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Rodolfo Bernardelli

José Maria Oscar Rodolfo Bernardelli y Thierry (18 de dezembro de 1852, Guadalajara, México — 7 de abril de 1931, Rio de Janeiro, Brasil), mais conhecido como Rodolfo Bernardelli, foi um escultor mexicano. Formado na Academia Imperial de Belas Artes, destacou-se desde cedo como aluno talentoso e, em 1876, conquistou uma bolsa de estudos para Roma, onde teve aulas com mestres como Giulio Monteverde e Achille D’Orsi, absorvendo influências do realismo e do naturalismo italianos. Inspirado inicialmente por Francisco Manuel Chaves Pinheiro, conviveu ainda com intelectuais como Machado de Assis e Olavo Bilac, que frequentavam seu ateliê no Rio de Janeiro. Irmão do pintor Henrique Bernardelli e do músico Félix Bernardelli, consolidou uma trajetória artística marcada por vínculos familiares com o universo cultural. Suas esculturas, geralmente em mármore e bronze, combinam monumentalidade clássica e forte expressividade, refletindo uma síntese entre tradição acadêmica e sensibilidade moderna. Naturalizado brasileiro em 1874, assumiu em 1885 o cargo de professor de escultura e, em 1890, tornou-se o primeiro diretor da Escola Nacional de Belas Artes, função que exerceu até 1915, promovendo importantes reformas pedagógicas. Entre suas obras mais célebres estão Cristo e a Mulher Adúltera (1884), o Túmulo de Carlos Gomes em Campinas, o Monumento ao Duque de Caxias, a estátua de Dom Pedro I e o Monumento a Pedro Álvares Cabral em Lisboa. Suas criações podem ser vistas em espaços públicos no Brasil e em acervos institucionais como o Museu Nacional de Belas Artes.

Rodolfo Bernardelli | Arremate Arte

Rodolfo Bernardelli nasceu em 18 de dezembro de 1852, em Guadalajara, no México, filho do violinista italiano Giuseppe Bernardelli e da bailarina Teresa Thierry. Desde cedo, viveu em meio às artes, acompanhando os deslocamentos da família pela América Latina até se estabelecerem no Brasil, onde o jovem demonstrou talento precoce para o desenho e a escultura.

Aos 14 anos, foi convidado a integrar o círculo da família imperial brasileira, atuando como tutor de artes para as princesas Isabel e Leopoldina. Pouco depois, inspirado pelo escultor Francisco Manuel Chaves Pinheiro, ingressou na Academia Imperial de Belas Artes, no Rio de Janeiro, onde se destacou entre os alunos mais promissores. Seu desempenho rendeu prêmios e, em 1876, a tão sonhada bolsa de estudos para a Itália.

Em Roma, estudou com mestres como Giulio Monteverde e Achille D’Orsi, absorvendo o rigor acadêmico aliado às novas linguagens realistas e naturalistas. Dessa fase, surgiram obras marcantes como Cristo e a Mulher Adúltera (1884), realizada em mármore, que consolidou sua fama ainda em terras europeias. Sua formação italiana lhe deu base para unir monumentalidade clássica e uma expressividade moderna, traço que definiria sua carreira.

De volta ao Brasil em 1885, Bernardelli foi nomeado professor de escultura, sucedendo seu antigo mestre Chaves Pinheiro. Poucos anos depois, já gozava de prestígio suficiente para ser chamado a dirigir a Escola Nacional de Belas Artes (ENBA), criada com a proclamação da República a partir da antiga Academia Imperial. Como diretor, cargo que ocupou até 1915, promoveu uma reforma pedagógica que modernizou o ensino artístico no país e abriu espaço para novas gerações de criadores.

Suas obras monumentais marcaram o espaço público brasileiro: produziu esculturas para praças, cemitérios e edifícios institucionais, com destaque para o Túmulo de Carlos Gomes (Campinas), o Monumento ao Duque de Caxias e a estátua de Dom Pedro I. Também foi chamado a realizar obras em Portugal, como o monumento a Pedro Álvares Cabral, em Lisboa, ampliando seu reconhecimento internacional.

Além de artista e gestor, Bernardelli foi figura central na vida cultural brasileira de fins do século XIX e início do XX. Seu ateliê no Rio de Janeiro se tornou ponto de encontro de intelectuais, escritores e músicos, entre eles Machado de Assis, Olavo Bilac e outros expoentes da literatura e da política.

Naturalizado brasileiro em 1874, Rodolfo Bernardelli não apenas construiu uma carreira sólida como escultor, mas também ajudou a consolidar o campo da escultura no Brasil como linguagem artística de prestígio. Foi irmão dos também artistas Henrique Bernardelli (pintor) e Félix Bernardelli (músico), formando uma família de grande influência no cenário cultural.

Faleceu em 7 de abril de 1931, no Rio de Janeiro, deixando um legado de obras que ainda hoje ornamentam espaços públicos e coleções institucionais. Sua trajetória simboliza a transição entre Império e República, entre o academicismo e o modernismo nascente, tornando-o um dos maiores nomes da escultura brasileira.


Rodolfo Bernardelli | Itaú Cultural

José Maria Oscar Rodolfo Bernardelli. (Guadalajara, México 1852 - Rio de Janeiro RJ 1931). Escultor e professor. Irmão dos pintores Henrique Bernardelli (1858-1936) e Felix Bernardelli (1862-1905), deixa o México, com sua família, para fixar-se no Rio Grande do Sul, por volta de 1866. Muda-se para o Rio de Janeiro com os pais, futuros preceptores das princesas Isabel (1846-1921) e Leopoldina (1847-1871), a convite do imperador dom Pedro II (1825-1891). Entre 1870 e 1876, freqüenta as aulas de escultura de estatuária de Chaves Pinheiro (1822-1884) e de desenho de modelo vivo na Academia Imperial de Belas Artes - Aiba. Como aluno pensionista permanece em Roma de 1877 a 1884, estuda com os mestres Achille d'Orsi (1845-1929) e Giulio Monteverde (1837-1917). De volta ao Brasil é professor de escultura na Aiba, em substituição a Chaves Pinheiro. Considerado um dos reformadores do ensino artístico no Brasil, Rodolfo Bernardelli é, entre 1890 e 1915, o primeiro diretor da recém-instituída Escola Nacional de Belas Artes - Enba. Em sua gestão cria a categoria de aluno livre e o Conselho Superior de Belas Artes e propõe a edificação da nova sede na avenida Rio Branco. Em 1919, em Madri, é proclamado acadêmico honorário da Real Academia de Belas Artes de San Fernando. Em 1931, no Rio de Janeiro, é fundado o Núcleo Bernardelli em homenagem aos irmãos Rodolfo e Henrique.

Análise

Rodolfo Bernardelli vem para o Brasil em 1866, em companhia da família, passando pelo Chile e Argentina e fixando-se no Rio Grande do Sul. A convite do imperador dom Pedro II (1825 - 1891), seus pais mudam-se para o Rio de Janeiro para serem preceptores das princesas Isabel e Leopoldina. De 1877 até 1885, permanece em Roma como bolsista da Academia Imperial de Belas Artes - Aiba, do Rio de Janeiro. Na Itália, estuda com Giulio Monteverde (1837 - 1917). Executa nesse período diversos trabalhos, como o relevo Fabíola, 1878 e a escultura Santo Estevão, 1879, aliados ao verismo da escultura européia contemporânea.

Em seu regresso da Itália, o escultor alcança uma posição tão destacada no círculo republicano que o leva a assumir o cargo máximo da principal instituição de arte do Brasil - a Escola Nacional de Belas Artes - Enba -, em que permanece até 1915. Entre as razões para isso estariam a relevância e divulgação dadas pela imprensa aos trabalhos do escultor, sobretudo por Angelo Agostini (1843 - 1910), na Revista Illustrada.

Bernardelli deixa uma extensa produção, que inclui inúmeros bustos de personalidades públicas, obras tumulares e diversos monumentos comemorativos, realizados principalmente para a cidade do Rio de Janeiro, como os dedicados ao General Osório, 1894, ao Duque de Caxias, 1899, a José de Alencar, 1897 e o grupo escultórico Descobrimento do Brasil, 1900. O artista executa ainda as estátuas que ornamentam o prédio do Theatro Municipal, ca.1905, o Monumento a Carlos Gomes, 1905, em Campinas, e a estátua de dom Pedro I, 1921, para o Museu Paulista da Universidade de São Paulo - MP/USP, em São Paulo.

Críticas

"Os estatutos da Academia exigiam dos artistas em estudo no estrangeiro obrigações precisamente delimitadas. Cada ano deveriam ser enviados ao Brasil trabalhos, que poderiam ser cópias de obras célebres ou composições próprias, passando por toda uma gama de estudos de crescentes dificuldades. O relevo Adão e Eva e as cópias das Vênus de Médicis e Vênus Calipígia são obras que demonstraram o extraordinário esforço exigido pela Congregação. Realmente eles revelam conhecimento no tratamento específico do mármore.

Outras obras italianas do autor encontram-se entre as suas melhores criações. Nos bustos, Bernardelli alcançou pleno domínio conceitual e técnico, especialmente em Checa, no Dr. Montenovesi, no Visconde de Araguaia, em Cristo e no Criado do Artista, em que ele expressou, além da representação figurativa, um certo prazer na execução em si, que vamos notar em outros retratos feitos no Brasil com a mesma simplicidade agradável já observada. Entre estes, citaremos o busto do pintor Oscar Pereira da Silva.

Formado sob a orientação neoclássica, Bernardelli absorveu esse espírito e suas primeiras produções são típicas. No Santo Estêvão encontraremos uma figura em estilo renascentista florentino quatrocentesco, com membros alongados e acabamento apurado.

O artista tinha preferência por essa obra, escolhida por ele para encimar seu túmulo.

Ao retornar, suas esculturas foram muito bem recebidas, justamente no momento de mudanças profundas na sociedade brasileira, devido à libertação dos escravos e à Proclamação da República. A nova classe dirigente reclamava um artista que correspondesse e representasse a exaltação progressista do momento. Bernardelli, na escultura, atendia àquelas aspirações.

Rodolfo Bernardelli, em sua atuação didática, será um dos reformadores do ensino artístico em nosso meio e o primeiro diretor, na República, da recém-denominada Escola Nacional de Belas Artes.

Sua liderança se faz notar especialmente quando da construção e transferência da escola para o edifício da Avenida Central, em local privilegiado, cujo risco pertence a Adolfo Morales de Los Rios". — Luiz Rafael Viera Souto (Souto, Luiz Rafael Viera. Texto transcrito do Boletim do MNBA, jul./ago./set. 1980).

"Se, de fato, fossem comparadas as produções de Bernardelli e Chaves Pinheiro, pareceria óbvio que a Revista tinha razão em considerar o primeiro como parâmetro para a escultura brasileira. Pegue-se, por exemplo, a Faceira, de Bernardelli, e Índio, Figura Alegórica do Império Brasileiro, de Pinheiro. O caráter explicitamente alegórico da segunda obra não justifica de maneira alguma o hieratismo da figura do índio, que acaba reforçando as excessivas ligações de Chaves Pinheiro com a estatuária européia mais conservadora. Já Faceira, com sua sinuosidade estrutural que realça ainda mais a sensualidade da figura que representa naturalisticamente uma índia, bem demonstra a liberdade de Bernardelli em dosar com sua individualidade o frio repertório da estatuária carioca do Segundo Império.

Mesmo no grupo escultórico Cristo e a Adúltera, de 1885, Bernardelli conseguiu dar individualidade ao trabalho, apesar de todo convencionalismo requerido pelo próprio tema. O contraste fundamental entre o tratamento despojado e vigoroso da figura de Cristo - evidenciado pela quase inexistência de drapeados em suas vestes, o que lhe confere ainda mais força - e o refinado sentido dramático conseguido na postura e no tratamento da superfície da figura da adúltera, confere a Bernardelli uma qualidade como escultor que o colocava, de fato, bem acima de seus pares brasileiros.

A admiração da Revista pelas produções de Bernardelli aos poucos foi se transformando em adesão incondicional. Tornou-se a grande defensora do artista, quer na continuidade dos elogios reiterados que dispensava a ele, quer no intuito de sempre querer demonstrar que Bernardelli era o melhor escultor brasileiro". — Tadeu Chiarelli (Chiarelli, Tadeu. Rodolfo Bernardelli. Skultura, São Paulo, n.31, inverno de 1990).

"O Cristo, de Bernardelli, é um tipo judaico, humano, real; não relembra de forma alguma as antigas criações da escultura; não é uma inspiração da fé católica segundo a imposição dos dogmas; não é um transcendente tipo místico, tal como criara Leonardo da Vinci ou o imaginara o beatífico Fiesole. Nisso vai o valor da sua estátua. Para fazê-lo como o idealizaram os mestres do passado e do Renascimento fora necessário que o meio atual em que o artista vive tivesse decaído para a fervorosa fé do tempo dos mártires, e, portanto, que Bernardelli fosse um originalíssimo estacionário. Mas, também, não é uma criação propriamente sua, tipo desencavado das grossas camadas dos tempos e ressurgido aos nossos olhos pelo fiat criador de talento extraordinário. Assim, como ali o vemos, já o tinham concebido muitos mestres, tornando-se mais notável, entre todos, o célebre Delacroix.

A composição desse grupo é bela e moderna. A figura do Cristo, apresentada em grandeza superior ao natural, tem bastante imponência e serenidade, a expressão do seu rosto, os gestos de seus braços são verdadeiros e denotam muita observação.

O corte é seguro, delicado, meticuloso; nos menores contornos, nas linhas mais difíceis, mais sutis, nas massas menos espessas, não se lhe encontra uma falha, e, por isso, o detalhe forma um dos caracteres da sua obra.

A clâmide que o Cristo veste foi tão minuciosamente talhada, foi tão escrupulosamente observada, que a ilusão é completa; a carnação atinge o maior grau do modelado a que é possível chegar a escultura.

Daí conclui-se que Bernardelli é um realista, tendo por única preocupação a verdade, qualidade esta que se manifesta da mesma maneira no esboço em gesso do Santo Estêvão" — Gonzaga Duque (Duque, Gonzaga. A arte brasileira. Campinas: Mercado de Letras, 1995. p.244-245).

Exposições Individuais

s.d. – Galeria Irmãos Bernardelli (Rio de Janeiro, RJ)

Exposições Coletivas

1870 – 21ª Exposição Geral de Belas Artes

1872 – 22ª Exposição Geral de Belas Artes

1875 – 23ª Exposição Geral de Belas Artes

1876 – Exposição do Centenário da Independência dos Estados Unidos

1876 – 24ª Exposição Geral de Belas Artes (Rio de Janeiro, RJ)

1878 – Exposição Industrial Fluminense

1879 – 25ª Exposição Geral de Belas Artes

1883 – Esposizione Artística Internazionale di Roma

1884 – Exposição de Turim

1884 – 26ª Exposição Geral de Belas Artes

1890 – Exposição Geral de Bellas-Artes

1893 – Exposição de Chicago

1894 – Exposição Geral de Bellas Artes

1895 – 2ª Exposição Geral de Belas Artes

1897 – 4ª Exposição Geral de Bellas-Artes

1898 – 5ª Exposição Geral de Belas Artes

1901 – 8ª Exposição Geral de Belas Artes

1903 – 10ª Exposição Geral de Belas Artes

1904 – 11ª Exposição Geral de Belas Artes

1908 – 15ª Exposição Geral de Belas Artes

1909 – 16ª Exposição Geral de Belas Artes

1919 – Exposição Carioca de Gravura e Água-Forte

1927 – 34ª Exposição Geral de Belas Artes

1928 – 35ª Exposição Geral de Bellas Artes

1928 – Mostra de Grupo Almeida Júnior

1929 – Mostra de Grupo Almeida Júnior

1950 – Exposição Coletiva de Escultura

1955 – Exposição de longa duração

1970 – Pinacoteca do Estado de São Paulo

1978 – A Arte e seus Processos: o papel como suporte

1982 – Um Século de Escultura no Brasil

1984 – Tradição e Ruptura: síntese de arte e cultura brasileiras

1986 – Dezenovevinte: uma virada no século

1990 – Mostra de Aquisições

1991 – O Desejo na Academia: 1847-1916

1994 – Um Olhar Crítico sobre o Acervo do Século XIX – Reflexões iconográficas e memória

1998 – Imagens Negociadas: retratos da elite brasileira

2000 – Escultura Brasileira: da Pinacoteca ao Jardim da Luz

2002 – Barão do Rio Branco: sua obra e seu tempo

2002 – Imagem e Identidade: um olhar sobre a história na coleção do Museu de Belas Artes

2005 – O Corpo na Arte Contemporânea Brasileira

2005 – Arte Brasileira: nas coleções públicas e privadas do Ceará

2005 – 100 Anos da Pinacoteca: a formação de um acervo

2005 – Erotica: os sentidos na arte

2006 – Erotica: os sentidos na arte

2009 – De Valentim a Valentim, a Escultura Brasileira – Século XVIII ao XX

2010 – Coleção de Escultura – Da República à Contemporaneidade

2011 – De Valentim a Valentim, a Escultura Brasileira – Século XVIII ao XX

2011 – Arte no Brasil: Uma História na Pinacoteca de São Paulo

2011 – O Nu Além das Academias

2016 – Galeria Tátil de Esculturas Brasileiras

2018 – Trabalho de artista: imagem e autoimagem (1826-1929)

2020 – Pinacoteca: Acervo

2021 – Uma obra

Exposições Póstumas

1952 – Exposição Retrospectiva dos Irmãos Bernardelli em Comemoração do Centenário de Nascimento do Escultor Rodolfo Bernardelli

Fonte: RODOLFO Bernardelli. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025. Acesso em: 21 de agosto de 2025. Verbete da Enciclopédia. ISBN: 978-85-7979-060-7


Rodolfo Bernardelli | Wikipédia

José Maria Oscar Rodolpho Bernardelli y Thierry (Guadalajara, 18 de dezembro de 1852 — Rio de Janeiro, 7 de abril de 1931) foi um escultor e professor mexicano naturalizado brasileiro. Também, esporadicamente, transitou pela pintura e pelo desenho.

Formou-se na Academia Imperial de Belas Artes sob a égide dos princípios classicistas e aperfeiçoou-se na Itália, onde absorveu influências das escolas naturalista e realista, construindo uma obra eclética. Tornou-se o maior nome da escultura brasileira entre o fim do Império e o início da República, deixando obra extensa e qualificada em vários gêneros e recebendo vários prêmios. Lecionou na Academia Imperial e na sua sucessora, a Escola Nacional de Belas Artes, e dirigiu esta instituição ao longo de 25 anos, implementando uma importante reforma modernizadora do currículo e da metodologia de ensino e colaborando na construção de uma nova sede. Envolveu-se em várias polêmicas, numa fase de grandes mudanças estéticas e culturais no Brasil.

Biografia

Rodolfo Bernardelli nasceu no México, o primeiro de quatro filhos de uma bailarina e de um violinista. Era irmão dos também artistas Henrique Bernardelli e Félix Bernardelli. Teve uma infância movimentada pelas frequentes mudanças de residência dos pais, passando por vários locais do México, e depois por uma ilha do Pacífico, o Chile e por fim o Rio Grande do Sul, no Brasil, onde a família encontrou-se com o imperador D. Pedro II, recebendo um convite para se fixar no Rio de Janeiro. Lá os pais se tornaram preceptores das princesas imperiais e os filhos começaram seus estudos. Rodolfo tinha nesta época 14 anos e já mostrava possuir talento para as artes, especialmente a escultura.

Frequentou informalmente as aulas do professor Francisco Manuel Chaves Pinheiro, e seu interesse despertou a atenção do mestre, que o convidou a se tornar aluno efetivo, sendo em seguida admitido na Academia Imperial de Belas Artes. Logo seu talento foi reconhecido, recebendo vários prêmios acadêmicos. Neste período naturalizou-se brasileiro, e em 1876 ganhou o ambicionado Prêmio de Viagem ao Exterior pelo relevo Príamo implorando o corpo de Heitor a Aquiles. Tinha intenção de estudar nas academias de Paris, conforme a praxe dos bolsistas imperiais, mas chegando lá o circuito artístico o deixou decepcionado, considerando que os ideais artísticos classicistas que nutria, e que eram preferidos pela Academia, já não tinham muito espaço. Assim, dirigiu-se a Roma, onde se tornou aluno dos irmãos Giulio Monteverde e Achilles Monteverde e travou contato com Achille D'Orsi e Eugenio Maccagnani. Mas a despeito da sua afirmação de preferir os modelos clássicos, sua produção neste período mostra uma acentuada tendência a incorporar a influência das escolas mais recentes, como o naturalismo, o realismo e o verismo, expressas em Faceira e Santo Estêvão, por exemplo, que enviou para o Brasil como parte dos trabalhos de prova obrigatórios, mas que despertaram críticas dos professores brasileiros pela estética adotada, embora reconhecessem sua habilidade técnica. Ao mesmo tempo, realizou diversas cópias de obras famosas do classicismo, como a Vênus de Médici e a Vênus Calipígia. Sua obra mais importante da fase europeia é Cristo e a mulher adúltera, realizada em mármore entre 1883 e 1884, depois de estudos iniciados em 1881.

Terminado seu aperfeiçoamento, voltou ao Brasil em 1885. Em 16 de outubro foi inaugurada uma exposição com seus trabalhos europeus, que recebeu grande divulgação na imprensa e foi muito elogiada, e no dia seguinte foi nomeado professor de estatuária na Academia Imperial, substituindo Chaves Pinheiro, que se aposentara. Na análise de Maria do Carmo Couto da Silva, "as qualidades destacadas pela crítica [da época] são relativas à expressividade das figuras, beleza das formas, habilidade exigida do artista para execução da obra e, principalmente, à vinculação de suas obras à escultura italiana contemporânea. A nosso ver, foram as propostas modernas de Rodolfo Bernardelli, tanto temáticas como formais, que consagraram o artista junto ao meio intelectual daquela época. A produção de Bernardelli na Itália tendeu a apresentar um delicado equilíbrio, que lhe permitiu que fosse aceito pela congregação de professores como aluno que era, promovido pela instituição acadêmica. Ao mesmo tempo, ele procurou realizar trabalhos coerentes com as novas idéias que começavam a aparecer no Brasil do final do século XIX".

Contando com o apoio e a estima da família imperial, passou a receber diversas encomendas importantes, destacando-se os monumentos aos generais Osório e Caxias.

Com a queda da monarquia em 1889, em sinal de solidariedade para com a família imperial, renunciou à sua posição na Academia, mas a convite de Benjamim Constant, então ministro da Instrução Pública, foi readmitido e em 1890 empossado como diretor. Colaborou no projeto de reforma do ensino artístico que resultou na transformação da antiga Academia Imperial na Escola Nacional de Belas Artes. Nesta época a metodologia de ensino acadêmico já era vista por muitos como restritiva demais e excessivamente apegada a modelos estéticos ultrapassados, sufocando a ânsia de liberdade de investigação dos alunos. Também buscava-se equiparar a Escola Nacional com o padrão de qualidade das principais academias do ocidente. O plano de reforma contemplou essas aspirações e passou a dar importância à individualidade criativa original. Também foi banido o ensino da estética, por considerar-se a questão da identificação do belo como um problema de julgamento pessoal independente da sujeição a regras pré-estabelecidas. Várias matérias novas foram introduzidas, como história natural, química, física, arqueologia e etnografia. Ao mesmo tempo foram reformados os critérios de admissão, os estatutos e a sistematização das disciplinas. Organizou as exposições gerais dos alunos e promoveu a aquisição de obras para o acervo da Escola Nacional. Para Karina Ferreira Simões, "Rodolfo Bernardelli e outros professores mantinham o desejo de montar uma coleção de arte moderna e, desse modo, modernizar o sistema de ensino da instituição. Isto explica as aquisições feitas pela Escola na mostra de 1894 e em outros momentos". Com sua colaboração, depois de vários projetos abandonados, foi erguido um novo edifício para a Escola Nacional, inaugurado em setembro de 1908 quando ainda não estava todo acabado. As aulas iniciaram em 1909.

Em 1893 foi o responsável pela seção de artes da representação brasileira na Exposição Universal de Chicago. Segundo Camila Dazzi, "a participação do Brasil na Exposição Universal Colombiana de Chicago, para além de apreender como estava o país naquele momento, apresentando-se aos 'olhos das nações civilizadas', nos permite compreender um projeto bastante particular de Rodolfo Bernardelli: o de mostrar ao mundo os avanços das belas artes brasileiras e, mais do que isso, a contribuição positiva da Escola Nacional de Belas Artes nesse avanço. Esse projeto, que incluía destacar obras de cunho moderno, de alunos e professores da instituição, tinha como objetivo consolidar a Escola Nacional de Belas Artes no panorama internacional como a mais significativa escola de arte da América do Sul".

Em 1904 integrou a Comissão Julgadora das fachadas dos edifícios da Avenida Central, bem como a comissão responsável pela escolha do projeto do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Nesta época criou um Lampadário Monumental para o Largo da Lapa, com figuras de caravelas, torres de castelos, serpentes e luminárias, elevados por uma esfera armilar; seis estátuas para ornamentação da fachada do Teatro Municipal, representando alegorias das artes, e o projeto para um chafariz no Largo da Carioca, que não foi executado, sobrevivendo, porém, as maquetes.

Foi reconhecido como o mais importante escultor brasileiro de sua geração, tornando-se personalidade artística muito influente. Seu atelier na rua da Relação se tornou um movimentado ponto de encontro de luminares da política, da imprensa e da cultura, como Benjamim Constant, Quintino Bocaiúva, Olavo Bilac, Machado de Assis, Aluízio de Azevedo, Raul Pompéia, Leopoldo Miguez, Zeferino da Costa, Angelo Agostini, Pereira Passos e Paulo de Frontin. No entanto, sua imagem pública não era uma unanimidade. Enquanto muitos o admiravam e até veneravam, um significativo grupo de desafetos o considerava vaidoso, prepotente e medíocre, especialmente depois que passou a ocupar a posição de diretor da Escola Nacional, quando afastou de seus cargos uma série de artistas de relevo, como Victor Meirelles, José Maximiano Mafra, Antônio Parreiras, Benevenuto Berna, Nicola Antonio Facchinetti, Décio Vilares e muitos outros, que chegaram a elaborar um abaixo-assinado protestando contra sua permanência na direção.

De qualquer modo, foi diretor da Escola Nacional por 25 anos, virtualmente monopolizando o ensino artístico e a escultura na capital da república. De fato, durante sua regência foram poucos os alunos de escultura na Escola, e todos foram eclipsados pelo mestre. Em 1915 um movimento de alunos e professores conseguiu removê-lo da Escola. Seus anos finais passaria afastado da cena pública, concentrando-se em seu trabalho em seu novo atelier na praia de Copacabana.

Foi premiado na Exposição Universal de Filadélfia de 1876 com as esculturas Saudades da tribo (1874) e À espreita (1875), ambas de tema indianista. No mesmo ano recebeu a Primeira Medalha de Ouro na 24ª Exposição Geral de Belas Artes, com Davi, vencedor de Golias (1873). Também recebeu a Medalha de Bolívar da República da Venezuela e uma medalha em Turim pelo grupo Cristo e a mulher adúltera. Em 1919 foi eleito acadêmico honorário da Real Academia de Belas-Artes de São Fernando de Madri. Em 1931, no Rio de Janeiro, foi fundado o Núcleo Bernardelli em homenagem aos irmãos Rodolfo e Henrique. Suas obras foram exibidas em numerosas exposições. Um dos maiores escultores brasileiros, deixou uma extensa produção, entre obras tumulares, monumentos comemorativos, estátuas, relevos e bustos de personalidades. Executou monumentos a Carlos Gomes, ao marechal Osório, ao duque de Caxias, a José de Alencar, a Pedro Álvares Cabral. Parte considerável de seus trabalhos foi doada para a Pinacoteca do Estado e para o Museu Mariano Procópio.

Fonte: Wikipédia. Consultado pela última vez em 21 de agosto de 2025.


A propósito de três esculturas de Rodolfo Bernardelli | Dezenove Vinte

O escultor Rodolfo Bernardelli (Guadalajara, México, 1852 - Rio de Janeiro RJ, 1931), juntamente com seu irmão Henrique Bernardelli (1858-1936) e com Rodolfo Amoedo (1857-1941), integrou uma geração de alunos da Academia Imperial de Belas Artes do Rio de Janeiro que buscou a renovação da arte no país, ligando-se a uma  estética moderna, desenvolvida entre vertentes realistas e simbolistas.

A compreensão de algumas propostas presentes em obras de Bernardelli irá possibilitar um maior conhecimento acerca da produção artística brasileira do final do século XIX. A trajetória deste escultor é o objeto de pesquisa de minha tese de doutorado no Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP.

Neste texto procurarei inicialmente comentar algumas esculturas realizadas pelo artista em seu pensionato romano. Destacarei em seguida a importância de três obras executadas nos anos imediatamente posteriores ao retorno do escultor ao Brasil. Rodolfo Bernardelli ingressou na Academia de Belas Artes em 1870, tendo como professor de estatuária Francisco Manoel Chaves Pinheiro (1822-1884). Entre as várias premiações recebidas em seus anos de estudante da Academia, destacam-se aquelas obtidas na Exposição Internacional de Filadélfia de 1876 com as esculturas Saudades da Tribo (1874) e À Espreita (1875), ambas de tema indianista. Obteve o Prêmio de Viagem ao Estrangeiro da Aiba e permaneceu em Roma de 1877 a 1885, onde estudou com o escultor Giulio Monteverde (1837-1917) e conheceu, entre outros, os escultores Achille D’Orsi (1845-1929) e Eugenio Maccagnani (1852-1930). 

Bernardelli retornou ao Brasil em 1885, sendo aprovado pela Congregação de Professores para o cargo de professor de estatuária da Academia Imperial de Belas Artes. Em 1888, com Rodolfo Amoedo, Henrique Bernardelli e Zeferino da Costa, fundou o Atelier Livre, que era uma forma de protesto ao ensino tradicional da Academia.

Iniciaremos nosso texto a partir da discussão sobre um trabalho de juventude de Bernardelli, realizado na Itália. Nele o artista retoma  de forma inovadora a temática indianista. A escultura Faceira, em gesso, foi realizada em 1880 e recebida pela Academia no ano seguinte. Apenas em 1921 ela foi passada para o bronze.

A Faceira é a representação de uma índia, com uma forte carga de sensualidade e muito “inclinada a um exotismo amaneirado”, como aponta Luciano Migliaccio. Bernardelli realizou vários estudos da Faceira, nos quais é possível perceber a sua preocupação em definir a posição do corpo da mulher. A obra é descrita no parecer da Seção de Escultura de 1882, assinado por Chaves Pinheiro e João Maximiano Mafra:

Esta estátua de grandeza natural é uma belíssima figura de mulher lúbrica e provocante da raça americana. O movimento é gracioso, as proporções ficaram bem observadas, o modelado executado com saber. Pertencendo pelo assunto esta estátua a Escultura de gêneros é tolerável a Escola realista em que tem continuado o pensionista, entretanto o talento peregrino que a concebeu e executou com tanta galhardia se tivesse concentrado na Escola idealista, poderia [ter] bem produzido um primor d’arte.

A Faceira foi a obra mais elogiada pelos professores no parecer. Entretanto, a meu ver, sua boa aceitação se deveu ao fato de ser considerada como uma escultura de gênero, na qual eram permitidas maiores inovações.  A crítica, por ocasião da sua apresentação na Exposição Geral de Belas Artes de 1884 [cf. catálogo], ressaltou além da qualidade do trabalho, a sensualidade da figura, como em texto de Nimil, na Gazeta da Tarde, de 24 de agosto de 1884:

Aquela mulher de contornos opulentos e seductores, de seios redondos e grandes, de olhar lascivo e desafiante, com o corpo arqueado sobre um tronco a pedir adorações, a provocar sensualidades que se casem com a sensualidade que de seu corpo dimana: aquela mulher índia, em plena nudez, deixando ver a descoberto as mil bellezas, os mil segredos que ela não teme desvendar, provoca do visitante todas as atenções.

[...].

S. Antônio, o casto, não resistiria á Faceira.

Já o crítico Gonzaga Duque, em texto de 1888, ressalta o fato que a figura não apresenta características étnicas. Além disso, para ele, os cabelos estão presos em penteados caprichosos demais para a representação de uma índia, os pés deveriam ser espalmados pelas caminhadas contínuas e pelo exercício de subir em árvores, as  suas mãos deveriam ser descuidadas e os músculos rijos pelas atividades desenvolvidas, o que, no entanto, não acontece. A Faceira, para o crítico, é excessivamente adornada, tendendo dessa forma a uma imagem caricatural. Gonzaga Duque assim descreve a Faceira:

De mais, a estrutura da ‘Faceira” é flácida. Há no seu corpo molezas de uma carne já cansada pelas noites febris do deboche; existe em seu sorriso a untura do carmim e a palidez da perversidade; seus olhos miúdos têm o brilho tentador da lascívia, e a posição em que está, apoiada com ambas as mãos em um cepo de árvore que lhe fica às costas, empinando todo o tronco, faz lembrar mulheres experientes em seduções e que estudam ao espelho atitudes provocadoras.

O tema do índio representando a nação brasileira já integrava a tempos o imaginário nacional e nesta obra foi tratado pelo artista quase como uma paródia de representações tradicionais. Mas uma fotografia [Figura 2], publicada em monografia de Celita Vaccani sobre o escultor, nos leva a refletir sobre as intenções do artista e sobre certa irreverência que predominava nas obras dessa geração. Henrique Bernardelli vestido de frade e portando um pequeno livro em suas mãos, olha para a figura da Faceira, ainda em barro, em fotografia realizada provavelmente no ateliê do escultor.

A foto inicialmente nos levaria a pensar acerca da relação histórica existente entre o índio e a catequização, como forma de civilização. Mas uma outra imagem, um trabalho de Félicien Rops, As tentações de Santo Antonio (1878), pode ter sido referência para a “montagem” da cena. Para Luciano Migliaccio há uma correspondência entre a foto e o quadro de Rops, em que o crucifixo se transforma numa imagem lasciva aos olhos do eremita ajoelhado.

Outra escultura bastante polêmica de Bernardelli é Santo Estevão realizada em Roma em 1879. A escultura encontra-se assim descrita no parecer da Seção de Escultura:

O protomártir da religião de Jesus Cristo está moribundo, o excesso das dores que lhe causa o martírio exprime-se perfeitamente na fisionomia, e em todas as fibras de seu corpo ainda jovem, neste transe supremo ele volve para o céu olhos repassados de mais pulsante angústia, e a dor física, e [ilegível] da esperança da glória, que se desenha com rara perfeição, em toda esta estátua, desde os cabelos desalinhados e revoltos da cabeça aos dedos encolhidos dos pés. Esta expressão, por demais realista, substitui aqui aquela de sentimento ascético que deveria predominar na alma dos mártires cristãos e principalmente na do Santo, escolhido pelo pensionista por ter sido o primeiro que derramou seu sangue como confessor de Jesus Cristo. Na opinião da Seção d’Escultura é isto resultado natural e quase inevitável de filiação do pensionista na escola realista, escola que actual Congregação da Academia Imperial das Belas Artes não aceita, como guarda fiel das boas tradições da arte clássica, que nela felizmente deixaram seus talentosos fundadores.

Percebe-se que a Academia desaprovou a expressão excessivamente realista do santo, entendendo que isso se devia a filiação de Bernardelli à escola moderna. Entretanto na maneira detalhada como ela é descrita nesse documento oficial, principalmente nos trechos em que os professores se referem ao corpo do personagem, é possível notar que eles percebem que ela foi muito bem executada, transmitindo o sentimento na representação do corpo.

Em trabalhos de menor porte, que não faziam parte das obrigações de pensionista, constata-se que o artista apresentou uma maior liberdade na execução. A modelagem vibrante substituiu a superfície lisa e polida, com áreas elaboradas para refletir a luz de modos diversos. Essa forma de modelar caracterizou primeiramente a escultura de Vincenzo Gemito (1852-1929) e posteriormente encontrará grande desenvolvimento nos trabalhos de Medardo Rosso (1858-1928). Em alguns bustos realizados por Bernardelli nos anos seguintes, como o busto da Checa (1877), do médico Montenovesi (c.1882) e de Modesto Brocos (1883), há certa proximidade formal com retratos realizados por Gemito, como em Retrato de Michetti (1873).

Já algumas obras de Bernardelli como Cabeça de aldeã da Ilha de Capri (s.d.) e Cabeça de camponesa (s.d.) permitem relacioná-las a aspectos da escultura e da pintura italiana daqueles anos. Bernardelli trata com realismo o rosto e a indumentária das camponesas, destacando o lenço graciosamente amarrado sobre suas cabeças. Nestas obras atesta o diálogo com bustos de Achille D’Orsi como Cabeça de Marinheiro (c.1878). Como aponta Mimita Lamberti, a escultura de D’Orsi corresponde ao gosto verista de uma aproximação direta entre a pesquisa folclórica e a classificação cientifica. A junção entre o pitoresco e a fiel documentação de costumes e dos tipos do mundo napolitano tornou-se um sucesso comercial. Na pintura uma referência similar pode ser encontrada em pinturas de Francesco Paolo Michetti (1851-1929).

Após seu retorno do escultor ao Brasil três de suas obras revelam inovações e novidades em relação ao cenário da escultura brasileira. Em 1886 Gonzaga Duque se refere a uma escultura de Bernardelli intitulada Hue!, que representa “uma negra crioula da Bahia, trazendo a mão um pequeno balaio de frutos, que num ademane gracioso, faz aquela exclamação”, exposta na Livraria Faro & Nunes, em 1886. É muito provável que seja a Baiana [Figura 3] do acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo, já que não conhecemos outra obra de mesmo tema realizada pelo escultor.

Ao representar uma pessoa do povo, a vendedora de frutas, ele faz uma referência à atividade dos antigos negros de ganho. A estatueta revela proximidade formal com algumas representações femininas presentes na escultura italiana contemporânea, pela busca da representação objetiva do traje da baiana. Na opinião do Gonzaga Duque, entretanto, a obra é elaborada demais. Para o autor esse tipo de escultura, que se volta à representação de imagens do cotidiano, requer, como a caricatura, muita espontaneidade e simplicidade e, no entanto: “vê-se claramente que ali andou a mão de um grande artista a procurar o rigoroso modelado das formas”.

Outra obra bastante interessante de Bernardelli é o Retrato de Negro (1886) [Figura 4] se insere entre as poucas obras em que se representam pessoas negras no Brasil oitocentista. Tratava-se provavelmente de uma pessoa do círculo de amizades do escultor, o músico afro-cubano José Silvestre White Laffite (1836-1918). Foi possível identificar o representado por meio de fotografia de época. Depois de uma longa estada em Paris, o músico foi convidado a dirigir o Conservatório Imperial de Rio de Janeiro (Brasil), sendo também professor dos filhos de D. Pedro II, cargo em que permanece até 1889, quando retorna à Paris com a República. O esboço do busto foi realizado por Bernardelli em Roma. A meu ver, o retrato foi elaborado com grande liberdade de execução, revelando expressividade e simpatia, aliadas a certa informalidade na maneira com que foi representado pelo escultor, que era ele também músico.

A retratística é um ponto importante da produção de Bernardelli. Os críticos de arte França Júnior e Gonzaga Duque escreveram em 1886 sobre os bustos executados por Bernardelli nesse período. França Júnior destaca alguns bustos do artista exibidos na Exposição Vieitas:

Como discípulos de escultura apparecem no catálogo Emmanuel LacailLe, Xisto Messias e Benevevuto Berna. A influência poderosa de Rodolphho Bernardelli, o revolucionário que em boa hora entrou para a academia, sente-se naquelles bustos que ali figuram, estudados do natural!

Que diferença entre esses barros e gessos e os da antiga escola.

A maneira de ver e de modelar já não é a mesma.

É que a escultura, como as outras manifestações da arte, passou por salutar transformação.

Como apóstolos da nova idéa figuram na Itália, donde tem partido a luz, Monteverde, Vela, Ercole, e principalmente D’Orsi...

Já Gonzaga Duque comenta:

Logo à entrada, não sei se por acaso ou por premeditação, vê-se sobre uma coluna de mármore negro um busto em bronze, cinzelado por Rodolfo Bernardelli. É o retrato da falecida esposa de Luís Guimarães Júnior. Nada posso dizer da cópia, da semelhança do retrato. Nessa produção, na parte que importa diretamente ao escultor e que se chama “expressão e estilo” encontro tudo que se pode exigir: anatomia, movimento e corte. [...] Isto conseguiu Bernardelli no bronze. Porém quanto não o teria conseguido no mármore?

Dessa forma nota-se que os retratos realizados por Bernardelli nos anos 1880 foram muito destacados na imprensa carioca. O artista dedica-se principalmente a realização de retratos da Família Imperial, como busto da Princesa Isabel (c.1888) e da Imperatriz Teresa Cristina (1889), em que se demonstra um notável escultor.  

Por outro lado, uma das encomendas importantes que Rodolfo Bernardelli recebeu após seu retorno foi a execução do Túmulo de José Bonifácio [Figura 5], localizado atualmente no Panteão dos Andradas, em Santos (SP).  Nascido em Santos, Bonifácio havia sido sepultado em 1838 na Capela da Igreja de Nossa Senhora do Carmo na mesma cidade.  Em 1886 foi encomendado a Bernardelli pelo Conselheiro João Alfredo Correia de Oliveira um monumento tumular para o Patriarca da Independência. A escultura foi executada na Itália por volta de 1888 e enviada ao Brasil no ano seguinte, quando os jornais publicam notícias de que 19 caixas que a continham se encontravam presas na Alfândega de Santos.

O trabalho fora concebido inicialmente para ser colocado na capela-mor da Igreja de Nossa Senhora do Carmo. Como a possibilidade de colocação no interior da igreja não se concretizou, a escultura foi disposta em área rebaixada no claustro do Convento do Carmo, para onde foi trasladada a sepultura de José Bonifácio. Em 1923 foi inaugurado em Santos o mausoléu dos irmãos Andradas, a partir de um programa iconográfico idealizado por Affonso de Taunay e contando com painéis em relevo relativos à história do Brasil. O trabalho de Bernardelli foi transportado então para aquele local para compor o Panteão dos Andradas.

Segundo Costa e Silva Sobrinho “o monumento representa José Bonifácio tal como foi conduzido da rampa do Paço para a eça mortuária da Igreja do Carmo: revestido das insígnias de Cavaleiro do Paço, dentro do caixão aberto.” Sobre o modelo do túmulo encontramos comentários na Revista Illustrada:

Visitando o atelier de Rodolpho Bernardelli, ahi vimos o bello tumulo de José Bonifácio, o velho.

É uma verdadeira obra de ate, na qual não se sabe que mais admirar, se a execução d’essa serena figura, em cujas linhas fisionômicas se desenha o sonno da morte, se a concepção do conjunto artístico, que dá ao túmulo um aspeccto grandioso e que impressiona profundamente.

Tanto a figura do patriarcha da Independência, como a tapeçaria que cobre metade do sarcophago, estão feitas pela mão do mesmo. 

A escultura jacente de José Bonifácio é extremamente inovadora na relação que estabelece com o espectador. Pensada para ser observada no interior de uma igreja, sua figura provoca comoção e admiração. A recorrência à máscara mortuária, em uma imagem impressionantemente realista, traz um apelo novo à estatuária brasileira. Até onde nos foi possível conhecer, trata-se ainda de um modelo escultórico novo no Brasil, cujas referências prováveis são esculturas existentes em igrejas italianas, como Santo Stanislaus Kostka (1703), de Pierre Legros, em mármore colorido.

Já o emprego da policromia, com uso de materiais diversos, confere à obra um outro significado. O corpo morto de Bonifácio, em mármore branco, contrasta com o bronze do panejamento. Segundo relata a historiadora Ana Rosa Cloclet da Silva, em seu leito de morte José Bonifácio olha para a colcha de retalhos que o cobria e aludindo à heterogeneidade de classes, cores e etnias que compunham o corpo nacional, afirma: “O que afeia estes bordados é apenas a irregularidade do desenho...”. É possível concluir que a proposta do panejamento na obra possa ser entendida como uma alusão a essa frase, uma síntese do pensamento social de Bonifácio.

Nos anos 1880 a luta pela abolição, que fora encabeçada por José Bonifácio nos anos 1820, se tornara um fator político importante, contando inclusive com o apoio da Casa Real. É importante lembrar que a Família Real participou das subscrições para a realização do túmulo de José Bonifácio. A Princesa Isabel havia conseguido com o papa a autorização especial para colocação da obra no interior da Igreja. Isto, entretanto, não chegou a ocorrer. Segundo o próprio Bernardelli, que fora ver o trabalho em 1921, ou seja, antes da criação do Panteão dos Andradas, a obra se encontrava um pouco desfigurada devido a sua exposição ao ar livre e ele, que muito trabalhara contando com um efeito, percebe que ao final não se concretizara...

Podemos concluir que a realização do túmulo de José Bonifácio, no qual o personagem político foi fixado pelo artista no momento das suas exéquias, criando dessa forma uma monumentalização de seu velório, está vinculada a uma mensagem política, no contexto dos últimos anos da monarquia católica no Brasil.

Neste artigo procuramos abordar alguns aspectos menos conhecidos da produção do escultor Rodolfo Bernardelli, ainda em estudo em meu doutorado, visando compreender sua trajetória nos anos finais do Segundo Império e destacar a relevância para o contexto brasileiro do final do século XIX de algumas obras que o artista executou nesse período.

Fonte: Dezenove Vinte, “A propósito de três esculturas de Rodolfo Bernardelli: a Baiana (1886), o Retrato de Negro (1886) e o Túmulo de José Bonifácio (1888-89)”, publicado por  Maria do Carmo Couto da Silva, em 3 de julho de 2009. Consultado pela última vez em 21 de agosto de 2025.


Rodolpho Bernardelli, um perfil do homem e do artista segundo a visão de seus contemporâneos | Dezenove Vinte

José Maria Rodolpho Oscar Bernardelli nasceu em 1852, no México, onde viveu por poucos anos. Filho de pais artistas, ela bailarina e ele violinista, teve uma infância agitada causada pelas constantes mudanças da família. Primeiro, dos 4 filhos do casal, acompanhou os pais por um longo périplo que começou no México, passou  por uma ilha no Pacífico seguindo, anos depois, para o Chile onde nasceria Henrique, seu irmão e amigo inseparável por toda a vida [Figura 1]. Tempos mais tarde fariam a travessia dos Andes, com destino ao Rio Grande do Sul.

De São Pedro a família Bernardelli transferiu-se para Porto Alegre, onde um convite do Imperador D. Pedro II os trouxe ao Rio de Janeiro. A Corte ofereceria melhores condições de vida a esses incansáveis viajantes. Os pais tornaram-se preceptores das princesas imperiais, enquanto os filhos dedicavam-se aos estudos. Rodolpho tinha na época 14 anos e já sentia grande atração pela arte. Seu interesse pela escultura era demonstrado pela curiosidade com que assistia às aulas do professor Chaves Pinheiro. Diariamente, utilizando-se de “pernas de pau”, o garoto observava o trabalho do mestre através das janelas do atelier. Sua persistência levou o professor a se interessar por ele e em pouco tempo era convidado a participar das aulas. O próximo passo foi o ingresso na Academia Imperial de Belas Artes.

Por todo o período em que freqüentou a Academia como aluno Rodolpho se destacou pela sua dedicação e, em pouco tempo, sua produção escultórica já começava a ser representativa. É grande a relação de bustos, retratos, medalhões e alguns trabalhos em vulto redondo, assim como são numerosas as premiações. Em 1876 ganhou o ambicionado Prêmio de Viagem, oferecido pela Academia ao melhor trabalho de aluno. Só foi possível recebê-lo porque, dois anos antes, ele havia requerido a nacionalidade brasileira, fator indispensável para concorrer ao prêmio.

Um manuscrito de Bernardelli, com suas anotações de viagem, nos oferece a rara oportunidade de conhecer os sentimentos e as impressões do escultor frente à arte de seu tempo. Ali ele relata que encontrou a arte francesa em estado latente de transição, com a escola Romântica quase morta e o Realismo começando sua dominação no espírito dos novos. Carpeaux havia morrido e nada ou quase nada havia de novo em matéria de evolução artística da escultura. Filho de uma academia cuja base tinha sido a tradição antropomórfica, tudo isso “devia produzir no cérebro de um moço de 24 anos grande abalo”. Assim, foi que chegando a Paris em 1876, “a arte contemporânea não influiu no espírito - eram obras sem vida”, desabafou ele. Decepcionado com o Institute de France e triste por ver que seu “ideal de arte estava fora de época”, Bernardelli decidiu-se pelos estudos na Itália.

A opção por Roma, ao invés de Paris como era de praxe entre os estudantes brasileiros, é em parte explicada nas anotações acima. Recém saído de uma Academia ultrapassada, como ele mesmo reconhece, deveria ser-lhe difícil compreender e acompanhar as transformações por que passava a escultura francesa da época.  A Itália, ao mesmo tempo em que lhe ofereceria a oportunidade de estudar  as obras clássicas, com o qual ele tinha maior afinidade, lhe proporcionaria o contato com o verismo, corrente naturalista e detalhista que adotaria em diversos momentos de seu trabalho. Nesse particular, sofreu certa influência de seus mestres italianos, os irmãos Giulio e Achilles Monteverde, com quem aprendeu a trabalhar o mármore.

Como pensionista do governo, ele tinha o compromisso de enviar, duas vezes por ano, trabalhos para serem julgados por uma comissão da Academia Imperial de Belas Artes. Esses trabalhos tanto podiam ser da livre escolha do aluno como encomendas da própria Academia. A intenção era verificar os progressos do pensionista ao mesmo tempo em que as obras serviriam para formar o acervo da escola. Por ocasião do envio de uma série de trabalhos, incluindo o Santo Estevão e a Faceira, o parecer da sessão de novembro de 1880, assinado pelo secretário J. Maximiano Mafra e pelo professor Chaves Pinheiro, dizia o seguinte:

Sente a secção d’Escultura que o pensionista Rodolpho Bernardelli tivesse preferido em todos os trabalhos acima analysados, o estylo moderno ao antigo, a escola realista à grande e bella escola idealista, única capaz de produzir estatuas como o Appolo do Belvedere e a Venus de Milo.....Mas reconhecem o constante e gradual progresso do pensionista e a louvável aplicação ao trabalho.

Por esta avaliação nota-se o quanto a Academia ainda estava presa ao antigo e tradicional gosto neoclássico. Qualquer trabalho que fugisse ao padrão estabelecido corria o risco de não ser aceito e era uma ameaça à permanência do pensionista no exterior. Ciente das regras, Bernardelli dedica-se a copiar em mármore a Vênus de Medicis, por encomenda da Congregação, enquanto aguarda a permissão para executar a composição Cristo e a mulher adúltera, cujo esboço havia enviado para aprovação. Ainda por encomenda realizaria a cópia da Vênus Calipígia, também em mármore, e que atenderia plenamente às exigências. A propósito dos pareceres da comissão, Rodolpho Amoedo escreveu a  Bernardelli aconselhando-o a não dar ouvidos às críticas da Academia e a continuar fazendo aquilo que achava que era o melhor, “porque aquilo está por um fio”, “é uma questão de tempo, não tardará muito, espero, a desmoronar”.

Durante 9 anos Bernardelli viveu na Itália,  voltando ao Brasil em 1885. Neste mesmo ano foi nomeado professor de estatuária na Academia, em substituição a Chaves Pinheiro que estivera guardando o lugar para o discípulo dileto até o momento de sua aposentadoria, no ano anterior. Chegava vitorioso, contava com a simpatia da Família Imperial e já era um artista reconhecido. Como  maior nome da escultura nacional passa a receber uma série de encomendas, incluindo alguns monumentos de grande porte.

No atelier da rua da Relação, um galpão construído num terreno que havia recebido do governo, Bernardelli  vivia e trabalhava. Ali executaria grande parte de sua obra, inclusive os monumentos equestres de Osório e de Caxias. Também  recebia os amigos, uma roda formada por literatos, jornalistas, políticos ocupando altos postos, artistas, nomes que formavam a sociedade culta da época e muitos dos quais foram retratados pelo artista, como se pode ver pela coleção do Museu Nacional de Belas Artes.

Figura miúda, rosto avermelhado contornado por uma barbicha bem desenhada, personalidade calma, comedida, homem que nunca levantava a voz mas que impunha respeito, severo e ao mesmo tempo dotado de fina ironia, atencioso e íntegro, dono de grande magnetismo pessoal, são algumas das qualidades ressaltadas pelos biógrafos que o conheceram e privaram de seu convívio. Foi amado, respeitado e até mesmo reverenciado por uma grande legião de amigos, homens como Benjamim Constant, Quintino Bocayuva, Olavo Bilac, Machado de Assis, Aluízio e Arthur de Azevedo, Raul Pompéia, Leopoldo Miguez, Zeferino da Costa, Angelo Agostini, Pereira Passos [Figura 2] e Paulo de Frontin. Nomes que estão entre os mais significativos da época e que, ou  freqüentavam o atelier com assiduidade ou mantinham ativa correspondência com o artista. Esta correspondência, guardada pelos irmãos Bernardelli durante toda uma vida e que hoje se encontra sob guarda do Museu Nacional de Belas Artes, é o testemunho desta admiração.

Admiração não compartilhada por outros que acusavam Bernardelli de ser extremamente vaidoso (sempre se utilizando de subterfúgios para aparecer). Era visto ainda como autoritário, prepotente e sobretudo ingrato, além de artista medíocre. Estas críticas, muitas vezes, partiram de antigos amigos, principalmente de colegas de trabalho que, em algum momento da vida de Bernardelli, o ajudaram e que mais tarde foram afastados de seus postos quando este assumiu  a direção da Escola Nacional de Belas Artes. Eram professores como Victor Meirelles e José Maximiano Mafra que tiveram que deixar a Escola ou artistas como Antonio Parreiras, Benevenuto Berna, Facchinetti, Décio Vilares, entre vinte e sete outros, que chegaram mesmo a fazer um abaixo assinado discordando de sua direção. Dentre as críticas, talvez a mais contundente seja justamente a de um ex-amigo que foi íntimo durante 30 anos, Modesto Brocos. Contidas em seu livro, “A questão do ensino de Bellas Artes”, as críticas eram dirigidas ao diretor da escola, ao artista e ao homem, retratando-o como “uma sereia que teve o dom de enganar a todos”, “um diretor que governava a Escola como um fazendeiro governa sua fazenda” e “um artista que tem enganado o público”.

Não entrando no mérito da questão, principalmente por não ser nosso objetivo analisar sua atuação à frente da Escola e muito menos o caráter do artista, o que cabe aqui registrar é o fato de que Bernardelli, apesar de não ser uma unanimidade em seu tempo, era uma espécie de “artista oficial”. O próprio Brocos, que faz um depoimento carregado de mágoa, analisando o contexto artístico da cidade à época da volta de Bernardelli, mostra que o ambiente lhe era inteiramente favorável. Neste texto ele diz que Bernardelli foi abençoado pela deusa fortuna quando voltou ao Brasil pois, o país estava em paz, no Rio os artistas já estavam velhos e os projetos de arte só estavam à espera de alguém que viesse por as mãos sobre eles. O único que poderia lhe fazer concorrência, Almeida Reis, viria a falecer pouco depois. Portanto, não tendo obstáculos, pode percorrer seu caminho sem contrariedades.

São digno de registro a habilidade política de Bernardelli e o fascínio que exercia sobre as pessoas, características que nem mesmo seus críticos negavam. Monarquista e admirador do Imperador, foi por ele agraciado com amizade e proteção. Com o fim da Monarquia, num gesto de solidariedade para com a família Imperial, deixou a cadeira de estatuária que ocupava na Academia Imperial de Belas Artes. Com a República, voltou ao mesmo posto, a pedido do amigo Benjamim Constant, e passou a fazer parte da comissão destinada a estudar e propor a reforma do ensino artístico. A proposta, 1889 - Reforma da Academia-República, resultaria, entre outras inovações, na transformação da Academia em Escola Nacional de Belas Artes. No ano seguinte seria nomeado seu diretor, cargo que ocuparia por 25 anos. O bom relacionamento com as pessoas influentes do novo regime seria de eficaz importância na implantação das reformas, mais tarde na construção da sede da Escola e, evidentemente, na manutenção do cargo.

Um rápido exame nos jornais da época nos oferece uma visão de seu prestígio. Por ocasião da inauguração do monumento a Osório foi-lhe oferecido um banquete de adesões, organizado por uma comissão composta por senadores, deputados e jornalistas e patrocinado pela Gazeta de Notícias, que reuniu um número significativo dos nomes mais expressivos da sociedade. Até mesmo o Presidente da República se fez representar. Era comum os periódicos trazerem versos em sua homenagem, como também o debate entre dois ou até mais articulistas de jornais diferentes, que através de artigos de primeira página promoviam uma acirrada polêmica a respeito do artista ou de sua obra. Na coluna Folhetim do Jornal do Brasil, o Conde Carlos de Laet, escritor e engenheiro conhecido pela integridade de seu caráter, utilizando o pseudônimo Cosme Peixoto, criticava Bernardelli tanto como  diretor da escola, quanto como professor e artista. Em sua defesa acorreram diversos jornalistas. Entre esses, Lulu Senior (Dr. Ferreira de Araújo), amigo de Bernardelli e diretor da Notícia, Arthur de Azevedo que escrevia no Novidades e tratava o artista como “irmão”, Marial da Gazeta de Notícias e Arthur Mendonça de O Paiz. Nota-se que a defesa vinha sempre em maior número e era tão ou mais calorosa que o ataque. Certa vez, depois de um artigo especialmente duro de Laet, os amigos se reuniram num grande abaixo-assinado em solidariedade ao escultor, que incluía até mesmo críticos habituais de sua obra, como Gonzaga Duque.

A propósito, Gonzaga Duque, num artigo sobre o Salão de 1905, perguntava onde se encontrava a escultura, as aulas de escultura e os escultores desta terra e, principalmente, o que fazia Correia Lima, pensionista promissor, que de volta ao país não tinha trabalho. A resposta, dada pelo próprio crítico, era que

O Sr. professor Rodolpho Bernardelli, diretor perpétuo e senhor absoluto da Escola de Bellas Artes, não sei commendador de varias ordens estrangeiras, conselheiro esthetico do governo e outras instituições, monopolisava todas as admirações e todos os trabalhos.

E completava mais adiante:

“tinha Sua Eminencia uma enfiada d’encommendas.... por atacado e a varejo”, enquanto “o sr. Correia Lima, com quem o Estado gastou tanto dinheiro para o aperfeiçoar na arte d’esculpir, e cujo aproveitamento demonstrou em magnifícos trabalhos, ficava às moscas, com suas illusões mettidas num saco!”

Esta situação que Gonzaga Duque denunciava no início do século já vinha sendo noticiada por Cosme Peixoto desde o Salão de 1894, quando por diversas vezes ele perguntou porque a Escola não tinha alunos de escultura. Com aquela ironia que lhe era peculiar, ele explicava que isso se dava porque  o professor “imenso”, “enorme” e “colossal”, “gênio imortal”, desdenhava “satélites” e, como nenhum aluno quisesse freqüentar suas aulas, “durante muitos anos brilhará sem competencia no céu artístico”. “O sr. Bernardelli é o primeiro por ser o único - eis a verdade nua e crua”, insistia o jornalista em outro artigo. De fato, o panorama da escultura brasileira nesse período era muito restrito, como havia sido desde a fundação da Academia.

Eram poucos o escultores atuando no Rio de Janeiro. Chaves Pinheiro já havia morrido e não tinha deixado discípulos para substituí-lo.  Em seu longo magistério  formou poucos nomes dignos de expressão e dentre eles, somente Cândido Caetano de Almeida Reis teria tido condições de concorrer com Bernardelli.

No entanto, Almeida Reis não teve a mesma sorte de seu colega. Artista com pensamento próprio e forte personalidade, não demorou a entrar em choque com o conservadorismo acadêmico brasileiro. Desde os tempos de aluno demonstrou uma liberdade artística que  desagradava a seus professores. Pensionista na Europa, em 1865, adotaria os ideais românticos e infringiria os regulamentos da Academia enviando O Rio Paraíba do Sul, um trabalho com tema brasileiro em lugar do mitológico ou do bíblico como era previsto. Uma desavença com Chaves Pinheiro, então em visita a Paris, o faria perder a bolsa e voltar ao Brasil. Daí por diante, marginalizado pela Academia e pelo meio artístico, seria muito difícil receber encomendas e desenvolver seu trabalho.

Praticamente sem concorrentes, Bernardelli decidiu não participar de concursos públicos.  Por ocasião dos preparativos para a construção de um monumento a Carlos Gomes em Campinas, o escultor mandaria uma carta à comissão responsável explicando suas razões. Como de hábito, ele faria um rascunho, cheio de frases incompletas e de lacunas, mas onde se pode ler, principalmente nas entrelinhas, sua certeza de que não havia no país nenhum artista  em condições de competir com ele, nem júri com competência para julgá-lo.

Esta sua atitude  acabava surtindo efeito. Todas as comissões que tentaram escolher um artista através de concursos públicos acabavam por desistir diante de sua negativa. Seguramente elas não gostariam de ver o maior nome da escultura nacional ausente de seus projetos, pois  seria um desprestígio para os mesmos. O artista demonstrava ser um profissional seguro de sua competência e de sua superioridade, pois agiu desta forma diante de todos os grandes projetos, incluindo o do General Osório, quando afastou a concorrência de Almeida Reis. Cosme Peixoto não poderia deixar de denunciar e, em artigo no Jornal do Brasil, escrevia que, certa vez, no Senado, falava-se em abrir concurso para uma determinada estátua, quando “levantou-se um pae da pátria e disse que era inutil a concorrencia em paiz onde havia um Bernardelli”. Diante de tal quadro é compreensível a timidez e o ostracismo dos escultores da época, pois não havia incentivo e o espaço para eles era muito limitado.

Rodolpho Bernardelli permaneceria à frente da Escola de Belas Artes até 1915, quando um movimento de professores e alunos o afastaria da direção. No ano seguinte pediria a aposentadoria e só voltaria a colocar os pés na Escola, já bem idoso, para receber uma homenagem em forma de busto, feito por seu aluno Correia Lima. Nesse espaço de tempo ele viveria praticamente afastado do mundo, em seu novo atelier na praia de Copacabana, dedicado unicamente à escultura e ao convívio dos amigos mais fiéis. Morreria em abril 1931, mas não antes de dar um passeio de bonde para se despedir de seus monumentos.

Fonte: Dezenove Vinte, “Rodolpho Bernardelli, um perfil do homem e do artista segundo a visão de seus contemporâneos”, publicado por Suely de Godoy Weisz, em 4, out. 2007. Consultado pela última vez em 21 de agosto de 2025.


Núcleo Bernardelli | Itaú Cultural

Fundado em 12 de junho de 1931 por um conjunto de pintores comprometidos com a oposição ao modelo de ensino da Escola Nacional de Belas Artes - Enba, o Núcleo Bernadelli possui como metas centrais a formação, o aprimoramento técnico e a profissionalização artísticos. "Queríamos liberdade de pesquisa e uma reformulação do ensino artístico da Escola Nacional de Belas Artes, reduto de professores reacionários, infensos às conquistas trazidas pelos modernos", afirma Edson Motta (1910 - 1981), um dos líderes do grupo. Além de democratizar o ensino, o grupo almeja permitir o acesso dos artistas modernos ao Salão Nacional de Belas Artes e aos prêmios de viagens ao exterior, dominados pelos pintores acadêmicos. O nome do grupo é uma homenagem clara a dois professores da Enba, Rodolfo Bernardelli (1852 - 1931) e Henrique Bernardelli (1858 - 1936), que no final do século XIX, insatisfeitos com o ensino da escola, mas também movidos por interesses políticos-administrativos, montam um curso paralelo na Rua do Ouvidor, no centro da cidade do Rio de Janeiro. O Núcleo Bernardelli funciona primeiramente no Studio Nicolas, do fotógrafo Nicolas Alagemovits, e muda-se em seguida para os porões da Enba, onde funciona até 1936. Nessa data, transfere-se para a Rua São José, depois para a Praça Tiradentes, n. 85, até a sua extinção em 1941. Participam do também denominado "ateliê livre", os pintores: Ado Malagoli (1906 - 1994), Bráulio Poiava (1911), Bustamante Sá (1907 - 1988), Bruno Lechowski (1887 - 1941), Sigaud (1899 - 1979), Camargo Freire (1908 - 1988), Joaquim Tenreiro (1906 - 1992), Quirino Campofiorito (1902 - 1993), Rescála (1910 - 1986), José Gomez Correia, José Pancetti (1902 - 1958), Milton Dacosta (1915 - 1988), Manoel Santiago (1897 - 1987), Yoshiya Takaoka (1909 - 1978) e Tamaki (1916 - 1979).

A criação do Núcleo Bernadelli remete a um contexto artístico, dos anos 1930 e 1940, atravessado por tentativas de ampliação dos espaços da arte e dos artistas modernos, por meio da criação de grupos e associações. A Pró-Arte Sociedade de Artes, Letras e Ciências (1931) e o Club de Cultura Moderna (1935), no Rio de Janeiro, ao lado de agremiações paulistanas como Clube dos Artistas Modernos - CAM, a Sociedade Pró - Arte Moderna - SPAM, ambos de 1932, o Grupo Santa Helena (1934) e a Família Artística Paulista - FAP (1937) são expressões do êxito do associativismo como estratégia de atuação dos artistas na vida cultural do país na época. Cada qual à sua maneira, esses grupos problematizam o legado do modernismo. Um outro esforço de modernização do ensino artístico pode ser localizado na tentativa de reforma da Enba, empreendida por Lúcio Costa (1902 - 1998) ao assumir a direção da escola, em 12 de dezembro de 1930.

Se o Núcleo Bernadelli é concebido em consonância com os projetos modernos em gestação e desenvolvimento, seu funcionamento parece mais voltado para uma tentativa de ocupação de espaço profissional do que de reformulação da linguagem artística. Trata-se fundamentalmente de incentivar o estudo e a formação pela criação de um lugar para convivência, troca de idéias e aprendizado. Desenho com modelos vivos, pintura ao ar livre, nus, naturezas-mortas, retratos e auto-retratos são realizados no ateliê, que promove também exposições das obras. Entre 1932 e 1941 são realizados cinco salões dos integrantes do Núcleo Bernadelli. Além disso, em 1933, o conjunto dessas obras é exposto no Studio Eros Volúsia e, em 1934, em mostra promovida pela Sociedade Brasileira de Belas Artes. Além das paisagens, amplamente realizadas, os artistas do grupo pintam cenas urbanas e figuras humanas. Alguns críticos sublinham a inspiração impressionista desse paisagismo, além da influência construtiva de Paul Cézanne (1839-1906), sobretudo nas naturezas-mortas de Milton Dacosta. Mas é possível localizar em parte da produção do grupo - em Malagoli, por exemplo - afinidades com o ideário do retorno à ordem. Alguns trabalhos de Malagoli, Sigaud e Campofiorito, por sua vez, anunciam questões sociais, em pauta nas manifestações artísticas da década de 1930.

Os nomes de José Pancetti e Milton Dacosta, egressos do grupo, destacam-se posteriormente em função das marcas inovadoras e pessoais dos seus trabalhos. Pancetti se notabiliza pelas marinhas que realiza, além dos diversos retratos e auto-retratos. Os anos de 1950, considerados o ápice de sua produção, conhecem as célebres Lavadeiras na Lagoa do Abaeté, as paisagens de Saquarema e cenas de Mangaratiba. Atento, desde o início de sua obra, aos desafios da composição e ao uso da cor, seus trabalhos dos anos de 1950 enfatizam a organização dos planos geométricos, fazendo com que beirem a abstracão. Milton Dacosta, responsável por uma obra convencionalmente dividida em fases em função das influências que recebe - Paul Cézanne, De Chirico (1888 - 1978), Pablo Picasso (1881 - 1973) e Giorgio Morandi (1890 - 1964) -, esteve sempre preocupado com a esquematização das formas, e recusa mesmo em suas obras figurativas dos anos 1930, qualquer inclinação naturalista mais direta. As lições construtivas, as deformações picassianas e cubistas, o equilíbrio entre planos colorísticos são todas preocupações precoces de seu trabalho (vide Paisagem de Santa Teresa, 1937), indica Mário Pedrosa (1900 - 1981). Por essa razão, o crítico defende que o abstrato é "o ponto de partida do pintor", e não apenas a marca de sua obra após a década de 1950.

Fonte: NÚCLEO Bernardelli (Rio de Janeiro, RJ). In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2017. Disponível em: Itaú Cultural. Acesso em: 11 de Nov. 2017. Verbete da Enciclopédia. ISBN: 978-85-7979-060-7

Crédito fotográfico: Dezenove Vinte. Consultado pela última vez em 21 de agosto de 2025.

José Maria Oscar Rodolfo Bernardelli y Thierry (18 de dezembro de 1852, Guadalajara, México — 7 de abril de 1931, Rio de Janeiro, Brasil), mais conhecido como Rodolfo Bernardelli, foi um escultor mexicano. Formado na Academia Imperial de Belas Artes, destacou-se desde cedo como aluno talentoso e, em 1876, conquistou uma bolsa de estudos para Roma, onde teve aulas com mestres como Giulio Monteverde e Achille D’Orsi, absorvendo influências do realismo e do naturalismo italianos. Inspirado inicialmente por Francisco Manuel Chaves Pinheiro, conviveu ainda com intelectuais como Machado de Assis e Olavo Bilac, que frequentavam seu ateliê no Rio de Janeiro. Irmão do pintor Henrique Bernardelli e do músico Félix Bernardelli, consolidou uma trajetória artística marcada por vínculos familiares com o universo cultural. Suas esculturas, geralmente em mármore e bronze, combinam monumentalidade clássica e forte expressividade, refletindo uma síntese entre tradição acadêmica e sensibilidade moderna. Naturalizado brasileiro em 1874, assumiu em 1885 o cargo de professor de escultura e, em 1890, tornou-se o primeiro diretor da Escola Nacional de Belas Artes, função que exerceu até 1915, promovendo importantes reformas pedagógicas. Entre suas obras mais célebres estão Cristo e a Mulher Adúltera (1884), o Túmulo de Carlos Gomes em Campinas, o Monumento ao Duque de Caxias, a estátua de Dom Pedro I e o Monumento a Pedro Álvares Cabral em Lisboa. Suas criações podem ser vistas em espaços públicos no Brasil e em acervos institucionais como o Museu Nacional de Belas Artes.

Rodolfo Bernardelli

José Maria Oscar Rodolfo Bernardelli y Thierry (18 de dezembro de 1852, Guadalajara, México — 7 de abril de 1931, Rio de Janeiro, Brasil), mais conhecido como Rodolfo Bernardelli, foi um escultor mexicano. Formado na Academia Imperial de Belas Artes, destacou-se desde cedo como aluno talentoso e, em 1876, conquistou uma bolsa de estudos para Roma, onde teve aulas com mestres como Giulio Monteverde e Achille D’Orsi, absorvendo influências do realismo e do naturalismo italianos. Inspirado inicialmente por Francisco Manuel Chaves Pinheiro, conviveu ainda com intelectuais como Machado de Assis e Olavo Bilac, que frequentavam seu ateliê no Rio de Janeiro. Irmão do pintor Henrique Bernardelli e do músico Félix Bernardelli, consolidou uma trajetória artística marcada por vínculos familiares com o universo cultural. Suas esculturas, geralmente em mármore e bronze, combinam monumentalidade clássica e forte expressividade, refletindo uma síntese entre tradição acadêmica e sensibilidade moderna. Naturalizado brasileiro em 1874, assumiu em 1885 o cargo de professor de escultura e, em 1890, tornou-se o primeiro diretor da Escola Nacional de Belas Artes, função que exerceu até 1915, promovendo importantes reformas pedagógicas. Entre suas obras mais célebres estão Cristo e a Mulher Adúltera (1884), o Túmulo de Carlos Gomes em Campinas, o Monumento ao Duque de Caxias, a estátua de Dom Pedro I e o Monumento a Pedro Álvares Cabral em Lisboa. Suas criações podem ser vistas em espaços públicos no Brasil e em acervos institucionais como o Museu Nacional de Belas Artes.

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Escultores da Consolação: Rodolfo Bernardelli | 2025

A arte dos irmãos Bernardelli | 1952

Cristo e a Mulher Adúltera, 1884 | 2023

Rodolfo Bernardelli | Arremate Arte

Rodolfo Bernardelli nasceu em 18 de dezembro de 1852, em Guadalajara, no México, filho do violinista italiano Giuseppe Bernardelli e da bailarina Teresa Thierry. Desde cedo, viveu em meio às artes, acompanhando os deslocamentos da família pela América Latina até se estabelecerem no Brasil, onde o jovem demonstrou talento precoce para o desenho e a escultura.

Aos 14 anos, foi convidado a integrar o círculo da família imperial brasileira, atuando como tutor de artes para as princesas Isabel e Leopoldina. Pouco depois, inspirado pelo escultor Francisco Manuel Chaves Pinheiro, ingressou na Academia Imperial de Belas Artes, no Rio de Janeiro, onde se destacou entre os alunos mais promissores. Seu desempenho rendeu prêmios e, em 1876, a tão sonhada bolsa de estudos para a Itália.

Em Roma, estudou com mestres como Giulio Monteverde e Achille D’Orsi, absorvendo o rigor acadêmico aliado às novas linguagens realistas e naturalistas. Dessa fase, surgiram obras marcantes como Cristo e a Mulher Adúltera (1884), realizada em mármore, que consolidou sua fama ainda em terras europeias. Sua formação italiana lhe deu base para unir monumentalidade clássica e uma expressividade moderna, traço que definiria sua carreira.

De volta ao Brasil em 1885, Bernardelli foi nomeado professor de escultura, sucedendo seu antigo mestre Chaves Pinheiro. Poucos anos depois, já gozava de prestígio suficiente para ser chamado a dirigir a Escola Nacional de Belas Artes (ENBA), criada com a proclamação da República a partir da antiga Academia Imperial. Como diretor, cargo que ocupou até 1915, promoveu uma reforma pedagógica que modernizou o ensino artístico no país e abriu espaço para novas gerações de criadores.

Suas obras monumentais marcaram o espaço público brasileiro: produziu esculturas para praças, cemitérios e edifícios institucionais, com destaque para o Túmulo de Carlos Gomes (Campinas), o Monumento ao Duque de Caxias e a estátua de Dom Pedro I. Também foi chamado a realizar obras em Portugal, como o monumento a Pedro Álvares Cabral, em Lisboa, ampliando seu reconhecimento internacional.

Além de artista e gestor, Bernardelli foi figura central na vida cultural brasileira de fins do século XIX e início do XX. Seu ateliê no Rio de Janeiro se tornou ponto de encontro de intelectuais, escritores e músicos, entre eles Machado de Assis, Olavo Bilac e outros expoentes da literatura e da política.

Naturalizado brasileiro em 1874, Rodolfo Bernardelli não apenas construiu uma carreira sólida como escultor, mas também ajudou a consolidar o campo da escultura no Brasil como linguagem artística de prestígio. Foi irmão dos também artistas Henrique Bernardelli (pintor) e Félix Bernardelli (músico), formando uma família de grande influência no cenário cultural.

Faleceu em 7 de abril de 1931, no Rio de Janeiro, deixando um legado de obras que ainda hoje ornamentam espaços públicos e coleções institucionais. Sua trajetória simboliza a transição entre Império e República, entre o academicismo e o modernismo nascente, tornando-o um dos maiores nomes da escultura brasileira.


Rodolfo Bernardelli | Itaú Cultural

José Maria Oscar Rodolfo Bernardelli. (Guadalajara, México 1852 - Rio de Janeiro RJ 1931). Escultor e professor. Irmão dos pintores Henrique Bernardelli (1858-1936) e Felix Bernardelli (1862-1905), deixa o México, com sua família, para fixar-se no Rio Grande do Sul, por volta de 1866. Muda-se para o Rio de Janeiro com os pais, futuros preceptores das princesas Isabel (1846-1921) e Leopoldina (1847-1871), a convite do imperador dom Pedro II (1825-1891). Entre 1870 e 1876, freqüenta as aulas de escultura de estatuária de Chaves Pinheiro (1822-1884) e de desenho de modelo vivo na Academia Imperial de Belas Artes - Aiba. Como aluno pensionista permanece em Roma de 1877 a 1884, estuda com os mestres Achille d'Orsi (1845-1929) e Giulio Monteverde (1837-1917). De volta ao Brasil é professor de escultura na Aiba, em substituição a Chaves Pinheiro. Considerado um dos reformadores do ensino artístico no Brasil, Rodolfo Bernardelli é, entre 1890 e 1915, o primeiro diretor da recém-instituída Escola Nacional de Belas Artes - Enba. Em sua gestão cria a categoria de aluno livre e o Conselho Superior de Belas Artes e propõe a edificação da nova sede na avenida Rio Branco. Em 1919, em Madri, é proclamado acadêmico honorário da Real Academia de Belas Artes de San Fernando. Em 1931, no Rio de Janeiro, é fundado o Núcleo Bernardelli em homenagem aos irmãos Rodolfo e Henrique.

Análise

Rodolfo Bernardelli vem para o Brasil em 1866, em companhia da família, passando pelo Chile e Argentina e fixando-se no Rio Grande do Sul. A convite do imperador dom Pedro II (1825 - 1891), seus pais mudam-se para o Rio de Janeiro para serem preceptores das princesas Isabel e Leopoldina. De 1877 até 1885, permanece em Roma como bolsista da Academia Imperial de Belas Artes - Aiba, do Rio de Janeiro. Na Itália, estuda com Giulio Monteverde (1837 - 1917). Executa nesse período diversos trabalhos, como o relevo Fabíola, 1878 e a escultura Santo Estevão, 1879, aliados ao verismo da escultura européia contemporânea.

Em seu regresso da Itália, o escultor alcança uma posição tão destacada no círculo republicano que o leva a assumir o cargo máximo da principal instituição de arte do Brasil - a Escola Nacional de Belas Artes - Enba -, em que permanece até 1915. Entre as razões para isso estariam a relevância e divulgação dadas pela imprensa aos trabalhos do escultor, sobretudo por Angelo Agostini (1843 - 1910), na Revista Illustrada.

Bernardelli deixa uma extensa produção, que inclui inúmeros bustos de personalidades públicas, obras tumulares e diversos monumentos comemorativos, realizados principalmente para a cidade do Rio de Janeiro, como os dedicados ao General Osório, 1894, ao Duque de Caxias, 1899, a José de Alencar, 1897 e o grupo escultórico Descobrimento do Brasil, 1900. O artista executa ainda as estátuas que ornamentam o prédio do Theatro Municipal, ca.1905, o Monumento a Carlos Gomes, 1905, em Campinas, e a estátua de dom Pedro I, 1921, para o Museu Paulista da Universidade de São Paulo - MP/USP, em São Paulo.

Críticas

"Os estatutos da Academia exigiam dos artistas em estudo no estrangeiro obrigações precisamente delimitadas. Cada ano deveriam ser enviados ao Brasil trabalhos, que poderiam ser cópias de obras célebres ou composições próprias, passando por toda uma gama de estudos de crescentes dificuldades. O relevo Adão e Eva e as cópias das Vênus de Médicis e Vênus Calipígia são obras que demonstraram o extraordinário esforço exigido pela Congregação. Realmente eles revelam conhecimento no tratamento específico do mármore.

Outras obras italianas do autor encontram-se entre as suas melhores criações. Nos bustos, Bernardelli alcançou pleno domínio conceitual e técnico, especialmente em Checa, no Dr. Montenovesi, no Visconde de Araguaia, em Cristo e no Criado do Artista, em que ele expressou, além da representação figurativa, um certo prazer na execução em si, que vamos notar em outros retratos feitos no Brasil com a mesma simplicidade agradável já observada. Entre estes, citaremos o busto do pintor Oscar Pereira da Silva.

Formado sob a orientação neoclássica, Bernardelli absorveu esse espírito e suas primeiras produções são típicas. No Santo Estêvão encontraremos uma figura em estilo renascentista florentino quatrocentesco, com membros alongados e acabamento apurado.

O artista tinha preferência por essa obra, escolhida por ele para encimar seu túmulo.

Ao retornar, suas esculturas foram muito bem recebidas, justamente no momento de mudanças profundas na sociedade brasileira, devido à libertação dos escravos e à Proclamação da República. A nova classe dirigente reclamava um artista que correspondesse e representasse a exaltação progressista do momento. Bernardelli, na escultura, atendia àquelas aspirações.

Rodolfo Bernardelli, em sua atuação didática, será um dos reformadores do ensino artístico em nosso meio e o primeiro diretor, na República, da recém-denominada Escola Nacional de Belas Artes.

Sua liderança se faz notar especialmente quando da construção e transferência da escola para o edifício da Avenida Central, em local privilegiado, cujo risco pertence a Adolfo Morales de Los Rios". — Luiz Rafael Viera Souto (Souto, Luiz Rafael Viera. Texto transcrito do Boletim do MNBA, jul./ago./set. 1980).

"Se, de fato, fossem comparadas as produções de Bernardelli e Chaves Pinheiro, pareceria óbvio que a Revista tinha razão em considerar o primeiro como parâmetro para a escultura brasileira. Pegue-se, por exemplo, a Faceira, de Bernardelli, e Índio, Figura Alegórica do Império Brasileiro, de Pinheiro. O caráter explicitamente alegórico da segunda obra não justifica de maneira alguma o hieratismo da figura do índio, que acaba reforçando as excessivas ligações de Chaves Pinheiro com a estatuária européia mais conservadora. Já Faceira, com sua sinuosidade estrutural que realça ainda mais a sensualidade da figura que representa naturalisticamente uma índia, bem demonstra a liberdade de Bernardelli em dosar com sua individualidade o frio repertório da estatuária carioca do Segundo Império.

Mesmo no grupo escultórico Cristo e a Adúltera, de 1885, Bernardelli conseguiu dar individualidade ao trabalho, apesar de todo convencionalismo requerido pelo próprio tema. O contraste fundamental entre o tratamento despojado e vigoroso da figura de Cristo - evidenciado pela quase inexistência de drapeados em suas vestes, o que lhe confere ainda mais força - e o refinado sentido dramático conseguido na postura e no tratamento da superfície da figura da adúltera, confere a Bernardelli uma qualidade como escultor que o colocava, de fato, bem acima de seus pares brasileiros.

A admiração da Revista pelas produções de Bernardelli aos poucos foi se transformando em adesão incondicional. Tornou-se a grande defensora do artista, quer na continuidade dos elogios reiterados que dispensava a ele, quer no intuito de sempre querer demonstrar que Bernardelli era o melhor escultor brasileiro". — Tadeu Chiarelli (Chiarelli, Tadeu. Rodolfo Bernardelli. Skultura, São Paulo, n.31, inverno de 1990).

"O Cristo, de Bernardelli, é um tipo judaico, humano, real; não relembra de forma alguma as antigas criações da escultura; não é uma inspiração da fé católica segundo a imposição dos dogmas; não é um transcendente tipo místico, tal como criara Leonardo da Vinci ou o imaginara o beatífico Fiesole. Nisso vai o valor da sua estátua. Para fazê-lo como o idealizaram os mestres do passado e do Renascimento fora necessário que o meio atual em que o artista vive tivesse decaído para a fervorosa fé do tempo dos mártires, e, portanto, que Bernardelli fosse um originalíssimo estacionário. Mas, também, não é uma criação propriamente sua, tipo desencavado das grossas camadas dos tempos e ressurgido aos nossos olhos pelo fiat criador de talento extraordinário. Assim, como ali o vemos, já o tinham concebido muitos mestres, tornando-se mais notável, entre todos, o célebre Delacroix.

A composição desse grupo é bela e moderna. A figura do Cristo, apresentada em grandeza superior ao natural, tem bastante imponência e serenidade, a expressão do seu rosto, os gestos de seus braços são verdadeiros e denotam muita observação.

O corte é seguro, delicado, meticuloso; nos menores contornos, nas linhas mais difíceis, mais sutis, nas massas menos espessas, não se lhe encontra uma falha, e, por isso, o detalhe forma um dos caracteres da sua obra.

A clâmide que o Cristo veste foi tão minuciosamente talhada, foi tão escrupulosamente observada, que a ilusão é completa; a carnação atinge o maior grau do modelado a que é possível chegar a escultura.

Daí conclui-se que Bernardelli é um realista, tendo por única preocupação a verdade, qualidade esta que se manifesta da mesma maneira no esboço em gesso do Santo Estêvão" — Gonzaga Duque (Duque, Gonzaga. A arte brasileira. Campinas: Mercado de Letras, 1995. p.244-245).

Exposições Individuais

s.d. – Galeria Irmãos Bernardelli (Rio de Janeiro, RJ)

Exposições Coletivas

1870 – 21ª Exposição Geral de Belas Artes

1872 – 22ª Exposição Geral de Belas Artes

1875 – 23ª Exposição Geral de Belas Artes

1876 – Exposição do Centenário da Independência dos Estados Unidos

1876 – 24ª Exposição Geral de Belas Artes (Rio de Janeiro, RJ)

1878 – Exposição Industrial Fluminense

1879 – 25ª Exposição Geral de Belas Artes

1883 – Esposizione Artística Internazionale di Roma

1884 – Exposição de Turim

1884 – 26ª Exposição Geral de Belas Artes

1890 – Exposição Geral de Bellas-Artes

1893 – Exposição de Chicago

1894 – Exposição Geral de Bellas Artes

1895 – 2ª Exposição Geral de Belas Artes

1897 – 4ª Exposição Geral de Bellas-Artes

1898 – 5ª Exposição Geral de Belas Artes

1901 – 8ª Exposição Geral de Belas Artes

1903 – 10ª Exposição Geral de Belas Artes

1904 – 11ª Exposição Geral de Belas Artes

1908 – 15ª Exposição Geral de Belas Artes

1909 – 16ª Exposição Geral de Belas Artes

1919 – Exposição Carioca de Gravura e Água-Forte

1927 – 34ª Exposição Geral de Belas Artes

1928 – 35ª Exposição Geral de Bellas Artes

1928 – Mostra de Grupo Almeida Júnior

1929 – Mostra de Grupo Almeida Júnior

1950 – Exposição Coletiva de Escultura

1955 – Exposição de longa duração

1970 – Pinacoteca do Estado de São Paulo

1978 – A Arte e seus Processos: o papel como suporte

1982 – Um Século de Escultura no Brasil

1984 – Tradição e Ruptura: síntese de arte e cultura brasileiras

1986 – Dezenovevinte: uma virada no século

1990 – Mostra de Aquisições

1991 – O Desejo na Academia: 1847-1916

1994 – Um Olhar Crítico sobre o Acervo do Século XIX – Reflexões iconográficas e memória

1998 – Imagens Negociadas: retratos da elite brasileira

2000 – Escultura Brasileira: da Pinacoteca ao Jardim da Luz

2002 – Barão do Rio Branco: sua obra e seu tempo

2002 – Imagem e Identidade: um olhar sobre a história na coleção do Museu de Belas Artes

2005 – O Corpo na Arte Contemporânea Brasileira

2005 – Arte Brasileira: nas coleções públicas e privadas do Ceará

2005 – 100 Anos da Pinacoteca: a formação de um acervo

2005 – Erotica: os sentidos na arte

2006 – Erotica: os sentidos na arte

2009 – De Valentim a Valentim, a Escultura Brasileira – Século XVIII ao XX

2010 – Coleção de Escultura – Da República à Contemporaneidade

2011 – De Valentim a Valentim, a Escultura Brasileira – Século XVIII ao XX

2011 – Arte no Brasil: Uma História na Pinacoteca de São Paulo

2011 – O Nu Além das Academias

2016 – Galeria Tátil de Esculturas Brasileiras

2018 – Trabalho de artista: imagem e autoimagem (1826-1929)

2020 – Pinacoteca: Acervo

2021 – Uma obra

Exposições Póstumas

1952 – Exposição Retrospectiva dos Irmãos Bernardelli em Comemoração do Centenário de Nascimento do Escultor Rodolfo Bernardelli

Fonte: RODOLFO Bernardelli. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025. Acesso em: 21 de agosto de 2025. Verbete da Enciclopédia. ISBN: 978-85-7979-060-7


Rodolfo Bernardelli | Wikipédia

José Maria Oscar Rodolpho Bernardelli y Thierry (Guadalajara, 18 de dezembro de 1852 — Rio de Janeiro, 7 de abril de 1931) foi um escultor e professor mexicano naturalizado brasileiro. Também, esporadicamente, transitou pela pintura e pelo desenho.

Formou-se na Academia Imperial de Belas Artes sob a égide dos princípios classicistas e aperfeiçoou-se na Itália, onde absorveu influências das escolas naturalista e realista, construindo uma obra eclética. Tornou-se o maior nome da escultura brasileira entre o fim do Império e o início da República, deixando obra extensa e qualificada em vários gêneros e recebendo vários prêmios. Lecionou na Academia Imperial e na sua sucessora, a Escola Nacional de Belas Artes, e dirigiu esta instituição ao longo de 25 anos, implementando uma importante reforma modernizadora do currículo e da metodologia de ensino e colaborando na construção de uma nova sede. Envolveu-se em várias polêmicas, numa fase de grandes mudanças estéticas e culturais no Brasil.

Biografia

Rodolfo Bernardelli nasceu no México, o primeiro de quatro filhos de uma bailarina e de um violinista. Era irmão dos também artistas Henrique Bernardelli e Félix Bernardelli. Teve uma infância movimentada pelas frequentes mudanças de residência dos pais, passando por vários locais do México, e depois por uma ilha do Pacífico, o Chile e por fim o Rio Grande do Sul, no Brasil, onde a família encontrou-se com o imperador D. Pedro II, recebendo um convite para se fixar no Rio de Janeiro. Lá os pais se tornaram preceptores das princesas imperiais e os filhos começaram seus estudos. Rodolfo tinha nesta época 14 anos e já mostrava possuir talento para as artes, especialmente a escultura.

Frequentou informalmente as aulas do professor Francisco Manuel Chaves Pinheiro, e seu interesse despertou a atenção do mestre, que o convidou a se tornar aluno efetivo, sendo em seguida admitido na Academia Imperial de Belas Artes. Logo seu talento foi reconhecido, recebendo vários prêmios acadêmicos. Neste período naturalizou-se brasileiro, e em 1876 ganhou o ambicionado Prêmio de Viagem ao Exterior pelo relevo Príamo implorando o corpo de Heitor a Aquiles. Tinha intenção de estudar nas academias de Paris, conforme a praxe dos bolsistas imperiais, mas chegando lá o circuito artístico o deixou decepcionado, considerando que os ideais artísticos classicistas que nutria, e que eram preferidos pela Academia, já não tinham muito espaço. Assim, dirigiu-se a Roma, onde se tornou aluno dos irmãos Giulio Monteverde e Achilles Monteverde e travou contato com Achille D'Orsi e Eugenio Maccagnani. Mas a despeito da sua afirmação de preferir os modelos clássicos, sua produção neste período mostra uma acentuada tendência a incorporar a influência das escolas mais recentes, como o naturalismo, o realismo e o verismo, expressas em Faceira e Santo Estêvão, por exemplo, que enviou para o Brasil como parte dos trabalhos de prova obrigatórios, mas que despertaram críticas dos professores brasileiros pela estética adotada, embora reconhecessem sua habilidade técnica. Ao mesmo tempo, realizou diversas cópias de obras famosas do classicismo, como a Vênus de Médici e a Vênus Calipígia. Sua obra mais importante da fase europeia é Cristo e a mulher adúltera, realizada em mármore entre 1883 e 1884, depois de estudos iniciados em 1881.

Terminado seu aperfeiçoamento, voltou ao Brasil em 1885. Em 16 de outubro foi inaugurada uma exposição com seus trabalhos europeus, que recebeu grande divulgação na imprensa e foi muito elogiada, e no dia seguinte foi nomeado professor de estatuária na Academia Imperial, substituindo Chaves Pinheiro, que se aposentara. Na análise de Maria do Carmo Couto da Silva, "as qualidades destacadas pela crítica [da época] são relativas à expressividade das figuras, beleza das formas, habilidade exigida do artista para execução da obra e, principalmente, à vinculação de suas obras à escultura italiana contemporânea. A nosso ver, foram as propostas modernas de Rodolfo Bernardelli, tanto temáticas como formais, que consagraram o artista junto ao meio intelectual daquela época. A produção de Bernardelli na Itália tendeu a apresentar um delicado equilíbrio, que lhe permitiu que fosse aceito pela congregação de professores como aluno que era, promovido pela instituição acadêmica. Ao mesmo tempo, ele procurou realizar trabalhos coerentes com as novas idéias que começavam a aparecer no Brasil do final do século XIX".

Contando com o apoio e a estima da família imperial, passou a receber diversas encomendas importantes, destacando-se os monumentos aos generais Osório e Caxias.

Com a queda da monarquia em 1889, em sinal de solidariedade para com a família imperial, renunciou à sua posição na Academia, mas a convite de Benjamim Constant, então ministro da Instrução Pública, foi readmitido e em 1890 empossado como diretor. Colaborou no projeto de reforma do ensino artístico que resultou na transformação da antiga Academia Imperial na Escola Nacional de Belas Artes. Nesta época a metodologia de ensino acadêmico já era vista por muitos como restritiva demais e excessivamente apegada a modelos estéticos ultrapassados, sufocando a ânsia de liberdade de investigação dos alunos. Também buscava-se equiparar a Escola Nacional com o padrão de qualidade das principais academias do ocidente. O plano de reforma contemplou essas aspirações e passou a dar importância à individualidade criativa original. Também foi banido o ensino da estética, por considerar-se a questão da identificação do belo como um problema de julgamento pessoal independente da sujeição a regras pré-estabelecidas. Várias matérias novas foram introduzidas, como história natural, química, física, arqueologia e etnografia. Ao mesmo tempo foram reformados os critérios de admissão, os estatutos e a sistematização das disciplinas. Organizou as exposições gerais dos alunos e promoveu a aquisição de obras para o acervo da Escola Nacional. Para Karina Ferreira Simões, "Rodolfo Bernardelli e outros professores mantinham o desejo de montar uma coleção de arte moderna e, desse modo, modernizar o sistema de ensino da instituição. Isto explica as aquisições feitas pela Escola na mostra de 1894 e em outros momentos". Com sua colaboração, depois de vários projetos abandonados, foi erguido um novo edifício para a Escola Nacional, inaugurado em setembro de 1908 quando ainda não estava todo acabado. As aulas iniciaram em 1909.

Em 1893 foi o responsável pela seção de artes da representação brasileira na Exposição Universal de Chicago. Segundo Camila Dazzi, "a participação do Brasil na Exposição Universal Colombiana de Chicago, para além de apreender como estava o país naquele momento, apresentando-se aos 'olhos das nações civilizadas', nos permite compreender um projeto bastante particular de Rodolfo Bernardelli: o de mostrar ao mundo os avanços das belas artes brasileiras e, mais do que isso, a contribuição positiva da Escola Nacional de Belas Artes nesse avanço. Esse projeto, que incluía destacar obras de cunho moderno, de alunos e professores da instituição, tinha como objetivo consolidar a Escola Nacional de Belas Artes no panorama internacional como a mais significativa escola de arte da América do Sul".

Em 1904 integrou a Comissão Julgadora das fachadas dos edifícios da Avenida Central, bem como a comissão responsável pela escolha do projeto do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Nesta época criou um Lampadário Monumental para o Largo da Lapa, com figuras de caravelas, torres de castelos, serpentes e luminárias, elevados por uma esfera armilar; seis estátuas para ornamentação da fachada do Teatro Municipal, representando alegorias das artes, e o projeto para um chafariz no Largo da Carioca, que não foi executado, sobrevivendo, porém, as maquetes.

Foi reconhecido como o mais importante escultor brasileiro de sua geração, tornando-se personalidade artística muito influente. Seu atelier na rua da Relação se tornou um movimentado ponto de encontro de luminares da política, da imprensa e da cultura, como Benjamim Constant, Quintino Bocaiúva, Olavo Bilac, Machado de Assis, Aluízio de Azevedo, Raul Pompéia, Leopoldo Miguez, Zeferino da Costa, Angelo Agostini, Pereira Passos e Paulo de Frontin. No entanto, sua imagem pública não era uma unanimidade. Enquanto muitos o admiravam e até veneravam, um significativo grupo de desafetos o considerava vaidoso, prepotente e medíocre, especialmente depois que passou a ocupar a posição de diretor da Escola Nacional, quando afastou de seus cargos uma série de artistas de relevo, como Victor Meirelles, José Maximiano Mafra, Antônio Parreiras, Benevenuto Berna, Nicola Antonio Facchinetti, Décio Vilares e muitos outros, que chegaram a elaborar um abaixo-assinado protestando contra sua permanência na direção.

De qualquer modo, foi diretor da Escola Nacional por 25 anos, virtualmente monopolizando o ensino artístico e a escultura na capital da república. De fato, durante sua regência foram poucos os alunos de escultura na Escola, e todos foram eclipsados pelo mestre. Em 1915 um movimento de alunos e professores conseguiu removê-lo da Escola. Seus anos finais passaria afastado da cena pública, concentrando-se em seu trabalho em seu novo atelier na praia de Copacabana.

Foi premiado na Exposição Universal de Filadélfia de 1876 com as esculturas Saudades da tribo (1874) e À espreita (1875), ambas de tema indianista. No mesmo ano recebeu a Primeira Medalha de Ouro na 24ª Exposição Geral de Belas Artes, com Davi, vencedor de Golias (1873). Também recebeu a Medalha de Bolívar da República da Venezuela e uma medalha em Turim pelo grupo Cristo e a mulher adúltera. Em 1919 foi eleito acadêmico honorário da Real Academia de Belas-Artes de São Fernando de Madri. Em 1931, no Rio de Janeiro, foi fundado o Núcleo Bernardelli em homenagem aos irmãos Rodolfo e Henrique. Suas obras foram exibidas em numerosas exposições. Um dos maiores escultores brasileiros, deixou uma extensa produção, entre obras tumulares, monumentos comemorativos, estátuas, relevos e bustos de personalidades. Executou monumentos a Carlos Gomes, ao marechal Osório, ao duque de Caxias, a José de Alencar, a Pedro Álvares Cabral. Parte considerável de seus trabalhos foi doada para a Pinacoteca do Estado e para o Museu Mariano Procópio.

Fonte: Wikipédia. Consultado pela última vez em 21 de agosto de 2025.


A propósito de três esculturas de Rodolfo Bernardelli | Dezenove Vinte

O escultor Rodolfo Bernardelli (Guadalajara, México, 1852 - Rio de Janeiro RJ, 1931), juntamente com seu irmão Henrique Bernardelli (1858-1936) e com Rodolfo Amoedo (1857-1941), integrou uma geração de alunos da Academia Imperial de Belas Artes do Rio de Janeiro que buscou a renovação da arte no país, ligando-se a uma  estética moderna, desenvolvida entre vertentes realistas e simbolistas.

A compreensão de algumas propostas presentes em obras de Bernardelli irá possibilitar um maior conhecimento acerca da produção artística brasileira do final do século XIX. A trajetória deste escultor é o objeto de pesquisa de minha tese de doutorado no Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP.

Neste texto procurarei inicialmente comentar algumas esculturas realizadas pelo artista em seu pensionato romano. Destacarei em seguida a importância de três obras executadas nos anos imediatamente posteriores ao retorno do escultor ao Brasil. Rodolfo Bernardelli ingressou na Academia de Belas Artes em 1870, tendo como professor de estatuária Francisco Manoel Chaves Pinheiro (1822-1884). Entre as várias premiações recebidas em seus anos de estudante da Academia, destacam-se aquelas obtidas na Exposição Internacional de Filadélfia de 1876 com as esculturas Saudades da Tribo (1874) e À Espreita (1875), ambas de tema indianista. Obteve o Prêmio de Viagem ao Estrangeiro da Aiba e permaneceu em Roma de 1877 a 1885, onde estudou com o escultor Giulio Monteverde (1837-1917) e conheceu, entre outros, os escultores Achille D’Orsi (1845-1929) e Eugenio Maccagnani (1852-1930). 

Bernardelli retornou ao Brasil em 1885, sendo aprovado pela Congregação de Professores para o cargo de professor de estatuária da Academia Imperial de Belas Artes. Em 1888, com Rodolfo Amoedo, Henrique Bernardelli e Zeferino da Costa, fundou o Atelier Livre, que era uma forma de protesto ao ensino tradicional da Academia.

Iniciaremos nosso texto a partir da discussão sobre um trabalho de juventude de Bernardelli, realizado na Itália. Nele o artista retoma  de forma inovadora a temática indianista. A escultura Faceira, em gesso, foi realizada em 1880 e recebida pela Academia no ano seguinte. Apenas em 1921 ela foi passada para o bronze.

A Faceira é a representação de uma índia, com uma forte carga de sensualidade e muito “inclinada a um exotismo amaneirado”, como aponta Luciano Migliaccio. Bernardelli realizou vários estudos da Faceira, nos quais é possível perceber a sua preocupação em definir a posição do corpo da mulher. A obra é descrita no parecer da Seção de Escultura de 1882, assinado por Chaves Pinheiro e João Maximiano Mafra:

Esta estátua de grandeza natural é uma belíssima figura de mulher lúbrica e provocante da raça americana. O movimento é gracioso, as proporções ficaram bem observadas, o modelado executado com saber. Pertencendo pelo assunto esta estátua a Escultura de gêneros é tolerável a Escola realista em que tem continuado o pensionista, entretanto o talento peregrino que a concebeu e executou com tanta galhardia se tivesse concentrado na Escola idealista, poderia [ter] bem produzido um primor d’arte.

A Faceira foi a obra mais elogiada pelos professores no parecer. Entretanto, a meu ver, sua boa aceitação se deveu ao fato de ser considerada como uma escultura de gênero, na qual eram permitidas maiores inovações.  A crítica, por ocasião da sua apresentação na Exposição Geral de Belas Artes de 1884 [cf. catálogo], ressaltou além da qualidade do trabalho, a sensualidade da figura, como em texto de Nimil, na Gazeta da Tarde, de 24 de agosto de 1884:

Aquela mulher de contornos opulentos e seductores, de seios redondos e grandes, de olhar lascivo e desafiante, com o corpo arqueado sobre um tronco a pedir adorações, a provocar sensualidades que se casem com a sensualidade que de seu corpo dimana: aquela mulher índia, em plena nudez, deixando ver a descoberto as mil bellezas, os mil segredos que ela não teme desvendar, provoca do visitante todas as atenções.

[...].

S. Antônio, o casto, não resistiria á Faceira.

Já o crítico Gonzaga Duque, em texto de 1888, ressalta o fato que a figura não apresenta características étnicas. Além disso, para ele, os cabelos estão presos em penteados caprichosos demais para a representação de uma índia, os pés deveriam ser espalmados pelas caminhadas contínuas e pelo exercício de subir em árvores, as  suas mãos deveriam ser descuidadas e os músculos rijos pelas atividades desenvolvidas, o que, no entanto, não acontece. A Faceira, para o crítico, é excessivamente adornada, tendendo dessa forma a uma imagem caricatural. Gonzaga Duque assim descreve a Faceira:

De mais, a estrutura da ‘Faceira” é flácida. Há no seu corpo molezas de uma carne já cansada pelas noites febris do deboche; existe em seu sorriso a untura do carmim e a palidez da perversidade; seus olhos miúdos têm o brilho tentador da lascívia, e a posição em que está, apoiada com ambas as mãos em um cepo de árvore que lhe fica às costas, empinando todo o tronco, faz lembrar mulheres experientes em seduções e que estudam ao espelho atitudes provocadoras.

O tema do índio representando a nação brasileira já integrava a tempos o imaginário nacional e nesta obra foi tratado pelo artista quase como uma paródia de representações tradicionais. Mas uma fotografia [Figura 2], publicada em monografia de Celita Vaccani sobre o escultor, nos leva a refletir sobre as intenções do artista e sobre certa irreverência que predominava nas obras dessa geração. Henrique Bernardelli vestido de frade e portando um pequeno livro em suas mãos, olha para a figura da Faceira, ainda em barro, em fotografia realizada provavelmente no ateliê do escultor.

A foto inicialmente nos levaria a pensar acerca da relação histórica existente entre o índio e a catequização, como forma de civilização. Mas uma outra imagem, um trabalho de Félicien Rops, As tentações de Santo Antonio (1878), pode ter sido referência para a “montagem” da cena. Para Luciano Migliaccio há uma correspondência entre a foto e o quadro de Rops, em que o crucifixo se transforma numa imagem lasciva aos olhos do eremita ajoelhado.

Outra escultura bastante polêmica de Bernardelli é Santo Estevão realizada em Roma em 1879. A escultura encontra-se assim descrita no parecer da Seção de Escultura:

O protomártir da religião de Jesus Cristo está moribundo, o excesso das dores que lhe causa o martírio exprime-se perfeitamente na fisionomia, e em todas as fibras de seu corpo ainda jovem, neste transe supremo ele volve para o céu olhos repassados de mais pulsante angústia, e a dor física, e [ilegível] da esperança da glória, que se desenha com rara perfeição, em toda esta estátua, desde os cabelos desalinhados e revoltos da cabeça aos dedos encolhidos dos pés. Esta expressão, por demais realista, substitui aqui aquela de sentimento ascético que deveria predominar na alma dos mártires cristãos e principalmente na do Santo, escolhido pelo pensionista por ter sido o primeiro que derramou seu sangue como confessor de Jesus Cristo. Na opinião da Seção d’Escultura é isto resultado natural e quase inevitável de filiação do pensionista na escola realista, escola que actual Congregação da Academia Imperial das Belas Artes não aceita, como guarda fiel das boas tradições da arte clássica, que nela felizmente deixaram seus talentosos fundadores.

Percebe-se que a Academia desaprovou a expressão excessivamente realista do santo, entendendo que isso se devia a filiação de Bernardelli à escola moderna. Entretanto na maneira detalhada como ela é descrita nesse documento oficial, principalmente nos trechos em que os professores se referem ao corpo do personagem, é possível notar que eles percebem que ela foi muito bem executada, transmitindo o sentimento na representação do corpo.

Em trabalhos de menor porte, que não faziam parte das obrigações de pensionista, constata-se que o artista apresentou uma maior liberdade na execução. A modelagem vibrante substituiu a superfície lisa e polida, com áreas elaboradas para refletir a luz de modos diversos. Essa forma de modelar caracterizou primeiramente a escultura de Vincenzo Gemito (1852-1929) e posteriormente encontrará grande desenvolvimento nos trabalhos de Medardo Rosso (1858-1928). Em alguns bustos realizados por Bernardelli nos anos seguintes, como o busto da Checa (1877), do médico Montenovesi (c.1882) e de Modesto Brocos (1883), há certa proximidade formal com retratos realizados por Gemito, como em Retrato de Michetti (1873).

Já algumas obras de Bernardelli como Cabeça de aldeã da Ilha de Capri (s.d.) e Cabeça de camponesa (s.d.) permitem relacioná-las a aspectos da escultura e da pintura italiana daqueles anos. Bernardelli trata com realismo o rosto e a indumentária das camponesas, destacando o lenço graciosamente amarrado sobre suas cabeças. Nestas obras atesta o diálogo com bustos de Achille D’Orsi como Cabeça de Marinheiro (c.1878). Como aponta Mimita Lamberti, a escultura de D’Orsi corresponde ao gosto verista de uma aproximação direta entre a pesquisa folclórica e a classificação cientifica. A junção entre o pitoresco e a fiel documentação de costumes e dos tipos do mundo napolitano tornou-se um sucesso comercial. Na pintura uma referência similar pode ser encontrada em pinturas de Francesco Paolo Michetti (1851-1929).

Após seu retorno do escultor ao Brasil três de suas obras revelam inovações e novidades em relação ao cenário da escultura brasileira. Em 1886 Gonzaga Duque se refere a uma escultura de Bernardelli intitulada Hue!, que representa “uma negra crioula da Bahia, trazendo a mão um pequeno balaio de frutos, que num ademane gracioso, faz aquela exclamação”, exposta na Livraria Faro & Nunes, em 1886. É muito provável que seja a Baiana [Figura 3] do acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo, já que não conhecemos outra obra de mesmo tema realizada pelo escultor.

Ao representar uma pessoa do povo, a vendedora de frutas, ele faz uma referência à atividade dos antigos negros de ganho. A estatueta revela proximidade formal com algumas representações femininas presentes na escultura italiana contemporânea, pela busca da representação objetiva do traje da baiana. Na opinião do Gonzaga Duque, entretanto, a obra é elaborada demais. Para o autor esse tipo de escultura, que se volta à representação de imagens do cotidiano, requer, como a caricatura, muita espontaneidade e simplicidade e, no entanto: “vê-se claramente que ali andou a mão de um grande artista a procurar o rigoroso modelado das formas”.

Outra obra bastante interessante de Bernardelli é o Retrato de Negro (1886) [Figura 4] se insere entre as poucas obras em que se representam pessoas negras no Brasil oitocentista. Tratava-se provavelmente de uma pessoa do círculo de amizades do escultor, o músico afro-cubano José Silvestre White Laffite (1836-1918). Foi possível identificar o representado por meio de fotografia de época. Depois de uma longa estada em Paris, o músico foi convidado a dirigir o Conservatório Imperial de Rio de Janeiro (Brasil), sendo também professor dos filhos de D. Pedro II, cargo em que permanece até 1889, quando retorna à Paris com a República. O esboço do busto foi realizado por Bernardelli em Roma. A meu ver, o retrato foi elaborado com grande liberdade de execução, revelando expressividade e simpatia, aliadas a certa informalidade na maneira com que foi representado pelo escultor, que era ele também músico.

A retratística é um ponto importante da produção de Bernardelli. Os críticos de arte França Júnior e Gonzaga Duque escreveram em 1886 sobre os bustos executados por Bernardelli nesse período. França Júnior destaca alguns bustos do artista exibidos na Exposição Vieitas:

Como discípulos de escultura apparecem no catálogo Emmanuel LacailLe, Xisto Messias e Benevevuto Berna. A influência poderosa de Rodolphho Bernardelli, o revolucionário que em boa hora entrou para a academia, sente-se naquelles bustos que ali figuram, estudados do natural!

Que diferença entre esses barros e gessos e os da antiga escola.

A maneira de ver e de modelar já não é a mesma.

É que a escultura, como as outras manifestações da arte, passou por salutar transformação.

Como apóstolos da nova idéa figuram na Itália, donde tem partido a luz, Monteverde, Vela, Ercole, e principalmente D’Orsi...

Já Gonzaga Duque comenta:

Logo à entrada, não sei se por acaso ou por premeditação, vê-se sobre uma coluna de mármore negro um busto em bronze, cinzelado por Rodolfo Bernardelli. É o retrato da falecida esposa de Luís Guimarães Júnior. Nada posso dizer da cópia, da semelhança do retrato. Nessa produção, na parte que importa diretamente ao escultor e que se chama “expressão e estilo” encontro tudo que se pode exigir: anatomia, movimento e corte. [...] Isto conseguiu Bernardelli no bronze. Porém quanto não o teria conseguido no mármore?

Dessa forma nota-se que os retratos realizados por Bernardelli nos anos 1880 foram muito destacados na imprensa carioca. O artista dedica-se principalmente a realização de retratos da Família Imperial, como busto da Princesa Isabel (c.1888) e da Imperatriz Teresa Cristina (1889), em que se demonstra um notável escultor.  

Por outro lado, uma das encomendas importantes que Rodolfo Bernardelli recebeu após seu retorno foi a execução do Túmulo de José Bonifácio [Figura 5], localizado atualmente no Panteão dos Andradas, em Santos (SP).  Nascido em Santos, Bonifácio havia sido sepultado em 1838 na Capela da Igreja de Nossa Senhora do Carmo na mesma cidade.  Em 1886 foi encomendado a Bernardelli pelo Conselheiro João Alfredo Correia de Oliveira um monumento tumular para o Patriarca da Independência. A escultura foi executada na Itália por volta de 1888 e enviada ao Brasil no ano seguinte, quando os jornais publicam notícias de que 19 caixas que a continham se encontravam presas na Alfândega de Santos.

O trabalho fora concebido inicialmente para ser colocado na capela-mor da Igreja de Nossa Senhora do Carmo. Como a possibilidade de colocação no interior da igreja não se concretizou, a escultura foi disposta em área rebaixada no claustro do Convento do Carmo, para onde foi trasladada a sepultura de José Bonifácio. Em 1923 foi inaugurado em Santos o mausoléu dos irmãos Andradas, a partir de um programa iconográfico idealizado por Affonso de Taunay e contando com painéis em relevo relativos à história do Brasil. O trabalho de Bernardelli foi transportado então para aquele local para compor o Panteão dos Andradas.

Segundo Costa e Silva Sobrinho “o monumento representa José Bonifácio tal como foi conduzido da rampa do Paço para a eça mortuária da Igreja do Carmo: revestido das insígnias de Cavaleiro do Paço, dentro do caixão aberto.” Sobre o modelo do túmulo encontramos comentários na Revista Illustrada:

Visitando o atelier de Rodolpho Bernardelli, ahi vimos o bello tumulo de José Bonifácio, o velho.

É uma verdadeira obra de ate, na qual não se sabe que mais admirar, se a execução d’essa serena figura, em cujas linhas fisionômicas se desenha o sonno da morte, se a concepção do conjunto artístico, que dá ao túmulo um aspeccto grandioso e que impressiona profundamente.

Tanto a figura do patriarcha da Independência, como a tapeçaria que cobre metade do sarcophago, estão feitas pela mão do mesmo. 

A escultura jacente de José Bonifácio é extremamente inovadora na relação que estabelece com o espectador. Pensada para ser observada no interior de uma igreja, sua figura provoca comoção e admiração. A recorrência à máscara mortuária, em uma imagem impressionantemente realista, traz um apelo novo à estatuária brasileira. Até onde nos foi possível conhecer, trata-se ainda de um modelo escultórico novo no Brasil, cujas referências prováveis são esculturas existentes em igrejas italianas, como Santo Stanislaus Kostka (1703), de Pierre Legros, em mármore colorido.

Já o emprego da policromia, com uso de materiais diversos, confere à obra um outro significado. O corpo morto de Bonifácio, em mármore branco, contrasta com o bronze do panejamento. Segundo relata a historiadora Ana Rosa Cloclet da Silva, em seu leito de morte José Bonifácio olha para a colcha de retalhos que o cobria e aludindo à heterogeneidade de classes, cores e etnias que compunham o corpo nacional, afirma: “O que afeia estes bordados é apenas a irregularidade do desenho...”. É possível concluir que a proposta do panejamento na obra possa ser entendida como uma alusão a essa frase, uma síntese do pensamento social de Bonifácio.

Nos anos 1880 a luta pela abolição, que fora encabeçada por José Bonifácio nos anos 1820, se tornara um fator político importante, contando inclusive com o apoio da Casa Real. É importante lembrar que a Família Real participou das subscrições para a realização do túmulo de José Bonifácio. A Princesa Isabel havia conseguido com o papa a autorização especial para colocação da obra no interior da Igreja. Isto, entretanto, não chegou a ocorrer. Segundo o próprio Bernardelli, que fora ver o trabalho em 1921, ou seja, antes da criação do Panteão dos Andradas, a obra se encontrava um pouco desfigurada devido a sua exposição ao ar livre e ele, que muito trabalhara contando com um efeito, percebe que ao final não se concretizara...

Podemos concluir que a realização do túmulo de José Bonifácio, no qual o personagem político foi fixado pelo artista no momento das suas exéquias, criando dessa forma uma monumentalização de seu velório, está vinculada a uma mensagem política, no contexto dos últimos anos da monarquia católica no Brasil.

Neste artigo procuramos abordar alguns aspectos menos conhecidos da produção do escultor Rodolfo Bernardelli, ainda em estudo em meu doutorado, visando compreender sua trajetória nos anos finais do Segundo Império e destacar a relevância para o contexto brasileiro do final do século XIX de algumas obras que o artista executou nesse período.

Fonte: Dezenove Vinte, “A propósito de três esculturas de Rodolfo Bernardelli: a Baiana (1886), o Retrato de Negro (1886) e o Túmulo de José Bonifácio (1888-89)”, publicado por  Maria do Carmo Couto da Silva, em 3 de julho de 2009. Consultado pela última vez em 21 de agosto de 2025.


Rodolpho Bernardelli, um perfil do homem e do artista segundo a visão de seus contemporâneos | Dezenove Vinte

José Maria Rodolpho Oscar Bernardelli nasceu em 1852, no México, onde viveu por poucos anos. Filho de pais artistas, ela bailarina e ele violinista, teve uma infância agitada causada pelas constantes mudanças da família. Primeiro, dos 4 filhos do casal, acompanhou os pais por um longo périplo que começou no México, passou  por uma ilha no Pacífico seguindo, anos depois, para o Chile onde nasceria Henrique, seu irmão e amigo inseparável por toda a vida [Figura 1]. Tempos mais tarde fariam a travessia dos Andes, com destino ao Rio Grande do Sul.

De São Pedro a família Bernardelli transferiu-se para Porto Alegre, onde um convite do Imperador D. Pedro II os trouxe ao Rio de Janeiro. A Corte ofereceria melhores condições de vida a esses incansáveis viajantes. Os pais tornaram-se preceptores das princesas imperiais, enquanto os filhos dedicavam-se aos estudos. Rodolpho tinha na época 14 anos e já sentia grande atração pela arte. Seu interesse pela escultura era demonstrado pela curiosidade com que assistia às aulas do professor Chaves Pinheiro. Diariamente, utilizando-se de “pernas de pau”, o garoto observava o trabalho do mestre através das janelas do atelier. Sua persistência levou o professor a se interessar por ele e em pouco tempo era convidado a participar das aulas. O próximo passo foi o ingresso na Academia Imperial de Belas Artes.

Por todo o período em que freqüentou a Academia como aluno Rodolpho se destacou pela sua dedicação e, em pouco tempo, sua produção escultórica já começava a ser representativa. É grande a relação de bustos, retratos, medalhões e alguns trabalhos em vulto redondo, assim como são numerosas as premiações. Em 1876 ganhou o ambicionado Prêmio de Viagem, oferecido pela Academia ao melhor trabalho de aluno. Só foi possível recebê-lo porque, dois anos antes, ele havia requerido a nacionalidade brasileira, fator indispensável para concorrer ao prêmio.

Um manuscrito de Bernardelli, com suas anotações de viagem, nos oferece a rara oportunidade de conhecer os sentimentos e as impressões do escultor frente à arte de seu tempo. Ali ele relata que encontrou a arte francesa em estado latente de transição, com a escola Romântica quase morta e o Realismo começando sua dominação no espírito dos novos. Carpeaux havia morrido e nada ou quase nada havia de novo em matéria de evolução artística da escultura. Filho de uma academia cuja base tinha sido a tradição antropomórfica, tudo isso “devia produzir no cérebro de um moço de 24 anos grande abalo”. Assim, foi que chegando a Paris em 1876, “a arte contemporânea não influiu no espírito - eram obras sem vida”, desabafou ele. Decepcionado com o Institute de France e triste por ver que seu “ideal de arte estava fora de época”, Bernardelli decidiu-se pelos estudos na Itália.

A opção por Roma, ao invés de Paris como era de praxe entre os estudantes brasileiros, é em parte explicada nas anotações acima. Recém saído de uma Academia ultrapassada, como ele mesmo reconhece, deveria ser-lhe difícil compreender e acompanhar as transformações por que passava a escultura francesa da época.  A Itália, ao mesmo tempo em que lhe ofereceria a oportunidade de estudar  as obras clássicas, com o qual ele tinha maior afinidade, lhe proporcionaria o contato com o verismo, corrente naturalista e detalhista que adotaria em diversos momentos de seu trabalho. Nesse particular, sofreu certa influência de seus mestres italianos, os irmãos Giulio e Achilles Monteverde, com quem aprendeu a trabalhar o mármore.

Como pensionista do governo, ele tinha o compromisso de enviar, duas vezes por ano, trabalhos para serem julgados por uma comissão da Academia Imperial de Belas Artes. Esses trabalhos tanto podiam ser da livre escolha do aluno como encomendas da própria Academia. A intenção era verificar os progressos do pensionista ao mesmo tempo em que as obras serviriam para formar o acervo da escola. Por ocasião do envio de uma série de trabalhos, incluindo o Santo Estevão e a Faceira, o parecer da sessão de novembro de 1880, assinado pelo secretário J. Maximiano Mafra e pelo professor Chaves Pinheiro, dizia o seguinte:

Sente a secção d’Escultura que o pensionista Rodolpho Bernardelli tivesse preferido em todos os trabalhos acima analysados, o estylo moderno ao antigo, a escola realista à grande e bella escola idealista, única capaz de produzir estatuas como o Appolo do Belvedere e a Venus de Milo.....Mas reconhecem o constante e gradual progresso do pensionista e a louvável aplicação ao trabalho.

Por esta avaliação nota-se o quanto a Academia ainda estava presa ao antigo e tradicional gosto neoclássico. Qualquer trabalho que fugisse ao padrão estabelecido corria o risco de não ser aceito e era uma ameaça à permanência do pensionista no exterior. Ciente das regras, Bernardelli dedica-se a copiar em mármore a Vênus de Medicis, por encomenda da Congregação, enquanto aguarda a permissão para executar a composição Cristo e a mulher adúltera, cujo esboço havia enviado para aprovação. Ainda por encomenda realizaria a cópia da Vênus Calipígia, também em mármore, e que atenderia plenamente às exigências. A propósito dos pareceres da comissão, Rodolpho Amoedo escreveu a  Bernardelli aconselhando-o a não dar ouvidos às críticas da Academia e a continuar fazendo aquilo que achava que era o melhor, “porque aquilo está por um fio”, “é uma questão de tempo, não tardará muito, espero, a desmoronar”.

Durante 9 anos Bernardelli viveu na Itália,  voltando ao Brasil em 1885. Neste mesmo ano foi nomeado professor de estatuária na Academia, em substituição a Chaves Pinheiro que estivera guardando o lugar para o discípulo dileto até o momento de sua aposentadoria, no ano anterior. Chegava vitorioso, contava com a simpatia da Família Imperial e já era um artista reconhecido. Como  maior nome da escultura nacional passa a receber uma série de encomendas, incluindo alguns monumentos de grande porte.

No atelier da rua da Relação, um galpão construído num terreno que havia recebido do governo, Bernardelli  vivia e trabalhava. Ali executaria grande parte de sua obra, inclusive os monumentos equestres de Osório e de Caxias. Também  recebia os amigos, uma roda formada por literatos, jornalistas, políticos ocupando altos postos, artistas, nomes que formavam a sociedade culta da época e muitos dos quais foram retratados pelo artista, como se pode ver pela coleção do Museu Nacional de Belas Artes.

Figura miúda, rosto avermelhado contornado por uma barbicha bem desenhada, personalidade calma, comedida, homem que nunca levantava a voz mas que impunha respeito, severo e ao mesmo tempo dotado de fina ironia, atencioso e íntegro, dono de grande magnetismo pessoal, são algumas das qualidades ressaltadas pelos biógrafos que o conheceram e privaram de seu convívio. Foi amado, respeitado e até mesmo reverenciado por uma grande legião de amigos, homens como Benjamim Constant, Quintino Bocayuva, Olavo Bilac, Machado de Assis, Aluízio e Arthur de Azevedo, Raul Pompéia, Leopoldo Miguez, Zeferino da Costa, Angelo Agostini, Pereira Passos [Figura 2] e Paulo de Frontin. Nomes que estão entre os mais significativos da época e que, ou  freqüentavam o atelier com assiduidade ou mantinham ativa correspondência com o artista. Esta correspondência, guardada pelos irmãos Bernardelli durante toda uma vida e que hoje se encontra sob guarda do Museu Nacional de Belas Artes, é o testemunho desta admiração.

Admiração não compartilhada por outros que acusavam Bernardelli de ser extremamente vaidoso (sempre se utilizando de subterfúgios para aparecer). Era visto ainda como autoritário, prepotente e sobretudo ingrato, além de artista medíocre. Estas críticas, muitas vezes, partiram de antigos amigos, principalmente de colegas de trabalho que, em algum momento da vida de Bernardelli, o ajudaram e que mais tarde foram afastados de seus postos quando este assumiu  a direção da Escola Nacional de Belas Artes. Eram professores como Victor Meirelles e José Maximiano Mafra que tiveram que deixar a Escola ou artistas como Antonio Parreiras, Benevenuto Berna, Facchinetti, Décio Vilares, entre vinte e sete outros, que chegaram mesmo a fazer um abaixo assinado discordando de sua direção. Dentre as críticas, talvez a mais contundente seja justamente a de um ex-amigo que foi íntimo durante 30 anos, Modesto Brocos. Contidas em seu livro, “A questão do ensino de Bellas Artes”, as críticas eram dirigidas ao diretor da escola, ao artista e ao homem, retratando-o como “uma sereia que teve o dom de enganar a todos”, “um diretor que governava a Escola como um fazendeiro governa sua fazenda” e “um artista que tem enganado o público”.

Não entrando no mérito da questão, principalmente por não ser nosso objetivo analisar sua atuação à frente da Escola e muito menos o caráter do artista, o que cabe aqui registrar é o fato de que Bernardelli, apesar de não ser uma unanimidade em seu tempo, era uma espécie de “artista oficial”. O próprio Brocos, que faz um depoimento carregado de mágoa, analisando o contexto artístico da cidade à época da volta de Bernardelli, mostra que o ambiente lhe era inteiramente favorável. Neste texto ele diz que Bernardelli foi abençoado pela deusa fortuna quando voltou ao Brasil pois, o país estava em paz, no Rio os artistas já estavam velhos e os projetos de arte só estavam à espera de alguém que viesse por as mãos sobre eles. O único que poderia lhe fazer concorrência, Almeida Reis, viria a falecer pouco depois. Portanto, não tendo obstáculos, pode percorrer seu caminho sem contrariedades.

São digno de registro a habilidade política de Bernardelli e o fascínio que exercia sobre as pessoas, características que nem mesmo seus críticos negavam. Monarquista e admirador do Imperador, foi por ele agraciado com amizade e proteção. Com o fim da Monarquia, num gesto de solidariedade para com a família Imperial, deixou a cadeira de estatuária que ocupava na Academia Imperial de Belas Artes. Com a República, voltou ao mesmo posto, a pedido do amigo Benjamim Constant, e passou a fazer parte da comissão destinada a estudar e propor a reforma do ensino artístico. A proposta, 1889 - Reforma da Academia-República, resultaria, entre outras inovações, na transformação da Academia em Escola Nacional de Belas Artes. No ano seguinte seria nomeado seu diretor, cargo que ocuparia por 25 anos. O bom relacionamento com as pessoas influentes do novo regime seria de eficaz importância na implantação das reformas, mais tarde na construção da sede da Escola e, evidentemente, na manutenção do cargo.

Um rápido exame nos jornais da época nos oferece uma visão de seu prestígio. Por ocasião da inauguração do monumento a Osório foi-lhe oferecido um banquete de adesões, organizado por uma comissão composta por senadores, deputados e jornalistas e patrocinado pela Gazeta de Notícias, que reuniu um número significativo dos nomes mais expressivos da sociedade. Até mesmo o Presidente da República se fez representar. Era comum os periódicos trazerem versos em sua homenagem, como também o debate entre dois ou até mais articulistas de jornais diferentes, que através de artigos de primeira página promoviam uma acirrada polêmica a respeito do artista ou de sua obra. Na coluna Folhetim do Jornal do Brasil, o Conde Carlos de Laet, escritor e engenheiro conhecido pela integridade de seu caráter, utilizando o pseudônimo Cosme Peixoto, criticava Bernardelli tanto como  diretor da escola, quanto como professor e artista. Em sua defesa acorreram diversos jornalistas. Entre esses, Lulu Senior (Dr. Ferreira de Araújo), amigo de Bernardelli e diretor da Notícia, Arthur de Azevedo que escrevia no Novidades e tratava o artista como “irmão”, Marial da Gazeta de Notícias e Arthur Mendonça de O Paiz. Nota-se que a defesa vinha sempre em maior número e era tão ou mais calorosa que o ataque. Certa vez, depois de um artigo especialmente duro de Laet, os amigos se reuniram num grande abaixo-assinado em solidariedade ao escultor, que incluía até mesmo críticos habituais de sua obra, como Gonzaga Duque.

A propósito, Gonzaga Duque, num artigo sobre o Salão de 1905, perguntava onde se encontrava a escultura, as aulas de escultura e os escultores desta terra e, principalmente, o que fazia Correia Lima, pensionista promissor, que de volta ao país não tinha trabalho. A resposta, dada pelo próprio crítico, era que

O Sr. professor Rodolpho Bernardelli, diretor perpétuo e senhor absoluto da Escola de Bellas Artes, não sei commendador de varias ordens estrangeiras, conselheiro esthetico do governo e outras instituições, monopolisava todas as admirações e todos os trabalhos.

E completava mais adiante:

“tinha Sua Eminencia uma enfiada d’encommendas.... por atacado e a varejo”, enquanto “o sr. Correia Lima, com quem o Estado gastou tanto dinheiro para o aperfeiçoar na arte d’esculpir, e cujo aproveitamento demonstrou em magnifícos trabalhos, ficava às moscas, com suas illusões mettidas num saco!”

Esta situação que Gonzaga Duque denunciava no início do século já vinha sendo noticiada por Cosme Peixoto desde o Salão de 1894, quando por diversas vezes ele perguntou porque a Escola não tinha alunos de escultura. Com aquela ironia que lhe era peculiar, ele explicava que isso se dava porque  o professor “imenso”, “enorme” e “colossal”, “gênio imortal”, desdenhava “satélites” e, como nenhum aluno quisesse freqüentar suas aulas, “durante muitos anos brilhará sem competencia no céu artístico”. “O sr. Bernardelli é o primeiro por ser o único - eis a verdade nua e crua”, insistia o jornalista em outro artigo. De fato, o panorama da escultura brasileira nesse período era muito restrito, como havia sido desde a fundação da Academia.

Eram poucos o escultores atuando no Rio de Janeiro. Chaves Pinheiro já havia morrido e não tinha deixado discípulos para substituí-lo.  Em seu longo magistério  formou poucos nomes dignos de expressão e dentre eles, somente Cândido Caetano de Almeida Reis teria tido condições de concorrer com Bernardelli.

No entanto, Almeida Reis não teve a mesma sorte de seu colega. Artista com pensamento próprio e forte personalidade, não demorou a entrar em choque com o conservadorismo acadêmico brasileiro. Desde os tempos de aluno demonstrou uma liberdade artística que  desagradava a seus professores. Pensionista na Europa, em 1865, adotaria os ideais românticos e infringiria os regulamentos da Academia enviando O Rio Paraíba do Sul, um trabalho com tema brasileiro em lugar do mitológico ou do bíblico como era previsto. Uma desavença com Chaves Pinheiro, então em visita a Paris, o faria perder a bolsa e voltar ao Brasil. Daí por diante, marginalizado pela Academia e pelo meio artístico, seria muito difícil receber encomendas e desenvolver seu trabalho.

Praticamente sem concorrentes, Bernardelli decidiu não participar de concursos públicos.  Por ocasião dos preparativos para a construção de um monumento a Carlos Gomes em Campinas, o escultor mandaria uma carta à comissão responsável explicando suas razões. Como de hábito, ele faria um rascunho, cheio de frases incompletas e de lacunas, mas onde se pode ler, principalmente nas entrelinhas, sua certeza de que não havia no país nenhum artista  em condições de competir com ele, nem júri com competência para julgá-lo.

Esta sua atitude  acabava surtindo efeito. Todas as comissões que tentaram escolher um artista através de concursos públicos acabavam por desistir diante de sua negativa. Seguramente elas não gostariam de ver o maior nome da escultura nacional ausente de seus projetos, pois  seria um desprestígio para os mesmos. O artista demonstrava ser um profissional seguro de sua competência e de sua superioridade, pois agiu desta forma diante de todos os grandes projetos, incluindo o do General Osório, quando afastou a concorrência de Almeida Reis. Cosme Peixoto não poderia deixar de denunciar e, em artigo no Jornal do Brasil, escrevia que, certa vez, no Senado, falava-se em abrir concurso para uma determinada estátua, quando “levantou-se um pae da pátria e disse que era inutil a concorrencia em paiz onde havia um Bernardelli”. Diante de tal quadro é compreensível a timidez e o ostracismo dos escultores da época, pois não havia incentivo e o espaço para eles era muito limitado.

Rodolpho Bernardelli permaneceria à frente da Escola de Belas Artes até 1915, quando um movimento de professores e alunos o afastaria da direção. No ano seguinte pediria a aposentadoria e só voltaria a colocar os pés na Escola, já bem idoso, para receber uma homenagem em forma de busto, feito por seu aluno Correia Lima. Nesse espaço de tempo ele viveria praticamente afastado do mundo, em seu novo atelier na praia de Copacabana, dedicado unicamente à escultura e ao convívio dos amigos mais fiéis. Morreria em abril 1931, mas não antes de dar um passeio de bonde para se despedir de seus monumentos.

Fonte: Dezenove Vinte, “Rodolpho Bernardelli, um perfil do homem e do artista segundo a visão de seus contemporâneos”, publicado por Suely de Godoy Weisz, em 4, out. 2007. Consultado pela última vez em 21 de agosto de 2025.


Núcleo Bernardelli | Itaú Cultural

Fundado em 12 de junho de 1931 por um conjunto de pintores comprometidos com a oposição ao modelo de ensino da Escola Nacional de Belas Artes - Enba, o Núcleo Bernadelli possui como metas centrais a formação, o aprimoramento técnico e a profissionalização artísticos. "Queríamos liberdade de pesquisa e uma reformulação do ensino artístico da Escola Nacional de Belas Artes, reduto de professores reacionários, infensos às conquistas trazidas pelos modernos", afirma Edson Motta (1910 - 1981), um dos líderes do grupo. Além de democratizar o ensino, o grupo almeja permitir o acesso dos artistas modernos ao Salão Nacional de Belas Artes e aos prêmios de viagens ao exterior, dominados pelos pintores acadêmicos. O nome do grupo é uma homenagem clara a dois professores da Enba, Rodolfo Bernardelli (1852 - 1931) e Henrique Bernardelli (1858 - 1936), que no final do século XIX, insatisfeitos com o ensino da escola, mas também movidos por interesses políticos-administrativos, montam um curso paralelo na Rua do Ouvidor, no centro da cidade do Rio de Janeiro. O Núcleo Bernardelli funciona primeiramente no Studio Nicolas, do fotógrafo Nicolas Alagemovits, e muda-se em seguida para os porões da Enba, onde funciona até 1936. Nessa data, transfere-se para a Rua São José, depois para a Praça Tiradentes, n. 85, até a sua extinção em 1941. Participam do também denominado "ateliê livre", os pintores: Ado Malagoli (1906 - 1994), Bráulio Poiava (1911), Bustamante Sá (1907 - 1988), Bruno Lechowski (1887 - 1941), Sigaud (1899 - 1979), Camargo Freire (1908 - 1988), Joaquim Tenreiro (1906 - 1992), Quirino Campofiorito (1902 - 1993), Rescála (1910 - 1986), José Gomez Correia, José Pancetti (1902 - 1958), Milton Dacosta (1915 - 1988), Manoel Santiago (1897 - 1987), Yoshiya Takaoka (1909 - 1978) e Tamaki (1916 - 1979).

A criação do Núcleo Bernadelli remete a um contexto artístico, dos anos 1930 e 1940, atravessado por tentativas de ampliação dos espaços da arte e dos artistas modernos, por meio da criação de grupos e associações. A Pró-Arte Sociedade de Artes, Letras e Ciências (1931) e o Club de Cultura Moderna (1935), no Rio de Janeiro, ao lado de agremiações paulistanas como Clube dos Artistas Modernos - CAM, a Sociedade Pró - Arte Moderna - SPAM, ambos de 1932, o Grupo Santa Helena (1934) e a Família Artística Paulista - FAP (1937) são expressões do êxito do associativismo como estratégia de atuação dos artistas na vida cultural do país na época. Cada qual à sua maneira, esses grupos problematizam o legado do modernismo. Um outro esforço de modernização do ensino artístico pode ser localizado na tentativa de reforma da Enba, empreendida por Lúcio Costa (1902 - 1998) ao assumir a direção da escola, em 12 de dezembro de 1930.

Se o Núcleo Bernadelli é concebido em consonância com os projetos modernos em gestação e desenvolvimento, seu funcionamento parece mais voltado para uma tentativa de ocupação de espaço profissional do que de reformulação da linguagem artística. Trata-se fundamentalmente de incentivar o estudo e a formação pela criação de um lugar para convivência, troca de idéias e aprendizado. Desenho com modelos vivos, pintura ao ar livre, nus, naturezas-mortas, retratos e auto-retratos são realizados no ateliê, que promove também exposições das obras. Entre 1932 e 1941 são realizados cinco salões dos integrantes do Núcleo Bernadelli. Além disso, em 1933, o conjunto dessas obras é exposto no Studio Eros Volúsia e, em 1934, em mostra promovida pela Sociedade Brasileira de Belas Artes. Além das paisagens, amplamente realizadas, os artistas do grupo pintam cenas urbanas e figuras humanas. Alguns críticos sublinham a inspiração impressionista desse paisagismo, além da influência construtiva de Paul Cézanne (1839-1906), sobretudo nas naturezas-mortas de Milton Dacosta. Mas é possível localizar em parte da produção do grupo - em Malagoli, por exemplo - afinidades com o ideário do retorno à ordem. Alguns trabalhos de Malagoli, Sigaud e Campofiorito, por sua vez, anunciam questões sociais, em pauta nas manifestações artísticas da década de 1930.

Os nomes de José Pancetti e Milton Dacosta, egressos do grupo, destacam-se posteriormente em função das marcas inovadoras e pessoais dos seus trabalhos. Pancetti se notabiliza pelas marinhas que realiza, além dos diversos retratos e auto-retratos. Os anos de 1950, considerados o ápice de sua produção, conhecem as célebres Lavadeiras na Lagoa do Abaeté, as paisagens de Saquarema e cenas de Mangaratiba. Atento, desde o início de sua obra, aos desafios da composição e ao uso da cor, seus trabalhos dos anos de 1950 enfatizam a organização dos planos geométricos, fazendo com que beirem a abstracão. Milton Dacosta, responsável por uma obra convencionalmente dividida em fases em função das influências que recebe - Paul Cézanne, De Chirico (1888 - 1978), Pablo Picasso (1881 - 1973) e Giorgio Morandi (1890 - 1964) -, esteve sempre preocupado com a esquematização das formas, e recusa mesmo em suas obras figurativas dos anos 1930, qualquer inclinação naturalista mais direta. As lições construtivas, as deformações picassianas e cubistas, o equilíbrio entre planos colorísticos são todas preocupações precoces de seu trabalho (vide Paisagem de Santa Teresa, 1937), indica Mário Pedrosa (1900 - 1981). Por essa razão, o crítico defende que o abstrato é "o ponto de partida do pintor", e não apenas a marca de sua obra após a década de 1950.

Fonte: NÚCLEO Bernardelli (Rio de Janeiro, RJ). In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2017. Disponível em: Itaú Cultural. Acesso em: 11 de Nov. 2017. Verbete da Enciclopédia. ISBN: 978-85-7979-060-7

Crédito fotográfico: Dezenove Vinte. Consultado pela última vez em 21 de agosto de 2025.

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