Casa de Cultura Raimundo Cela, e atualmente abriga a Academia Cearense de Letras. Devido às grandes dimensões da obra, e impossibilidade de remoção, ela permanece instalada no mesmo edifício.
A Abolição dos Escravos retrata um importante tema da história cearense. Em 25 de março de 1884 a Província do Ceará foi a primeira a abolir a escravidão em seu território, quatro anos antes da assinatura da Lei Áurea. A obra é uma alegoria a esse acontecimento. Em tons rosamate a pintura retrata os escravos recebendo uma dádiva da figura feminina sobre a jangada – a própria Liberdade. Alguns importantes líderes e intelectuais cearenses estão nela retratados, como Francisco José do Nascimento, conhecido como o Dragão do Mar, José do Patrocínio, João Cordeiro, Isac Amaral e Maria Tomásia.
Oficinas – 1929/33
Na sua volta ao país, Cela fica sete anos sem pintar. Quando retoma a pintura são os trabalhadores populares que despertam sua atenção.
Saída da oficina de 1929, apresentada na exposição, é uma das primeiras obras conhecidas do seu retorno, na qual vemos um grupo de trabalhadores no final do expediente. Com uma pincelada mais solta e gestual, a luz intensa do Ceará começa a aparecer e a moldar seu estilo.
Na aquarela Oficina, de 1933, Cela reafirma seu talento na composição e no trabalho de perspectiva da arquitetura, criado através da sugestão das roldanas no teto. As figuras são menos delineadas, vibram nessa luz quase impressionista que entra na cena pela grande janela ao fundo.
Obra: Catequese
Catequese é uma obra singular na produção de Raimundo Cela. Não há consenso sobre a datação desta pintura de caráter histórico, mas a tradição estima sua produção no início dos anos 1930. Se levarmos em consideração a grande dimensão da tela e a escolha de um tema indianista – tão apreciado pela Academia -, podemos supor que tratava-se de uma encomenda, talvez a primeira tentativa de executar a pintura prometida ao Governo do Estado, desde a época de sua premiação na ENBA. Corroborando esta hipótese, o primeiro registro que encontramos deste trabalho indica que a obra integrava originalmente a coleção do Palácio da Luz, assim como a Abolição dos Escravos.
Catequese retrata um padre jesuíta cercado por jovens índios, numa tentativa de aproximação e conversão religiosa. A composição das figuras guarda certa semelhança com o “Último Diálogo de Sócrates”, e parece resgatar os ensinamentos do período em que frequentou a Escola Nacional de Belas Artes, porém a fatura já mostra os ensinamentos da França e beira o Impressionismo. Além disso, segundo aponta o pesquisador Delano Pessoa, esta é a primeira obra na qual Cela integra a paisagem litorânea, e na qual introduz uma paleta de cores mais variada e repleta de nuances que, ao longo dos anos, desenvolverá.
O tema tem pouca familiaridade com o artista, que rapidamente se volta às personagens que cercam seu dia a dia, como o vaqueiro e o jangadeiro.
No Ceará é assim… – 1929/1945
O pai de Raimundo Cela faleceu logo após o seu retorno ao Brasil. O artista decide se instalar em Camocim para ficar próximo à família. Ele ainda sofreu sequelas do AVC, o que o manteve afastado da pintura por algum tempo, trabalhando como engenheiro.
No seu reencontro com a pintura, no final da década de 1920, vai se interessar principalmente pela deslumbrante paisagem litorânea do Ceará e pelos tipos locais. Sem abandonar seus anos de treinamento acadêmico, Cela desenhava ao ar livre, observando as cores e a luz local, mas realizava a composição e a pintura em ateliê. Da paisagem lhe interessavam principalmente as cenas da praia e do mar, as embarcações, as pequenas casas e os trabalhadores. Predominam em sua pintura as pessoas do povo, personagens anônimas que sintetizam os habitantes do litoral. Nesse primeiro momento os estudos são basicamente dedicados à cabeça, colocando em evidência as feições e expressões, formatos do rosto e suas proporções. Ao longo da década de 1940, as composições passaram a retratar os trabalhadores litorâneos em ação.
Cela nunca se interessou pela pintura de retratos de personalidades importantes. Além de alguns poucos retratos de sua família e de amigos, são conhecidos apenas um autorretrato em desenho, alguns estudos acadêmicos e a série de cabeças de tipos cearenses aqui apresentada.
Trabalhadores do Mar — 1938/45
Em 1938, Cela muda-se para Fortaleza. As canoas de Camocim e o mar calmo o encantavam, mas o encontro com as jangadas e o mar bravio abre para ele um novo caminho; a possibilidade de reunir tudo o que havia pesquisado até então. Sua obra dá um salto!
Há nesse momento uma junção de temáticas que já eram caras ao artista como o trabalhador e a paisagem litorânea, mas agora elas aparecem numa nova clave. O homem rude e forte que enfrenta o mar e o ar, na sua frágil embarcação com asas de pássaro, interage com a cor e da luz das praias do Ceará. Há também uma superposição de técnicas: o desenho registrando os corpos em movimento, cada músculo retesado na luta contra a natureza, enquanto que a pintura, de rápidas pinceladas, estilhaça a cor. E, finalmente, consuma-se a fusão do artista com o engenheiro, e, as composições, cuidadosamente construídas, onde nada é acaso, são plenas de ritmo e emoção.
Cela descarta a representação do nordestino como o sertanejo retirante, miserável e faminto, para mostrar um trabalhador forte e decidido. Sua obra cria uma nova visualidade para o cearense, e, não por acaso, ele torna-se conhecido como o Pintor do Nordeste.
O desenho como base
Na Escola Nacional de Belas Artes era grande a importância atribuída ao ensino do desenho, ao longo de todo o curso, especialmente ao desenho figurado e de modelo-vivo. Seguindo a tradição francesa, a ENBA defendia o primado do desenho em oposição à cor.
Herdeiro dessa postura, Raimundo Cela tinha no desenho a base e a estrutura de sua produção artística. O artista fazia inúmeros estudos de cada personagem e de seus diferentes movimentos, para criar composições harmoniosas, nas quais cada elemento do quadro era pensado e elaborado minuciosamente. Seu processo de trabalho incluía, com frequência, a realização de diversos desenhos para o estudo da forma, e de aquarelas para o estudo da cor, até chegar ao resultado final, a pintura a óleo.
Estão reunidos aqui alguns desses desenhos preparatórios para as obras A Virada e Jangadeiros em Palestra nos quais podemos observar de perto a construção do processo criativo do artista.
Gravuras Brasileiras 1922/52
A produção gráfica de Raimundo Cela, no seu retorno ao país, é considerada extraordinária entre estudiosos da área, tanto pela primorosa execução, quanto pela temática brasileira, permeada de um misto de encanto e melancolia.
O crítico e artista Adir Botelho, analisando as gravuras produzidas no período, que se estende de 1923 a 1952, destaca algumas peças que estão aqui apresentadas. Ele considera o Bumba-meu-boi um trabalho de magnífico impacto visual e uma obra-mestra da gravura brasileira. Em Retirantes, ele vê uma rara e expressiva imagem, repleta de calor humano, na qual homem e mulher contemplam a embarcação que se distancia, divididos “entre ir embora para muito longe, ou ficar levando a vida como Deus quer”. Em Jangadas para o Mar, Botelho observa que Cela, aplica a lixa sobre o verniz, na preparação da gravura, de modo a criar uma textura de areia em todo o trabalho.
Jangadeiro Cearense é, para o crítico, uma imagem animada de incontestável vigor plástico: “plantado na praia, em toda a sua firmeza de mastro, o jangadeiro é a imagem que todos guardamos do Ceará, sobranceiro a todas as adversidades da vida e do clima, o Ceará franco e destemeroso, que, como no verso do poeta ‘olha de frente o sol, como um touro selvagem”.
Rio de Janeiro 1945/54
No seu regresso ao Rio de Janeiro, em 1945, Raimundo Cela volta a participar de exposições e salões no eixo Rio/São Paulo. O artista promissor, que chegara a ser dado como morto pela ausência de notícias, retorna de forma triunfante, e sua obra conquista o espaço e o reconhecimento merecidos. Nesse mesmo ano, ele recebe a medalha de ouro no L Salão Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro. Repetindo o feito obtém, em 1947, as medalhas de ouro em gravura e em pintura no LII Salão Nacional de Belas Artes. Realiza diversas exposições individuais, é premiado com a Pequena Medalha de Ouro no IX Salão Paulista de Belas Artes, em São Paulo, e recebe o Prêmio Antônio Parreiras em pintura, no VII Salão Fluminense de Belas Artes de Niterói.
Cela retoma também sua atividade como professor de desenho, assumindo, em 1948, a cadeira de Modelo Vivo e Desenho Figurado na Escola Fluminense de Belas Artes de Niterói. Em 1949 concorre a cadeira de Geometria Descritiva na ENBA, para a qual publica sua tese Perspectiva das Sombras Solares em que analisa seus estudos para a pintura Jangadeiros em Palestra. Em 1950 é aprovado com unanimidade para o cargo de professor de Gravura da Escola Nacional de Belas Artes, passando assim a figurar entre os mestres que o formaram. Assume o cargo em 1951, lecionando até 1954, o ano de sua morte.
O Rio de Janeiro altera de forma sensível sua pintura, Cela captura uma luminosidade inteiramente diferente, as personagens refletem tipos locais e as cenas urbanas retornam à sua obra. Saudoso de sua terra, Cela continua a pintar lembranças do Ceará.
A venda do Peixe - 1947
Distante das jangadas do Ceará, Cela continua a retratar os trabalhadores do mar. Vivendo em Niterói, até hoje um ponto de abastecimento de pescados, o artista pinta a impactante obra A Venda do Peixe, na qual os pescadores e o comércio de seu produto ganham protagonismo. O artista condensa de forma primorosa esses novos elementos. Sob uma luz difusa, os vendedores se aglomeram com suas cestas, anunciando a pesca recém-chegada. Compradores olham para elas com desconfiança, para melhor barganhar preços. A cena pulsante tem um toque oriental. Cela dá destaque às roupas e ao gestual dos personagens, que são apresentados numa atitude muito mais descontraída e leve, sensivelmente diferente do comportamento rijo dos jangadeiros. Num toque audacioso o artista coloca em primeiro plano uma sombra de algo que não se vê. Ao fundo, a paisagem marcante da Baía de Guanabara.
Pinturas brancas
Entre 1936 e 1944 Raimundo Cela produz uma série de obras monocromáticas e evanescentes nas quais funde céu, areia e mar. Sem extrapolar o plano da figuração, pois os barcos e jangadas que retrata estão sempre visíveis, alguns até com riqueza de detalhes, Cela esfumaça os contornos da paisagem, e os dilui sob “a luz que cega, de tanto que ilumina”.
As imagens dessa série remetem às “pinturas brancas” do venezuelano Armando Reverón (1889-1954). Trabalhando na cidade litorânea de Macuto, próxima da linha do Equador, o artista, que vivenciava uma luminosidade similar à de Fortaleza, dizia: “A luz dissolve todas as cores e afinal todas as cores juntas tornam-se o branco”.
Fundindo e confundindo limites, Cela consegue extrair beleza da dura luz equatorial, produzindo imagens poéticas que evocam paz e serenidade.
Cronologia
1938-1941
Instala seu primeiro ateliê num salão cedido pelo comando do Colégio Floriano (hoje Colégio Militar do Ceará – CMC), onde ministra o curso de Desenho. Integra-se ao circuito artístico vigente na cidade naquele período, participando da fundação da primeira entidade de artes plásticas do Ceará: o Centro Cultural de Belas Artes. Participa do I Salão Cearense de Pintura, organizado pelo CCBA. Ainda nesse ano Cela realizou uma mostra individual no Hotel Excelsior.
1942
Torna-se professor da Escola de Agronomia, onde leciona Desenho de Aguadas, Perspectiva e Sombras.
Seu ateliê passa a funcionar no foyer do Teatro José de Alencar, espaço cedido pelo Governo do Estado, para onde muitos artistas dirigiam-se para observar o mestre pintando. Participa do II Salão Cearense de Pintura.
1943
Neste ano foi realizado o I Salão de Abril, promovido pela Secretaria de Arte da União Estadual de Estudantes (UEE). Raimundo Cela participa ao lado dos jovens Jean-Pierre Chabloz, Antônio Bandeira, Mário Baratta, Aldemir Martins, entre outros. É o período no qual Cela pinta a paisagem litorânea e os trabalhadores do mar na lida com suas jangadas. Participa do 9o Salão Paulista de Belas Artes, SP e recebe a Pequena Medalha de Ouro com a obra Vencendo o Escarcéo.
1944
Realiza uma exposição individual na Casa Juvenal Galeno, patrocinada pela Revista Contemporânea.
É homenageado no III Salão Cearense de Pintura ao lado de Vicente Leite e Gérson Farias.
1945
Volta ao Rio de Janeiro, residindo em Niterói. Realiza exposição individual no Museu Nacional de Belas Artes (19/6 a 3/7). Participa do L Salão Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro, recebendo a Medalha de Ouro.
1947
Obtém a Medalha de Ouro, na seção de Artes Gráficas, e a Medalha de Ouro, em pintura, no LII São Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro. Faz exposição individual no Palácio da Cultura, Ministério da Educação, Rio de Janeiro. Conquistou o Prêmio Antônio Parreiras, de pintura, no VII Salão Fluminense de Belas Artes, Niterói, e a Pequena Medalha de Ouro no IX Salão Paulista de Belas Artes, São Paulo.
1948
Leciona Modelo Vivo e Desenho Figurado, na Escola Fluminense de Belas Artes, Niterói, RJ. Participa do LIII Salão Nacional de Belas Artes, Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro e do VIII Salão Fluminense de Belas Artes, Niterói, RJ, no qual recebe a Medalha de Ouro.
1949
Publica sua tese de concurso para a cadeira de Geometria Descritiva, da Escola Nacional de Belas Artes, denominada Perspectiva das Sombras Solares, ilustrada com a pintura Jangadeiros em Palestra, porém desiste do concurso por motivos de saúde.
1950
Aprovado por unanimidade, pela Congregação da Escola Nacional de Belas Artes, para regência da cadeira de Gravura de talho-doce, água-forte e xilografia, introduz o ensino da gravura em metal na ENBA.
1951
Dá início às aulas de gravura e leciona até 1954.
1954
Faleceu no dia 6 de novembro de 1954, no Hospital dos Servidores do Estado, Rio de Janeiro, RJ. Suas obras participam da exposição A Europa na Arte Brasileira, Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro, RJ
O Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, realizou, em 1956, uma exposição póstuma, em homenagem ao artista, organizada pelo Deputado Federal Crisanto Moreira da Rocha.
Fonte: Almeida e Dale, "Raimundo Cela, um mestre brasileiro" Consultado pela última vez em 5 de outubro de 2022.
Crédito fotográfico: Almeida e Dale, Catálogo Raimundo Cela, página 2. Consultado pela última vez em 5 de outubro de 2022.
Raimundo Brandão Cela (Sobral, CE, 19 de julho de 1890 — Niterói, RJ, 6 de novembro de 1954), mais conhecido como Raimundo Cela, foi um pintor, desenhista, gravador, professor e engenheiro brasileiro. Estudou na Escola Nacional de Belas Artes e lecionou gravura em metal na Enba. A produção de Raimundo Cela permanece isolada, à margem do modernismo e de outros movimentos transformadores nas artes do Brasil. Revela, entretanto, a paisagem e as figuras populares do Ceará, com sensibilidade e inquietação em face das questões sociais de seu tempo. São constantes em sua produção as paisagens litorâneas e as atividades de vaqueiros, pescadores e jangadeiros, pintadas com paleta clara e luminosa. Destaca-se também sua obra gráfica, que revela domínio técnico da gravura em metal. Expôs por diversas vezes no Brasil e também na França. Venceu a 24º Exposição Geral de Belas Artes, com a pintura "O último diálogo de Sócrates", recebendo o prêmio de viagem ao estrangeiro para continuar seus estudos na Europa. Sua obra cria uma nova visualidade para o cearense, e, não por acaso, ele torna-se conhecido como o Pintor do Nordeste.
Biografia – Itaú Cultural
Forma-se em ciências e letras no Liceu do Ceará. Em 1910, mudou-se para o Rio de Janeiro e se matriculou como aluno livre da Escola Nacional de Belas Artes - Enba. É aluno de Zeferino da Costa (1840 - 1915), Eliseu Visconti (1866 - 1944) e Baptista da Costa (1865 - 1926). Nessa época, titulava-se em engenharia, pela Escola Politécnica. Entre 1917 e 1922, viaja a Paris para aperfeiçoar-se. Quando volta ao Brasil, por problemas de saúde, reside em Camocim, no interior do Ceará, e trabalha como engenheiro. Em 1938, criou um painel sobre a abolição da escravatura para o Palácio do Governo do Estado, em Fortaleza. Voltou a dedicar-se à carreira de artista plástico de forma mais enfática após 1940, quando se mudou para Niterói, no Rio de Janeiro. A partir dessa data leciona gravura em metal na Enba. Realiza a primeira mostra individual em 1945, no Museu Nacional de Belas Artes - MNBA, no Rio de Janeiro. São temas constantes em sua produção as paisagens, os tipos populares e o trabalho de vaqueiros e pescadores de sua terra natal. Destaca-se também sua obra gráfica, na qual retoma a mesma temática. Após sua morte, é criada a Casa Raimundo Cela, Centro de Artes Visuais, em Fortaleza, onde ocorre, em 1970, uma mostra de artistas cearenses com o lançamento de uma monografia sobre o artista. Em 2004, é lançado o livro Raimundo Cela: 1890-1954, de autoria de Estrigas, pela editora Pinakotheke.
Análise
A produção de Raimundo Cela permanece isolada, à margem do modernismo e de outros movimentos transformadores nas artes do Brasil. Revela, entretanto, a paisagem e as figuras populares do Ceará, com sensibilidade e inquietação em face das questões sociais de seu tempo. São constantes em sua produção as paisagens litorâneas e as atividades de vaqueiros, pescadores e jangadeiros, pintadas com paleta clara e luminosa.
Destaca-se também sua obra gráfica, que revela domínio técnico da gravura em metal. Trata dos temas recorrentes em sua pintura: paisagens, cenas cotidianas e tipos populares, utilizando o claro-escuro de forma controlada.
Exposições Coletivas
1916 - Rio de Janeiro RJ - 23ª Exposição Geral de Belas Artes, na Enba - pequena medalha de prata
1917 - Rio de Janeiro RJ - 24ª Exposição Geral de Belas Artes, na Enba - prêmio de viagem ao exterior
1918 - Rio de Janeiro RJ - 25ª Exposição Geral de Belas Artes, na Enba
1919 - Rio de Janeiro RJ - Exposição Carioca de Gravura e Água-Forte
1922 - Paris (França) - Salão dos Artistas Franceses
1943 - Fortaleza CE - 1º Salão de Abril
1943 - São Paulo SP - 9º Salão Paulista de Belas Artes, na Galeria Prestes Maia - pequena medalha de ouro
1945 - Rio de Janeiro RJ - 51º Salão Nacional de Belas Artes, no MNBA - medalha de ouro em pintura
1947 - Rio de Janeiro RJ - 53º Salão Nacional de Belas Artes, no MNBA - medalha de ouro em gravura
Exposições Póstumas
1964 - Rio de Janeiro RJ - Sala Especial dedicada a sua obra de gravador, no MNBA
1970 - Fortaleza CE - Coletiva de artistas cearenses, na Casa de Raimundo Cela
1978 - Rio de Janeiro RJ - 1º Salão Nacional de Artes Plásticas, no MNBA
1989 - Fortaleza CE - Arte Brasileira dos Séculos XIX e XX nas Coleções Cearenses: pinturas e desenhos, no Espaço Cultural da Unifor
1991 - Fortaleza CE - Scap: 50 anos, no Imperial Othon Palace Hotel
1992 - Rio de Janeiro RJ - Gravura de Arte no Brasil: proposta para um mapeamento, no CCBB
1999 - Rio de Janeiro RJ - Mostra Rio Gravura. Gravura Moderna Brasileira: acervo Museu Nacional de Belas Artes, no MNBA
2003 - São Paulo SP - Arte e Sociedade: uma relação polêmica, no Itaú Cultural
Fonte: RAIMUNDO Cela. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2022. Acesso em: 04 de outubro de 2022. Verbete da Enciclopédia. ISBN: 978-85-7979-060-7
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Biografia – Wikipédia
Filho do mecânico espanhol José Maria Mosquera Cela (1857 - 1923) e da professora sobralense Maria Carolina Brandão Cela (1854 - 1927). Com quatro anos de idade a família se mudou para a cidade litorânea de Camocim onde o pai deveria assumir as oficinas da estrada de ferro e a mãe lecionar na escola de primeiras letras. Foi aí que Raimundo Cela e seus irmãos fizeram com a própria mãe os estudos iniciais de escrita e leitura.
No ano de 1906 é mandado para Fortaleza a fim de estudar no conceituado Liceu Cearense onde recebeu o diploma de bacharel em Ciências e Letras.
No Rio de Janeiro
Em 1910 chega ao Rio de Janeiro e, atendendo a sua inata inclinação para as artes, matricula-se na Escola Nacional de Belas Artes como aluno livre. Teve por mestres Zeferino da Costa em modelo vivo, e Eliseu Visconti e Batista da Costa em pintura. Ao mesmo tempo, inscreve-se na Escola Politécnica pois era desejo de seu pai que se tornasse engenheiro. Três anos depois, recebe o grau de Engenheiro-geógrafo.
Em 1916 participa pela primeira vez do Salão da Escola Nacional de Belas Artes e conquista a Pequena Medalha de prata. No ano seguinte, recebe o cobiçado Prêmio de Viagem ao estrangeiro.
Na Europa
Na Europa, estudou gravura com Frank Brangwyn, pintor, gravador e litógrafo inglês.
Pinacoteca de Sobral
Em 2016 peças de sua autoria e ou de coleção de foram doadas por familiares de Raimundo Cela para compor o acervo da Pinacoteca de Sobral, terra natal do artista.
Fonte: Wikipédia. Consultado pela última vez em 4 de outubro de 2022.
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Exposição Raimundo Cela - FAAP
Raimundo Cela nasceu em 1890, em Sobral, no interior do Ceará, mas cresceu em uma cidade litorânea próxima: Camocim. O artista - criado em um meio familiar culto - foi para o Rio de Janeiro em 1910 estudar engenharia, desejo de seu pai, e pintura, por ambição própria. Formou-se sob orientação dos maiores mestres do começo do século, tendo contato especial com Eliseu Visconti.
A pintura de Cela inicia-se totalmente acadêmica, tendo ele recebido, em 1917, como prêmio, uma viagem à Paris do Salão Nacional de Belas Artes, pela obra clássica Último Diálogo de Sócrates. A viagem só ocorreu em 1920, devido à guerra.
O artista permaneceu na França por dois anos, quando dedicou-se ao aprendizado da gravura em metal com Frane Brangwyn, pintor, gravador e litógrafo inglês. Seu trabalho nessa técnica é de excepcional qualidade. Suas gravuras, segundo o artista plástico e professor formado pela Escola de Belas Artes da UFRJ, Adir Botelho, não são apenas registros gráficos, históricos, são obras universais no sentido e na expressão. Foi o pioneiro do ensino da gravura em metal na Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, lecionando durante nove anos.
De volta ao Brasil, foi viver em Camocim, onde trabalhou durante dez anos como engenheiro de uma pequena usina elétrica. Em 1938, a pintura de um painel para o governo do Estado, representando a libertação dos escravos do Ceará o trouxe de volta à vida artística. Pouco depois, em 1940, estabeleceu-se em Fortaleza. O artista francês Jean Pierre Chabloz o conheceu nessa fase e encantou-se com sua obra.
Raimundo Cela, sendo um moderno, nunca foi um modernista. Ele apareceu justamente no momento da história cultural em que as artes iam ser atingidas pelo radicalismo de 1922. Criou-se, então, o mito que hoje vem sendo revisto pelos estudos sobre o pré-modernismo, de que aconteceu um hiato entre os mestres do século XIX e a Semana de Arte Moderna. Neste período, nada teria sido produzido de interessante e criativo. Os que surgiram naquela fase foram mantidos numa espécie de limbo cultural. Mas o valor da arte de Raimundo Cela deve-se ao fato de ter sido concebida à margem das escolas, de não ter sido contaminada pelos modismos passageiros.
Raimundo Cela retornou ao Rio de Janeiro em 1945. Tornou-se professor de gravura em metal da Escola Nacional de Belas Artes, cargo que ocuparia até a sua morte, em 1954. Nesta última fase da carreira, o pintor foi duas vezes premiado com a medalha de ouro do Salão Nacional de Belas Artes.
Exposição
O Museu de Arte Brasileira da FAAP (MAB-FAAP) realiza, a partir de 12 de junho, a exposição de Raimundo Cela (1890-1954), principal artista cearense de sua geração. Reunindo 120 obras, a retrospectiva apresenta o percurso do artista desde suas obras acadêmicas até os últimos trabalhos, plenos de ritmo e emoção.
Com curadoria de Denise Mattar, que tem como proposta resgatar artistas de qualidade que ficaram à margem da história oficial da arte brasileira, a mostra “Raimundo Cela – um mestre brasileiro” apresenta a obra de um realizador muito respeitado entre os estudiosos, mas pouco conhecido do público em geral.
Maior retrospectiva já realizada do pintor cearense, a mostra abarca sua trajetória, a partir de momentos chave que representam o início de um novo ciclo em sua obra.
A exposição inicia com seus primeiros trabalhos, marcados pela influência do academicismo. São obras determinadas pelo perfeito domínio da técnica clássica, na composição de telas figurativas, evocações à Antiguidade Clássica e à paisagem brasileira. Nesse setor, destacam-se, entre outras, obras como Último diálogo de Sócrates (1917), premiada no Salão Nacional de Belas Artes e que garantiu ao artista uma viagem a Paris, na França.
Devido à Primeira Guerra Mundial, a viagem foi realizada apenas em 1920, justamente o princípio dos anos “loucos” da capital francesa, onde Cela dedica-se aos estudos da gravura em metal, dando uma nova perspectiva à sua obra, não apenas na técnica, mas também na temática.
Ao longo dos anos em que permanece em Paris, o artista retratou em seus desenhos, óleos e gravuras, cenas da paisagem francesa, como na tela Paisagem de Saint-Agrève (1921), e da realidade parisiense e de seus tipos, em estudos de nus e nos desenhos Ferreiro e Funileiro (1921).
Um dos grandes destaques da exposição, e da obra de Raimundo Cela, o painel Abolição (1938) estará reproduzido na mostra em seu tamanho original. Primeiro estado brasileiro a abolir a escravatura, em 25 de março de 1884, o Ceará, terra natal de Cela, encomenda ao artista, em 1938, um painel que simboliza o momento histórico tão marcante na história do Ceará e do Brasil.
Na mostra individual, o público poderá ter acesso a uma visão única do Ceará. Em seus quadros está a melhor tradução dessa paisagem nordestina, como na série Pinturas Brancas, de marinas e paisagens. Cela também foi um “caçador de almas” e dos tipos cearenses, com destaque para as figuras populares, como pescadores, vaqueiros, rendeiras e os jangadeiros, estes representados em uma série de obras criadas entre 1940 e 1946. Na mostra, essas produções estarão dispostas de modo narrativo, representando a sequência de ações que levam a jangada ao mar.
A exposição tem o patrocínio da Minalba e, depois da temporada no MAB-FAAP, segue para o Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro.
Fonte: FAAP. Consultado pela última vez em 4 de outubro de 2022.
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Coleção Raimundo Cela
Raimundo Brandão Cela, nasceu em Sobral, no dia 19 de julho de 1890. Cela ingressa no Liceu do Ceará, formando-se em Ciências e Letras. Em 1910 muda-se para o Rio de Janeiro, frequentando a Escola Nacional de Belas Artes, sendo aluno de Zeferino da Costa, Eliseu Visconti e Baptista da Costa.
Em 1917, obtém o prêmio de Viagem ao Estrangeiro pela obra “Último Diálogo com Sócrates”. Morando em Paris entre anos de 1917 a 1922, viaja para Inglaterra, Bélgica, Holanda e Espanha e estuda gravura em metal com Frank Branwyn.
Ao retornar para o Brasil, muda-se para Camocim, interior do Ceará, e passa a trabalhar como engenheiro. Em 1938, o artista pinta o quadro “Abolição dos Escravos” para o Palácio do Governo do Ceará, representando a imagem que remete a Liberdade, e alguns importantes líderes e intelectuais abolicionistas.
Participou do I Salão Cearense de Pintura e do I Salão de Abril, no Ceará; do IX Salão Paulista de Belas Artes, em São Paulo; do Salão Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, quando recebeu a Medalha de Ouro em Pintura e a Medalha de Ouro em Gravura, entre outras consideráveis exposições e conquistas.
Em 1957, no período que denominamos pré-MAUC, participou de uma retrospectiva com Vicente Leite, no Salão Nobre da Reitoria como parte do projeto artístico cultural da Universidade. No ano de instalação do MAUC, em 1961, o museu promove uma retrospectiva do pintor. Com o maior acervo do artista no Estado do Ceará, em 1979, foi inaugurada a Sala Raimundo Cela. Em 1990, comemorando o Centenário de nascimento de Cela, o MAUC realiza uma exposição comemorativa com 71 obras do artista.
Pintor, desenhista e gravador, tem como temática abordada característica a tipologia da terra, isto é, os tipos humanos regionais, com perspectiva formal estética. Dessa forma, retratou a força do trabalhador, desvencilhando-o da imagem de pobreza, além de tornar o jangadeiro um emblema e enriquecer a memória do Ceará.
Com telas luminosas e claras, representadas ali os pescadores, os vaqueiros, os artesãos, os operários e os jangadeiros, em sua maioria, o mestre Raimundo Brandão Cela representa um grande marco para a arte regional, tornando-se um pintor renomado para o patrimônio artístico cearense.
Raimundo Cela faleceu no Rio de Janeiro em 06 de novembro de 1954.
Fonte: Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará. Consultado pela última vez em 4 de outubro de 2022.
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120 pinturas incríveis que retratam a trajetória de Raimundo Cela – Art Ref
Quem é o artista?
Raimundo Cela, sendo um moderno, nunca foi um modernista. Ele apareceu justamente naquele momento de nossa história cultural em que as artes iam ser atingidas pelo radicalismo de 1922. Criou-se, então, o mito, que hoje vem sendo revisto pelos estudos sobre o pré-modernismo, de que aconteceu um hiato entre os mestres do século XIX e a Semana de Arte Moderna. Mas o valor da arte de Raimundo Cela deve-se ao fato de ter sido concebida à margem das escolas, de não ter sido contaminada pelos modismos passageiros.
A exposição de Raimundo Cela traz para o eixo Rio-São Paulo a memória de um dos mais importantes artistas cearenses.
A exposição de Raimundo Cela (1890-1954), principal artista cearense de sua geração. Reunindo 120 obras, a retrospectiva apresentará o percurso do artista desde suas obras acadêmicas até os últimos trabalhos, plenos de ritmo e emoção. Com curadoria de Denise Mattar, que tem como proposta resgatar artistas de qualidade que ficaram à margem da história oficial da arte brasileira, a exposição Raimundo Cela vai apresentar aos paulistas e cariocas a obra de um realizador muito respeitado entre os estudiosos, mas pouco conhecido do público em geral.
A exposição reúne obras das seguintes instituições: Museu de Arte da Universidade Federal, do Ceará do Instituto Dragão do Mar, Palácio da Abolição, Palácio Iracema em Fortaleza, e do Museu Nacional de Belas Artes no Rio de Janeiro, além de 14 coleções particulares de Fortaleza e São Paulo. Em contribuição à preservação da memória do artista e de sua obra, o Projeto Raimundo Cela: um mestre brasileiro realizará o restauro de quatro obras do artista, sendo três obras pertencentes ao acervo do Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará – MAUC: Rendeira (1931, Óleo sobre madeira, 32 x 40,5 cm); Cabeça de vaqueiro (1931, Óleo sobre madeira, 38 x 46 cm) e Cabeça de Jangadeiro (1933, Óleo sobre madeira, 38 x 46 cm).
Da coleção do Governo do Estado do Ceará – Instituto Dragão do Mar será restaurada a obra Catequese (Óleo sobre tela 190 x 200 cm). Essas obras serão apresentadas na itinerância da mostra para o Museu Nacional de Belas Artes em outubro deste ano.
A exposição
Maior retrospectiva já realizada do pintor cearense, a mostra abarca sua trajetória, a partir dos momentos-chave, que representam o início de um novo ciclo em sua obra.
A exposição abre com desenhos introdutórios e preparatórios e óleos de seus primeiros trabalhos, marcados pela influência do academicismo, ou seja, obras determinadas pelo perfeito domínio da técnica clássica, na composição de telas figurativas, evocações à Antiguidade Clássica e à paisagem brasileira. Nesse setor, destacam-se, entre outras, obras como Último diálogo de Sócrates (1917), premiada no Salão Nacional de Belas Artes com uma viagem a Paris.
Por causa da Primeira Guerra, a viagem acontece apenas em 1920, justamente o princípio dos anos loucos da capital francesa, onde Cela dedica-se aos estudos da gravura em metal, dando uma nova perspectiva à sua obra, não apenas na técnica, como também na temática. Ao longo dos anos em que permanece em Paris, como o público verá na exposição, seus desenhos, óleos e gravuras retratam cenas da paisagem francesa, como na tela Paisagem de Saint-Agrève (1921), e da realidade parisiense e de seus tipos, em estudos de nus e nos desenhos Ferreiro e Funileiro (1921).
Um dos grandes destaques da exposição, e da obra de Cela, o painel Abolição (1938), estará reproduzido na mostra em seu tamanho original. Primeiro estado brasileiro a abolir a escravatura, em 25 de Março de 1884, o Ceará, terra-natal de Cela, encomenda a ele, em 1938, um painel que simbolize o momento histórico tão marcante na história do Ceará e do Brasil.
Na individual, o público poderá ter acesso a uma visão única do Ceará. Um Ceará da gente do mar, com muita luz, vento, areia e água salgada. Certamente está em seus quadros a melhor tradução dessa paisagem nordestina, como na série Pinturas Brancas, de marinas e paisagens. Cela também foi um caçador de almas e dos tipos cearenses, com destaque para as figuras populares, como pescadores, vaqueiros, rendeiras e os jangadeiros, estes representados em uma série de obras criadas entre 1940 e 1946 que, na mostra, estarão dispostas de modo narrativo, mostrando a sequência de ações que levam a jangada ao mar.
A exposição reúne obras das seguintes instituições: Museu de Arte da Universidade Federal, do Ceará do Instituto Dragão do Mar, Palácio da Abolição, Palácio Iracema em Fortaleza, e do Museu Nacional de Belas Artes no Rio de Janeiro, além de 14 coleções particulares de Fortaleza e São Paulo. Como uma contribuição a memória do artista e preservação de sua obra, o Projeto Raimundo Cela: um mestre brasileiro, realizará o restauro de quatro obras do artista, sendo três obras pertencentes ao acervo do Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará – MAUC: Rendeira (1931, Óleo sobre madeira, 32 x 40,5 cm); Cabeça de vaqueiro (1931, Óleo sobre madeira, 38 x 46 cm) e Cabeça de Jangadeiro (1933, Óleo sobre madeira, 38 x 46 cm). E da Coleção do Governo do Estado do Ceará – Instituto Dragão do Mar será restaurada a obra Catequese (Óleo sobre tela 190 x 200 cm). Essas obras serão apresentadas na itinerância da mostra para o Museu Nacional de Belas Artes em outubro deste ano.
Vida e obra
Raimundo Cela nasceu em 1890, em Sobral, no interior do Ceará, mas cresceu em uma cidade litorânea próxima: Camocim. O artista foi criado em um meio familiar culto. Cela foi para o Rio de Janeiro em 1910 estudar engenharia, desejo de seu pai, e pintura, por ambição própria. Formou-se sob orientação dos maiores mestres do começo do século, tendo contato especial com Eliseu Visconti.
A pintura de Cela inicia-se totalmente acadêmica, tendo ele recebido, em 1917, o prêmio de viagem ao exterior do Salão Nacional de Belas Artes, pela obra clássica “Último Diálogo de Sócrates”.
Por causa da Guerra só viajou em 1920. Permaneceu na França por dois anos, quando dedicou-se ao aprendizado da gravura em metal com Frane Brangwyn, pintor, gravador e litógrafo inglês. Seu trabalho nessa técnica é de excepcional qualidade. Suas gravuras, segundo Adir Botelho, não são apenas registros gráficos, históricos, são obras universais no sentido e na expressão. Foi o pioneiro do ensino da gravura em metal na Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, lecionando durante nove anos.
De volta ao Brasil, foi viver em Camocim, onde trabalhou durante dez anos como engenheiro de uma pequena usina elétrica. Em 1938, a pintura de um painel para o governo do Estado representando a libertação dos escravos do Ceará o trouxe de volta à vida artística. Pouco depois, em 1940, estabeleceu-se em Fortaleza. O artista francês Jean Pierre Chabloz o conheceu nessa fase e encantou-se com sua obra.
Nas palavras de Cláudio Valério Teixeira (artista plástico, restaurador e crítico de arte): “Na obra de Cela nada é inocência, tudo é fruto de planejamento, economia e técnica. Mas tudo é também movimento, força, agilidade e graça. Sua arte não procura simplesmente imitar as coisas representadas, é de uma beleza solene, meio melancólica, mas luminosa”.
O pintor retornou ao Rio de Janeiro em 1945. Tornou-se professor de gravura em metal da Escola Nacional de Belas Artes, cargo que ocuparia até a sua morte, em 1954. Nesta última fase da carreira, Cela foi duas vezes premiado com a medalha de ouro do Salão Nacional de Belas Artes.
Fonte: Art Ref, "120 pinturas incríveis que retratam a trajetória de Raimundo Cela", publicado em 6 de junho de 2016. Consultado pela última vez em 4 de outubro de 2022.
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Raimundo Cela, um mestre brasileiro | Almeida e Dale
Uma janela para o Ceará
A arte de Raimundo Cela nos proporciona uma janela para o Ceará. Um Ceará de praias oceânicas, de jangadas e de jangadeiros. Um Ceará da gente do mar, com muita luz, vento, areia e água salgada. Certamente está na obra de Raimundo Cela a melhor tradução pictórica dessa paisagem nordestina tão impregnada de sensações para os que nela viveram. Vendo suas jangadas balançando por força das ondas e do vento, a vontade que dá é de cantar aquela famosa canção de Luiz Gonzaga: "olha palha do coqueiro quando vento dá/ olha o tombo da jangada nas ondas do mar... "
Raimundo Brandão Cela foi um pintor cearense do começo do século XX. Um artista singular não só pela qualidade da obra que nos legou como também pela trajetória que seguiu, tão diversa da de outros artistas seus contemporâneos. Ele nasceu em 1890, em Sobral, no interior do Ceará, mas a família Cela se mudou quando ele tinha quatro anos para a cidade litorânea mais próxima: Camocim. Se tivesse crescido em Sobral certamente os temas que mais o inspirariam estariam associados à paisagem árida, ao calor inclemente e ao sol causticante dessa rica e pitoresca cidade do norte do Ceará. Mas crescer na bela Camocim, banhada pelo rio Coreaú, beijada pela brisa do Atlântico, ouvindo a pancada das ondas, vendo o movimento dos barcos e dos pescadores marcou seu espírito e impregnou sua arte de forma definitiva.
Origens
O pai de Cela era o espanhol José Maria Mosqueira Cela, chefe das oficinas da Estrada de Ferro de Sobral que se casara naquela cidade com a professora Maria Carolina Brandão, três anos mais velha que ele. Ter mãe professora fazia grande diferença no Ceará do final do século XIX e os filhos do casal fizeram seus estudos iniciais em casa. Ainda adolescente, Raimundo Cela foi matriculado no Liceu do Ceará, em Fortaleza, seguindo, em 1910, para o Rio de Janeiro onde se formaria engenheiro como desejava o pai e pintor como ele mesmo desejava. Em 1913, trabalhou com o Marechal Rondon na “repartição geral de proteção ao índio”, conforme contou em carta para o pai. Na Escola Nacional de Belas Artes, no Rio, estudou sob a orientação dos maiores mestres do começo do século, sendo especialmente influenciado por Eliseu Visconti de quem se tornou aluno dileto.
Em 1917, Cela ganhou o prêmio de viagem do Salão Nacional de Belas Artes. Por causa da Grande Guerra e da necessidade de concluir o curso de engenharia, só viajou mesmo em 1920. Permaneceu na França três anos, onde se dedicou ao aprendizado da gravura em metal. É considerado um dos maiores no gênero e suas gravuras, na visão de Adir Botelho, representam um dos raros momentos na história da gravura brasileira em que o ideal artístico encontra um equilíbrio e um acordo perfeitos. A experiência internacional foi importante em sua vida tanto do ponto de vista pessoal quanto do aprimoramento de novas técnicas e talvez houvesse prolongado a permanência na Europa se não tivesse ficado doente. Doença que fora causada, segundo os médicos, pelo excesso de trabalho. E isto também nos revela um pouco desse artista aparentemente calmo, reservado, metódico e disciplinado mas que investia uma paixão tão febril em sua arte a ponto de adoecer mais de uma vez.
Com a morte do pai, em 1924, Cela preferiu se estabelecer no Camocim, onde trabalhou durante dez anos como gerente da Companhia de Força e Luz de Camocim – CFLC, pequena empresa de iluminação à gás que constituíram junto com o irmão, Fernando Cela. Mantinha o ateliê ao lado da usina e o jovem pintor e poeta, Otacílio de Azevedo, que ali o visitou, ficou impressionado com a riqueza da obra que reunira naqueles anos de afastamento.
“Uma das mais extraordinárias surpresas da minha vida foi quando, como fotógrafo, em 1933, fui, por intermédio de Péricles Serpa, visitar em Camocim, o ateliê de Raimundo Cela. Ao penetrar no recinto, parecia-me tudo aquilo uma estranha aventura arrancada das páginas das ‘Mil e uma noites’, tal a riqueza de quadros deslumbrantes que me ofuscavam a vista”.
Luz e força
Pintor e engenheiro, artista e engenheiro, foi Raimundo Cela uma contradição em termos? Pode ser, mas talvez a engenharia explique muito da qualidade de sua arte. Segundo Cláudio Valério Teixeira, na obra de Cela nada é inocência, tudo é fruto de planejamento, economia e técnica. Mas, o equilíbrio racional que daí resulta não faz da sua, uma arte que tenta imitar formalmente as coisas representadas. Nela tudo também é movimento, emoção, agilidade e graça. Se os assuntos de Cela são geralmente brasileiros e mais precisamente cearenses, se sua arte é fruto de sua apurada sensibilidade, sua técnica sutil e equilibrada foi desenvolvida ao longo dos anos de rigorosos estudos no Rio de Janeiro e na Europa.
Seus grupos de trabalhadores do mar têm uma beleza solene, meio melancólica, apesar das luzes e das cores. O olhar é atraído por um detalhe: a cabeça, as costas, as pernas dos jangadeiros, sem desprezar o conjunto em que a harmonia dos movimentos, dos gestos e das formas impactam pela naturalidade com que nos capturam. Seus quadros nos revelam, de uma maneira muito sutil, sem grandiloquência ou pieguice, a poesia que inspira a visão dos pescadores e de suas jangadas nas praias do Ceará. Suas cores são alegres e vibrantes mas matizadas pelos rosas e azuis claros que evitam que o trabalho se deixe corromper pela tentação do excesso normalmente associado à representação da paisagem tropical. De suas telas emana uma luminosidade difusa como a de Turner mas muito mais serena, obtida pela equilibrada distribuição das cores, dos cinzas e do brancos.
Cláudio Valério identifica em seu trabalho a simbiose da pintura com a aquarela: uma seleção de pigmentos de quem já havia olhado a pintura impressionista e por ela se deixado envolver, uma paleta aberta cujas cores luminosas tomam o lugar das terrosas. Sem prejuízo dessas que aparecem nas tradicionais roupas masculinas, calça e camisão de linho cru, tingidas de um marrom intenso, avermelhado, tão característica do povo do Ceará do seu tempo. O crítico chama a atenção para o tratamento que Cela dá às suas figuras, nas quais o recurso ao traço quase caricatural e deformador subtrai de seus desenhos o caráter naturalista, fazendo-os ganhar em expressividade.
Se seus quadros são antecedidos de um planejamento e de muitos esboços, o resultado das composições nada perde em liberdade e naturalidade e é definido pelo que Claudio Valério chama de “verdadeira transfiguração do aprendizado acadêmico”. O importante, acrescenta: é verificar como o artista vai transformando a forma clássica – poses típicas de estudos de academia – em traços pessoais, desenhos menos laboriosos, realizados ao natural, agregando características formais inteiramente próprias. A seu ver, o principal tema da arte de Cela é a força: linhas e formas exercem e traduzem tensões, antagonismos criados nos retângulos do suporte confirmam seu principal interesse, em detrimento do meramente anedótico, da simples narrativa das cenas, das ilustração dos fatos.
Raimundo Cela apareceu justamente naquele momento de nossa história cultural em que as artes iam ser atingidas pelo radicalismo de 1922. Criou-se então o mito, que hoje vem sendo revisto pelos estudos sobre pré-modernismo, de que havido um hiato entre os mestres do século XIX e a Semana de Arte Moderna. Nesse período nada teria sido produzido de interessante e criativo. Os que surgiram naquela fase foram mantidos assim numa espécie de abandono crítico. Foi nesse limbo cultural que durante muito tempo tentaram alojar Raimundo Cela. Ele foi, na verdade, um artista do século XX, com características de formação e interesses temáticos que remetem à sua primeira metade. Raimundo Cela, sendo um moderno, nunca foi um modernista. Mantendo-se alheio às escolas, não sucumbindo ao apelo fácil do modernismo, o artista escapou de ser contagiado pelas tendências então em voga. Talvez o fato de ter se mantido tanto tempo afastado do meio artístico, pintando seus quadros na tranquila Camocim, tenha contribuído, ao lado das convicções que orientavam a vida do artista, para a singularidade de sua arte.
Um homem singular
Era, segundo o relato dos que o conheceram, um homem sóbrio e discreto sem, no entanto, ser antipático. Ao contrário, os íntimos o descrevem como alguém afável, alegre e conversador. O pintor francês radicado no Ceará, Jean Pierre Chabloz, que o conheceu em Fortaleza nos anos 1940, o descreve como um artista requintado, cultíssimo, dotado num alto grau de ‘mesure’, daquela ‘finesse’ afetuosa e ligeiramente irônica que fazem o encanto indiscutido dos espíritos e das sensibilidades verdadeiramente franceses. Muito dedicado aos pais e aos irmãos mais novos, casou-se tarde, com mais de quarenta anos, com uma moça do Amazonas, Eunice Medeiros, com a qual teve dois filhos, Paulo e Dolores.
Depois de quase quatorze anos em Camocim, a reaparição de Raimundo Cela no cenário artístico oficial se daria em 1938 quando foi convidado para pintar um painel para o Governo do Estado representando a libertação dos escravos do Ceará. Morou durante sete anos em Fortaleza onde foi professor de desenho no Colégio Militar e na Escola de Agronomia. Mantinha ateliê nos altos do lindo teatro José de Alencar, integrando-se ao movimentado ambiente cultural da cidade. Junto com o pintor carioca radicado no Ceará, Mário Barata, Cela fundou, em 30 de junho de 1941, o Centro Cultural de Belas Artes que em 1944, seria renomeada como Sociedade Cearense de Belas Artes. A SCAP foi mais importante espaço de articulação dos artistas plásticos cearenses, dedicando-se ao ensino artístico e à promoção de grandes primeiras mostras coletivas de arte. Em 1943, Raimundo Cela participou do primeiro Salão de Abril, promovido pela Secretaria de Arte da União Estadual de Estudantes (UEE), onde seus trabalhos foram apresentados junto com o de outros artistas da terra: Jean-Pierre Chabloz, João Maria Siqueira, Antônio Bandeira, Rubens, Mário Baratta, Aldemir Martins, Afonso Bruno e Fonsek. O artista retornou ao Rio de Janeiro em 1945 e se tornou professor de gravura em metal da Escola Nacional de Belas Artes, cargo que ocuparia até sua morte em 1954. Nesta última fase da carreira, Raimundo Cela foi duas vezes premiado com a medalha de ouro no Salão Nacional de Belas Artes. Retirado em Niterói, viveu ali seus últimos anos, apegado aos quadros dos quais vendeu muito poucos. Não que lhe faltassem compradores, apenas porque o artista tinha-lhes um apego sentimental e raramente se dispunha a separar-se deles.
O advento do Modernismo no Brasil, em 1922, e sua implantação, que se estendeu até o final dos anos 1940, foram responsáveis pela depreciação dos artistas formados em bases acadêmicas. A segregação adquiriu cores ainda mais fortes durante a expansão do Abstracionismo, quando toda a produção acadêmica foi negada, como se nada tivesse valor. Nessa zona de esquecimento permaneceram, por décadas, excelentes pintores como Eliseu Visconti, Lucílio Albuquerque e Antonio Parreiras, entre outros. Se isso ocorreu com pintores do eixo Rio-São Paulo, o que dizer de um artista de origem acadêmica que optou por viver e pintar sua terra natal, o Ceará? Essa miopia, finalmente, começa a ser desconsiderada pela crítica, abrindo espaço para a descoberta de grandes talentos esquecidos.
Raimundo Cela é um dos criadores da visualidade cearense, descartou a representação do nordestino como o sertanejo miserável e faminto, para mostrar o trabalhador forte e decidido do litoral. Pintou pescadores, jangadeiros e barcos, a intensa luz das praias cearenses e as nuvens rosadas do céu equatorial . Suas composições, minuciosamente construídas, são plenas de ritmo e emoção. Elas reúnem a precisão do engenheiro à sensibilidade do artista, o épico ao cotidiano, a precisão do desenho à energia da cor.
Apesar de amplamente reconhecido em seu estado natal, e muito respeitado entre os estudiosos, Cela é bem pouco conhecido fora desses nichos. Assim, a exposição Raimundo Cela - Um Mestre Brasileiro, tem como objetivo apresentar ao público paulista e carioca a obra do artista. A retrospectiva abarca sua trajetória a partir de momentos-chave: O prêmio da Escola Nacional de Belas Artes, a viagem à Europa, o retorno a Camocim, a mudança para Fortaleza e a volta ao Rio de Janeiro. Desenhos, gravuras, aquarelas e pinturas, de todas essas fases, permitem compreender o processo criativo do artista.
A vida de Raimundo Cela e as etapas de seu percurso artístico estão amplamente apresentadas neste catálogo. Elas podem ser encontradas no texto de Isabel Lustosa, na cronologia do artista e nos textos introdutórios a cada núcleo da exposição, assim, preferimos abordar, ainda que superficialmente, outro aspecto da trajetória de Cela: a constituição de sua imagística. Fundamentais para a elaboração deste texto e para a realização da exposição foram os seguintes trabalhos: a publicação Raimundo Cela, realizada em 1990 pela Editora Pinakotheke, e, especialmente, a dissertação de mestrado Pintura na Travessia: A Paisagem Litorânea na obra de Raymundo Cela, de Delano Pessoa Carneiro Barbosa, realizada para a Universidade Federal do Ceará em 2010.
Raimundo Cela -1890-1954
Raimundo Cela estudou na Escola Nacional de Belas Artes, de 1910 a 1918, como aluno dos chamados cursos livres – que não exigiam presença em período integral – pois ele estudava engenharia à noite e trabalhava durante o dia. Ao longo desses anos recebeu várias láureas, entre elas a medalha de prata do Salão de 1916. Em 1917 ganhou o prêmio máximo da instituição e o seu sucesso, além do seu talento, foi devido a um cuidadoso planejamento e conhecimento da cultura visual de sua época.
Raymundo Cela conhecia as regras para a obtenção do Prêmio de Viagem vigentes no período, dentre elas a elaboração de um quadro de composição em tamanho grande, além da valorização dos desenhos que configuram a pintura, ou seja, a constituição de tipologias. Não por acaso, juntamente com a tela, o artista expôs, no Salon de 1917, sete estudos (desenhos) das figuras que compõem a cena. Assim, Raymundo Cela contemplou de maneira harmônica as quatro características constitutivas de uma composição: o desenho – tomado como projeto inicial da obra –, o método compositivo, a constituição de tipologias – a partir de desenho de modelo-vivo – e, por fim, explicitou sua proximidade com a tradição clássica.
O trabalho foi bastante elogiado pela imprensa. Um das exceções foi Monteiro Lobato, que, já engajado no seu projeto de arte brasileira, discordava do tema histórico e clássico da obra, embora não negasse valor a Cela:
Raymundo Cela é outro nome que aparece. Traz uma tela de vulto: Último diálogo de Sócrates. A mania de sair do presente compreensível, e mergulhar em mundos mortos, como o grego, é uma balda velha da Escola, que não perceberá nunca o absurdo contido nisso, diante da moderna concepção de arte. Como pode um menino do Ceará, transplantado para o Rio, e que não é um helenólogo com 50 anos de estudo, como pode essa moderníssima e brasileiríssima criatura interpretar com sua alma virgem de filosofias, uma cena do século de Péricles? Não obstante Cela denuncia-se com boas qualidades de arranjador, e boa técnica, sobretudo nas figuras secundárias.
O artista não gostou muito da crítica, que relatou en passant em carta a seu pai, mas talvez ela o tenha influenciado de alguma forma, pois, na Exposição Geral de 1918, ele apresentou uma obra intitulada Porto da Jangada (Ceará).
No início de 1920, depois de passar algum tempo com seus pais em Camocim, Cela partiu para a Europa. A bolsa de viagem concedida aos alunos livres previa a permanência no exterior por dois anos, e não exigia a realização de cópias ou frequência a cursos específicos, assim Cela pode escolher onde e como queria estudar. Ficou em Paris, por algum tempo, realizando estudos da figura humana, com modelos europeus femininos e masculinos, em moldes bem acadêmicos. A seguir, já vivendo em Dampierre, registra as paisagens bucólicas de Saint-Agrève em pinturas e aquarelas. Adotou nesses trabalhos uma fatura impressionista, não usada anteriormente, embora, certamente, conhecesse este movimento desde o Brasil, visto ter sido aluno de Visconti. Mas é no desenho e na gravura que ocorre uma determinante mudança temática na obra do artista, Cela repensa os ensinamentos da Academia e volta seu olhar para pessoas comuns do vilarejo onde reside, e os retrata em seus labores: a feira, a oficina, a forja.
Essa atitude estava no ar nesse momento na Europa, como um efeito das mudanças políticas, econômicas e sociais decorrentes do processo de industrialização e da luta pelos direitos trabalhistas da classe operária. O mundo estava mudando e a arte precisava acompanhar:
Essa ênfase numa reflexão sobre um presente em transformação se contrapõe ao culto ao passado praticado no espaço da pintura ensinada nas escolas oficiais de artes, as Academias, e apresentadas nos seus Salões por meio de obras que privilegiavam, como sabemos, um retorno à Roma imperial e republicana, se fossem neoclássicas, ou à Idade Média e ao “Oriente”, se românticas.
No caso de Cela acreditamos que a convivência com Frank Brangwyn, seu professor de gravura, integrante do movimento Arts & Crafts, deve ter contribuído consideravelmente para sua mudança de foco. O conjunto de trabalhos desenvolvido por Cela nesse momento é de qualidade excepcional, neles o artista reúne o rigor da técnica da gravura em metal ao apuro da composição, em obras que transpiram a energia simples do trabalho, revelam o desolamento dos desamparados ou nos fazem sentir o calor do metal em brasa no cadinho. Não por acaso, alguns deles foram selecionados para o Salon des Artistes Français. Resta lamentar que esse momento de produção tão especial, tenha sido interrompido pelo AVC que acometeu o artista. Impedido de ler, desenhar, pintar e até de viajar, Cela permanece num limbo até poder voltar ao Brasil.
Logo após sua chegada seu pai faleceu e o artista instala-se em Camocim.
Apesar de se situar longe da capital, a cidade era, naquele momento, o principal porto do Ceará. A instalação de uma companhia de energia era cada vez mais necessária e Cela torna-se o engenheiro que comanda essa operação. Não sabemos praticamente nada desse período, no qual Cela, aparentemente, deixa de pintar. Como fato temos o falecimento de sua mãe em 1927 e o surgimento de algumas obras datadas de 1929. A partir daí o artista não apenas volta às artes, mas trilha um caminho original e incomum.
Nessa retomada da pintura, Cela volta ao tema dos trabalhadores, em grande diálogo com a pesquisa que estava realizando na França, em 1922. A pintura Saída da Oficina, 1929 é quase impressionista e parece ter sido efetuada diretamente sobre a tela, sem um desenho como base. O artista não dá continuidade a este estilo e, já em 1931, inicia a série conhecida como “Cabeças” na qual retrata tipos do Ceará: o vaqueiro, a rendeira, o jangadeiro. Outro tema que começa a surgir nessa retomada é a paisagem litorânea do Ceará, exemplificada na tela Praia em Camocim, 1932.
Em 1938, Cela muda-se para Fortaleza e o encontro com as jangadas e o mar bravio abre para ele um novo caminho; a possibilidade de reunir tudo o que havia pesquisado até então. Sua obra dá um salto! Há nesse momento uma junção de temáticas que já eram caras ao artista como o trabalhador e a paisagem litorânea, mas agora elas aparecem numa nova clave. O homem rude e forte que enfrenta o mar e o ar, na sua frágil embarcação com asas de pássaro, interage com a cor e da luz das praias do Ceará. Há também uma superposição de técnicas: o desenho registrando os corpos em movimento, cada músculo retesado na luta contra a natureza, enquanto que a pintura, de rápidas pinceladas, estilhaça a cor. E, finalmente, consuma-se a fusão do artista com o engenheiro, e, suas composições, cuidadosamente construídas, são plenas de ritmo e emoção.
Essa mudança para Fortaleza permitiu a Cela estar com outros artistas, convívio do qual estivera afastado durante o período em que residiu em Camocim. Estimulado por Mário Baratta ele volta a participar do circuito de arte brasileiro da época e a enviar obras para exposições. No I Salão de Abril, realizado na cidade em 1943, Cela participou ao lado de jovens como Jean-Pierre Chabloz, Antônio Bandeira e Aldemir Martins, entre outros. Na ocasião Cela expôs a pintura Arrebentação.
Este trabalho fazia parte de uma sequência quase cinematográfica composta por três obras: A Arrebentação, Vencendo o Escarcéu e A Virada, tendo a segunda delas recebido a Pequena Medalha de Prata do IX Salão Paulista de Belas Artes em 1943.
Não podemos deixar de observar que provavelmente muito contribuiu para a escolha temática o episódio conhecido como o Raid da Jangada São Pedro quando quatro jangadeiros cearenses, viajaram de Fortaleza ao Rio de Janeiro de jangada, para reivindicar o reconhecimento de sua profissão. O fato contribuiu para firmar a imagem do cearense como um forte, em grande contraste à imagem do caipira indolente do Sudeste, retratado na literatura por Monteiro Lobato e na pintura por Almeida Jr..
Em 1945 Cela muda-se para o Rio de Janeiro, o que altera de forma sensível sua pintura. O artista captura a clara luminosidade das paisagens, mais suave do que a saturada luz do Ceará. Aqui ele também pinta os trabalhadores do mar, mas os personagens refletem os tipos locais, quase sempre retratados em atitude descontraída, sensivelmente diferente do comportamento rijo dos jangadeiros. Entre as obras desse período destaca-se A Venda do Peixe, tela de grandes dimensões e um toque épico.
Em 1951 Cela foi aprovado por unanimidade para o cargo de professor de Gravura da Escola Nacional de Belas Artes, passando a figurar entre os mestres que o formaram. Nesse período Cela transcreve para a gravura a imagística que o consagrou: as jangadas, os vaqueiros e os tipos populares brasileiros. Ao conjunto ele incorpora imagens tocantes, como o casal de retirantes olhando um barco partir e o jangadeiro fitando o mar. Curiosamente as duas gravuras retratam as figuras de costas recurso que o artista explora com maestria para ganhar expressividade.
Considerado como o último trabalho de Cela , o óleo “Duas Épocas” é uma crônica, pintada por um artista que observa o Rio de Janeiro de sua juventude desaparecer. Assim como suas últimas gravuras essa obra parece inaugurar uma nova pesquisa, mais nostálgica e doce, um novo caminho talvez, interrompido por sua morte.
Reunir as 126 obras que compõem a exposição Raimundo Cela - um mestre brasileiro, não foi tarefa fácil, e só aconteceu graças à preciosa colaboração de muitas pessoas e instituições que se desdobraram para ajudar o projeto, entre elas, Paulo Linhares e Bitú Cassundé, do Instituto Dragão do Mar, Pedro Eymar, do Museu de Arte da Universidade do Ceará, Randal Pompeu da Universidade de Fortaleza, Monica Xexéo do Museu Nacional de Belas Artes e, especialmente, o artista José Guedes.
Idealizada pela Galeria Almeida e Dale, a mostra teve o patrocínio da Minalba para sua realização. Agradeço a todos os colecionadores e instituições que cederam obras para esta exposição, ao Museu de Arte Brasileira da FAAP e ao Museu Nacional de Belas Artes pelos belos espaços, e à toda a competente e sensível equipe que produziu as duas mostras. Destaco a bela cenografia de Guilherme Isnard, que nos ajudou a empreender uma mágica viagem à obra de Raimundo Cela.
Denise Mattar, Curadora.
Um artista promissor
1910/1919
Desde cedo Raimundo Cela demonstrou talento para as artes plásticas. Acredita-se que o desenho Árvore seja um de seus primeiros trabalhos.
Em 1910, aos 20 anos, ele foi para o Rio de Janeiro estudar Engenharia, como queria seu pai, e Arte, como ele mesmo desejava.
Na Escola Nacional de Belas Artes foi aluno de João Zeferino da Costa, Eliseu Visconti e João Batista da Costa. Nesse período, Cela recebeu várias vezes o primeiro lugar nos concursos de composição entre os alunos. Ele era novato, vindo de longe, cursava engenharia, trabalhava durante o dia, para não depender do pai, e mesmo assim chamou a atenção dos professores.
Em 1916, numa de suas primeiras participações na Exposição Nacional de Belas Artes, ele já recebeu a medalha de prata e, em 1917, surpreendentemente, ganhou o ambicionado Prêmio de Viagem ao Exterior, que o levaria a Europa.
Seu autorretrato, de 1921, foi realizado em Paris.
O grande prêmio 1917
Em 1917, Raimundo Cela recebeu o mais cobiçado prêmio da XXIV Exposição Geral de Belas Artes, o Prêmio de Viagem ao Exterior, com a pintura O Último Diálogo de Sócrates. A Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro era a mais importante instituição de ensino de artes plásticas no Brasil, e sua Exposição Geral, o evento mais aguardado entre os artistas. As premiações eram divididas em menção honrosa, medalhas de bronze, prata e ouro. O Grande Prêmio de Viagem ao Exterior concedia ao artista uma pensão para morar na Europa por dois anos.
O Último Diálogo de Sócrates é uma obra de caráter acadêmico, que retrata o momento no qual o filósofo prefere tomar o veneno e aceitar sua condenação, do que fugir, como queriam seus discípulos. A escolha de um tema histórico grego que privilegia a ética, o desenho primoroso, o desenvolvimento da atitude e emoção das personagens e a execução da pintura com intenso uso do claro-escuro, convergiram para o reconhecimento e consagração de Raimundo Cela com a conquista do tão sonhado prêmio.
As obras premiadas passavam a integrar o acervo do ENBA.
Europa – 1920/22
Cela chega à Europa em Abril de 1920, e vai para Paris. Embora considere a cidade fascinante, relata uma grande dificuldade de adaptação à vida movimentada e frenética daquele período, incompatível com sua personalidade reservada.
A seguir viaja para a Inglaterra, Bélgica e Holanda visitando vários museus. No seu retorno, sem ter condições de instalar um ateliê em Paris, reside em Dampierre, uma pequena comunidade da região de Saint-Agrève, a uma hora de distância de Paris. É lá que Raimundo Cela começa a se interessar pela pintura de paisagem e a adensar seu interesse pelo estudo do desenho do corpo humano e pela temática dos trabalhadores e operários; mais presente nos desenhos e gravuras.
Em 1922, participa do Salon des Artistes Français com a obra Paisagem de Saint-Agrève (1921) e duas águas-fortes, que lhe rendem boas críticas nos principais jornais parisienses. Nesse momento, ele sofre uma hemorragia meníngea, um tipo de Acidente Vascular Cerebral (AVC), que o impossibilita de trabalhar por quase um semestre. Os médicos recomendam repouso absoluto, pois sua visão foi seriamente afetada. Sua recuperação completa vai se dar apenas após o retorno ao Brasil.
Gravuras – 1920/22
Ainda na Europa, Raimundo Cela aprende as técnicas de gravura em metal com Frank Brangwyn. Muito reconhecido, o artista britânico era pintor, desenhista, muralista, gravador, litógrafo, ilustrador e cartazista. Estudar com um mestre tão habilitado garantiu a Cela o domínio de uma técnica complexa e muito pouco ensinada no Brasil.
A gravura em metal é um tipo de trabalho que favorece a linha do desenho e os jogos de luz e sombra, nos quais Cela sempre havia revelado grande domínio. Suas gravuras desse período são densas e marcantes, executadas com absoluta precisão e uma qualidade técnica raramente encontrada entre nossos artistas. O desenho sempre foi a base do seu trabalho e isso pode ser bem observado aqui, nos esboços preparatórios para as gravuras.
Os temas escolhidos por Cela são aspectos da vida popular europeia, os habitantes da cidade, comerciantes, trabalhadores das forjas e das feiras, os mendigos e marginalizados. Essa aproximação do cotidiano o levaria, no seu retorno ao Brasil, a representar o seu próprio povo.
O painel da abolição – 1938
Quando Raimundo Cela ganhou o Prêmio de Viagem ao Exterior, o Governo do Estado do Ceará manifestou interesse em adquirir a obra que o consagrou. Isto não foi possível, uma vez que todas as obras premiadas passavam a integrar o acervo do ENBA, conforme estipulado no regulamento do concurso. Cela propôs então produzir, enquanto estivesse na Europa, uma obra com tema histórico brasileiro, o que não aconteceu devido à enfermidade que o acometeu.
Em 1938, dezesseis anos após seu retorno ao Brasil, Raimundo Cela executou a obra A Abolição dos Escravos para o Palácio da Luz, cumprindo a promessa de realizar uma obra para a sede do Governo do Estado. Em 1975, o edifício foi transformado em Casa de Cultura Raimundo Cela, e atualmente abriga a Academia Cearense de Letras. Devido às grandes dimensões da obra, e impossibilidade de remoção, ela permanece instalada no mesmo edifício.
A Abolição dos Escravos retrata um importante tema da história cearense. Em 25 de março de 1884 a Província do Ceará foi a primeira a abolir a escravidão em seu território, quatro anos antes da assinatura da Lei Áurea. A obra é uma alegoria a esse acontecimento. Em tons rosamate a pintura retrata os escravos recebendo uma dádiva da figura feminina sobre a jangada – a própria Liberdade. Alguns importantes líderes e intelectuais cearenses estão nela retratados, como Francisco José do Nascimento, conhecido como o Dragão do Mar, José do Patrocínio, João Cordeiro, Isac Amaral e Maria Tomásia.
Oficinas – 1929/33
Na sua volta ao país, Cela fica sete anos sem pintar. Quando retoma a pintura são os trabalhadores populares que despertam sua atenção.
Saída da oficina de 1929, apresentada na exposição, é uma das primeiras obras conhecidas do seu retorno, na qual vemos um grupo de trabalhadores no final do expediente. Com uma pincelada mais solta e gestual, a luz intensa do Ceará começa a aparecer e a moldar seu estilo.
Na aquarela Oficina, de 1933, Cela reafirma seu talento na composição e no trabalho de perspectiva da arquitetura, criado através da sugestão das roldanas no teto. As figuras são menos delineadas, vibram nessa luz quase impressionista que entra na cena pela grande janela ao fundo.
Obra: Catequese
Catequese é uma obra singular na produção de Raimundo Cela. Não há consenso sobre a datação desta pintura de caráter histórico, mas a tradição estima sua produção no início dos anos 1930. Se levarmos em consideração a grande dimensão da tela e a escolha de um tema indianista – tão apreciado pela Academia -, podemos supor que tratava-se de uma encomenda, talvez a primeira tentativa de executar a pintura prometida ao Governo do Estado, desde a época de sua premiação na ENBA. Corroborando esta hipótese, o primeiro registro que encontramos deste trabalho indica que a obra integrava originalmente a coleção do Palácio da Luz, assim como a Abolição dos Escravos.
Catequese retrata um padre jesuíta cercado por jovens índios, numa tentativa de aproximação e conversão religiosa. A composição das figuras guarda certa semelhança com o “Último Diálogo de Sócrates”, e parece resgatar os ensinamentos do período em que frequentou a Escola Nacional de Belas Artes, porém a fatura já mostra os ensinamentos da França e beira o Impressionismo. Além disso, segundo aponta o pesquisador Delano Pessoa, esta é a primeira obra na qual Cela integra a paisagem litorânea, e na qual introduz uma paleta de cores mais variada e repleta de nuances que, ao longo dos anos, desenvolverá.
O tema tem pouca familiaridade com o artista, que rapidamente se volta às personagens que cercam seu dia a dia, como o vaqueiro e o jangadeiro.
No Ceará é assim… – 1929/1945
O pai de Raimundo Cela faleceu logo após o seu retorno ao Brasil. O artista decide se instalar em Camocim para ficar próximo à família. Ele ainda sofreu sequelas do AVC, o que o manteve afastado da pintura por algum tempo, trabalhando como engenheiro.
No seu reencontro com a pintura, no final da década de 1920, vai se interessar principalmente pela deslumbrante paisagem litorânea do Ceará e pelos tipos locais. Sem abandonar seus anos de treinamento acadêmico, Cela desenhava ao ar livre, observando as cores e a luz local, mas realizava a composição e a pintura em ateliê. Da paisagem lhe interessavam principalmente as cenas da praia e do mar, as embarcações, as pequenas casas e os trabalhadores. Predominam em sua pintura as pessoas do povo, personagens anônimas que sintetizam os habitantes do litoral. Nesse primeiro momento os estudos são basicamente dedicados à cabeça, colocando em evidência as feições e expressões, formatos do rosto e suas proporções. Ao longo da década de 1940, as composições passaram a retratar os trabalhadores litorâneos em ação.
Cela nunca se interessou pela pintura de retratos de personalidades importantes. Além de alguns poucos retratos de sua família e de amigos, são conhecidos apenas um autorretrato em desenho, alguns estudos acadêmicos e a série de cabeças de tipos cearenses aqui apresentada.
Trabalhadores do Mar — 1938/45
Em 1938, Cela muda-se para Fortaleza. As canoas de Camocim e o mar calmo o encantavam, mas o encontro com as jangadas e o mar bravio abre para ele um novo caminho; a possibilidade de reunir tudo o que havia pesquisado até então. Sua obra dá um salto!
Há nesse momento uma junção de temáticas que já eram caras ao artista como o trabalhador e a paisagem litorânea, mas agora elas aparecem numa nova clave. O homem rude e forte que enfrenta o mar e o ar, na sua frágil embarcação com asas de pássaro, interage com a cor e da luz das praias do Ceará. Há também uma superposição de técnicas: o desenho registrando os corpos em movimento, cada músculo retesado na luta contra a natureza, enquanto que a pintura, de rápidas pinceladas, estilhaça a cor. E, finalmente, consuma-se a fusão do artista com o engenheiro, e, as composições, cuidadosamente construídas, onde nada é acaso, são plenas de ritmo e emoção.
Cela descarta a representação do nordestino como o sertanejo retirante, miserável e faminto, para mostrar um trabalhador forte e decidido. Sua obra cria uma nova visualidade para o cearense, e, não por acaso, ele torna-se conhecido como o Pintor do Nordeste.
O desenho como base
Na Escola Nacional de Belas Artes era grande a importância atribuída ao ensino do desenho, ao longo de todo o curso, especialmente ao desenho figurado e de modelo-vivo. Seguindo a tradição francesa, a ENBA defendia o primado do desenho em oposição à cor.
Herdeiro dessa postura, Raimundo Cela tinha no desenho a base e a estrutura de sua produção artística. O artista fazia inúmeros estudos de cada personagem e de seus diferentes movimentos, para criar composições harmoniosas, nas quais cada elemento do quadro era pensado e elaborado minuciosamente. Seu processo de trabalho incluía, com frequência, a realização de diversos desenhos para o estudo da forma, e de aquarelas para o estudo da cor, até chegar ao resultado final, a pintura a óleo.
Estão reunidos aqui alguns desses desenhos preparatórios para as obras A Virada e Jangadeiros em Palestra nos quais podemos observar de perto a construção do processo criativo do artista.
Gravuras Brasileiras 1922/52
A produção gráfica de Raimundo Cela, no seu retorno ao país, é considerada extraordinária entre estudiosos da área, tanto pela primorosa execução, quanto pela temática brasileira, permeada de um misto de encanto e melancolia.
O crítico e artista Adir Botelho, analisando as gravuras produzidas no período, que se estende de 1923 a 1952, destaca algumas peças que estão aqui apresentadas. Ele considera o Bumba-meu-boi um trabalho de magnífico impacto visual e uma obra-mestra da gravura brasileira. Em Retirantes, ele vê uma rara e expressiva imagem, repleta de calor humano, na qual homem e mulher contemplam a embarcação que se distancia, divididos “entre ir embora para muito longe, ou ficar levando a vida como Deus quer”. Em Jangadas para o Mar, Botelho observa que Cela, aplica a lixa sobre o verniz, na preparação da gravura, de modo a criar uma textura de areia em todo o trabalho.
Jangadeiro Cearense é, para o crítico, uma imagem animada de incontestável vigor plástico: “plantado na praia, em toda a sua firmeza de mastro, o jangadeiro é a imagem que todos guardamos do Ceará, sobranceiro a todas as adversidades da vida e do clima, o Ceará franco e destemeroso, que, como no verso do poeta ‘olha de frente o sol, como um touro selvagem”.
Rio de Janeiro 1945/54
No seu regresso ao Rio de Janeiro, em 1945, Raimundo Cela volta a participar de exposições e salões no eixo Rio/São Paulo. O artista promissor, que chegara a ser dado como morto pela ausência de notícias, retorna de forma triunfante, e sua obra conquista o espaço e o reconhecimento merecidos. Nesse mesmo ano, ele recebe a medalha de ouro no L Salão Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro. Repetindo o feito obtém, em 1947, as medalhas de ouro em gravura e em pintura no LII Salão Nacional de Belas Artes. Realiza diversas exposições individuais, é premiado com a Pequena Medalha de Ouro no IX Salão Paulista de Belas Artes, em São Paulo, e recebe o Prêmio Antônio Parreiras em pintura, no VII Salão Fluminense de Belas Artes de Niterói.
Cela retoma também sua atividade como professor de desenho, assumindo, em 1948, a cadeira de Modelo Vivo e Desenho Figurado na Escola Fluminense de Belas Artes de Niterói. Em 1949 concorre a cadeira de Geometria Descritiva na ENBA, para a qual publica sua tese Perspectiva das Sombras Solares em que analisa seus estudos para a pintura Jangadeiros em Palestra. Em 1950 é aprovado com unanimidade para o cargo de professor de Gravura da Escola Nacional de Belas Artes, passando assim a figurar entre os mestres que o formaram. Assume o cargo em 1951, lecionando até 1954, o ano de sua morte.
O Rio de Janeiro altera de forma sensível sua pintura, Cela captura uma luminosidade inteiramente diferente, as personagens refletem tipos locais e as cenas urbanas retornam à sua obra. Saudoso de sua terra, Cela continua a pintar lembranças do Ceará.
A venda do Peixe - 1947
Distante das jangadas do Ceará, Cela continua a retratar os trabalhadores do mar. Vivendo em Niterói, até hoje um ponto de abastecimento de pescados, o artista pinta a impactante obra A Venda do Peixe, na qual os pescadores e o comércio de seu produto ganham protagonismo. O artista condensa de forma primorosa esses novos elementos. Sob uma luz difusa, os vendedores se aglomeram com suas cestas, anunciando a pesca recém-chegada. Compradores olham para elas com desconfiança, para melhor barganhar preços. A cena pulsante tem um toque oriental. Cela dá destaque às roupas e ao gestual dos personagens, que são apresentados numa atitude muito mais descontraída e leve, sensivelmente diferente do comportamento rijo dos jangadeiros. Num toque audacioso o artista coloca em primeiro plano uma sombra de algo que não se vê. Ao fundo, a paisagem marcante da Baía de Guanabara.
Pinturas brancas
Entre 1936 e 1944 Raimundo Cela produz uma série de obras monocromáticas e evanescentes nas quais funde céu, areia e mar. Sem extrapolar o plano da figuração, pois os barcos e jangadas que retrata estão sempre visíveis, alguns até com riqueza de detalhes, Cela esfumaça os contornos da paisagem, e os dilui sob “a luz que cega, de tanto que ilumina”.
As imagens dessa série remetem às “pinturas brancas” do venezuelano Armando Reverón (1889-1954). Trabalhando na cidade litorânea de Macuto, próxima da linha do Equador, o artista, que vivenciava uma luminosidade similar à de Fortaleza, dizia: “A luz dissolve todas as cores e afinal todas as cores juntas tornam-se o branco”.
Fundindo e confundindo limites, Cela consegue extrair beleza da dura luz equatorial, produzindo imagens poéticas que evocam paz e serenidade.
Cronologia
1938-1941
Instala seu primeiro ateliê num salão cedido pelo comando do Colégio Floriano (hoje Colégio Militar do Ceará – CMC), onde ministra o curso de Desenho. Integra-se ao circuito artístico vigente na cidade naquele período, participando da fundação da primeira entidade de artes plásticas do Ceará: o Centro Cultural de Belas Artes. Participa do I Salão Cearense de Pintura, organizado pelo CCBA. Ainda nesse ano Cela realizou uma mostra individual no Hotel Excelsior.
1942
Torna-se professor da Escola de Agronomia, onde leciona Desenho de Aguadas, Perspectiva e Sombras.
Seu ateliê passa a funcionar no foyer do Teatro José de Alencar, espaço cedido pelo Governo do Estado, para onde muitos artistas dirigiam-se para observar o mestre pintando. Participa do II Salão Cearense de Pintura.
1943
Neste ano foi realizado o I Salão de Abril, promovido pela Secretaria de Arte da União Estadual de Estudantes (UEE). Raimundo Cela participa ao lado dos jovens Jean-Pierre Chabloz, Antônio Bandeira, Mário Baratta, Aldemir Martins, entre outros. É o período no qual Cela pinta a paisagem litorânea e os trabalhadores do mar na lida com suas jangadas. Participa do 9o Salão Paulista de Belas Artes, SP e recebe a Pequena Medalha de Ouro com a obra Vencendo o Escarcéo.
1944
Realiza uma exposição individual na Casa Juvenal Galeno, patrocinada pela Revista Contemporânea.
É homenageado no III Salão Cearense de Pintura ao lado de Vicente Leite e Gérson Farias.
1945
Volta ao Rio de Janeiro, residindo em Niterói. Realiza exposição individual no Museu Nacional de Belas Artes (19/6 a 3/7). Participa do L Salão Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro, recebendo a Medalha de Ouro.
1947
Obtém a Medalha de Ouro, na seção de Artes Gráficas, e a Medalha de Ouro, em pintura, no LII São Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro. Faz exposição individual no Palácio da Cultura, Ministério da Educação, Rio de Janeiro. Conquistou o Prêmio Antônio Parreiras, de pintura, no VII Salão Fluminense de Belas Artes, Niterói, e a Pequena Medalha de Ouro no IX Salão Paulista de Belas Artes, São Paulo.
1948
Leciona Modelo Vivo e Desenho Figurado, na Escola Fluminense de Belas Artes, Niterói, RJ. Participa do LIII Salão Nacional de Belas Artes, Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro e do VIII Salão Fluminense de Belas Artes, Niterói, RJ, no qual recebe a Medalha de Ouro.
1949
Publica sua tese de concurso para a cadeira de Geometria Descritiva, da Escola Nacional de Belas Artes, denominada Perspectiva das Sombras Solares, ilustrada com a pintura Jangadeiros em Palestra, porém desiste do concurso por motivos de saúde.
1950
Aprovado por unanimidade, pela Congregação da Escola Nacional de Belas Artes, para regência da cadeira de Gravura de talho-doce, água-forte e xilografia, introduz o ensino da gravura em metal na ENBA.
1951
Dá início às aulas de gravura e leciona até 1954.
1954
Faleceu no dia 6 de novembro de 1954, no Hospital dos Servidores do Estado, Rio de Janeiro, RJ. Suas obras participam da exposição A Europa na Arte Brasileira, Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro, RJ
O Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, realizou, em 1956, uma exposição póstuma, em homenagem ao artista, organizada pelo Deputado Federal Crisanto Moreira da Rocha.
Fonte: Almeida e Dale, "Raimundo Cela, um mestre brasileiro" Consultado pela última vez em 5 de outubro de 2022.
Crédito fotográfico: Almeida e Dale, Catálogo Raimundo Cela, página 2. Consultado pela última vez em 5 de outubro de 2022.