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Evandro Carneiro

Evandro Carneiro (Visconde do Rio Branco, MG, 22 de março de 1946) é um escultor, leiloeiro, marchand e colecionador brasileiro. Interrompeu o seu trabalho inicial de escultor para trabalhar na Galeria Relevo, em 1965, com Jean Boghici (Romênia, 1928 - Rio de Janeiro, 2015), colecionador e marchand pioneiro no mercado da arte brasileiro que reuniu em seu acervo obras dos principais artistas brasileiros. Em 1971 funda a Bolsa de Arte ficando ativo na organização de leilões. Em 2003 cria a Evandro Carneiro Leilões. Em 2017 deixa de realizar leilões para fundar a Galeria Evandro Carneiro Arte em 2018. Além da produção de esculturas, durante toda a sua trajetória profissional, realizou avaliações de obras de arte para leilões, companhias seguradoras, garantias em instituições financeiras, além de coleções particulares e acervos públicos.

Cronologia

1946: Nasce em Visconde do Rio Branco, Minas Gerais. Muda-se para o Rio de Janeiro em 1956 e em 1962-1963 realiza cursos no Museu de Arte Moderna com os professores Ione Saldanha e Ivan Serpa.

1962-1963: Cursos no Museu de Arte Moderna com os professores Ione Saldanha e Ivan Serpa.

1964: Ingressa na Escola Nacional de Belas Artes.

1965: Ganha o concurso instituído pelo Diário de Notícias para o troféu da Campanha Nacional da Criança, júri composto por G. P. Pinheiro, Raymundo Castro Maya e Hélio Oiticica.

1966: Aulas particulares com a escultora Celita Vaccani.

1966: Ingressa no Mercado de arte como funcionário da Galeria Relevo, de Jean Boghici, no Rio de Janeiro.

1967-1969: Passa a organizar Leilões de arte em Brasília, Goiânia e Recife.

1971: Cria com José Carvalho a Bolsa de Arte do Rio de Janeiro, ficando ativo na organização de leilões de arte.

1973-1980: Organiza diversas exposições para a Bolsa de Arte, a sede do Jockey Club e o Museu Nacional de Belas Artes: Castagneto, Di Cavalcanti, Ceschiatti, Goeldi, Grassmann, Messias, Kaminagai, Ismael Nery, Wanda Pimentel, Ivan Freitas, Pancetti, Rubem Valentim, Cerâmicas pré-colombianas, Antônio Dias, Modesto Brocos, Rubens Gerchman, Manuel Kantor, Bruno Giorgi, Sergio Telles, Cícero Dias, Eugênio Sigaud, Geza Heller, Portinari, Campofiorito, Aluisio Valle, entre outros.

1983: Inicia suas atividades como leiloeiro público.

1990: Realiza a escultura Cristo Crucificado, em grandes dimensões, para a Catedral Metropolitana de Petrópolis, RJ;

1991: Execução da escultura Dédalo, em grandes dimensões, para o Palácio dos Leilões, Rio de Janeiro.

1992: Atividades no Laboratori Artici di Scultura in Marmo Carlo Nicoli, em Carrara, Itália.

1993 – Membro do júri do Salão do Museu de Arte Moderna de Resende.

1993: Instala a escultura Enigma, em grandes dimensões, no Parque de Esculturas do Shopping Center Recife, Pernambuco.

1994: Realização da escultura Cristo Crucificado, em grandes dimensões, para a igreja São Sebastião de Petrópolis, Rio de Janeiro.

1998: Membro do júri da 1a Bienal Internacional de Escultura, em Resistência, Argentina, juntamente com Roel Teeuwen (Holanda) e Rafael Canogar (Espanha).

2000: Instala cinco esculturas, em grandes dimensões, no Centro Empresarial Barra Shopping, Rio de Janeiro.

2001: Instala a escultura Sirena, em grandes dimensões, no Condomínio La Reserve, Rio de Janeiro.

2001: Recebe o prêmio São Sebastião de Cultura – Artes Plásticas, outorgado pela Associação Cultural da Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro.

2001 a 2003: Integra no biênio o Conselho Empresarial de Cultura da Associação Comercial do Rio de Janeiro.

2003: Cria a Evandro Carneiro Leilões, Rio de Janeiro.

2003: Eleito para a Cadeira n. 8 da Academia Brasileira de Arte, sucedendo sua antiga professora de escultura, Celita Vaccani, vindo a tomar posse em 2012.

2005: Instala três esculturas em grandes dimensões no condomínio Península, e outras cinco no Windsor Hotel – Barra da Tijuca, Rio de Janeiro.

2011: Instala em Ouro Preto, por encomenda do prefeito Angelo Oswaldo, duas esculturas: Acqua-via, no Parque Horto dos Contos e Marília de Dirceu na casa de Tomás Antônio Gonzaga.

2013: Inaugura a escultura Dom Quixote, no Instituto Mário Mendonça em Tiradentes, MG.

2015: Instala duas esculturas em granito em grandes dimensões no Hotel Hilton Barra, Rio de Janeiro.

2017: Deixa de realizar leilões para fundar sua galeria de arte.

2018: Inaugura a Galeria Evandro Carneiro Arte.

Exposições individuais

1987 - GB Arte, Rio de Janeiro, RJ.

1988 - Galeria Ipanema, Rio de Janeiro, RJ.

1988 - GB Arte, RJ; “Ousadia da Forma”, Rio de Janeiro, RJ

1989 - Galeria Matias Marcier, Rio de Janeiro, RJ

1989 - “Nossos anos 80”, Skultura Galeria de Arte, São Paulo, SP.

1990 - Galeria Ipanema, Rio de Janeiro, RJ.

1990 - Centro Cultural Laura Alvim, Rio de Janeiro, RJ

1991 - Clube dos 50, Visconde do Rio Branco, MG.

1991 - Galeria Arte Actual, Santiago, Chile.

1992 - Galeria Saramenha, Rio de Janeiro, RJ.

1994 - Museu de Arte Moderna, Rio de Janeiro, RJ.

1995 - Palácio do Itamaraty, Ministério das Relações Exteriores, Brasília, DF.

2000 - Exposição individual na Galeria Marcus L Vieira, Belo Horizonte, MG.

2001 - Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro, RJ.

2006 - Galeria Márcia Barrozo do Amaral, Rio de Janeiro, RJ.

2007 - Paulo Darzé Galeria de Arte, Salvador, BA.

2011 - “A Arte em Bronze” - Espaço Cultural Engenho Central, Piracicaba, SP.

Exposições coletivas

1988 - Ousadia da Forma, Galeria Matias Marcier, Rio de Janeiro, RJ.

1989 - Nossos Anos 80, Centro Cultural Laura Alvim, organizada pela Galeria GB Arte, Rio de Janeiro, RJ.

1991 - Mostra de esculturas, junto com pinturas de Cosme Martins, Galeria Arte-Actual, Santiago do Chile;

1991 - Convidado a expor e membro do júri na Sala Especial do XXII Salão de Belas Artes do Clube Naval, Rio de Janeiro, RJ.

1992 – ‘O feminino e o eterno bronze’, em conjunto com Bruno Giorgi, Sonia Ebling, Agostinelli e Ceschiatti, Palácio dos Leilões, Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, RJ.

1993 - Sala especial juntamente com Antônio Bandeira e Roberto Burle Marx no Salão de Antiquários e Galerias de Arte - Centro Cultural dos Correios, RJ.

1999 – Exposição Escultura Brasileira, que reuniu trabalhos de Bruno Giorgi, Sonia Ebling, José Pedrosa, Vasco Prado e Eloisa Tragnago, Galeria Marcus L Vieira, Belo Horizonte, MG.

2000 - Mostra Arte Contemporânea Brasileira, Atualidade Galeria de Arte, Rio de Janeiro.

2000 - Exposição ‘A Pedra’ com Alfi Viverni, Bruno Giorgi, Sonia Ebling e Victor Brecheret. Galeria Marcus LVieira, Belo Horizonte, MG.

2011 - Participação na mostra Fundiart: a arte em bronze.

Acervos

  • Museu Nacional de Belas Artes

  • Museu de Esculturas do Parque da Catacumba

  • Museu de Belas Artes em Santiago do Chile.

Fonte: Evandro Carneiro Arte e Projeto Evandro Carneiro, consultados pela última vez em 10 de março de 2021.

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Entrevista com Evandro Carneiro

Formas que por seus volumes e vazios, luzes e sombras, e uma geometria algumas vezes abstrata, nas suas superfícies lisas; formas compactas em límpidos espaços criados pelos cortes, eliminações e sínteses; formas que acarretam uma tensão entre tradição e modernidade; formas em seus materiais como o mármore, o granito, o bronze, a madeira; formas que fazem de Evandro Carneiro “um escultor que tem a consciência da mão e a entrega ao inconsciente do instante”, no dizer da escritora Lélia Coelho Frota.

1. “Queria ser um artista de formação clássica”. Esta é uma afirmação dada como sua, e dela podemos extrair uma primeira pergunta: o que é determinado na sua fala como clássico?

Clássico como o termo sugere indicam aprendizado e formação metódicos, obra equilibrada e harmônica, com sensível predominância da forma sobre o conteúdo, sem excessos de ornamentação, primando pela sobriedade.

2. Clássico, então, indica uma formação com domínio da técnica, saber o aprendizado, dominar a execução através dos ensinamentos que a história da arte e os mestres proporcionam pelo estudo?

Isto tudo o que você diz na sua pergunta, mais uma grande tranqüilidade de não ter que explodir e reinventar o mundo cada vez que fosse apenas desenhar para meu prazer.

3. Seguir este clássico indicava um caminho a seguir?

Não havia esta pré-determinação, apenas uma necessidade de aprender a fazer, mas são coisas que percebi hoje, na época fluía naturalmente.

4. Esta opção, logo quando de sua entrada na Escola Nacional de Belas Artes, em 1964, coincide com todo um momento de efervescência cultural e de um domínio das vanguardas, do experimentalismo na arte. Não foi esta opção uma contra mão no que estava sendo feito?

Naquele tempo eu buscava crescimento, o que em alguns é rápido, em outros lento, e em muitos nunca acontece. Este é um processo individual. Aos dezoito anos alguns fazem opções, a maioria como eu, apenas estuda. E todo o momento é de vanguardas e experimentalismos, porém em arte as coisas não são obrigatoriamente simultâneas, tangidas pela busca do original. Morandi passou sua vida inteira pintando pequenas naturezas mortas, despretensiosas e belas. Era contemporâneo de Picasso, Duchamp, Kurt Schwitters, Francis Bacon e quantos mais houver. Um não invalida o outro. Todos são extraordinários em suas individualidades. Nenhum deles trabalhou competindo com o tempo. Arte é atemporal, em todos os aspectos.

5. Na sua trajetória houve uma parada de trabalho, com retomada em 1987, com uma exposição, e disto passa a realizar esculturas em bronze, mármore, granito, madeira, diversos materiais “nobres” neste segmento da arte, e variedade de temas, com certa ênfase na estatutária grega. Este apreço ou escolha temática tem uma razão de ser? Economia expressiva? Despojamento formal? Há um motivo especifico para tal? Ou estas formas clássicas permitem uma execução que é necessária uma forte e sólida base técnica?

Tem minha grande identificação pela “economia expressiva” do “despojamento formal” pelo “motivo especifico” de ter “sólida base técnica” para utilizar “formas clássicas” em minha linguagem.

6. Hoje, passados quarenta anos, como sente ter dito esta frase, o que ela acarretou como definição para seu fazer artístico, opção estética, e como vê sua trajetória diante dela?

Esta frase confirma meu acerto. Após dezenove anos sem fazer esculturas ou um simples desenho sequer, retornei ao ofício sem maiores dificuldades, porque tinha régua e compasso.

7. Ao se falar em escultura “clássica”, logo vêm à mente os gregos, mas clássicos também os há na Renascença italiana e em outros períodos. Pode identificar na sua obra quais seriam então estes momentos clássicos que o influenciaram ou o influenciam até hoje? Ou, por um outro caminho, quais os clássicos que você tem como referência?

Admiro muito os gregos – tudo, dos cicládicos aos helênicos e clássicos e inclusive as pequeninas e frágeis tanagras; os retratos romanos, os renascentistas – aí a viagem é total: os Pisano, sobretudo Nicola e Giovanni “com suas cantorias”, Donatello e Verocchio. Estou fazendo já há alguns anos uma escultura que se chamará Colleomelata que se baseia e, humildemente, junta duas das mais extraordinárias esculturas eqüestres renascentistas. O Colleone de Verocchio (Veneza) e o Gattamelata de Donatello (Pádua). Gianbologna, Luca della Robia, Cellini e, naturalmente Miguelangelo que desconfio que fosse um E.T. Gosto muito do barroco Bernini e dos neoclássicos, Canova, Rude e Carpeaux. De Rodin e Medardo Rosso que conseguiu fazer, por incrível que pareça, esculturas impressionistas, coetâneas ao movimento francês, não no sentido da cor naturalmente, mas da leveza e evanescência. . Picasso escultor, sobretudo por suas assemblages entre 1910 e 1915, que abriram um enorme portão para tudo o que se fez depois: Archipenko, Lipchitz, Giacometti, Boccioni, Duchamp, Duchamp – Villon. Brancusi e Henry Moore. Gosto muito também dos italianos: Marino Marini e Giáccomo Manzu e dos americanos: Calder, David Smith e Louise Nevelson. Do espanhol: Chillida e do polonês Igor Mitoraj que vi dele uma grande exposição simultânea no Museu Archeológico e no Jardim de Boboli em Florença que me deixou de queixo caído, enfim gosto muito dos brasileiros: Brecheret, De Fiori, Bruno Giorgi, Maria Martins, Ceschiatti e Mary Vieira. Todos estes citados aí em cima para mim são grandes clássicos.

Fonte: Projeto Evandro Carneiro, entrevista concedida em novembro de 2007 a Claudius Portugal, publicada no site da Paulo Darzé Galeria sobre a exposição individual lá realizada de 13 de novembro a 07 de dezembro de 2007.

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O Futuro de Dom Quixote

"Evandro Carneiro enfrentou o desafio de criar uma escultura de Dom Quixote numa perspectiva pessoal do tema, diferente das visões convencionais do Homem de La Mancha. A dificuldade não foi pequena: artistas do porte de Gustave Doré, Pablo Picasso, Salvador Dali e o nosso Cândido Portinari nos deram visões consagradas do Cavaleiro da Triste Figura. E incontáveis artistas plásticos, mundo afora, também foram mesmerizados pelo personagem de Cervantes, que encarna melhor do que qualquer outro a força dos sonhos e da imaginação criadora sobre a realidade insossa do nosso cotidiano.

Evandro enfrentou o desafio e venceu. Seu Dom Quixote é especial, porque foi concebido como uma relação dinâmica e contrastante entre o cavaleiro e sua montaria. Dom Quixote está de pé e segura a lança com ambas as mãos. Sua figura transparece leveza, determinação, serenidade. Condensa uma força vertical, que aponta para o alto, para os vôos ilimitados da inspiração humana. Já o cavalo Rocinante foi articulado como um jogo de curvas e torções corporais, que contorna Dom Quixote como uma espécie de círculo mágico. Evandro esclarece: “O cavalo representa o turbilhão de aventuras que envolveu Dom Quixote na Espanha daquele tempo”. Nessa visão conotativa, cavaleiro e cavalo teatralizam o combate entre sonho e realidade, entre as chamas da imaginação (a louca da casa) e a frieza da razão. Como se pode ver claramente na obra de Evandro, Dom Quixote saiu incólume desse confronto.

Outro detalhe instigante: Rocinante aproxima sua cabeça de Quixote com imensa carga de afeto, submisso como um cão a seu dono. Assim Evandro nos coloca em contato direto com o poder interior de Quixote, a integridade do seu caráter efetivamente heróico. Ele não foge da luta porque jamais desiste de seus ideais e, por isso, atravessa a noite dos séculos, inspirando sem cessar o trabalho de artistas nos quatro cantos do mundo. Afinal, todo artista, na medida em que prefere o universo paralelo de suas criações à aridez das engrenagens da vida diária, também carrega dentro de si uma dose inegável de quixotismo…

Este Dom Quixote é uma das esculturas mais figurativas já criadas por Evandro Carneiro. Em geral, ele se dedica à figuração estilizada, a um passo da abstração orgânica. Mas, nesta obra, aventurou-se em um processo de modelagem realista. Mas, como criador expressivo que é, esculpiu cavalo e cavaleiro em ritmos matéricos diferentes. Rocinante foi plasmado em uma dança de linhas curvas e massas musculares elegantes. Modelado por Evandro, o esquálido pangaré se converteu em puro jogo de intensidades visuais, que evocam as errâncias e delírios do fidalgo pelos arredores de Toledo. Já Dom Quixote se perfila aos nossos olhos com uma retidão que poderíamos chamar de hierática: a integridade do caráter do cavaleiro, potencializada pela sua loucura, lhe confere uma aura de santidade…. E assim Evandro nos ensina que, dentro da alma alucinada do personagem que marca o início da Literatura Moderna, pulsa um coração obstinado, que não desistirá de consertar os “desarranjos do mundo”…

Refinando nossa atenção, percebemos que o Dom Quixote de Evandro olha para a frente. Simbolicamente, para o futuro. Como se estivesse consciente da densa bagagem de imortalidade que carrega em si. É curioso lembrar aqui que o próprio personagem de Cervantes, no capítulo 2 do livro que o projetou para a fama mundial, profetizou:

Feliz idade e feliz século aquele onde sairão à luz as minhas famosas façanhas, dignas de serem entalhadas em bronzes, esculpidas em mármores e pintadas em telas para a memória do futuro…

Ao doar sua obra para o Pavilhão Dom Quixote do Instituto Mário Mendonça, Evandro introduziu neste espaço específico da entidade uma espécie de guardião do acervo local, um espírito tenaz, que a partir de agora zelará pelas obras e pelos sucessos, do presente e do futuro, deste acolhedor centro cultural da cidade de Tiradentes."

Mário Margutti, agosto de 2012 (Texto de Mário Margutti sobre a inauguração da escultura Dom Quixote no Pavilhão Dom Quixote do Instituto Mário Mendonça)

Evandro, sobre o Dom Quixote

‘Tudo que sei de Quixote vem do inconsciente coletivo. Esta escultura é um filtro, é o Quixote que eu vejo. Ele vive num mundo de conflitos éticos e religiosos… O cavalo assume uma importância que nunca teve e se movimenta num torvelinho que era a Espanha naquela época, a da Inquisição. O Quixote sempre será contemporâneo e tem importância perene. Na literatura brasileira, mostra-se em Quincas Berro d’Água e em Policarpo Quaresma. Cristo, Quixote, Tiradentes – a mesma energia.’

Evandro Carneiro, escultor e leiloeiro. (Matéria na Revista Condomínio, da Cipa, pp. 54-59)

Fonte: Projeto Evandro Carneiro

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Texto de Evandro Carneiro

“Sou mineiro, de Visconde do Rio Branco, nasci em 1946. Vim morar no Rio de Janeiro em 1956.

Comecei a frequentar os cursos no Museu de Arte Moderna aos 14 anos. Meus primeiros professores foram Ione Saldanha e Ivan Serpa.

Depois entrei para a Escola Nacional de Belas Artes. Lá, no primeiro ano os alunos tinham que optar pelo ensino mais livre e criativo do professor Abelardo Zaluar ou outro, mais rígido e técnico, do professor Onofre Penteado. Escolhi o segundo porque queria ser pintor de formação clássica. Através da professora Celita Vaccani, iniciei a modelagem em barro; daí para a escultura foi um passo. Com o tempo, percebi que só frequentava suas aulas e as de história da arte do professor Mário Barata.

Nesta época, meu tio Erymá Carneiro, advogado e colecionador de arte, era sócio de Jean Boghici e Jonas Prochowinik na Galeria Relevo. Fui trabalhar como vendedor, substituindo Matias Marcier, que iria se dedicar aos estudos de arquitetura. Era o ano de 1965. Tomei contato com o Mercado de arte e fiquei fascinado. Abandonei a escola e minhas esculturas. Dediquei-me à galeria integralmente.

A Relevo, além de ter obras de grandes artistas em seu acervo, fazia exposições de vanguarda nacional e estrangeira, e devo a esta época bom aprendizado.

A seguir, já por conta própria, organizei leilões e exposições em cidades fora do eixo Rio–São Paulo, que eram os únicos lugares onde existia um mercado regular de obras de arte.

Em 1970, Jean Boghici e Stanislau Barcinski me apresentaram a José Carvalho, que queria fazer uma grande casa de leilões. Assim nasceu a Bolsa de Arte do Rio de Janeiro e passaram-se 17 anos, de muitos leilões e exposições, sempre com a eficiente ajuda de José Coimbra.

Como marchand de tableaux e leiloeiro, atuei com dedicação e entusiasmo, numa atividade intensa e gratificante. É um privilégio trabalhar com obras de arte, mas requer afeto total, ficando difícil encontrar motivição para outra atividade profissional, sobretudo se correlata.

Poucas vezes, ao longo desse tempo, permiti-me ensaiar algumas de minhas esculturas. Quando isso aconteceu, senti-me estimulado, provocado e receoso. Sufocado de auto-crítica. Demonstrava um vigor latente que eu preferia deixar adormecido. Como que, se despertado, fosse subverter a ordem que eu construíra. Era como brincar com uma casa de marimbondos.

No ano passado, eu estava fazendo uma avaliação de quadros perto da Fundição Zani. Fui até lá, peguei alguns quilos de barro e levei para a minha casa. Em uma semana fiz três pequenas esculturas. Reencontrei uma satisfação enorme, e que não me arrancou pedaços. Voltei à Zani, era o período do Plano Cruzado e faltava barro. Acreditem!

Aquela abstinência de alguns dias foi crucial ou vital? Percebi o quanto tinha me afastado de minha vocação original.

A vida seguiu, e a resistência, inconsciente, também.

Até pensei em fazer uma nova galeria de arte. Se eu estava querendo criar, que criasse mais trabalho. Tudo de novo. Vade retro. Mas não foi isso que aconteceu. Concluí que precisava voltar imediatamente às minhas esculturas. Agora ou talvez nunca. ‘Quem sabe faz a hora’, cantou Vandré. Resolvi parar meu trabalho como organizador de leilões, retornando às minhas esculturas de forma completa, permanente. Mexer naquela vocação interrompida.

No início, tive medo de começar e não parar mais, abrindo mão de uma posição cômoda, conseguida em 22 anos de trabalho no mercado de arte. Mas retomei. Hoje, apenas apregôo, entre outros, os leilões organizados na Bolsa de Arte pelo Jones Bergamin, e com total disponibilidade de tempo, dedico-me ao meu novo trabalho.

Assim, estou aqui, nesta exposição da G. B. Arte. Com o incentivo de minha mulher Adriana e dos meus amigos Jean Boghici, Bruno Giorgi e Ramon Conde, apresento minhas esculturas. Resgatadas, sujeitas a chuvas e trovoadas, mas que são o melhor de mim.

Evandro Carneiro Rio de Janeiro, setembro de 1987. no folder da exposição individual na Galeria GB Arte (14 a 30 de setembro de 1987)

Fonte: Projeto Evandro Carneiro

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Texto de Evandro Carneiro na apresentação do catálogo da exposição individual na Galeria Márcia Barrozo do Amaral

“Quando fiz minha exposição de esculturas na GB Arte, em 1987, a Márcia Barrozo do Amaral, então uma das sócias da galeria, sugeriu-me que eu organizasse uma exposição exclusiva de cabeças, já naquela época constantes em meu trabalho.

Passados quase vinte anos, a proposta se materializou. Selecionei esculturas de cabeças realizadas em diversos momentos de minha obra. Modifiquei, fiz cortes, agreguei e repaginei, reduzi algumas e ampliei outras, buscando dimensões e tratamento único, conferindo unidade aos modelos em gesso, para resultar nas mesmas textura e pátina, visando acabamento e fundição impecáveis.

A cabeça é o parâmetro mais antigo das proporções do corpo humano, equivalente ao pé na métrica greco-latina. Como referência de medida nas artes, utilizava-se, por séculos, a altura do corpo humano equivalente a sete cabeças e meia. Hoje, como o ser humano não para de crescer, calculam-se oito cabeças e três quartos para a altura do físico contemporâneo. Eu a vejo não somente como cânone, mas como centro de nossa existência de ser pensante. Além do que, tudo isso perdeu o sentido quando o artista, sobretudo a partir de El Greco, constatou que o corpo ideal já não atendia a suas necessidades de expressão.

Meu trabalho sempre foi figurativo, mesmo quando a figura quase desaparece nas simplificações que eu tanto gosto. Mas a figura sempre está ali. Costumo dizer que o corpo humano é meu alfabeto. Sempre recorro a ele em busca de novas soluções formais e, neste alfabeto repleto de seios, coxas e bundas, a cabeça é o elemento primordial, sua letra ‘a’.

Diferentemente do corpo humano inteiro, que se justifica por si só e que tem uma complexidade de soluções formais e inúmeros vetores plásticos facilitadores da criação, a cabeça, fechada em si mesma, precisa de um caráter, um temperamento e uma história convincente que a justifique na imaginação do artista. Mesmo que esta história seja efêmera e acabe no exato momento em que a obra é concluída. Para, então, começar sua grande viagem na cabeça dos que a vêem.”

Evandro Carneiro (Texto na apresentação do catálogo da exposição na Galeria Márcia Barrozo do Amaral, de 9 de novembro a 2 de dezembro de 2006)

Fonte: Projeto Evandro Carneiro

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Evandro Carneiro: clássico, contemporâneo

Evandro Carneiro freqüentou a Escola Nacional de Belas Artes entre 1964 e 1965. As alternativas de aprendizado, ali, eram poucas, e Evandro, entre ‘o ensino mais livre e criativo de Zaluar’ e ‘o ensino mais rígido e técnico de Onofre Penteado’, optou por este último. Reafirmou esta opção quando passou a frequentar as aulas de Celita Vaccani, pois, como ele mesmo afirmou no catálogo de sua primeira individual (GB Arte, 1987), ‘queria ser um artista de formação clássica’.

Hoje, 25 anos depois, e quarto após ter retomado a escultura, esta opção evidencia-se em seus trabalhos. Como escultor, seja pela ortodoxia dos materiais empregados (bronze, mármore, granito e madeira), seja pela persistência de alguns temas – Ícaro, Prometeu, Guerreiros – ou por sua aproximação à escultura grega, seja, principalmente, pela economia expressiva e pelo despojamento formal, Evandro é, indiscutivelmente, um clássico.

É preciso, entretanto, não confundir os conceitos. Quando Evandro diz que queria ser um artista de formação clássica, ele está afirmando que buscou na ENBA uma sólida base acadêmica, ou técnica, tendo como modelo a cultura clássica. Winckelman, ao introduzir as principais categorias no estudo da arte grega, interpretou-a como ‘nobre simplicidade, serena grandeza’, definindo a beleza como um estudo de equilíbrio ideal, que exclui a paixão e, portanto, a expressão plástica da mesma. O brasileiro Deoclécio Redig de Campos, que durante tantos anos foi diretor da Pinacoteca do Vaticano, empregou um outro termo para definir esta ‘aspiração grega à justa medida, à perfeição e à beleza’: realismo ideal. Para Redig de Campos, o homem grego ‘tentava, por assim dizer, realizar a intenção secreta da natureza, evocando a imagem de um homem que pudesse viver se algum Pigmalião conseguisse animá-lo, e que fosse, então, o mais belo dos homens’.

Mas a Grécia foi apenas o primeiro território da arte clássica, no século de Péricles. Outros momentos existiram como a alta Renascença italiana, o Neoclassicismo francês, o Cubismo e a Arte Concreta. Ou seja: se é possível localizar numa determinada geografia e num dado momento estas ‘estreitas cumeadas’ que é como Wolflin definia os momentos clássicos, raros e de curta duração. Pode-se dizer, também, que essa vontade de ordem e de equilíbrio é universal e intemporal. Esta vontade está em Fídias como em Brancusi, em Poussin como em Mondrian, em David como em Lichtenstein, em José Pedrosa como em Amílcar de Castro. É neste sentido que se pode dizer que Evandro Carneiro é um escultor clássico… e moderno.

É certo que ele ainda se deixa encantar pela sensualidade das pátinas e texturas, criando uma matéria buliçosa e inquieta na superfície do bronze, na qual, por vezes, ele resvala por um certo Surrealismo magrittiano. Porém, Evandro distancia-se tanto do Expressionismo (que é de origem nórdica) e do Surrealismo, quanto da vanguarda, e estes momentos assinalados acima não devem ser assinalados como um desvio de rota. No primeiro caso é fruto de sua paixão pelos materiais e matérias, o que é comum a todo verdadeiro artesão, o que Evandro, indiscutivelmente, é. No Segundo caso, devaneios oníricos de um criador que ama a concisão e a ordem. A verdade é que na escultura de Evandro inexistem delírios subjetivos ou agitação. Ele tem em comum com Ceschiatti ou Giorgi, para citar dois escultores brasileiros que admira, a sensatez, o equilíbrio e a serenidade das formas, qualidades da cultura clássica, mediterrânea, que reaparecem, de tempos em tempos, como que para contrabalançar o caráter anárquico das vanguardas.

Mas ao mesmo tempo que soube conter em sua obra esta vertente irracionalista do Surrealismo, Evandro percorreu uma via metafísica, sem, contudo, cair nos excessos literários do movimento criado por Chirico. O que só foi possível porque, simultaneamente, aproximou-se do Cubismo, que é uma das fontes do ‘classicismo’ moderno. Um similar brasileiro dessa síntese cubo-metafisica é Milton Dacosta e Evandro é um escultor ‘dacostiano’, como se pode comprovar confrontando-se algumas de suas esculturas em granito com as figuras femininas de Dacosta ou a extrema horizontalidade do seu ‘Ícaro’ com a tela ‘Sobre a horizontal’ do mesmo pintor.

Enfim, esta ‘leve dose de espectralismo e de mistério’ que perpassa por algumas esculturas de Evandro Carneiro não colide com sua clara vontade de forma.

Rodin surpreendia seus contemporâneos ao afirmar que não era um sonhador, mas um matemático, e que sua escultura era boa porque era geométrica. Evandro, mesmo sendo um intuitivo, poderia dizer o mesmo. Suas esculturas, independentemente dos temas, cabem rigorosamente dentro de invólucros geométricos: retângulos, triângulos, e losangos. A curva plena está ausente (o que quer dizer que ele também não é barroco) e as horizontais prevalecem sobre as verticais, contrariando, assim, a tradição antropocêntrica da escultura. Pode-se mesmo afirmar que Evandro é um escultor abstrato, por vezes bem próximo da pureza formal de um Brancusi. Não chegou à subversão baselitiana de virar as figuras de cabeça para baixo, mas derrubou-as (como em ‘Ídolo Caído’) ou distribuiu os fragmentos de figuras e objetos sobre suportes horizontais (‘Guerreiro’, ‘Sabinas’). Nos rostos esculpidos em granito, a ausência dos olhos impõe às peças o silêncio revelador da forma pura. Não há neles nenhum enigma ou inquietação, apenas matéria e forma.

As obras de Evandro Carneiro não são o receptáculo da dor do mundo, da subjetividade do autor, elas não ilustram vivências do cotidiano nem inquietações filosóficas. São apenas esculturas. Potencialmente, ele está mais para o entalhe (isto é, para o corte, a eliminação, a síntese) do que para o modelado (que deixa sempre resíduos expressionistas).

As obras aqui expostas compõem duas vertentes, ambas diretamente ligadas ao material empregado. Nas peças realizadas com mármore e granito, Evandro mostra-se mais marcadamente clássico. Superfícies lisas, formas compactas, límpidas geometrias. Evandro começa inclinando suavemente o rosto talhado no mogno, na postura clássica, para em seguida alongar excessivamente a forma cilíndrica que se situa entre o pedestal e o rosto. Na verdade, este cilindro é simultaneamente coluna de um corpo virtual e um segundo pedestal a sustentar a minúscula cabeça. Situação algo brancusiana na medida em que o pedestal tende a ser parte do significado da escultura e não mero suporte.

O simbolismo de ‘Ídolo Caído’ não reside no eventual conteúdo descritivo da imagem esculpida, mas na subversão do classicismo que Evandro, com sua obra, ajuda a sustentar. Ou seja: estas duas esculturas guardam a aura clássica, mas já freqüentam o território da arte moderna ou mesmo pós-moderna.

A outra vertente é representada pelos trabalhos em bronze e neles há uma tensão entre tradição e modernidade, entre modelagem e estrutura. O bronze, mais ainda que o mármore, representa a tradição escultórica, por sua resistência ao tempo, por sua capacidade de mimetizar todos os demais materiais, pela complexidade de sua técnica.

Através do bronze, Evandro homenageia a escultura grega, tanto àquela arcaica, de Esparta (‘Guerreiro’), quanto às pequenas estatuetas de terracotta encontradas na Necrópole de Tanagra, e que eram um elogio à beleza do corpo feminino. Ao mesmo tempo, porém, elas se inserem na modernidade, através da fragmentação e da estrutura de arranjo. Evandro, que já fizera corpos sem cabeças ou braços, cabeças sem corpos, agora secciona braços, pernas, pés ou asas para, em seguida, remontá-los em estruturas dramáticas ou em pequenas narrativas miniaturizadas, que pedem do espectador uma leitura silenciosa e sobretudo imaginativa. Fragmentos também de mitos, pois o que sobrou da asa do Ícaro em sua queda no mar, depois de libertar-se do labirinto de Creta, encontra-se agora ao lado da perna musculosa do titã Prometeu, aquele que ousou roubar o fogo do Olimpo para entregá-lo aos homens. Símbolo do artista-artesão, capaz de consumir-se até as entranhas no seu afã-criador.

Ampliando este processo desmitificador, Evandro miniaturiza corpos, diversos no modelado, nos cortes, posturas e texturas, corpos que são, em seguida, enfileirados sobre base extensamente horizontal, como se ele quisesse criar, ali, uma espécie de pauta musical, cada estatueta valendo como uma nota, e, todas juntas, armando um desenho no espaço, sinuoso e rico de tonalidades. Ou, então, são empilhados e colados uns aos outros como ginastas num estádio, quase-placas ou relevos de esculturas-xipófagas. Estas estatuetas se transformam, assim, em módulos para composições que podem ser infinitas, como nas colunas de Brancusi.

Se aplicarmos a Evandro Carneiro a distinção proposta por Margit Rowell para a escultura contemporânea, diríamos que, na primeira vertente, Evandro busca uma ‘estética da natureza’, tendo o homem como medida; na segunda, uma ‘estética da cultura’, tendo a arte como medida. Difícil dizer, neste momento, qual destas duas vertentes irá prevalecer na obra futura de Evandro. Quem sabe elas até poderão se fundir em uma via mais vigorosa e original?

É esperar para ver.

Frederico Morais Rio (Texto no folder da exposição individual na Galeria Ipanema, 08 a 26 de maio de 1990)

Fonte: Projeto Evandro Carneiro

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Do Realismo Ideal ao Erotismo

“Tentarei esquecer tudo o que escrevi sobre a escultura de Evandro Carneiro nas apresentações que fiz de suas exposições anteriores, nas Galerias Ipanema (1990) e Saramenha (1992). Para não me tornar repetitivo e enfadonho. E também para me obrigar a ver suas esculturas à luz de novos enfoques e, mesmo correndo o risco de contradizer-me, re-ver certas observações feitas anteriormente.

Primeira abordagem: realismo ideal

A preocupação central do artista nas obras reproduzidas neste livro é o corpo. Na peça mais antiga, um bronze de 1988, Evandro aborda um tema banal, mas universal na sua significação – maternidade. A mãe brinca/ acaricia o filho, protetora. Ela é ainda jovem, tem o corpo esbelto, quase sensual. A criança é igualmente saudável, roliça, brincalhona. Esta escultura guarda muito daquela beleza terna e calma que encontramos nas madonas renascentistas. Deoclécio Redig de Campos, durante várias décadas conservador-chefe do Museu do Vaticano, denominou ‘realismo ideal’ este ‘equilíbrio estável entre a forma e o conteúdo’, esta ‘coordenação clara de todos os elementos da obra de arte na harmonia do conjunto’, que é a essência do classicismo grego, retomado no Renascimento e que presiste, com ênfases diversas, no Barroco, no Neo-clássico, chegando a alcançar as primeiras manifestações modernas, no fim do século passado [século XIX].

A revolução modernista questionou esse conceito de realismo ideal e, à medida que avançava em suas conquistas, o preconceito contra a beleza tornou-se cada vez mais arraigado por parte da crítica. Mas esta beleza que tanto assusta a crítica de arte, ainda comove o público. E não estou falando de arte acadêmica, calcada em fórmulas e estereótipos, mas de uma beleza simples e direta, como a que encontramos na arquitetura de Oscar Niemeyer, na pintura de Elyseu Visconti, na escultura de Ceschiatti, Bruno Giorgio ou José Pedrosa, para citar alguns exemplos brasileiros. Uma boa parte da produção escultórica de Evandro, revela esta mesma beleza tranquila, límpida, mediterrânea e, nem por isso menos moderna. Porque esta beleza não reside apenas em seu conteúdo figurativo, ela é também forma.

Uma das últimas peças criadas por Evandro, aqui reproduzida, Africana, de 1993, realizada em mármore belga, negro – é quase abstrata. Nela, a forma prevalece.

Entre esses dois extremos, decorridos apenas seis anos, temos uma série de variantes temático-formais que, sem romper com a coerência interna de sua obra, oferece diferentes alternativas de leitura. Afinal, Evandro situa-se ao mesmo tempo dentro e fora da tradição, dentro e fora a da modernidade. Um apego maior ao fazer artesanal, recalca, nele, qualquer exacerbação experimentalista.

Segunda abordagem: África

A arte negro-africana é tradicional, conservadora, comunitária, tribal, animista, utilitária. A arte moderna, ao contrario, é revolucionária, internacionalista, individualista, frequentemente nihilista e anárquica. São antípodas, portanto. Apesar disso, a descoberta da arte negro-africana pelos artistas modernos no início deste século [séc.XX], bem como da arte da Oceania e, um pouco mais tarde, da arte precolombiana, teve um impacto extraordinário no desenvolvimento da arte ocidental. O que impressionou o artista moderno na máscara africana, foi seu poder de síntese, o caráter redutivo e fechado da forma. Neste sentido, a estatuária negro-africana está igualmente nos antípodas da arte grega e do princípio do ‘realismo ideal’.

Foi a partir da observação da escultura negro-africana que Brancusi, oriundo do Cubismo, chegou à estruturação totêmica e à integração do pedestal no significado geral de suas obras. Em Evandro esta ‘presença africana’ reciclada pelo Cubismo, pode ser percebida em várias peças, tanto em seu aspecto formal, quanto em suas implicações simbólicas. Nele, o pedestal nunca é um elemento puramente acessório ou descartável. Em Enigma, bronze de 1992, a inclinação da base determina o ritmo ondulante da estrutura, seu caráter dançante ou flamejante. Em Labareda, de 1990, o torso feminino como que se transforma em módulo de uma estrutura totêmica, que pode crescer ad-infinitum.

Terceira abordagem: des-montagem e re-montagem

O vocabulário formal de Evandro inclui três outros elementos, além da inserção do pedestal como parte da estrutura da obra: fragmentação (des-montagem), acumulação (re-montagem) e torsão (simultaneidade de ângulos de visão). Estes elementos, analisados em conjunto, ajudam a compreender o caráter lúdico de sua linguagem escultórica. Evandro verticaliza, deita, divide, soma, multiplica, empilha e enfileira a figura humana num jogo que parece inesgotável e que resulta, muitas vezes, em surpreendentes metamorfoses de significado, ganhando ora uma dimensão crítica, ora onírica, ou bem humorada.

Com a fragmentação, des-monta a unidade tridimensional do corpo humano, questionando aquilo que Worringer definiu, a propósito do Renascimento, de ‘arrogância antropocêntrica’, vale dizer, a própria verticalidade do ser humano. Esta descontinuidade provocada pelo corte que divide, introduz na obra um elemento dinâmico, força uma apreciação não-figurativa do tema (Torso bipartido, 1988).

À fragmentação, segue-se a acumulação de corpos que aparecem em pelo menos três situações. Empilhados, horizontalmente como se fossem mercadorias ou simples embalagens. O título de uma das peças, Índice, bronze de 1989, parece indicar uma postura crítica em relação à sociedade de consumo, à sociedade da ‘terceira onda’, na qual tudo é descartável, inclusive o homem. Pode-se ler também nessa acumulação de Torsos interligados, 1989, um processo de dessacralização de um certo ideal de beleza fundado na salubridade e eugenia do corpo verticalizado, íntegro, como também a negação de uma arte fundada na exteriorização de sentimentos e emoções. Há na escultura de Evandro um distanciamento emocional, uma frieza calculada, que o traz sempre de volta às questões técnicas – às patinas, ao exercício de matérias e texturas, etc. Ao empilhar uma dúzia de torsos, à semelhança daquelas pirâmides humanas que vemos no circo, vai aos poucos desfazendo o contorno original das figuras, criando uma espécie de informalismo matérico.

Suas Sabinas, 1989, poderiam, como na mitologia, ter sido raptadas ou simplesmente arrancadas do depósito de uma fundição, onde são modeladas em série, e postas ali, em fila, como num mostruário. Mas como cada uma delas tem seu próprio caráter – escala, corte, texturas, etc – prefiro vê-las como notas para um concerto escultórico, música eventualmente dissonante na variedade de seu desenho.

Ao substituir o bronze pelo granito, simultaneamente à opção pela horizontal, Evandro passa a encarar o corpo como paisagem. Pode-se falar de uma geografia do corpo – entrâncias e reentrâncias, montanhas e desfiladeiros, grutas e planícies – ou de uma erotização da natureza. O corpo, no entanto, é mais insinuado do que propriamente esculpido. Desbastada a pedra, o corpo não nega o bloco do qual se origina. E no entanto, vibra. Em Nus paralelos, 1990, um frisson sensualiza a matéria, rompendo a imobilidade pétrea. Um corte atravessa toda a extensão do corpo (Nus consequentes, 1992) que ainda permanence inerme. Só depois, aos poucos, o corpo, como uma lesma, desloca-se em ondulações demoradas e silenciosas. Ou serpenteia, como cobra, em gestos calculados: Suassuapara, 1992. Para novamente se fundir, mimeticamente, com a paisagem. É Dia e Noite, luz e sombra, forma e matéria, Arp e Rodin.

Evandro torce o corpo, quer mostrá-lo ao mesmo tempo de vários ângulos de visão, frente e verso e até de ponta cabeça. Não há mais centro ou face privilegiada. A escultura capta, virtualmente, os movimentos que o espectador faria em torno dela, no momento da contemplação. Nas colunas ou totens, Evandro desloca a mesma peça, que se repete como módulo, em torno de um eixo virtual.

Quarta abordagem: erotismo

Uma pulsão erótica domina a escultura de Evandro Carneiro, hoje. Se a propósito de alguns bronzes e granitos seria mais correto falar-se de uma sensualização dos materiais e da forma, em outras peças, mais ousadas, o erotismo torna-se explícito. Esta pulsão erótica, por sua vez, é parte do mesmo processo de des-montagem e re-montagem do corpo, ou melhor, é o motor deste processo. Em obras como Torso futurista, 1990, Evandro apenas acentua a forma roliça das ancas, o ritmo ascensional das curvas intercaladas por angulações e estancamentos estratégicos que revificam esta dança orgástica do corpo. Um dos seios é deslocado para o ventre e com ele se confunde, um outro resurge como anca. Linhas e volumes criam uma relação dinâmica, o corpo age, se movimenta, tenta ultrapassar seus próprios limites, expandir-se no espaço, como em Boccioni.

O torso humano já é em si fragmento – do corpo foram decepados pés, mãos, o rosto. Fragmentos são também os seios, que Evandro desloca e multiplica sobre o corpo, vasto campo para suas fantasias eróticas: à maneira de Magritte, faz inversões antropomórficas, dá nova ordenação visual ao corpo, vale dizer, ele opera uma re-montagem totêmica como em Totem, bronze, 1992, ou nas duas versões em granito, 1990, e mármore, 1992 de Japonesa.

Nesta multiplicação de seios e perfurações, de virtualidades fálicas e vaginais, nesta hibridização do masculino e do feminino (Adão e Eva, bronze, 1992), levando a uma contínua reinvenção da estrutura corpórea, Evandro fertiliza o corpo, reavivando sob uma ótica contemporânea, os ritos primitivos de fecundação e procriação, por sua vez, ligados à terra e à produção agrícola.

Esta sexualidade explícita da escultura atual de Evandro Carneiro está presente, também, na metáfora do fogo, nisto que Bachelard denomina de ‘fogo sexualizado’. Em várias das peças aqui citadas, a danca do corpo, o ímpeto ascensional e as sinuosidades múltiplas acabam por incendiar a estrutura, criando formas luxuriantes, voluptuosas, flamejantes. Afinal, como afirma ainda o autor de ‘La psychanalyse du feu’, ‘se a conquista do fogo é primitivamente uma conquista sexual, não devemos nos escandalizar com o fato de que o fogo tenha permanecido tanto tempo e tão fortemente sexualizado’.”

Frederico Morais Rio, maio, 1994 (texto de Frederico Morais no catálogo da exposição individual no Museu de Arte Moderna, RJ, de 30 de novembro de 1994 a 23 de janeiro de 1995)

Fonte: Projeto Evandro Carneiro

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Evandro Carneiro: O Corpo Feminino como Ritual de Passagem

“Mantém-se entre nós, como de resto no mundo inteiro, o espaço restrito para a escultura, que Luis Marques já observara no Brasil pós-20, ao escrever sobre Brecheret: ‘o de uma sociedade avara de monumentos, dos quais essa arte crucialmente depende’.

Por isso é bom ver confirmada no trabalho de Evandro Carneiro a vocação para a escultura que, interrompida durante vinte e um anos – desde sua formação precoce aos 14 anos de idade, com Ivan Serpa e Ione Saldanha, continuada na tradição acadêmica com uma aspiração ao desenho clássico da antiguidade – é retomada agora com a coragem de quem já viu o melhor de que se fez em arte e resolve enfrentar os seus antecessores fortes, como coloca Harold Bloom para o jovem poeta, ao falar da angústia da influência que todo artista experimenta ao abordar a questão da criação. O mergulho revelador no passado, ou melhor, no já feito, é o desafio pulsante do dualismo tradição/ modernidade, o enfrentamento vivo do enigma daquelas forças de que falava Klee, que nos fazem ‘um com o universo’. Essa é a porta estreita pela qual deve passar todo criador, para dali trazer, projetando-a à frente, a experiência dos predecessores acrescida da sua.

Num curto período de oito anos, que vai de 87 a 94, principalmente se considerarmos a dificuldade dos meios técnicos para a realização da escultura, Evandro efetuou um percurso de resultados significantes e pessoais no cada vez mais intrincado universo da criação contemporânea. Que se insere num cenário cultural também cada vez mais perturbado, onde os ânimos de celebração e de denúncia, a que aludia Auerbach, parecem opor-se de forma cada vez mais radical, como se no fundo não se complementassem e fossem necessários para a resistência ao que Klee, entre tantos outros, já remetia no seu belo texto sobre arte moderna escrito para o Museu de Iena, em 1924: ‘não temos o povo conosco…’.

Todos sabemos do aparecimento do mercado de arte entre nós na década de 50, onde a ênfase na industrialização e um otimismo que figurava uma síndrome de progresso também não deixaram de favorecer, paradoxalmente, a atualização da inteligência brasileira que representava as artes visuais. A instauração de museus de arte moderna em São Paulo e no Rio de Janeiro no final da década de 40, e a da Bienal de São Paulo no início da de 50, tiveram papel fundamental na transformação da visualidade, como fatores de valorização do fazer contemporâneo europeu, inserindo a nossa criação no seu delicado mas indispensável conhecimento. A internacionalização de linguagens que então ocorreu seria intuitivamente e profundamente transformada por artistas como por exemplo Volpi, Maria Leontina, Rubem Valentim, ou o complexo Roberto Burle Marx, cada um à sua maneira.

É interessante observar que os marchands que se destacaram nesse período, como Franco Terranova, Jean Boghici, Giuseppe Baccaro, eram indivíduos cultos e sensíveis, poetas e artistas plásticos eles mesmos, e que o convívio com os criadores de quem comercializavam as obras se dava também num plano de trocas pessoais e críticas que significava ainda um estímulo outro, além do financeiro. Encontraríamos no exemplo de Kahnweiler, que sustentou o surgimento do cubismo e sobre ele escreveu livros fundamentais, o parâmetro por excelência dessa ligação entre o artista contemporâneo (a partir do século dezenove isolado na cidade-aflição de que fala Rilke, ou na multitude/ solitude sentida por Baudelaire) com a sua sobrevivência, e o seu público, comunicação tornado possível, numa sociedade crescentemente capitalista, através do mercado de arte exercido pelas galerias.

Segundo seu próprio depoimento, Evandro Carneiro interrompeu o seu trabalho inicial de escultor para trabalhar com Jean Boghici na Galeria Relevo, em 1965, participando, ainda do clima de maior proximidade entre artista e marchand da década anterior. A sua formação artística de antes, o seu convívio com o erudito Boghici, os vinte e um anos em que exerceu a profissão de marchand e leiloeiro, tendo diante de si originais das mais diversas procedências e tendências da arte antiga e moderna, certamente estão presentes no seu trabalho de agora.

Porque, diferentemente de seus companheiros de profissão ligados aos períodos das décadas de 60/70, e também talvez por ser mais jovem ele escolhe deixá-la, para voltar-se de vez para a escultura.

Depois de ter visto desfilar diante de si uma boa síntese da história da arte, com sensibilidade de artista, imaginando as facilidades e as dificuldades, a um tempo, que isso pode significar para quem retoma o processo criador.

Em 1987, início desse processo, vamos ver Evandro numa abordagem ainda tímida como forma escultórica do nu masculino, com um São Sebastião e um Pescador em bronze para, na mesma exposição em que os apresenta, mostrar outro caminho – que já desenvolve com segurança – o da expressão imaginante da mulher. Menino na praça, bonita escultura em granito, mostra o escultor na ‘infância’ da retomada do seu trabalho, diante de uma cabeça de mulher colocada sobre um suporte, ladeada por uma esfera.

Prefigira ainda o seu percurso profundo pelo tema da vênus, cuja passagem se dará a seguir pelo corpo da mulher, uma série de cabeças em mármore que integram um bloco escultórico único, belamente concebidas e particularizadas através da forma do penteado, ao mesmo tempo que despersonalizadas pela ausência do rosto, significando o feminino abstrato, coletivo e único na sua essência. Esse mesmo feminino que logo se concretizará em composições exclusivas de torsos, onde seios, sexos, nádegas, serão tratados com grande liberdade, levados mesmo ao limite da abstração.

Em 88 e 89, na busca de abertura de brechas para novos meios de expressão, o artista parte para uma arqueologia de si mesmo, numa desconstrução/ construção de trabalhos antigos seus em bronze, naturalistas, sensíveis, mas realizados com um leve laivo da maneira acadêmica na representação do nu de tradição Greco-romana. Vários desses trabalhos se haviam partido acidentalmente e Evandro, na trilha dessa sugestão, os recompõe e reinterpreta como fragmentos em novas composições: Torso Reclinado, Torso Bipartido, Três Graças, Sabinas.

Essas reinvencões do seu próprio fazer, rompido e reordenado, trarão, acrescidos da frequência desses cheios do torso feminino, uma nova disciplina ao desenho, à composição e ao volume do seu próximo trabalho.

Nus Paralelos, de 1990, composição rigorosa quase abstrata com torsos, e predomínio do geométrico, da mesma maneira que Nus consequentes, Fronteira, de 1992, todos em granito, revelam as dificuldades que ele vai se colocando e transpondo, até pela escolha do ataque à matéria dura da pedra. Em outras composições geométrico-abstratizantes de 92, a sensualidade da curva se acentua, em trabalhos límpidos e lúdicos como as Japonesas e Noite e Dia.

Evandro Carneiro não foge à pedraria do caminho da criação e enfrenta e ama – na busca e nos resultados da sua expressão pela escultura – antecessores fortes como Maillol, Boccioni, Brancusi, o próprio Brecheret, pintores como Rego Monteiro e Wilfredo Lam, os mestres do nu japoneses e das grandes tradições tribais africanas.

Os aspectos arcaicos do tribal vão atraí-lo cada vez mais, nessa longa e sentida representação da arquetipia do corpo feminino. Inicia-se em 91 a sua série de composições longilíneas, de aspecto totêmico, com o predomínio de curvas torsas, e superficies tão polidas e tratadas como o artefato que cai do céu no filme 2001 de Kubrick. A serena sensualidade anterior presente em seu trabalho, sempre contida pelo limite do arquétipo, e que coexiste com o domínio da técnica, vai aos poucos se transmudando em colunas inquietantes, orgânicas, já agora quase sacralizantes, totêmicas mesmo, na sondagem de um eros/mulher abissal, hermético, primevo: o eros da fonte da vida, como se vê nas Sirenas em bronze (1992) e granito (1992), e na extraordinária Femina (1992), para arquearem-se mais ainda nas bailarinas e ameaçadoras formas de Enigma (1992).

Estamos diante de um escultor que tem a consciência da mão e a entrega ao inconsciente do instante, ativo em plena pós-modernidade, e que através do motivo aparentemente tão simples e milenar do corpo, fala do eros como um ritual de passagem que remete às origens da vida.”

Lélia Coelho Frota (Texto no catálogo da exposição individual no Museu de Arte Moderna, RJ, de 30 de novembro de 1994 a 23 de janeiro de 1995)

Fonte: Projeto Evandro Carneiro

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Esculturas do gênero feminino: o corpo da mulher é principal temática do mineiro Evandro Carneiro

Sobre seus estudos na Escola Nacional, conta Mário Margutti, em um ensaio que escreveu sobre o artista em 1994:

‘Aos 16 anos, Evandro ingressou na Escola Nacional de Belas Artes. Naquele tempo, segundo o escultor, existiam na escola duas vertentes de ensino: uma moderna, coordenada por Abelardo Zaluar, que dava maior liberdade aos alunos e privilegiava a experimentação; a outra, mais acadêmica e com preceitos mais rígidos, era capitaneada por Onofre Penteado. Como já desfrutara do saber de professors modernos do MAM, Evandro optou pela linha de Onofre, numa busca consciente de aprimoramento técnico’.

‘Onofre seguia o currículo à risca e era muito exigente no que diz respeito ao desenho, que praticávamos exaustivamente, através de croquis, modelos vivos e cópias de estátuas de gesso’, afirma Evandro.
Sua paixão pela escultura, enretanto, foi de fato incorporada em 1966, quando iniciou aulas particulares com a escultora Celita Vaccani.
Apesar de ter registrado em seu currículo dezenas de exposições individuais e coletivas, o seu talento não se restringiu somente às criações artísticas, ingressou no mercado de arte como funcionário da Galeria Relevo, no Rio, organizou leilões em Brasília, Goiânia e Recife e, em 1971, criou juntamente com José Carvalho, a Bolsa de Arte do Rio de Janeiro, tornando-se um dos maiores e mais conhecidos organizadores de leilões do país. Em 1983, iniciou suas atividades como leiloeiro.
Apesar de todo o envolvimento com leilões e organização de mostras de outros artistas, Evandro sempre produziu regularmente e vem realizando exposições anuais em importantes galerias e museus do país e do exterior. Expôs em locais como a GB Arte, Galeria Ipanema e Galeria Saramenha, no Rio de Janeiro, Galeria Skultura, em São Paulo, Galeria Arte-Actual em Santiago do Chile, Galeria Marcus Vieira, em Belo Horizinte, além do Museu Nacional de Belas Artes e do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e do Palácio do Itamaraty, em Brasília. Possui obras instaladas em espaços públicos de vários estados brasileiros e tambem foi membro do júri da 1a Bienal Internacional de Escultura, em Resistência, Argentina. Ano passado, realizou exposição individual na Galeria Marcia Barrozo do Amaral, no Rio de Janeiro.
A presença da figura feminina é bastante marcante na obra de Evandro e, nessa mostra, ela aparece fragmentada, tratada de forma estilizada, mas sempre mantendo a coerência e o refinamento que acompanha o trabalho do artista desde o início.
O crítico Fredrico Morais chama a atenção para a sensualidade das obras criadas pelo artista no texto que escreveu para a apresentação do livro Criaturas, no qual estão reunidos poemas de Jorge de Lima e esculturas de Evandro Carneiro, lançado pela Soraia Cals Editora, em 2001. A exposição, intitulada Universo Feminino, fica aberta ao público até 7 de dezembro e pode ser visitada de segunda à sexta, das 9h às 19h e sábado, das 9h às 13h.”

Justino Miranda (Matéria no Correio da Bahia / Folha da Bahia, 13 de novembro de 2007, Caderno de Cultura, seção Artes Plásticas, texto sobre a exposição individual na Galeria Paulo Darzé, 13 de novembro a 07 de dezembro de 2007)

Fonte: Projeto Evandro Carneiro

Crédito fotográfico: Youtube @RevitalizaRio

Evandro Carneiro (Visconde do Rio Branco, MG, 22 de março de 1946) é um escultor, leiloeiro, marchand e colecionador brasileiro. Interrompeu o seu trabalho inicial de escultor para trabalhar na Galeria Relevo, em 1965, com Jean Boghici (Romênia, 1928 - Rio de Janeiro, 2015), colecionador e marchand pioneiro no mercado da arte brasileiro que reuniu em seu acervo obras dos principais artistas brasileiros. Em 1971 funda a Bolsa de Arte ficando ativo na organização de leilões. Em 2003 cria a Evandro Carneiro Leilões. Em 2017 deixa de realizar leilões para fundar a Galeria Evandro Carneiro Arte em 2018. Além da produção de esculturas, durante toda a sua trajetória profissional, realizou avaliações de obras de arte para leilões, companhias seguradoras, garantias em instituições financeiras, além de coleções particulares e acervos públicos.

Evandro Carneiro

Evandro Carneiro (Visconde do Rio Branco, MG, 22 de março de 1946) é um escultor, leiloeiro, marchand e colecionador brasileiro. Interrompeu o seu trabalho inicial de escultor para trabalhar na Galeria Relevo, em 1965, com Jean Boghici (Romênia, 1928 - Rio de Janeiro, 2015), colecionador e marchand pioneiro no mercado da arte brasileiro que reuniu em seu acervo obras dos principais artistas brasileiros. Em 1971 funda a Bolsa de Arte ficando ativo na organização de leilões. Em 2003 cria a Evandro Carneiro Leilões. Em 2017 deixa de realizar leilões para fundar a Galeria Evandro Carneiro Arte em 2018. Além da produção de esculturas, durante toda a sua trajetória profissional, realizou avaliações de obras de arte para leilões, companhias seguradoras, garantias em instituições financeiras, além de coleções particulares e acervos públicos.

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Cronologia

1946: Nasce em Visconde do Rio Branco, Minas Gerais. Muda-se para o Rio de Janeiro em 1956 e em 1962-1963 realiza cursos no Museu de Arte Moderna com os professores Ione Saldanha e Ivan Serpa.

1962-1963: Cursos no Museu de Arte Moderna com os professores Ione Saldanha e Ivan Serpa.

1964: Ingressa na Escola Nacional de Belas Artes.

1965: Ganha o concurso instituído pelo Diário de Notícias para o troféu da Campanha Nacional da Criança, júri composto por G. P. Pinheiro, Raymundo Castro Maya e Hélio Oiticica.

1966: Aulas particulares com a escultora Celita Vaccani.

1966: Ingressa no Mercado de arte como funcionário da Galeria Relevo, de Jean Boghici, no Rio de Janeiro.

1967-1969: Passa a organizar Leilões de arte em Brasília, Goiânia e Recife.

1971: Cria com José Carvalho a Bolsa de Arte do Rio de Janeiro, ficando ativo na organização de leilões de arte.

1973-1980: Organiza diversas exposições para a Bolsa de Arte, a sede do Jockey Club e o Museu Nacional de Belas Artes: Castagneto, Di Cavalcanti, Ceschiatti, Goeldi, Grassmann, Messias, Kaminagai, Ismael Nery, Wanda Pimentel, Ivan Freitas, Pancetti, Rubem Valentim, Cerâmicas pré-colombianas, Antônio Dias, Modesto Brocos, Rubens Gerchman, Manuel Kantor, Bruno Giorgi, Sergio Telles, Cícero Dias, Eugênio Sigaud, Geza Heller, Portinari, Campofiorito, Aluisio Valle, entre outros.

1983: Inicia suas atividades como leiloeiro público.

1990: Realiza a escultura Cristo Crucificado, em grandes dimensões, para a Catedral Metropolitana de Petrópolis, RJ;

1991: Execução da escultura Dédalo, em grandes dimensões, para o Palácio dos Leilões, Rio de Janeiro.

1992: Atividades no Laboratori Artici di Scultura in Marmo Carlo Nicoli, em Carrara, Itália.

1993 – Membro do júri do Salão do Museu de Arte Moderna de Resende.

1993: Instala a escultura Enigma, em grandes dimensões, no Parque de Esculturas do Shopping Center Recife, Pernambuco.

1994: Realização da escultura Cristo Crucificado, em grandes dimensões, para a igreja São Sebastião de Petrópolis, Rio de Janeiro.

1998: Membro do júri da 1a Bienal Internacional de Escultura, em Resistência, Argentina, juntamente com Roel Teeuwen (Holanda) e Rafael Canogar (Espanha).

2000: Instala cinco esculturas, em grandes dimensões, no Centro Empresarial Barra Shopping, Rio de Janeiro.

2001: Instala a escultura Sirena, em grandes dimensões, no Condomínio La Reserve, Rio de Janeiro.

2001: Recebe o prêmio São Sebastião de Cultura – Artes Plásticas, outorgado pela Associação Cultural da Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro.

2001 a 2003: Integra no biênio o Conselho Empresarial de Cultura da Associação Comercial do Rio de Janeiro.

2003: Cria a Evandro Carneiro Leilões, Rio de Janeiro.

2003: Eleito para a Cadeira n. 8 da Academia Brasileira de Arte, sucedendo sua antiga professora de escultura, Celita Vaccani, vindo a tomar posse em 2012.

2005: Instala três esculturas em grandes dimensões no condomínio Península, e outras cinco no Windsor Hotel – Barra da Tijuca, Rio de Janeiro.

2011: Instala em Ouro Preto, por encomenda do prefeito Angelo Oswaldo, duas esculturas: Acqua-via, no Parque Horto dos Contos e Marília de Dirceu na casa de Tomás Antônio Gonzaga.

2013: Inaugura a escultura Dom Quixote, no Instituto Mário Mendonça em Tiradentes, MG.

2015: Instala duas esculturas em granito em grandes dimensões no Hotel Hilton Barra, Rio de Janeiro.

2017: Deixa de realizar leilões para fundar sua galeria de arte.

2018: Inaugura a Galeria Evandro Carneiro Arte.

Exposições individuais

1987 - GB Arte, Rio de Janeiro, RJ.

1988 - Galeria Ipanema, Rio de Janeiro, RJ.

1988 - GB Arte, RJ; “Ousadia da Forma”, Rio de Janeiro, RJ

1989 - Galeria Matias Marcier, Rio de Janeiro, RJ

1989 - “Nossos anos 80”, Skultura Galeria de Arte, São Paulo, SP.

1990 - Galeria Ipanema, Rio de Janeiro, RJ.

1990 - Centro Cultural Laura Alvim, Rio de Janeiro, RJ

1991 - Clube dos 50, Visconde do Rio Branco, MG.

1991 - Galeria Arte Actual, Santiago, Chile.

1992 - Galeria Saramenha, Rio de Janeiro, RJ.

1994 - Museu de Arte Moderna, Rio de Janeiro, RJ.

1995 - Palácio do Itamaraty, Ministério das Relações Exteriores, Brasília, DF.

2000 - Exposição individual na Galeria Marcus L Vieira, Belo Horizonte, MG.

2001 - Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro, RJ.

2006 - Galeria Márcia Barrozo do Amaral, Rio de Janeiro, RJ.

2007 - Paulo Darzé Galeria de Arte, Salvador, BA.

2011 - “A Arte em Bronze” - Espaço Cultural Engenho Central, Piracicaba, SP.

Exposições coletivas

1988 - Ousadia da Forma, Galeria Matias Marcier, Rio de Janeiro, RJ.

1989 - Nossos Anos 80, Centro Cultural Laura Alvim, organizada pela Galeria GB Arte, Rio de Janeiro, RJ.

1991 - Mostra de esculturas, junto com pinturas de Cosme Martins, Galeria Arte-Actual, Santiago do Chile;

1991 - Convidado a expor e membro do júri na Sala Especial do XXII Salão de Belas Artes do Clube Naval, Rio de Janeiro, RJ.

1992 – ‘O feminino e o eterno bronze’, em conjunto com Bruno Giorgi, Sonia Ebling, Agostinelli e Ceschiatti, Palácio dos Leilões, Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, RJ.

1993 - Sala especial juntamente com Antônio Bandeira e Roberto Burle Marx no Salão de Antiquários e Galerias de Arte - Centro Cultural dos Correios, RJ.

1999 – Exposição Escultura Brasileira, que reuniu trabalhos de Bruno Giorgi, Sonia Ebling, José Pedrosa, Vasco Prado e Eloisa Tragnago, Galeria Marcus L Vieira, Belo Horizonte, MG.

2000 - Mostra Arte Contemporânea Brasileira, Atualidade Galeria de Arte, Rio de Janeiro.

2000 - Exposição ‘A Pedra’ com Alfi Viverni, Bruno Giorgi, Sonia Ebling e Victor Brecheret. Galeria Marcus LVieira, Belo Horizonte, MG.

2011 - Participação na mostra Fundiart: a arte em bronze.

Acervos

  • Museu Nacional de Belas Artes

  • Museu de Esculturas do Parque da Catacumba

  • Museu de Belas Artes em Santiago do Chile.

Fonte: Evandro Carneiro Arte e Projeto Evandro Carneiro, consultados pela última vez em 10 de março de 2021.

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Entrevista com Evandro Carneiro

Formas que por seus volumes e vazios, luzes e sombras, e uma geometria algumas vezes abstrata, nas suas superfícies lisas; formas compactas em límpidos espaços criados pelos cortes, eliminações e sínteses; formas que acarretam uma tensão entre tradição e modernidade; formas em seus materiais como o mármore, o granito, o bronze, a madeira; formas que fazem de Evandro Carneiro “um escultor que tem a consciência da mão e a entrega ao inconsciente do instante”, no dizer da escritora Lélia Coelho Frota.

1. “Queria ser um artista de formação clássica”. Esta é uma afirmação dada como sua, e dela podemos extrair uma primeira pergunta: o que é determinado na sua fala como clássico?

Clássico como o termo sugere indicam aprendizado e formação metódicos, obra equilibrada e harmônica, com sensível predominância da forma sobre o conteúdo, sem excessos de ornamentação, primando pela sobriedade.

2. Clássico, então, indica uma formação com domínio da técnica, saber o aprendizado, dominar a execução através dos ensinamentos que a história da arte e os mestres proporcionam pelo estudo?

Isto tudo o que você diz na sua pergunta, mais uma grande tranqüilidade de não ter que explodir e reinventar o mundo cada vez que fosse apenas desenhar para meu prazer.

3. Seguir este clássico indicava um caminho a seguir?

Não havia esta pré-determinação, apenas uma necessidade de aprender a fazer, mas são coisas que percebi hoje, na época fluía naturalmente.

4. Esta opção, logo quando de sua entrada na Escola Nacional de Belas Artes, em 1964, coincide com todo um momento de efervescência cultural e de um domínio das vanguardas, do experimentalismo na arte. Não foi esta opção uma contra mão no que estava sendo feito?

Naquele tempo eu buscava crescimento, o que em alguns é rápido, em outros lento, e em muitos nunca acontece. Este é um processo individual. Aos dezoito anos alguns fazem opções, a maioria como eu, apenas estuda. E todo o momento é de vanguardas e experimentalismos, porém em arte as coisas não são obrigatoriamente simultâneas, tangidas pela busca do original. Morandi passou sua vida inteira pintando pequenas naturezas mortas, despretensiosas e belas. Era contemporâneo de Picasso, Duchamp, Kurt Schwitters, Francis Bacon e quantos mais houver. Um não invalida o outro. Todos são extraordinários em suas individualidades. Nenhum deles trabalhou competindo com o tempo. Arte é atemporal, em todos os aspectos.

5. Na sua trajetória houve uma parada de trabalho, com retomada em 1987, com uma exposição, e disto passa a realizar esculturas em bronze, mármore, granito, madeira, diversos materiais “nobres” neste segmento da arte, e variedade de temas, com certa ênfase na estatutária grega. Este apreço ou escolha temática tem uma razão de ser? Economia expressiva? Despojamento formal? Há um motivo especifico para tal? Ou estas formas clássicas permitem uma execução que é necessária uma forte e sólida base técnica?

Tem minha grande identificação pela “economia expressiva” do “despojamento formal” pelo “motivo especifico” de ter “sólida base técnica” para utilizar “formas clássicas” em minha linguagem.

6. Hoje, passados quarenta anos, como sente ter dito esta frase, o que ela acarretou como definição para seu fazer artístico, opção estética, e como vê sua trajetória diante dela?

Esta frase confirma meu acerto. Após dezenove anos sem fazer esculturas ou um simples desenho sequer, retornei ao ofício sem maiores dificuldades, porque tinha régua e compasso.

7. Ao se falar em escultura “clássica”, logo vêm à mente os gregos, mas clássicos também os há na Renascença italiana e em outros períodos. Pode identificar na sua obra quais seriam então estes momentos clássicos que o influenciaram ou o influenciam até hoje? Ou, por um outro caminho, quais os clássicos que você tem como referência?

Admiro muito os gregos – tudo, dos cicládicos aos helênicos e clássicos e inclusive as pequeninas e frágeis tanagras; os retratos romanos, os renascentistas – aí a viagem é total: os Pisano, sobretudo Nicola e Giovanni “com suas cantorias”, Donatello e Verocchio. Estou fazendo já há alguns anos uma escultura que se chamará Colleomelata que se baseia e, humildemente, junta duas das mais extraordinárias esculturas eqüestres renascentistas. O Colleone de Verocchio (Veneza) e o Gattamelata de Donatello (Pádua). Gianbologna, Luca della Robia, Cellini e, naturalmente Miguelangelo que desconfio que fosse um E.T. Gosto muito do barroco Bernini e dos neoclássicos, Canova, Rude e Carpeaux. De Rodin e Medardo Rosso que conseguiu fazer, por incrível que pareça, esculturas impressionistas, coetâneas ao movimento francês, não no sentido da cor naturalmente, mas da leveza e evanescência. . Picasso escultor, sobretudo por suas assemblages entre 1910 e 1915, que abriram um enorme portão para tudo o que se fez depois: Archipenko, Lipchitz, Giacometti, Boccioni, Duchamp, Duchamp – Villon. Brancusi e Henry Moore. Gosto muito também dos italianos: Marino Marini e Giáccomo Manzu e dos americanos: Calder, David Smith e Louise Nevelson. Do espanhol: Chillida e do polonês Igor Mitoraj que vi dele uma grande exposição simultânea no Museu Archeológico e no Jardim de Boboli em Florença que me deixou de queixo caído, enfim gosto muito dos brasileiros: Brecheret, De Fiori, Bruno Giorgi, Maria Martins, Ceschiatti e Mary Vieira. Todos estes citados aí em cima para mim são grandes clássicos.

Fonte: Projeto Evandro Carneiro, entrevista concedida em novembro de 2007 a Claudius Portugal, publicada no site da Paulo Darzé Galeria sobre a exposição individual lá realizada de 13 de novembro a 07 de dezembro de 2007.

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O Futuro de Dom Quixote

"Evandro Carneiro enfrentou o desafio de criar uma escultura de Dom Quixote numa perspectiva pessoal do tema, diferente das visões convencionais do Homem de La Mancha. A dificuldade não foi pequena: artistas do porte de Gustave Doré, Pablo Picasso, Salvador Dali e o nosso Cândido Portinari nos deram visões consagradas do Cavaleiro da Triste Figura. E incontáveis artistas plásticos, mundo afora, também foram mesmerizados pelo personagem de Cervantes, que encarna melhor do que qualquer outro a força dos sonhos e da imaginação criadora sobre a realidade insossa do nosso cotidiano.

Evandro enfrentou o desafio e venceu. Seu Dom Quixote é especial, porque foi concebido como uma relação dinâmica e contrastante entre o cavaleiro e sua montaria. Dom Quixote está de pé e segura a lança com ambas as mãos. Sua figura transparece leveza, determinação, serenidade. Condensa uma força vertical, que aponta para o alto, para os vôos ilimitados da inspiração humana. Já o cavalo Rocinante foi articulado como um jogo de curvas e torções corporais, que contorna Dom Quixote como uma espécie de círculo mágico. Evandro esclarece: “O cavalo representa o turbilhão de aventuras que envolveu Dom Quixote na Espanha daquele tempo”. Nessa visão conotativa, cavaleiro e cavalo teatralizam o combate entre sonho e realidade, entre as chamas da imaginação (a louca da casa) e a frieza da razão. Como se pode ver claramente na obra de Evandro, Dom Quixote saiu incólume desse confronto.

Outro detalhe instigante: Rocinante aproxima sua cabeça de Quixote com imensa carga de afeto, submisso como um cão a seu dono. Assim Evandro nos coloca em contato direto com o poder interior de Quixote, a integridade do seu caráter efetivamente heróico. Ele não foge da luta porque jamais desiste de seus ideais e, por isso, atravessa a noite dos séculos, inspirando sem cessar o trabalho de artistas nos quatro cantos do mundo. Afinal, todo artista, na medida em que prefere o universo paralelo de suas criações à aridez das engrenagens da vida diária, também carrega dentro de si uma dose inegável de quixotismo…

Este Dom Quixote é uma das esculturas mais figurativas já criadas por Evandro Carneiro. Em geral, ele se dedica à figuração estilizada, a um passo da abstração orgânica. Mas, nesta obra, aventurou-se em um processo de modelagem realista. Mas, como criador expressivo que é, esculpiu cavalo e cavaleiro em ritmos matéricos diferentes. Rocinante foi plasmado em uma dança de linhas curvas e massas musculares elegantes. Modelado por Evandro, o esquálido pangaré se converteu em puro jogo de intensidades visuais, que evocam as errâncias e delírios do fidalgo pelos arredores de Toledo. Já Dom Quixote se perfila aos nossos olhos com uma retidão que poderíamos chamar de hierática: a integridade do caráter do cavaleiro, potencializada pela sua loucura, lhe confere uma aura de santidade…. E assim Evandro nos ensina que, dentro da alma alucinada do personagem que marca o início da Literatura Moderna, pulsa um coração obstinado, que não desistirá de consertar os “desarranjos do mundo”…

Refinando nossa atenção, percebemos que o Dom Quixote de Evandro olha para a frente. Simbolicamente, para o futuro. Como se estivesse consciente da densa bagagem de imortalidade que carrega em si. É curioso lembrar aqui que o próprio personagem de Cervantes, no capítulo 2 do livro que o projetou para a fama mundial, profetizou:

Feliz idade e feliz século aquele onde sairão à luz as minhas famosas façanhas, dignas de serem entalhadas em bronzes, esculpidas em mármores e pintadas em telas para a memória do futuro…

Ao doar sua obra para o Pavilhão Dom Quixote do Instituto Mário Mendonça, Evandro introduziu neste espaço específico da entidade uma espécie de guardião do acervo local, um espírito tenaz, que a partir de agora zelará pelas obras e pelos sucessos, do presente e do futuro, deste acolhedor centro cultural da cidade de Tiradentes."

Mário Margutti, agosto de 2012 (Texto de Mário Margutti sobre a inauguração da escultura Dom Quixote no Pavilhão Dom Quixote do Instituto Mário Mendonça)

Evandro, sobre o Dom Quixote

‘Tudo que sei de Quixote vem do inconsciente coletivo. Esta escultura é um filtro, é o Quixote que eu vejo. Ele vive num mundo de conflitos éticos e religiosos… O cavalo assume uma importância que nunca teve e se movimenta num torvelinho que era a Espanha naquela época, a da Inquisição. O Quixote sempre será contemporâneo e tem importância perene. Na literatura brasileira, mostra-se em Quincas Berro d’Água e em Policarpo Quaresma. Cristo, Quixote, Tiradentes – a mesma energia.’

Evandro Carneiro, escultor e leiloeiro. (Matéria na Revista Condomínio, da Cipa, pp. 54-59)

Fonte: Projeto Evandro Carneiro

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Texto de Evandro Carneiro

“Sou mineiro, de Visconde do Rio Branco, nasci em 1946. Vim morar no Rio de Janeiro em 1956.

Comecei a frequentar os cursos no Museu de Arte Moderna aos 14 anos. Meus primeiros professores foram Ione Saldanha e Ivan Serpa.

Depois entrei para a Escola Nacional de Belas Artes. Lá, no primeiro ano os alunos tinham que optar pelo ensino mais livre e criativo do professor Abelardo Zaluar ou outro, mais rígido e técnico, do professor Onofre Penteado. Escolhi o segundo porque queria ser pintor de formação clássica. Através da professora Celita Vaccani, iniciei a modelagem em barro; daí para a escultura foi um passo. Com o tempo, percebi que só frequentava suas aulas e as de história da arte do professor Mário Barata.

Nesta época, meu tio Erymá Carneiro, advogado e colecionador de arte, era sócio de Jean Boghici e Jonas Prochowinik na Galeria Relevo. Fui trabalhar como vendedor, substituindo Matias Marcier, que iria se dedicar aos estudos de arquitetura. Era o ano de 1965. Tomei contato com o Mercado de arte e fiquei fascinado. Abandonei a escola e minhas esculturas. Dediquei-me à galeria integralmente.

A Relevo, além de ter obras de grandes artistas em seu acervo, fazia exposições de vanguarda nacional e estrangeira, e devo a esta época bom aprendizado.

A seguir, já por conta própria, organizei leilões e exposições em cidades fora do eixo Rio–São Paulo, que eram os únicos lugares onde existia um mercado regular de obras de arte.

Em 1970, Jean Boghici e Stanislau Barcinski me apresentaram a José Carvalho, que queria fazer uma grande casa de leilões. Assim nasceu a Bolsa de Arte do Rio de Janeiro e passaram-se 17 anos, de muitos leilões e exposições, sempre com a eficiente ajuda de José Coimbra.

Como marchand de tableaux e leiloeiro, atuei com dedicação e entusiasmo, numa atividade intensa e gratificante. É um privilégio trabalhar com obras de arte, mas requer afeto total, ficando difícil encontrar motivição para outra atividade profissional, sobretudo se correlata.

Poucas vezes, ao longo desse tempo, permiti-me ensaiar algumas de minhas esculturas. Quando isso aconteceu, senti-me estimulado, provocado e receoso. Sufocado de auto-crítica. Demonstrava um vigor latente que eu preferia deixar adormecido. Como que, se despertado, fosse subverter a ordem que eu construíra. Era como brincar com uma casa de marimbondos.

No ano passado, eu estava fazendo uma avaliação de quadros perto da Fundição Zani. Fui até lá, peguei alguns quilos de barro e levei para a minha casa. Em uma semana fiz três pequenas esculturas. Reencontrei uma satisfação enorme, e que não me arrancou pedaços. Voltei à Zani, era o período do Plano Cruzado e faltava barro. Acreditem!

Aquela abstinência de alguns dias foi crucial ou vital? Percebi o quanto tinha me afastado de minha vocação original.

A vida seguiu, e a resistência, inconsciente, também.

Até pensei em fazer uma nova galeria de arte. Se eu estava querendo criar, que criasse mais trabalho. Tudo de novo. Vade retro. Mas não foi isso que aconteceu. Concluí que precisava voltar imediatamente às minhas esculturas. Agora ou talvez nunca. ‘Quem sabe faz a hora’, cantou Vandré. Resolvi parar meu trabalho como organizador de leilões, retornando às minhas esculturas de forma completa, permanente. Mexer naquela vocação interrompida.

No início, tive medo de começar e não parar mais, abrindo mão de uma posição cômoda, conseguida em 22 anos de trabalho no mercado de arte. Mas retomei. Hoje, apenas apregôo, entre outros, os leilões organizados na Bolsa de Arte pelo Jones Bergamin, e com total disponibilidade de tempo, dedico-me ao meu novo trabalho.

Assim, estou aqui, nesta exposição da G. B. Arte. Com o incentivo de minha mulher Adriana e dos meus amigos Jean Boghici, Bruno Giorgi e Ramon Conde, apresento minhas esculturas. Resgatadas, sujeitas a chuvas e trovoadas, mas que são o melhor de mim.

Evandro Carneiro Rio de Janeiro, setembro de 1987. no folder da exposição individual na Galeria GB Arte (14 a 30 de setembro de 1987)

Fonte: Projeto Evandro Carneiro

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Texto de Evandro Carneiro na apresentação do catálogo da exposição individual na Galeria Márcia Barrozo do Amaral

“Quando fiz minha exposição de esculturas na GB Arte, em 1987, a Márcia Barrozo do Amaral, então uma das sócias da galeria, sugeriu-me que eu organizasse uma exposição exclusiva de cabeças, já naquela época constantes em meu trabalho.

Passados quase vinte anos, a proposta se materializou. Selecionei esculturas de cabeças realizadas em diversos momentos de minha obra. Modifiquei, fiz cortes, agreguei e repaginei, reduzi algumas e ampliei outras, buscando dimensões e tratamento único, conferindo unidade aos modelos em gesso, para resultar nas mesmas textura e pátina, visando acabamento e fundição impecáveis.

A cabeça é o parâmetro mais antigo das proporções do corpo humano, equivalente ao pé na métrica greco-latina. Como referência de medida nas artes, utilizava-se, por séculos, a altura do corpo humano equivalente a sete cabeças e meia. Hoje, como o ser humano não para de crescer, calculam-se oito cabeças e três quartos para a altura do físico contemporâneo. Eu a vejo não somente como cânone, mas como centro de nossa existência de ser pensante. Além do que, tudo isso perdeu o sentido quando o artista, sobretudo a partir de El Greco, constatou que o corpo ideal já não atendia a suas necessidades de expressão.

Meu trabalho sempre foi figurativo, mesmo quando a figura quase desaparece nas simplificações que eu tanto gosto. Mas a figura sempre está ali. Costumo dizer que o corpo humano é meu alfabeto. Sempre recorro a ele em busca de novas soluções formais e, neste alfabeto repleto de seios, coxas e bundas, a cabeça é o elemento primordial, sua letra ‘a’.

Diferentemente do corpo humano inteiro, que se justifica por si só e que tem uma complexidade de soluções formais e inúmeros vetores plásticos facilitadores da criação, a cabeça, fechada em si mesma, precisa de um caráter, um temperamento e uma história convincente que a justifique na imaginação do artista. Mesmo que esta história seja efêmera e acabe no exato momento em que a obra é concluída. Para, então, começar sua grande viagem na cabeça dos que a vêem.”

Evandro Carneiro (Texto na apresentação do catálogo da exposição na Galeria Márcia Barrozo do Amaral, de 9 de novembro a 2 de dezembro de 2006)

Fonte: Projeto Evandro Carneiro

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Evandro Carneiro: clássico, contemporâneo

Evandro Carneiro freqüentou a Escola Nacional de Belas Artes entre 1964 e 1965. As alternativas de aprendizado, ali, eram poucas, e Evandro, entre ‘o ensino mais livre e criativo de Zaluar’ e ‘o ensino mais rígido e técnico de Onofre Penteado’, optou por este último. Reafirmou esta opção quando passou a frequentar as aulas de Celita Vaccani, pois, como ele mesmo afirmou no catálogo de sua primeira individual (GB Arte, 1987), ‘queria ser um artista de formação clássica’.

Hoje, 25 anos depois, e quarto após ter retomado a escultura, esta opção evidencia-se em seus trabalhos. Como escultor, seja pela ortodoxia dos materiais empregados (bronze, mármore, granito e madeira), seja pela persistência de alguns temas – Ícaro, Prometeu, Guerreiros – ou por sua aproximação à escultura grega, seja, principalmente, pela economia expressiva e pelo despojamento formal, Evandro é, indiscutivelmente, um clássico.

É preciso, entretanto, não confundir os conceitos. Quando Evandro diz que queria ser um artista de formação clássica, ele está afirmando que buscou na ENBA uma sólida base acadêmica, ou técnica, tendo como modelo a cultura clássica. Winckelman, ao introduzir as principais categorias no estudo da arte grega, interpretou-a como ‘nobre simplicidade, serena grandeza’, definindo a beleza como um estudo de equilíbrio ideal, que exclui a paixão e, portanto, a expressão plástica da mesma. O brasileiro Deoclécio Redig de Campos, que durante tantos anos foi diretor da Pinacoteca do Vaticano, empregou um outro termo para definir esta ‘aspiração grega à justa medida, à perfeição e à beleza’: realismo ideal. Para Redig de Campos, o homem grego ‘tentava, por assim dizer, realizar a intenção secreta da natureza, evocando a imagem de um homem que pudesse viver se algum Pigmalião conseguisse animá-lo, e que fosse, então, o mais belo dos homens’.

Mas a Grécia foi apenas o primeiro território da arte clássica, no século de Péricles. Outros momentos existiram como a alta Renascença italiana, o Neoclassicismo francês, o Cubismo e a Arte Concreta. Ou seja: se é possível localizar numa determinada geografia e num dado momento estas ‘estreitas cumeadas’ que é como Wolflin definia os momentos clássicos, raros e de curta duração. Pode-se dizer, também, que essa vontade de ordem e de equilíbrio é universal e intemporal. Esta vontade está em Fídias como em Brancusi, em Poussin como em Mondrian, em David como em Lichtenstein, em José Pedrosa como em Amílcar de Castro. É neste sentido que se pode dizer que Evandro Carneiro é um escultor clássico… e moderno.

É certo que ele ainda se deixa encantar pela sensualidade das pátinas e texturas, criando uma matéria buliçosa e inquieta na superfície do bronze, na qual, por vezes, ele resvala por um certo Surrealismo magrittiano. Porém, Evandro distancia-se tanto do Expressionismo (que é de origem nórdica) e do Surrealismo, quanto da vanguarda, e estes momentos assinalados acima não devem ser assinalados como um desvio de rota. No primeiro caso é fruto de sua paixão pelos materiais e matérias, o que é comum a todo verdadeiro artesão, o que Evandro, indiscutivelmente, é. No Segundo caso, devaneios oníricos de um criador que ama a concisão e a ordem. A verdade é que na escultura de Evandro inexistem delírios subjetivos ou agitação. Ele tem em comum com Ceschiatti ou Giorgi, para citar dois escultores brasileiros que admira, a sensatez, o equilíbrio e a serenidade das formas, qualidades da cultura clássica, mediterrânea, que reaparecem, de tempos em tempos, como que para contrabalançar o caráter anárquico das vanguardas.

Mas ao mesmo tempo que soube conter em sua obra esta vertente irracionalista do Surrealismo, Evandro percorreu uma via metafísica, sem, contudo, cair nos excessos literários do movimento criado por Chirico. O que só foi possível porque, simultaneamente, aproximou-se do Cubismo, que é uma das fontes do ‘classicismo’ moderno. Um similar brasileiro dessa síntese cubo-metafisica é Milton Dacosta e Evandro é um escultor ‘dacostiano’, como se pode comprovar confrontando-se algumas de suas esculturas em granito com as figuras femininas de Dacosta ou a extrema horizontalidade do seu ‘Ícaro’ com a tela ‘Sobre a horizontal’ do mesmo pintor.

Enfim, esta ‘leve dose de espectralismo e de mistério’ que perpassa por algumas esculturas de Evandro Carneiro não colide com sua clara vontade de forma.

Rodin surpreendia seus contemporâneos ao afirmar que não era um sonhador, mas um matemático, e que sua escultura era boa porque era geométrica. Evandro, mesmo sendo um intuitivo, poderia dizer o mesmo. Suas esculturas, independentemente dos temas, cabem rigorosamente dentro de invólucros geométricos: retângulos, triângulos, e losangos. A curva plena está ausente (o que quer dizer que ele também não é barroco) e as horizontais prevalecem sobre as verticais, contrariando, assim, a tradição antropocêntrica da escultura. Pode-se mesmo afirmar que Evandro é um escultor abstrato, por vezes bem próximo da pureza formal de um Brancusi. Não chegou à subversão baselitiana de virar as figuras de cabeça para baixo, mas derrubou-as (como em ‘Ídolo Caído’) ou distribuiu os fragmentos de figuras e objetos sobre suportes horizontais (‘Guerreiro’, ‘Sabinas’). Nos rostos esculpidos em granito, a ausência dos olhos impõe às peças o silêncio revelador da forma pura. Não há neles nenhum enigma ou inquietação, apenas matéria e forma.

As obras de Evandro Carneiro não são o receptáculo da dor do mundo, da subjetividade do autor, elas não ilustram vivências do cotidiano nem inquietações filosóficas. São apenas esculturas. Potencialmente, ele está mais para o entalhe (isto é, para o corte, a eliminação, a síntese) do que para o modelado (que deixa sempre resíduos expressionistas).

As obras aqui expostas compõem duas vertentes, ambas diretamente ligadas ao material empregado. Nas peças realizadas com mármore e granito, Evandro mostra-se mais marcadamente clássico. Superfícies lisas, formas compactas, límpidas geometrias. Evandro começa inclinando suavemente o rosto talhado no mogno, na postura clássica, para em seguida alongar excessivamente a forma cilíndrica que se situa entre o pedestal e o rosto. Na verdade, este cilindro é simultaneamente coluna de um corpo virtual e um segundo pedestal a sustentar a minúscula cabeça. Situação algo brancusiana na medida em que o pedestal tende a ser parte do significado da escultura e não mero suporte.

O simbolismo de ‘Ídolo Caído’ não reside no eventual conteúdo descritivo da imagem esculpida, mas na subversão do classicismo que Evandro, com sua obra, ajuda a sustentar. Ou seja: estas duas esculturas guardam a aura clássica, mas já freqüentam o território da arte moderna ou mesmo pós-moderna.

A outra vertente é representada pelos trabalhos em bronze e neles há uma tensão entre tradição e modernidade, entre modelagem e estrutura. O bronze, mais ainda que o mármore, representa a tradição escultórica, por sua resistência ao tempo, por sua capacidade de mimetizar todos os demais materiais, pela complexidade de sua técnica.

Através do bronze, Evandro homenageia a escultura grega, tanto àquela arcaica, de Esparta (‘Guerreiro’), quanto às pequenas estatuetas de terracotta encontradas na Necrópole de Tanagra, e que eram um elogio à beleza do corpo feminino. Ao mesmo tempo, porém, elas se inserem na modernidade, através da fragmentação e da estrutura de arranjo. Evandro, que já fizera corpos sem cabeças ou braços, cabeças sem corpos, agora secciona braços, pernas, pés ou asas para, em seguida, remontá-los em estruturas dramáticas ou em pequenas narrativas miniaturizadas, que pedem do espectador uma leitura silenciosa e sobretudo imaginativa. Fragmentos também de mitos, pois o que sobrou da asa do Ícaro em sua queda no mar, depois de libertar-se do labirinto de Creta, encontra-se agora ao lado da perna musculosa do titã Prometeu, aquele que ousou roubar o fogo do Olimpo para entregá-lo aos homens. Símbolo do artista-artesão, capaz de consumir-se até as entranhas no seu afã-criador.

Ampliando este processo desmitificador, Evandro miniaturiza corpos, diversos no modelado, nos cortes, posturas e texturas, corpos que são, em seguida, enfileirados sobre base extensamente horizontal, como se ele quisesse criar, ali, uma espécie de pauta musical, cada estatueta valendo como uma nota, e, todas juntas, armando um desenho no espaço, sinuoso e rico de tonalidades. Ou, então, são empilhados e colados uns aos outros como ginastas num estádio, quase-placas ou relevos de esculturas-xipófagas. Estas estatuetas se transformam, assim, em módulos para composições que podem ser infinitas, como nas colunas de Brancusi.

Se aplicarmos a Evandro Carneiro a distinção proposta por Margit Rowell para a escultura contemporânea, diríamos que, na primeira vertente, Evandro busca uma ‘estética da natureza’, tendo o homem como medida; na segunda, uma ‘estética da cultura’, tendo a arte como medida. Difícil dizer, neste momento, qual destas duas vertentes irá prevalecer na obra futura de Evandro. Quem sabe elas até poderão se fundir em uma via mais vigorosa e original?

É esperar para ver.

Frederico Morais Rio (Texto no folder da exposição individual na Galeria Ipanema, 08 a 26 de maio de 1990)

Fonte: Projeto Evandro Carneiro

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Do Realismo Ideal ao Erotismo

“Tentarei esquecer tudo o que escrevi sobre a escultura de Evandro Carneiro nas apresentações que fiz de suas exposições anteriores, nas Galerias Ipanema (1990) e Saramenha (1992). Para não me tornar repetitivo e enfadonho. E também para me obrigar a ver suas esculturas à luz de novos enfoques e, mesmo correndo o risco de contradizer-me, re-ver certas observações feitas anteriormente.

Primeira abordagem: realismo ideal

A preocupação central do artista nas obras reproduzidas neste livro é o corpo. Na peça mais antiga, um bronze de 1988, Evandro aborda um tema banal, mas universal na sua significação – maternidade. A mãe brinca/ acaricia o filho, protetora. Ela é ainda jovem, tem o corpo esbelto, quase sensual. A criança é igualmente saudável, roliça, brincalhona. Esta escultura guarda muito daquela beleza terna e calma que encontramos nas madonas renascentistas. Deoclécio Redig de Campos, durante várias décadas conservador-chefe do Museu do Vaticano, denominou ‘realismo ideal’ este ‘equilíbrio estável entre a forma e o conteúdo’, esta ‘coordenação clara de todos os elementos da obra de arte na harmonia do conjunto’, que é a essência do classicismo grego, retomado no Renascimento e que presiste, com ênfases diversas, no Barroco, no Neo-clássico, chegando a alcançar as primeiras manifestações modernas, no fim do século passado [século XIX].

A revolução modernista questionou esse conceito de realismo ideal e, à medida que avançava em suas conquistas, o preconceito contra a beleza tornou-se cada vez mais arraigado por parte da crítica. Mas esta beleza que tanto assusta a crítica de arte, ainda comove o público. E não estou falando de arte acadêmica, calcada em fórmulas e estereótipos, mas de uma beleza simples e direta, como a que encontramos na arquitetura de Oscar Niemeyer, na pintura de Elyseu Visconti, na escultura de Ceschiatti, Bruno Giorgio ou José Pedrosa, para citar alguns exemplos brasileiros. Uma boa parte da produção escultórica de Evandro, revela esta mesma beleza tranquila, límpida, mediterrânea e, nem por isso menos moderna. Porque esta beleza não reside apenas em seu conteúdo figurativo, ela é também forma.

Uma das últimas peças criadas por Evandro, aqui reproduzida, Africana, de 1993, realizada em mármore belga, negro – é quase abstrata. Nela, a forma prevalece.

Entre esses dois extremos, decorridos apenas seis anos, temos uma série de variantes temático-formais que, sem romper com a coerência interna de sua obra, oferece diferentes alternativas de leitura. Afinal, Evandro situa-se ao mesmo tempo dentro e fora da tradição, dentro e fora a da modernidade. Um apego maior ao fazer artesanal, recalca, nele, qualquer exacerbação experimentalista.

Segunda abordagem: África

A arte negro-africana é tradicional, conservadora, comunitária, tribal, animista, utilitária. A arte moderna, ao contrario, é revolucionária, internacionalista, individualista, frequentemente nihilista e anárquica. São antípodas, portanto. Apesar disso, a descoberta da arte negro-africana pelos artistas modernos no início deste século [séc.XX], bem como da arte da Oceania e, um pouco mais tarde, da arte precolombiana, teve um impacto extraordinário no desenvolvimento da arte ocidental. O que impressionou o artista moderno na máscara africana, foi seu poder de síntese, o caráter redutivo e fechado da forma. Neste sentido, a estatuária negro-africana está igualmente nos antípodas da arte grega e do princípio do ‘realismo ideal’.

Foi a partir da observação da escultura negro-africana que Brancusi, oriundo do Cubismo, chegou à estruturação totêmica e à integração do pedestal no significado geral de suas obras. Em Evandro esta ‘presença africana’ reciclada pelo Cubismo, pode ser percebida em várias peças, tanto em seu aspecto formal, quanto em suas implicações simbólicas. Nele, o pedestal nunca é um elemento puramente acessório ou descartável. Em Enigma, bronze de 1992, a inclinação da base determina o ritmo ondulante da estrutura, seu caráter dançante ou flamejante. Em Labareda, de 1990, o torso feminino como que se transforma em módulo de uma estrutura totêmica, que pode crescer ad-infinitum.

Terceira abordagem: des-montagem e re-montagem

O vocabulário formal de Evandro inclui três outros elementos, além da inserção do pedestal como parte da estrutura da obra: fragmentação (des-montagem), acumulação (re-montagem) e torsão (simultaneidade de ângulos de visão). Estes elementos, analisados em conjunto, ajudam a compreender o caráter lúdico de sua linguagem escultórica. Evandro verticaliza, deita, divide, soma, multiplica, empilha e enfileira a figura humana num jogo que parece inesgotável e que resulta, muitas vezes, em surpreendentes metamorfoses de significado, ganhando ora uma dimensão crítica, ora onírica, ou bem humorada.

Com a fragmentação, des-monta a unidade tridimensional do corpo humano, questionando aquilo que Worringer definiu, a propósito do Renascimento, de ‘arrogância antropocêntrica’, vale dizer, a própria verticalidade do ser humano. Esta descontinuidade provocada pelo corte que divide, introduz na obra um elemento dinâmico, força uma apreciação não-figurativa do tema (Torso bipartido, 1988).

À fragmentação, segue-se a acumulação de corpos que aparecem em pelo menos três situações. Empilhados, horizontalmente como se fossem mercadorias ou simples embalagens. O título de uma das peças, Índice, bronze de 1989, parece indicar uma postura crítica em relação à sociedade de consumo, à sociedade da ‘terceira onda’, na qual tudo é descartável, inclusive o homem. Pode-se ler também nessa acumulação de Torsos interligados, 1989, um processo de dessacralização de um certo ideal de beleza fundado na salubridade e eugenia do corpo verticalizado, íntegro, como também a negação de uma arte fundada na exteriorização de sentimentos e emoções. Há na escultura de Evandro um distanciamento emocional, uma frieza calculada, que o traz sempre de volta às questões técnicas – às patinas, ao exercício de matérias e texturas, etc. Ao empilhar uma dúzia de torsos, à semelhança daquelas pirâmides humanas que vemos no circo, vai aos poucos desfazendo o contorno original das figuras, criando uma espécie de informalismo matérico.

Suas Sabinas, 1989, poderiam, como na mitologia, ter sido raptadas ou simplesmente arrancadas do depósito de uma fundição, onde são modeladas em série, e postas ali, em fila, como num mostruário. Mas como cada uma delas tem seu próprio caráter – escala, corte, texturas, etc – prefiro vê-las como notas para um concerto escultórico, música eventualmente dissonante na variedade de seu desenho.

Ao substituir o bronze pelo granito, simultaneamente à opção pela horizontal, Evandro passa a encarar o corpo como paisagem. Pode-se falar de uma geografia do corpo – entrâncias e reentrâncias, montanhas e desfiladeiros, grutas e planícies – ou de uma erotização da natureza. O corpo, no entanto, é mais insinuado do que propriamente esculpido. Desbastada a pedra, o corpo não nega o bloco do qual se origina. E no entanto, vibra. Em Nus paralelos, 1990, um frisson sensualiza a matéria, rompendo a imobilidade pétrea. Um corte atravessa toda a extensão do corpo (Nus consequentes, 1992) que ainda permanence inerme. Só depois, aos poucos, o corpo, como uma lesma, desloca-se em ondulações demoradas e silenciosas. Ou serpenteia, como cobra, em gestos calculados: Suassuapara, 1992. Para novamente se fundir, mimeticamente, com a paisagem. É Dia e Noite, luz e sombra, forma e matéria, Arp e Rodin.

Evandro torce o corpo, quer mostrá-lo ao mesmo tempo de vários ângulos de visão, frente e verso e até de ponta cabeça. Não há mais centro ou face privilegiada. A escultura capta, virtualmente, os movimentos que o espectador faria em torno dela, no momento da contemplação. Nas colunas ou totens, Evandro desloca a mesma peça, que se repete como módulo, em torno de um eixo virtual.

Quarta abordagem: erotismo

Uma pulsão erótica domina a escultura de Evandro Carneiro, hoje. Se a propósito de alguns bronzes e granitos seria mais correto falar-se de uma sensualização dos materiais e da forma, em outras peças, mais ousadas, o erotismo torna-se explícito. Esta pulsão erótica, por sua vez, é parte do mesmo processo de des-montagem e re-montagem do corpo, ou melhor, é o motor deste processo. Em obras como Torso futurista, 1990, Evandro apenas acentua a forma roliça das ancas, o ritmo ascensional das curvas intercaladas por angulações e estancamentos estratégicos que revificam esta dança orgástica do corpo. Um dos seios é deslocado para o ventre e com ele se confunde, um outro resurge como anca. Linhas e volumes criam uma relação dinâmica, o corpo age, se movimenta, tenta ultrapassar seus próprios limites, expandir-se no espaço, como em Boccioni.

O torso humano já é em si fragmento – do corpo foram decepados pés, mãos, o rosto. Fragmentos são também os seios, que Evandro desloca e multiplica sobre o corpo, vasto campo para suas fantasias eróticas: à maneira de Magritte, faz inversões antropomórficas, dá nova ordenação visual ao corpo, vale dizer, ele opera uma re-montagem totêmica como em Totem, bronze, 1992, ou nas duas versões em granito, 1990, e mármore, 1992 de Japonesa.

Nesta multiplicação de seios e perfurações, de virtualidades fálicas e vaginais, nesta hibridização do masculino e do feminino (Adão e Eva, bronze, 1992), levando a uma contínua reinvenção da estrutura corpórea, Evandro fertiliza o corpo, reavivando sob uma ótica contemporânea, os ritos primitivos de fecundação e procriação, por sua vez, ligados à terra e à produção agrícola.

Esta sexualidade explícita da escultura atual de Evandro Carneiro está presente, também, na metáfora do fogo, nisto que Bachelard denomina de ‘fogo sexualizado’. Em várias das peças aqui citadas, a danca do corpo, o ímpeto ascensional e as sinuosidades múltiplas acabam por incendiar a estrutura, criando formas luxuriantes, voluptuosas, flamejantes. Afinal, como afirma ainda o autor de ‘La psychanalyse du feu’, ‘se a conquista do fogo é primitivamente uma conquista sexual, não devemos nos escandalizar com o fato de que o fogo tenha permanecido tanto tempo e tão fortemente sexualizado’.”

Frederico Morais Rio, maio, 1994 (texto de Frederico Morais no catálogo da exposição individual no Museu de Arte Moderna, RJ, de 30 de novembro de 1994 a 23 de janeiro de 1995)

Fonte: Projeto Evandro Carneiro

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Evandro Carneiro: O Corpo Feminino como Ritual de Passagem

“Mantém-se entre nós, como de resto no mundo inteiro, o espaço restrito para a escultura, que Luis Marques já observara no Brasil pós-20, ao escrever sobre Brecheret: ‘o de uma sociedade avara de monumentos, dos quais essa arte crucialmente depende’.

Por isso é bom ver confirmada no trabalho de Evandro Carneiro a vocação para a escultura que, interrompida durante vinte e um anos – desde sua formação precoce aos 14 anos de idade, com Ivan Serpa e Ione Saldanha, continuada na tradição acadêmica com uma aspiração ao desenho clássico da antiguidade – é retomada agora com a coragem de quem já viu o melhor de que se fez em arte e resolve enfrentar os seus antecessores fortes, como coloca Harold Bloom para o jovem poeta, ao falar da angústia da influência que todo artista experimenta ao abordar a questão da criação. O mergulho revelador no passado, ou melhor, no já feito, é o desafio pulsante do dualismo tradição/ modernidade, o enfrentamento vivo do enigma daquelas forças de que falava Klee, que nos fazem ‘um com o universo’. Essa é a porta estreita pela qual deve passar todo criador, para dali trazer, projetando-a à frente, a experiência dos predecessores acrescida da sua.

Num curto período de oito anos, que vai de 87 a 94, principalmente se considerarmos a dificuldade dos meios técnicos para a realização da escultura, Evandro efetuou um percurso de resultados significantes e pessoais no cada vez mais intrincado universo da criação contemporânea. Que se insere num cenário cultural também cada vez mais perturbado, onde os ânimos de celebração e de denúncia, a que aludia Auerbach, parecem opor-se de forma cada vez mais radical, como se no fundo não se complementassem e fossem necessários para a resistência ao que Klee, entre tantos outros, já remetia no seu belo texto sobre arte moderna escrito para o Museu de Iena, em 1924: ‘não temos o povo conosco…’.

Todos sabemos do aparecimento do mercado de arte entre nós na década de 50, onde a ênfase na industrialização e um otimismo que figurava uma síndrome de progresso também não deixaram de favorecer, paradoxalmente, a atualização da inteligência brasileira que representava as artes visuais. A instauração de museus de arte moderna em São Paulo e no Rio de Janeiro no final da década de 40, e a da Bienal de São Paulo no início da de 50, tiveram papel fundamental na transformação da visualidade, como fatores de valorização do fazer contemporâneo europeu, inserindo a nossa criação no seu delicado mas indispensável conhecimento. A internacionalização de linguagens que então ocorreu seria intuitivamente e profundamente transformada por artistas como por exemplo Volpi, Maria Leontina, Rubem Valentim, ou o complexo Roberto Burle Marx, cada um à sua maneira.

É interessante observar que os marchands que se destacaram nesse período, como Franco Terranova, Jean Boghici, Giuseppe Baccaro, eram indivíduos cultos e sensíveis, poetas e artistas plásticos eles mesmos, e que o convívio com os criadores de quem comercializavam as obras se dava também num plano de trocas pessoais e críticas que significava ainda um estímulo outro, além do financeiro. Encontraríamos no exemplo de Kahnweiler, que sustentou o surgimento do cubismo e sobre ele escreveu livros fundamentais, o parâmetro por excelência dessa ligação entre o artista contemporâneo (a partir do século dezenove isolado na cidade-aflição de que fala Rilke, ou na multitude/ solitude sentida por Baudelaire) com a sua sobrevivência, e o seu público, comunicação tornado possível, numa sociedade crescentemente capitalista, através do mercado de arte exercido pelas galerias.

Segundo seu próprio depoimento, Evandro Carneiro interrompeu o seu trabalho inicial de escultor para trabalhar com Jean Boghici na Galeria Relevo, em 1965, participando, ainda do clima de maior proximidade entre artista e marchand da década anterior. A sua formação artística de antes, o seu convívio com o erudito Boghici, os vinte e um anos em que exerceu a profissão de marchand e leiloeiro, tendo diante de si originais das mais diversas procedências e tendências da arte antiga e moderna, certamente estão presentes no seu trabalho de agora.

Porque, diferentemente de seus companheiros de profissão ligados aos períodos das décadas de 60/70, e também talvez por ser mais jovem ele escolhe deixá-la, para voltar-se de vez para a escultura.

Depois de ter visto desfilar diante de si uma boa síntese da história da arte, com sensibilidade de artista, imaginando as facilidades e as dificuldades, a um tempo, que isso pode significar para quem retoma o processo criador.

Em 1987, início desse processo, vamos ver Evandro numa abordagem ainda tímida como forma escultórica do nu masculino, com um São Sebastião e um Pescador em bronze para, na mesma exposição em que os apresenta, mostrar outro caminho – que já desenvolve com segurança – o da expressão imaginante da mulher. Menino na praça, bonita escultura em granito, mostra o escultor na ‘infância’ da retomada do seu trabalho, diante de uma cabeça de mulher colocada sobre um suporte, ladeada por uma esfera.

Prefigira ainda o seu percurso profundo pelo tema da vênus, cuja passagem se dará a seguir pelo corpo da mulher, uma série de cabeças em mármore que integram um bloco escultórico único, belamente concebidas e particularizadas através da forma do penteado, ao mesmo tempo que despersonalizadas pela ausência do rosto, significando o feminino abstrato, coletivo e único na sua essência. Esse mesmo feminino que logo se concretizará em composições exclusivas de torsos, onde seios, sexos, nádegas, serão tratados com grande liberdade, levados mesmo ao limite da abstração.

Em 88 e 89, na busca de abertura de brechas para novos meios de expressão, o artista parte para uma arqueologia de si mesmo, numa desconstrução/ construção de trabalhos antigos seus em bronze, naturalistas, sensíveis, mas realizados com um leve laivo da maneira acadêmica na representação do nu de tradição Greco-romana. Vários desses trabalhos se haviam partido acidentalmente e Evandro, na trilha dessa sugestão, os recompõe e reinterpreta como fragmentos em novas composições: Torso Reclinado, Torso Bipartido, Três Graças, Sabinas.

Essas reinvencões do seu próprio fazer, rompido e reordenado, trarão, acrescidos da frequência desses cheios do torso feminino, uma nova disciplina ao desenho, à composição e ao volume do seu próximo trabalho.

Nus Paralelos, de 1990, composição rigorosa quase abstrata com torsos, e predomínio do geométrico, da mesma maneira que Nus consequentes, Fronteira, de 1992, todos em granito, revelam as dificuldades que ele vai se colocando e transpondo, até pela escolha do ataque à matéria dura da pedra. Em outras composições geométrico-abstratizantes de 92, a sensualidade da curva se acentua, em trabalhos límpidos e lúdicos como as Japonesas e Noite e Dia.

Evandro Carneiro não foge à pedraria do caminho da criação e enfrenta e ama – na busca e nos resultados da sua expressão pela escultura – antecessores fortes como Maillol, Boccioni, Brancusi, o próprio Brecheret, pintores como Rego Monteiro e Wilfredo Lam, os mestres do nu japoneses e das grandes tradições tribais africanas.

Os aspectos arcaicos do tribal vão atraí-lo cada vez mais, nessa longa e sentida representação da arquetipia do corpo feminino. Inicia-se em 91 a sua série de composições longilíneas, de aspecto totêmico, com o predomínio de curvas torsas, e superficies tão polidas e tratadas como o artefato que cai do céu no filme 2001 de Kubrick. A serena sensualidade anterior presente em seu trabalho, sempre contida pelo limite do arquétipo, e que coexiste com o domínio da técnica, vai aos poucos se transmudando em colunas inquietantes, orgânicas, já agora quase sacralizantes, totêmicas mesmo, na sondagem de um eros/mulher abissal, hermético, primevo: o eros da fonte da vida, como se vê nas Sirenas em bronze (1992) e granito (1992), e na extraordinária Femina (1992), para arquearem-se mais ainda nas bailarinas e ameaçadoras formas de Enigma (1992).

Estamos diante de um escultor que tem a consciência da mão e a entrega ao inconsciente do instante, ativo em plena pós-modernidade, e que através do motivo aparentemente tão simples e milenar do corpo, fala do eros como um ritual de passagem que remete às origens da vida.”

Lélia Coelho Frota (Texto no catálogo da exposição individual no Museu de Arte Moderna, RJ, de 30 de novembro de 1994 a 23 de janeiro de 1995)

Fonte: Projeto Evandro Carneiro

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Esculturas do gênero feminino: o corpo da mulher é principal temática do mineiro Evandro Carneiro

Sobre seus estudos na Escola Nacional, conta Mário Margutti, em um ensaio que escreveu sobre o artista em 1994:

‘Aos 16 anos, Evandro ingressou na Escola Nacional de Belas Artes. Naquele tempo, segundo o escultor, existiam na escola duas vertentes de ensino: uma moderna, coordenada por Abelardo Zaluar, que dava maior liberdade aos alunos e privilegiava a experimentação; a outra, mais acadêmica e com preceitos mais rígidos, era capitaneada por Onofre Penteado. Como já desfrutara do saber de professors modernos do MAM, Evandro optou pela linha de Onofre, numa busca consciente de aprimoramento técnico’.

‘Onofre seguia o currículo à risca e era muito exigente no que diz respeito ao desenho, que praticávamos exaustivamente, através de croquis, modelos vivos e cópias de estátuas de gesso’, afirma Evandro.
Sua paixão pela escultura, enretanto, foi de fato incorporada em 1966, quando iniciou aulas particulares com a escultora Celita Vaccani.
Apesar de ter registrado em seu currículo dezenas de exposições individuais e coletivas, o seu talento não se restringiu somente às criações artísticas, ingressou no mercado de arte como funcionário da Galeria Relevo, no Rio, organizou leilões em Brasília, Goiânia e Recife e, em 1971, criou juntamente com José Carvalho, a Bolsa de Arte do Rio de Janeiro, tornando-se um dos maiores e mais conhecidos organizadores de leilões do país. Em 1983, iniciou suas atividades como leiloeiro.
Apesar de todo o envolvimento com leilões e organização de mostras de outros artistas, Evandro sempre produziu regularmente e vem realizando exposições anuais em importantes galerias e museus do país e do exterior. Expôs em locais como a GB Arte, Galeria Ipanema e Galeria Saramenha, no Rio de Janeiro, Galeria Skultura, em São Paulo, Galeria Arte-Actual em Santiago do Chile, Galeria Marcus Vieira, em Belo Horizinte, além do Museu Nacional de Belas Artes e do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e do Palácio do Itamaraty, em Brasília. Possui obras instaladas em espaços públicos de vários estados brasileiros e tambem foi membro do júri da 1a Bienal Internacional de Escultura, em Resistência, Argentina. Ano passado, realizou exposição individual na Galeria Marcia Barrozo do Amaral, no Rio de Janeiro.
A presença da figura feminina é bastante marcante na obra de Evandro e, nessa mostra, ela aparece fragmentada, tratada de forma estilizada, mas sempre mantendo a coerência e o refinamento que acompanha o trabalho do artista desde o início.
O crítico Fredrico Morais chama a atenção para a sensualidade das obras criadas pelo artista no texto que escreveu para a apresentação do livro Criaturas, no qual estão reunidos poemas de Jorge de Lima e esculturas de Evandro Carneiro, lançado pela Soraia Cals Editora, em 2001. A exposição, intitulada Universo Feminino, fica aberta ao público até 7 de dezembro e pode ser visitada de segunda à sexta, das 9h às 19h e sábado, das 9h às 13h.”

Justino Miranda (Matéria no Correio da Bahia / Folha da Bahia, 13 de novembro de 2007, Caderno de Cultura, seção Artes Plásticas, texto sobre a exposição individual na Galeria Paulo Darzé, 13 de novembro a 07 de dezembro de 2007)

Fonte: Projeto Evandro Carneiro

Crédito fotográfico: Youtube @RevitalizaRio

Arremate Arte
Feito com no Rio de Janeiro

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Prepare-se para a melhor experiência em leilões, estamos chegando! 🎉 Por conta da pandemia que estamos enfrentando (Covid-19), optamos por adiar o lançamento oficial para 2023, mas, não resistimos e já liberamos uma prévia! Qualquer dúvida ou sugestão, fale conosco em ola@arrematearte.com.br, seu feedback é muito importante. Caso queira receber nossas novidades, registre-se abaixo. Obrigado e bons lances! ✌️